Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que sonha nossa vã filosofia (William Shakespeare, Hamlet, Ato 1, Cena 5).
Ato 1 – Preparando a cena
O que nós sabemos como terapeutas e analistas? Que conhecimentos adquirimos durante a nossa formação? Em que consiste o nosso conhecimento? Como Fausto labutando em seu estúdio, fazemos uma corajosa tentativa de absorver o vasto terreno das Obras Completas e Memórias, Sonhos, Reflexões de Jung; alternadamente cativado, admirado, intimidado ou oprimido. Uma progressão de outros autores se apresenta quando nos voltamos para von Franz para compreender a estrutura dramática dos sonhos e contos de fadas, Hillman para mergulhar nas sutilezas da alma e da imagem, ou Fordham para obter insights sobre o processo de deintegração-integração pelo qual uma criança descobre seu próprio self pré-existente. Nossas estantes gradualmente começam a se curvar sob a tensão à medida que mais e mais autores se tornam essenciais para nossa jornada – Neumann, Kast, Edinger, Dieckmann, Kalsched, Lopez-Pedraza, Giegerich e assim por diante.
Ao longo do caminho, adquirimos conhecimento de várias teorias, técnicas, padrões arquetípicos, psicopatologia e desenvolvimento psicológico. Além de nossos livros e seminários, há também nossa supervisão de casos clínicos e análise pessoal. Em suma, o treinamento analítico junguiano é um empreendimento bastante vasto, não importa onde o candidato comece a jornada. Esses campos de aprendizagem são importantes, úteis e necessários para a condução do processo analítico.
Talvez devêssemos reservar um pequeno grau de dúvida sobre a integralidade de nosso treinamento. Immanuel Kant (2008, p. 50) disse: “Pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem conceitos são cegas”. Seguindo linhas semelhantes, Jung disse: “As teorias em psicologia são o próprio diabo. É verdade que precisamos de certos pontos de vista por seu valor orientador e heurístico: mas devem sempre ser considerados como meros conceitos auxiliares que podem ser deixados de lado a qualquer momento” (1938, p. 7). Da mesma forma, observou Wilfred Bion, quando confrontado com a incerteza sobre um paciente, o terapeuta comum recorrerá à teoria para orientá-lo; uma armadilha contra a qual Bion alertou (AGUAYO, MALIN, 2013).
Portanto, podemos nos perguntar a respeito do que guia nosso uso do conhecimento adquirido e para quais aspectos da experiência podemos ser atraídos que não possuam designações familiares como complexo ou arquétipo? Podemos confiar na teoria dos tipos psicológicos de Jung e defender a utilização de nossas funções intuitivas e sensoriais. Ou podemos dizer que a atração, a curiosidade e o desconhecido são encontrados inicialmente por meio da função inferior. No entanto, talvez isso também se apoie demais em placas de sinalização familiares que obstruem nossa visão do que está além. Confiamos na declaração de Blake (1976) em O Casamento do Céu e do Inferno, “Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria para o homem como é, infinito?” (p. 57)
Freud afirmou que “cada um possui em seu próprio inconsciente um instrumento com o qual pode interpretar os enunciados do inconsciente em outras pessoas” (1912a, p. 320). No entanto, Freud não ofereceu instruções aos analistas sobre o uso de seu inconsciente como um instrumento analítico, apenas indicando que o analista “deve posicionar seu próprio inconsciente como um órgão receptivo diante do inconsciente transmissor do paciente. Ele deve ajustar-se ao paciente como um receptor de telefone é ajustado ao microfone transmissor” (1912b, pp. 115-116).
Talvez o filósofo espanhol José Ortega y Gasset (citado em BLY, 1975) ofereça um ponto de partida quando afirma: “Tantas coisas deixam de nos interessar, simplesmente porque não encontram em nós superfícies suficientes para viver, e o que temos a fazer é aumentar o número de superfícies planas em nossa mente, de modo que um número muito maior de temas possa encontrar lugar ao mesmo tempo”.
Comove-me profundamente a forma como Muriel Dimen (2013, p. 61) resume o esforço analítico: “A sessão psicanalítica é uma chance de dizer o indizível e pensar o impensável. Imaginar o que ainda não existe”. É esta última frase, “imaginar o que ainda não existe”, que fala tão profundamente ao cerne deste artigo – imaginar o que ainda não existe, imaginar o que ainda não existe em nossa consciência, imaginar o que ainda não emergiu no mundo experiencial do analisando.
Poderia haver algo vital faltando na formação de um analista – um pilar de conhecimento que apoie a jornada na direção dos encontros mais profundos com a alma humana? Na minha experiência, as jornadas mais profundas e transformadoras da análise sempre envolveram encontros com o efêmero. Boa facilidade com a técnica analítica, com a teoria e os temas arquetípicos é essencial para facilitar a experiência transformadora durante a análise, mas, em outro nível, são meros servidores que auxiliam na preparação da cena para o surgimento e envolvimento com o efêmero.
Ato 2 – O efêmero
O efêmero pode ser definido como algo que dura apenas um curto período, é transitório, evasivo ou difícil de capturar e manter. O efêmero não aparece acompanhado de fanfarra de trompete nem resplandecendo com cores ousadas e iridescentes. Não é prontamente identificado como pertencente à comunidade de complexos ou arquétipos. O efêmero é vislumbrado com o canto do olho, muitas vezes escondido atrás de algum véu psíquico, ou guardado em alguma fenda esquecida da memória com apenas um pequeno fio ainda visível. Na sessão analítica, aparece sutilmente em mil disfarces diferentes – muitas vezes despercebidos pelo analista ou analisando – sensações vagas, gestos quase imperceptíveis, texturas de sessões, distorções do tempo, arrepios, códigos ocultos contrabandeados entre detalhes mundanos, ou um aperto no estômago. Os corpos efêmeros no peso quase imperceptível dos ombros quando o analisando se levanta de seu assento na sala de espera, no suspiro escapando de lábios entreabertos que sugere algum conflito aparentemente insolúvel e não revelado, no súbito rubor iluminando a pele pálida de uma mulher que ainda não sabe que está sofrendo a perda de uma mãe que nunca sentiu ter tido, ou no vislumbre de intimidade que se move, como mercúrio, dentro e fora dos olhos do analisando que experimenta eros como uma proposição profundamente desejada, mas perigosa. É impossível prever quando ou de que forma o efêmero virá – o efêmero é um morfo-mutável, uma aparição, uma sombra na parede.
Não sou o primeiro a nomear o efêmero. Jung provavelmente classificaria o efêmero como um fenômeno psicoide. Vários autores analíticos e místicos ofereceram outros nomes para a experiência efêmera: o estranho, o conhecido impensado, a experiência não formulada, os elementos β, os estados não representados, os momentos de encontro, a nuvem do desconhecido ou a via negativa. No momento, prefiro “o efêmero”.
O efêmero entrou na sala com uma paciente que aparentemente iniciou uma terapia para lidar com o luto após a morte de sua mãe. Ela foi acompanhada por uma ligeira, mas recorrente vibração de suas pálpebras cada vez que a menção de seu pai passava por seus lábios. Perguntei se ela mesma havia notado isso, mas ela não tinha e não ofereceu nenhuma associação ao bater de suas pálpebras. Vários meses se passaram e ela viajou para visitar seu pai em sua casa pela primeira vez desde a morte de sua mãe. Na primeira noite de sua visita, ela foi tomada por uma forte ansiedade, sentiu-se insegura e dormiu mal com a porta de seu quarto trancada. Uma longa história de abuso por parte de seu pai surgiu nos anos seguintes – trauma que exigiu vários anos para digerir, integrar e transformar, e, no entanto, foi prenunciado por uma leve vibração de suas pálpebras meses antes de as memórias começarem a vir à tona.
Às vezes, o efêmero permanece envolto em outra roupagem. Por exemplo, outro paciente se empoleirava na beirada do meu sofá – inclinado para frente – cotovelos sobre os joelhos – o corpo em tensão rígida. Ele não parecia notar a tensão em sua postura ou não se incomodava com isso. No entanto, eu me vi experimentando uma tensão física significativa enquanto estava sentado com esse analisando. Adotei uma postura semelhante na tentativa de me aprofundar em sua experiência somática. Perguntei-lhe se ele havia notado como estava sentado. Ele disse que estava ciente disso. Continuei com a indagação: “Você tem alguma ideia se há um propósito em se sentar desta maneira?”. Sem pausa, ele disse: “Tenho essas formas geométricas dentro de mim e tenho que sentar dessa maneira para mantê-las devidamente alinhadas. Se não as mantenho alinhadas, há atrito e não consigo funcionar”. O efêmero, nesse caso, não estava na qualidade transitória do fenômeno, o efêmero refletia-se na facilidade com que teria sido ignorar ou interpretar mal a postura rígida do analisando. Oferecer um convite ao efêmero quando faz sua aparição, muitas vezes nos permite avançar para uma compreensão mais completa da experiência.
Wilfred Bion, talvez mais do que qualquer outro psicanalista, possuía uma profunda compreensão da natureza reticente do efêmero, que ele tornou central para sua abordagem analítica. Essa compreensão se reflete na preferência de Bion por uma observação feita por Freud sobre a escuridão e a luz: “Ao conduzir uma análise, deve-se lançar um feixe de escuridão intensa para que algo que até então tenha sido obscurecido pelo brilho da iluminação possa brilhar ainda mais na escuridão” (Bion, citado em GROTSTEIN, 2007, p. 1).
Ato 3 Bordas
Assim como a velha bruxa e o xamã costumam habitar os limites de suas aldeias, e como as fadas e as pequenas pessoas só são encontradas nas florestas, o efêmero não marcha com ousadia no centro da praça da cidade, nem no centro da experiência analítica. Não reside nas regiões que prontamente identificamos como pertencentes ao complexo materno, ao complexo paterno, ao complexo infantil ou ao ego. Habita as regiões ao redor das bordas de nossa experiência, lugares para onde nosso olhar não é facilmente atraído. É mais provável que o efêmero seja encontrado habitando em meio às névoas, sombras, fendas e remansos que existem nos limites de nossa consciência.
Bion (1994) disse que a aprendizagem acontece no limite entre saber e não saber. As bordas são espaços liminares que demarcam a nebulosa incerteza da existência entre o conhecido e o desconhecido, o meio e o intermeio. As bordas são lugares de revelação no movimento de um estado para outro. O Bardo no budismo tibetano existe na borda limiar entre o apego e a libertação. Da mesma forma, podemos falar de “estar à beira de um abismo” para transmitir a liminaridade do espaço entre a vida e a morte.
Naturalmente, todos nós já tivemos inúmeras experiências de estar “no limite” ao longo de nossas vidas. Para mim, um encontro memorável com as bordas foi a descoberta de um poema de Antonio Machado (1982, p. 93):
Meu coração foi dormir?
Será que as colmeias dos meus sonhos
pararam de funcionar, e a roda d’agua
da mente secou,
e baldes ficaram vazios,
com apenas sombra dentro?
Não, meu coração não está adormecido.
Está acordado, bem acordado.
Nem dormindo, nem sonhando –
seus olhos estão bem abertos
observando sinais distantes, escutando
na borda de um vasto silêncio.
Foi o último verso deste poema “escutando na borda de um vasto silêncio” que falou tão profundamente para mim. O que significa escutar na borda de um vasto silêncio? Como pode o silêncio ter um limite – uma borda? Como pode o silêncio ocupar um vasto espaço geográfico? O verso desafia a lógica racional, mas de alguma forma transmite, através do paradoxo metafórico, uma experiência além de nossa orientação sensorial-perceptiva comum. Assim como os sonhos, este poema nos leva a uma “borda” de compreensão experiencial que está bastante distante da consciência comum.
Ato 4 – Sussurrando
Consideremos um momento, duas questões: quando sussurramos e por que sussurramos? Sussurramos em museus de arte, na vastidão da natureza e quando estamos nos braços do ser amado e as luzes estão fracas. Sussurramos em bibliotecas, em salas de concerto, em santuários e em cemitérios. Sussurramos na presença do numinoso, durante experiências de graça, quando estamos maravilhados e como uma expressão de reverência.
Como sugere o título deste artigo, muitas vezes nos sentimos compelidos a sussurrar quando o efêmero aparece em cena. No decorrer da sessão analítica, podemos não sussurrar literalmente, mas o tom do sentimento que motiva o ato de sussurrar é sentido nas palavras que proferimos ou no silêncio que mantemos.
Edwin Ford Piper (1912-1922), em seu poema Whispering Often (1917, par. 1) ilustra a necessidade de sussurrar como um reconhecimento da natureza e de Eros:
Quando a luz do sol se casa com os galhos
ondulantes,
Com danças sombrias, o rito é dito –
Ao cantarolar dos ventos tranquilos e das
águas,
Sussurrando frequentemente, “eu te amo,
eu te amo”.
Agora em lírios casados os sucos borbulham,
E as seivas fazem música sobre o coração.
De flor em flor a primavera anseia
Pela Páscoa do amor, sacramento do
amor,
A paixão da terra e a paixão do céu;
Sussurrando frequentemente, “eu te amo,
eu te amo”.
Ato 5 – Captando o efêmero
Captar o efêmero não é algo que pode ser planejado, mas podemos nos preparar para sermos receptivos quando o efêmero entrar na sala. Isso envolve ir além do conhecido e familiar para tocar algo que paira no limite de nossas capacidades sensoriais. Theodor Reik (1948) referiu-se a isso como “ouvir com o terceiro ouvido”. Outros se referem a isso como sintonia somática ou imersão empática. Não é uma técnica ativa, mas sim uma forma de receptividade. Bion (1983) indica que a capacidade do analista para a “aptidão negativa” é a característica que determina mais diretamente a habilidade de captar o efêmero. Ele extrai o termo aptidão negativa de uma carta escrita pelo poeta John Keats (1899) a seus irmãos em 1817: “Aptidão Negativa, isto é, quando um homem é capaz de estar em incertezas, mistérios, dúvidas, sem qualquer busca irritável por fatos e razões” (p. 277).
Ao nos movermos para captar o efêmero, não estamos nos movendo em direção aos elementos universais da experiência, aos quais nos referimos como arquétipos, nem estamos nos movendo em direção ao elemento especificamente pessoal da experiência. Em vez disso, estamos tentando nos conectar com o espírito que se move entre eles, unindo os dois extremos que criam um continuum de experiência.
Ler poesia tem sido meu maior recurso para cultivar a capacidade de captar o efêmero. Os poetas viajam diariamente pelos reinos do efêmero, metafórico e imaginal. De um ponto de vista oblíquo, o poeta infere, implica e aponta para algo além de nossa perspectiva habitual. Ao fazê-lo, aproxima o efêmero da nossa consciência, afastando suavemente o efêmero das brumas, sem o sujeitar a um olhar demasiado intenso. Tal atitude é transmitida neste trecho do poema A Morning Offering de John O’Donohue:
Que minha mente ganhe vida hoje
Para a geografia invisível
Que me convida a novas fronteiras,
Para quebrar a casca morta de ontem,
Correr o risco de ser perturbado e mudado
(2008, p. 9).
Robert Bly (1975) escreve que a grande poesia tem em seu centro um longo salto flutuante que invoca o risco e se move para a experiência:
Um poeta que está “saltando” dá um pulo de um objeto embebido em substância inconsciente para um objeto, ou ideia, embebido em substância psíquica consciente... algum arco de associação que corresponde à vida interior dos objetos; para que qualquer pessoa sensível à vida interior dos objetos possa viajar com ele. As conexões não são privadas, mas de alguma forma vinculadas por natureza (p. 4).
Tal salto é captado por Annie Reiner (2017) em seu poema Who is the Dreamer?:
Nós somos os sonhos de nossos ancestrais
ainda não sonhados,
nós somos respostas para uma pergunta
que ninguém perguntou.
Esperamos pacientemente ser criados,
em espaços vazios esperamos
na noite
até que uma luz ofuscante se expanda
na velocidade do acaso
para fazer a pergunta
para a qual somos
involuntariamente a resposta (frontispício).
Só podemos nos preparar para reconhecer e captar o efêmero quando ele chegar, como a parábola bíblica das Dez Virgens (Mateus 25, p. 1-13) que são encorajadas a antecipar a chegada do noivo mantendo suas lamparinas cheias e prontas para iluminar o caminho deste quando ele chegar. Podemos nos preparar para receber o efêmero aprofundando nossa receptividade.
Outra via de engajamento é cultivar nossa capacidade de devanear. Devanear é se abrir para o próprio fluxo interno de consciência durante a sessão analítica – para ideias, pensamentos, sentimentos, sensações, memórias, imagens, impulsos e fantasias. O fluxo sutil de pensamentos, afetos e sensações conscientes e pré-conscientes associado ao devaneio é em si efêmero e ambíguo; aparecendo na periferia da experiência e muitas vezes iludindo nossos esforços para manter ou moldar essas impressões fugazes. Inclui uma sensibilidade para a potencialidade emergente do “terceiro analítico”, isto é, a criação mutuamente constelada, mas indeterminada, da díade analítica que compreende ‘algo mais’ do que as contribuições individuais combinadas dos parceiros analíticos. O alcance potencial do devaneio se estende do ordinário ao transcendente.
O filósofo francês Raphael Enthoven (2011) oferece um belo retrato do devaneio:
Filho da consciência e do sono, o devaneio mistura seus reinos. Como a embriaguez, o devaneio é uma lucidez sem objeto, uma atividade, mas passiva, uma busca que começa desistindo e se deixa deslumbrar mais do que olhar. Permanece, felizmente, em algum lugar entre a imaginação e a capacidade de colocá-la em prática... O devaneio é a contemplação de dentro, deixando a pessoa que se entrega a ele sentir a mudança.
Nascido do desejo – e não da necessidade – de estar diretamente envolvido com o que nos cerca, o devaneio despoja o mundo de sua utilidade. Toma emprestado o poder de narração da vigília e o poder de adivinhação do sono e os mantém competindo para suspender a alternância do dia e da noite. O devaneio é como se chega ao imediato.
Entre a doçura de ser e a dor de pensar, entre o sono opaco a si mesmo e a cegueira de quem não vê as estrelas por causa da luz do dia, está o talento de vislumbrar o que nos escapa, o equivalente à aurora que ameaça a cada instante evaporar em sonho ou condensar em saber, mas que nesse intervalo... substitui algo impenetrável por algo imaterial e revela os fundamentos imaginários da realidade. O devaneio nunca descansa.
Ato 6 – Domínios mais além
Você talvez esteja se perguntando, onde toda essa reflexão sobre o efêmero nos leva? Sinceramente, não sei e espero não ter a sensação de saber. Embora a psique certamente tenha padrões recorrentes pelos quais se expressa, ela também permanece, felizmente, um mistério. O fenômeno efêmero, quando registrado e captado, está sempre nos revelando e nos levando a algum lugar, mas esse “algum lugar” está em constante fluxo e é único para cada indivíduo. James Grotstein (2009) oferece a frase “mas ao mesmo tempo e em outro nível” como o título de um livro de dois volumes para destacar os múltiplos níveis de experiência psíquica ocorrendo simultaneamente em qualquer momento. A emergência do efêmero muitas vezes sinaliza a existência de um desses outros níveis e serve como um canal entre os níveis de experiência, sejam eles conscientes, inconscientes ou implícitos. A dialética interior dos níveis experienciais é revelada no seguinte poema de W.S. Merwin (2009) intitulado, One of the Butterflies:
O problema com o prazer é o timing
pode me ultrapassar sem avisar
e ir embora antes que eu saiba que está
aqui
pode ficar de frente para mim sem ser
reconhecido
enquanto estou me lembrando de outro
lugar
em outra era ou de alguém não visto
durante anos e nunca mais será visto
neste mundo e parece que eu aprecio
só agora uma alegria que desconhecia
quando estava aqui, embora permaneça
fora de alcance e não será capturada
ou nomeada
ou chamada de volta e se eu pudesse
fazê-la ficar
como eu quero se transformaria em dor
(p. 91).
Em última análise, para tomar emprestada uma frase de Bion (1994), o efêmero facilita o “aprender com a experiência’ (p. 12). Aprender com a experiência é a capacidade de fazer conexões entre elementos da experiência – como pensamentos, sentimentos, sensações corporais ou impressões sensoriais – permitindo que esses elementos sejam digeridos, integrados e imaginados pela psique para que se tornem parte do tecido de quem somos. O poeta inglês Samuel Rogers (1792) faz alusão a esse tipo de aprendizado e despertar: “Embalados nas incontáveis câmaras do cérebro, nossos pensamentos estão conectados por muitas cadeias ocultas; acorde apenas um, e pronto, quantas miríades se levantam!” (1792, p. 21).
Talvez o desenvolvimento dessa capacidade de reconhecer, captar e partejar o efêmero não pertença à formação inicial do analista. Talvez essa capacidade seja a última a se desenvolver, depois de anos ou décadas de prática clínica e de vida. Talvez seja essa a trajetória da maioria dos analistas que têm uma carreira suficientemente longa; o movimento gradual em direção à nuance, em direção ao aumento da tolerância à complexidade, o desenvolvimento da última função analítica. Minha esperança é que tantas reflexões sobre o efêmero tenham deixado vocês com dúvidas suficientes sobre o tema para que haja o espaço adequado de se moverem em direção aos seus próprios pensamentos.
Deixo vocês com uma reflexão final de T.S. Eliot (1963) – um trecho de seu poema East Coker:
Eu disse à minh’alma, fica tranquila, e espera sem esperança, pois a esperança seria esperar pelo equívoco; espera sem amor, pois o amor seria amar o equívoco; contudo ainda há fé, mas a fé, o amor e a esperança permanecem todos à espera. Espera sem pensar, pois que pronta não estás para pensar: Assim a treva em luz se tornará, e em dança há de o repouso se tornar (p. 186).