Introdução
A prestação de consulta psicológica de forma on-line é uma prática exercida em diversos países (Békés & Doorn, 2020; Caspar, 2017; Cipolletta & Mocellin, 2018; Machado et al., 2020; Rodríguez Ceberio et al., 2021; Schmidt et al., 2020; Tullio et al., 2020). Tal prática emergiu da progressiva disseminação das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e, nos últimos anos, foi alavancada pela migração de atendimentos presenciais para on-line, em razão do distanciamento social imposto pela Covid-19. Mesmo que as investigações ainda sejam incipientes, há indícios da efetividade da psicoterapia on-line para diversas condições psicológicas (Barak et al., 2008; Feijó et al., 2018; Rees & Maclaine, 2015; Varker et al., 2019); no entanto, o Brasil está na retaguarda dessas pesquisas (Feijó et al., 2018).
Em 2018, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) regulamentou a prestação de serviços psicoterápicos por meio das TICs. Além da aplicação de psicoterapia a distância, estão previstas nessa regulamentação a avaliação psicológica, a seleção de pessoal e a supervisão on-line realizada por profissionais com cadastro regular nos Conselhos Regionais de Psicologia (CFP, 2018). A aprovação desses serviços amplia a prática profissional dos psicólogos. Entretanto, para que haja excelência nessa modalidade, deve haver pesquisas com evidências empíricas sobre seus processos e resultados.
Em termos de resultados, as revisões sistemáticas e meta-análises internacionais têm demonstrado que tratamentos psicoterápicos à distância podem promover bons desfechos, comparáveis aos encontrados na modalidade face a face (Barak et al., 2008; Machado et al., 2016; Varker et al., 2019). Uma revisão sistemática concluiu que há evidências suficientes da efetividade das intervenções por videoconferência e por telefone para distintas condições de saúde mental, como depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático e transtornos de ajustamento (Varker et al., 2019). Outra revisão sistemática e meta-análise, que incluiu 92 estudos com 9.764 pacientes, encontrou um tamanho de efeito médio de 0,53. O estudo avaliou também o tamanho de efeito dos tratamentos on-line para diferentes condições clínicas, salientando maiores efeitos para transtornos de estresse pós-traumático (θk=0,88) e transtornos de ansiedade e pânico (θk=0,80), e menores para transtornos alimentares (θk=0,45), depressão (θk=0,32), dor crônica (θk=0,27) e obesidade (θk=0,17) (Barak et al., 2008).
De modo geral, os resultados das psicoterapias on-line são promissores para pessoas com transtornos de ansiedade (Barak et al., 2008; Rees & Maclaine, 2015). Destaca-se, contudo, que os estudos revisados são quase exclusivamente da abordagem Cognitivo Comportamental ou em Psicoeducação on-line. Não se sabe, portanto, a efetividade de outras abordagens síncronas com esses pacientes. Especificamente com relação à abordagem psicodinâmica, a lacuna de estudos tem sido notada (Feijó et al., 2018; Siqueira & Russo, 2018), o que sugere a necessidade de investimento de pesquisadores para o exame dos resultados desse enfoque no contexto à distância.
No Brasil, a psicoterapia psicodinâmica é a escolha teórica da maioria dos psicólogos (Bastos et al., 2010); entretanto, essa abordagem utilizada no contexto à distância é a que menos apresenta estudos empíricos para a prática clínica on-line (Rees & Maclaine, 2015; Siqueira & Russo, 2018). Os motivos seriam que, para muitos profissionais, essa prática ainda é questionada, em razão de seu real benefício para o paciente (Kotsopoulou et al., 2015) e das possíveis adaptações da técnica, que poderiam transgredir a formulação do tratamento (Ehrlich, 2019; Russell, 2015).
Na literatura científica, já é reconhecida a evidência de efetividade geral do tratamento psicodinâmico presencial, inclusive para pacientes com ansiedade (Abbass et al., 2014; Leichsenring & Rabung, 2008). As evidências sobre a efetividade de tratamentos psicodinâmicos on-line, por outro lado, embora escassas, são promissoras, como atesta uma meta-análise recente (Lindegaard et al., 2020). No Brasil, o trabalho de Pieta (2014) com pacientes em diferentes condições clínicas em tratamento psicoterápico psicanalítico on-line indica também resultados satisfatórios. Com base nesses estudos, pode-se presumir que a modalidade de psicoterapia psicodinâmica à distância pode ser indicada como um tipo de tratamento alternativo viável.
Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo descrever a trajetória de mudança dos sintomas de ansiedade e estimar o índice de mudança clinicamente significativa e confiável no sofrimento psicológico geral e nas dimensões bem-estar, funcionamento social e pessoal, queixas e sintomas psicológicos e comportamento de risco de adultos. Este estudo analisou as mudanças ocorridas ao longo da psicoterapia psicodinâmica on-line, em 24 sessões, com pacientes com sintomas de ansiedade, no período de seguimento e após três meses de sua finalização.
Método
Delineamento
Trata-se de uma pesquisa naturalística e longitudinal, de estudo sistemático de seis casos. Esse tipo de estudo se caracteriza por ser intensivo, longitudinal e idiográfico, com procedimentos sistemáticos e rigorosos de controle de vieses (Edwards, 2007; Marin et al., 2021; Serralta et al., 2011).
Participantes
Participaram seis díades terapeuta-paciente, com seis pacientes do sexo feminino e três psicólogas/psicoterapeutas com treinamento em psicoterapia on-line e formação em psicoterapia psicanalítica, com predominância teórica na escola relacional da psicanálise. Cada psicoterapeuta atendeu duas pacientes com queixa inicial de ansiedade. Os participantes foram escolhidos por conveniência (Creswell, 2010). As terapeutas pesquisadoras eram parceiras do grupo de pesquisa. A Tabela 1 apresenta as idades e dados profissionais das psicoterapeutas.
Tabela 1 — Idade e experiência das psicoterapeutas
Nome | Idade | Tempo de experiência clínica | Tempo de formação em psicoterapia psicanalítica |
---|---|---|---|
Elena | 30 anos | 4 anos | 1 ano |
Catarina | 40 anos | 17 anos | 10 anos |
Sara | 60 anos | 25 anos | 10 anos |
Nota: Os nomes das participantes são fictícios.
As pacientes foram selecionadas por meio de divulgação on-line da pesquisa. Os critérios de inclusão foram salientar queixa circunscrita aos sintomas de ansiedade, sintomatologia ansiosa em nível moderado em instrumentos de rastreio para transtornos de ansiedade e ausência de sintomas psicóticos. Informações sobre idade, queixa e sintomas circunscritos ao autorrelato para início do tratamento constam na Tabela 2. Todas as pacientes são de raça/cor de pele branca, moradoras do sul do Brasil, cinco delas em união estável e uma solteira, quatro com ensino superior completo e duas cursando graduação no momento da intervenção. Consideravam-se usuárias avançadas de internet, utilizando a rede e seus aplicativos quase todos os dias. Destaca-se que nenhuma paciente fazia uso de medicação psiquiátrica durante o tratamento.
Tabela 2 — Idade e informações clínicas sobre as pacientes
Nome | Idade (anos) | Queixas e sintomas no início do tratamento | Nível de ansiedade |
---|---|---|---|
Alessandra | 28 | Conflito familiar e ansiedade no tocante à conclusão dos estudos de pós-graduação | Moderada |
Daiana | 37 | Ansiedade frente ao cuidado, segurança e saúde dos filhos após perda gestacional | Moderada |
Paula | 32 | Ansiedade social | Severa |
Renata | 22 | Ansiedade generalizada | Moderada |
Taila | 25 | Ansiedade generalizada | Severa |
Valéria | 32 | Desemprego e ansiedade no tocante à conclusão dos estudos de pós-graduação | Moderada |
Notas: Os nomes das participantes são fictícios.
O nível de ansiedade foi obtido mediante o escore total da GAD-7.
Psicoterapia
Os tratamentos foram realizados integralmente por videoconferência e tinham orientação psicodinâmica, na perspectiva relacional. A psicoterapia psicodinâmica tipicamente apresenta como características a exploração de aspectos inconscientes e/ou evitados, a expressão de afetos e emoções, a identificação de temas e padrões recorrentes nas relações interpessoais e no relacionamento terapêutico, a discussão de experiências anteriores (ao longo do desenvolvimento), e a vida em fantasia (Shedler, 2010). No âmbito da teorização psicanalítica, o relacional designa não uma “escola de pensamento” e sim um novo paradigma (em relação ao modelo pulsional) que adota a perspectiva de uma “psicologia de duas pessoas”. Nessa perspectiva, as relações (quer internalizadas, quer externas ao self) são consideradas centrais ao desenvolvimento normal e patológico, assim como ao processo terapêutico (Malone, 2018).
A duração foi predefinida em 24 sessões. Foi utilizada a plataforma de atendimento em saúde mental da empresa Vittude para a constituição do consultório virtual. Esta é uma plataforma de empresa privada que conecta psicoterapeutas a pacientes que buscam psicoterapia síncrona por videoconferência. Para intervenções de curta duração, é indicado o estabelecimento de foco para o tratamento (Yoshida & Enéas, 2013), que é definido por cada dupla nas sessões iniciais e são circunscritos aos conflitos supostamente subjacentes ou relacionados aos sintomas de ansiedade.
Instrumentos
Para a avaliação das pacientes foi solicitado, inicialmente, o preenchimento de uma ficha de dados sociodemográficos. Trata-se de um instrumento elaborado pelos autores para coleta de dados relacionados à idade, gênero, cor da pele, estado civil, escolaridade, situação ocupacional, contato pessoal, região geográfica de moradia e usabilidade das tecnologias de informação e comunicação. Em seguida, foram aplicados os seguintes instrumentos:
Generalized Anxiety Disorder (GAD-7). O GAD-7 foi publicado em 2006 (Spitzer et al., 2006) e teve seus parâmetros psicométricos avaliados no Brasil (Moreno et al., 2016), onde é denominado Questionário de Transtorno de Ansiedade Generalizada. É um instrumento de autorrelato, com sete itens, sensível ao Transtorno de Ansiedade Generalizada, como também aos Transtornos de Pânico, de Ansiedade Social e de Estresse Pós-traumático (Spitzer et al., 2006). No Brasil, a escala demonstrou uma boa fidedignidade, com coeficiente alfa de α=0,916 e confiabilidade composta rho de ρ=0,909. O ponto de corte para a população feminina é de 9,69. Neste estudo, foi adotado para a seleção dos participantes o critério de pontuação mínima de 10 pontos para inclusão, o que equivale a ansiedade em nível moderado (Spitzer et al., 2006).
Escala Breve de Avaliação Psiquiátrica – Versão ancorada (BPRS-Ancorada). A BPRS-Ancorada é uma escala para avaliação da gravidade de sintomas que ocorrem nas psicoses. Cada item da escala é precedido por uma explicação do conceito a ser avaliado, seguido pela descrição de aspectos que devem ou não ser valorizados na pontuação. A escala se divide em dois tipos: subjetiva (a partir do relato do paciente) e objetiva (a partir da observação do entrevistador). A pontuação final é a soma dos valores das pontuações dos itens, podendo variar entre 0 e 108. A confiabilidade da BPRS-Ancorada é assegurada para alterações do pensamento (coeficiente de correlação intraclasse CCI=0,85), hostilidade e desconfiança (CCI=0,87) ou ansiedade e depressão (CCI=0,91) e retraimento afetivo ou retardo motor (CCI=0,62) (Elkis et al., 2016). Neste estudo, a BPRS-Ancorada foi utilizada para exclusão de pacientes com sintomatologia psicótica.
Clinical Outcome in Routine Evaluation – Outcome Measure (CORE-OM). O CORE-OM é um instrumento de autorrelato que busca medir o sofrimento psicológico geral, nos últimos sete dias, assim como avaliar o tratamento psicológico. O instrumento se compõe de 34 itens, divididos em quatro domínios: bem-estar subjetivo; queixas e sintomas somáticos; funcionamento social e pessoal; e comportamento de risco. Resultados altos nas subescalas indicam maior disfunção. O CORE-OM é uma medida de desfecho em saúde mental, amplamente utilizado para avaliar a efetividade de psicoterapias. A adaptação transcultural para o português do Brasil seguiu as diretrizes do CORE System Trust para traduções dos instrumentos do grupo. A versão adaptada foi preliminarmente avaliada em 44 pacientes sob psicoterapia num ambulatório de trauma de Porto Alegre, tendo sido constatada uma consistência interna adequada, com confiabilidade de α=0,90 (Santana et al., 2015). Mais recentemente, numa amostra com 407 trabalhadores universitários, foi identificado um coeficiente alfa de 0,95, com intervalo de confiança entre 0,94 e 0,95 (Serralta et al., 2020).
Também foram utilizadas como medidas as anotações clínicas, ou seja, os registros sistemáticos das terapeutas sobre o funcionamento de cada paciente e sobre o desenvolvimento da psicoterapia. Levou-se em conta o conteúdo de cada sessão e os eventos vitais e/ou situacionais ocorridos ao longo do tratamento para composição da avaliação do progresso e resultado dos tratamentos.
Procedimento de coleta de dados
Para seleção das psicoterapeutas, o primeiro autor utilizou sua rede de contatos de profissionais em psicologia. Após explanar a pesquisa e fazer o convite para que compusessem a equipe de atendimento, três psicoterapeutas se voluntariaram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Antes das intervenções, as psicoterapeutas receberam treinamento com os pesquisadores responsáveis pelo projeto (o doutorando e sua orientadora). O treinamento durou 10 horas e versou sobre procedimentos éticos e técnicos sobre o uso das TICs que sustentam o projeto de pesquisa, incluindo os procedimentos para cadastro na plataforma E-Psi do CFP e funcionamento da plataforma Vittude, formulação do contrato terapêutico, foco do atendimento e, por fim, as etapas da psicoterapia psicodinâmica à distância. Além disso, as terapeutas tinham disponível supervisão semanal com os pesquisadores, caso necessitassem. Esse procedimento foi adotado em razão da mudança na legislação sobre atendimentos on-line no Brasil e para familiarizar as profissionais com a prática à distância.
Em relação aos pacientes, uma divulgação do estudo com link de acesso ao formulário on-line foi realizada nas redes sociais. Houve 139 pessoas que preencheram o formulário, das quais 95 foram excluídas por não apresentarem queixas de sintomas de ansiedade ou por pontuarem menos de 10 pontos no GAD-7, ponto de corte utilizado para ansiedade moderada no estudo. Todos os interessados não selecionados foram contatados pelo primeiro autor e encaminhados para serviços de saúde mental que oferecem atendimento social.
Foram inicialmente elegíveis 42 indivíduos, todos contatados por telefone e convidados a participarem da pesquisa, dos quais cinco recusaram. Os demais (n=37) realizaram consulta síncrona de triagem com o primeiro autor, que contemplou a avaliação para a psicoterapia on-line, a queixa sintomatológica central e a presença ou ausência de sintomas psicóticos, conforme a Escala Breve de Avaliação Psiquiátrica (Elkis et al., 2016). Destes, 30 foram encaminhados aos serviços de saúde mental presenciais, por conta de comorbidade psiquiátrica grave, como risco de transtorno de personalidade, situação de vulnerabilidade, dentre outros.
Finalmente, sete pacientes preencheram todos os critérios e foram selecionados para a pesquisa. Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foram encaminhados aos tratamentos psicoterápicos, tendo a maior coincidência de disponibilidade de horários como critério de distribuição. Uma paciente desistiu após a primeira sessão, em razão da incompatibilidade de horários com sua psicoterapeuta.
Os seis tratamentos efetuados foram realizados semanalmente. No final de cada sessão, a paciente, com o auxílio da terapeuta, respondia às escalas para monitoramento dos sintomas de ansiedade (GAD-7) e de sofrimento psicológico (CORE-OM). Além disso, a terapeuta realizava, após cada sessão, o registro de anotações clínicas em formulário individualizado on-line. Depois de três meses de finalização do tratamento, as pacientes novamente responderam de forma on-line aos instrumentos para investigação dos sintomas de ansiedade e de sofrimento psicológico.
Procedimento éticos
O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. O estudo obteve parecer de aprovação por meio do CAAE 09821919.5.0000.5344.
Procedimento de análise de dados
A trajetória de mudança nos sintomas de ansiedade foi avaliada por meio do escore total no GAD-7, calculado semanalmente. Essa análise foi realizada de forma descritiva, por paciente, em cada sessão do tratamento, o que gerou como resultado um gráfico longitudinal. Além disto, foi realizada uma análise das anotações clínicas das sessões em que houve aumento dos sintomas de ansiedade, com o intuito de compreender se houve algum evento vital ou situacional relacionado à mudança desses sintomas.
Para avaliação da mudança clinicamente significativa e confiável, foi calculado o Reliable Change Index (RCI) (Jacobson & Truax, 1991), analisando como desfecho os escores totais do GAD-7 e das dimensões do CORE-OM no período pós-intervenção, em relação ao pré-tratamento. Da mesma forma, os escores no seguimento foram comparados com os do pré-tratamento, buscando-se examinar a estabilidade das mudanças. O RCI é um índice de mudança confiável que corresponde a uma modificação real nos sintomas em relação ao início do atendimento. Sua fórmula corresponde à razão da diferença entre os escores pós-teste (X2) e teste (X1) e o erro padrão da diferença entre os dois escores do teste (Sdiff). Portanto, para se conseguir estimar o RCI são necessários os valores de teste-reteste e de desvio-padrão de determinada amostra (Yoshida, 2008).
Para o cálculo do RCI foram utilizados, no instrumento CORE-OM, os valores do estudo da população americana (Evans et al., 2002), uma vez que ainda não há dados normativos para amostras brasileiras. Já para o RCI do GAD-7, foram utilizados dados do estudo brasileiro de Moreno et al. (2016). Para que haja melhora confiável, o resultado precisa ter RCI>1,96. Para uma mudança ser considerada clinicamente significativa, é necessário passar de um nível disfuncional para um nível funcional (Jacobson & Truax, 1991). Assim, foram adotados neste estudo os indicadores “melhorou”, quando houve RCI igual ou superior a 1,96 nos instrumentos GAD-7 e CORE-OM, e “recuperou”, indicando a mudança de um nível disfuncional para um nível não clínico/funcional, medido somente com o CORE-OM.
Resultados
A trajetória, sessão a sessão, dos sintomas de ansiedade das seis pacientes, durante as 24 semanas do tratamento psicodinâmico on-line e no seguimento aos três meses, está apresentada na Figura 1. Destaca-se que, no decorrer do processo, ocorreram faltas das pacientes: Alessandra faltou a quatro sessões (sessões 7, 9, 22 e 23), Taila a duas (sessões 11 e 20), e Renata, Valéria e Daiana faltaram a uma sessão cada ao longo do tratamento (respectivamente, as sessões 9, 20 e 18). Paula não faltou a nenhuma sessão. Essas sessões foram registradas sem valor no gráfico. Após três meses de finalização do tratamento, cinco das seis pacientes responderam novamente os instrumentos de avaliação da ansiedade e do bem-estar psicológico. A participante Alessandra não respondeu aos questionários, pois havia buscado novamente psicoterapia após o término da intervenção.
Em relação às crises vitais ou situacionais, verificadas nas anotações clínicas, observou-se que a paciente Taila, ao longo das sessões, vivenciou duas experiências estressoras extraterapêuticas, uma acadêmica (apresentação de seu trabalho de conclusão de curso) e outra familiar (falecimento de um membro da família). No caso de Alessandra (sessão 16), houve o relato de situações compatíveis com violência psicológica no âmbito familiar. Paula (sessão 16), passou por um conflito relacionado à exposição social no ambiente acadêmico. Por fim, com Valéria (sessão 19) ocorreu a possibilidade de aprovação em processo seletivo para atuação profissional. Na Tabela 3, é possível verificar o escore pré/pós-tratamento no GAD-7, assim como os resultados do RCI no pós-tratamento e no período de seguimento de três meses.
Tabela 3 — Mudança clinicamente significativa nos sintomas de ansiedade – Escores totais do GAD-7
Paciente | Escore pré-tratamento | Escore pós-tratamento | RCI pré/ pós-tratamento | Escore follow-up | RCI pré-tratamento e follow-up |
---|---|---|---|---|---|
Alessandra | 13 | 12 | 0,44 | — | — |
Daiana | 10 | 1 | 3,92* | 2 | 3,49* |
Paula | 16 | 6 | 4,36* | 4 | 5,23* |
Renata | 12 | 7 | 2,18* | 3 | 3,93* |
Taila | 15 | 4 | 4,79* | 6 | 3,92* |
Valeria | 11 | 1 | 4,36* | 1 | 4,36* |
Nota: * – Mudança clinicamente significativa.
A melhora das pacientes, expressada pelo índice de mudança clínica (RCI), foi também calculada sobre CORE-OM e seus domínios. Já a recuperação (critério de significância clínica) refere-se ao fato de a paciente apresentar resultados pós-intervenção abaixo do ponto de corte nesse mesmo instrumento. A Tabela 4 detalha o resultado com as pacientes deste estudo ao final do tratamento e no seguimento de três meses após seu término. Destacam-se mudanças tanto ao final do processo interventivo, quanto a manutenção da mudança no follow-up.
Tabela 4 — Mudança clinicamente significativa nos domínios do CORE-OM
Pct | Alessandra | Daiana | Paula | Renata | Taila | Valeria |
---|---|---|---|---|---|---|
Bem-estar | ||||||
PréT | 1,50 | 2,00 | 3,25 | 3,50 | 2,00 | 1,75 |
PósT | 2,25 | 0,25 | 2,00 | 1,75 | 0,75 | 0,25 |
RCI PPt | –1,10 | 2,58†‡ | 1,84 | 2,58† | 1,84‡ | 2,21†‡ |
Fu | — | 0,50 | 1,50 | 0,50 | 1,75 | 0,75 |
RCI PS | — | 2,21†‡ | 2,58† | 4,42†‡ | 0,37 | 1,47 |
Funcionamento | ||||||
PréT | 1,25 | 1,42 | 1,67 | 2,33 | 2,08 | 1,08 |
PósT | 1,67 | 0,08 | 1,50 | 2,17 | 0,25 | 0,08 |
RCI PPt | –0,97 | 3,11†‡ | 0,39 | 0,37 | 4,24†‡ | 2,32†‡ |
Fu | — | 0,17 | 1,25 | 0,58 | 1,50 | 0,08 |
RCI PS | — | 2,90†‡ | 0,97 | 4,06†‡ | 1,35 | 2,32†‡ |
Queixas e sintomas | ||||||
PréT | 2,08 | 1,83 | 3,08 | 2,97 | 2,75 | 1,00 |
PósT | 1,67 | 0,00 | 1,75 | 0,67 | 0,25 | 0,08 |
RCI PPt | 0,96 | 4,27†‡ | 3,11† | 5,37†‡ | 5,84†‡ | 2,15†‡ |
Fu | — | 0,25 | 1,00 | 1,33 | 1,00 | 0,42 |
RCI PS | — | 3,69†‡ | 4,86†‡ | 3,32† | 4,09†‡ | 1,35 |
Comportamento de Risco | ||||||
PréT | 0,00 | 0,33 | 0,17 | 0,33 | 0,17 | 0,00 |
PósT | 0,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 |
RCI PPt | 0,00 | 0,68 | 0,42 | 0,81 | 0,35 | 0,00 |
Fu | — | 0,17 | 0,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 |
RCI PS | — | 0,33 | 0,42 | 0,81 | 0,35 | 0,00 |
Total | ||||||
PréT | 1,21 | 1,40 | 2,04 | 2,27 | 1,75 | 0,96 |
PósT | 1,39 | 0,08 | 1,31 | 1,15 | 0,31 | 0,01 |
RCI PPt | –0,69 | 5,08†‡ | 2,81† | 4,31† | 5,54†‡ | 3,66†‡ |
Fu | — | 0,23 | 0,98 | 0,61 | 1,63 | 0,31 |
RCI PS | — | 4,50†‡ | 4,08†‡ | 6,39†‡ | 0,46 | 2,50†‡ |
Notas: Pct – Paciente; PréT – Pré-tratamento; PósT – Pós-tratamento; RCI PPt – Índice de Mudança Confiável no pós-tratamento; Fu – Período de follow-up após três meses; RCI PS – Índice de Mudança Confiável no seguimento de três meses.
† – Houve melhora e mudança significativa; ‡ – Houve recuperação.
Discussão
O estudo examinou o progresso e os resultados de psicoterapia psicodinâmica on-line em pacientes com ansiedade. No exame dos casos, os resultados da análise de trajetória de sintomas e do bem-estar psicológico indicaram que a intervenção apresentou benefícios para praticamente todas as pacientes, o que denota que a psicoterapia psicodinâmica se demonstra eficaz nesse contexto. Somente uma paciente não obteve as mudanças almejadas. Os ganhos identificados são similares aos encontrados em outros estudos que avaliaram o progresso do tratamento na psicoterapia à distância em diferentes abordagens psicoterápicas (Barak et al., 2008; Boettcher et al., 2014; Carlbring et al., 2011), inclusive no período de seguimento após o tratamento on-line para ansiedade (Carlbring et al., 2011). Isso significa que a psicoterapia psicodinâmica é uma modalidade de intervenção viável para o tratamento da ansiedade e sua efetividade merece ser mais bem examinada em estudos de maior porte ou com subgrupos específicos de pacientes.
O potencial de intervenções psicoterapêuticas on-line para reduzir sintomas de ansiedade já havia sido apontado na literatura (Barak et al., 2008; Rees & Maclaine, 2015; Varker et al., 2019), embora as evidências dessa abordagem sejam mais escassas. Como a ansiedade era a queixa central das pacientes examinadas, seria esperado que ao final do processo ocorresse remissão parcial ou total desses sintomas, o que foi constatado por meio do RCI aplicado à GAD-7. Uma psicoterapia psicodinâmica, entretanto, não deve agir somente sobre sintomas específicos, mas promover melhoras mais amplas (Shedler, 2010). Com relação ao sofrimento psicológico geral, foi identificada no pós-tratamento a melhora das pacientes, inclusive com recuperação, na maioria dos casos.
Percebeu-se que, no geral, há evolução em outras áreas da vida das pacientes, como bem-estar subjetivo e funcionamento pessoal e social, o que também é um objetivo da psicoterapia psicodinâmica, que busca utilizar o relacionamento terapêutico como oportunidade para modificar os relacionamentos problemáticos do paciente e também auxiliar as pessoas a terem uma vida mais saudável (Shedler, 2010). Ressalta-se que a falta de recuperação no comportamento de risco decorre dos baixos indicadores das pacientes, uma vez que já no início do tratamento todas tiveram escores em nível não clínico; de fato, era recomendado que não houvesse esse risco para se empreender uma intervenção on-line.
Em relação à variabilidade dos sintomas ao longo das sessões, percebeu-se por meio do gráfico o aumento da ansiedade entre o pré-tratamento e a primeira sessão, que diminuiu no segundo atendimento e aumentou novamente em quatro das seis pacientes na terceira e quarta sessões. Flutuações no processo de mudança são esperadas. É possível entender que o início de tratamento psicodinâmico pode provocar algum aumento na disfuncionalidade dos sintomas, uma vez que eles passam a ser explorados mais intensamente à medida que as pacientes os abordam durante o tratamento (Luz, 2015). Logo após, tendem a se tornar mais brandos, como ocorreu por volta da sexta sessão, provavelmente porque elas puderam experimentá-los numa situação nova e sem a presença de ameaças externas ou internas (Gabbard & Westen, 2003). Estudos subsequentes poderão estimar se, e em que extensão, os conflitos que subjazem tais sintomas são também modificados em razão do processo da psicoterapia on-line.
Observou-se também que, em períodos distintos do tratamento, no caso de determinadas participantes, aconteceu o aumento dos sintomas de ansiedade, conforme exibido no gráfico da trajetória dos sintomas e descrito a partir dos registros clínicos. É comum experimentar aumento da ansiedade frente às situações e eventos da vida que são estressores (Margis et al., 2003); porém, o processo de psicoterapia deveria ajudar a equilibrar essa angústia e auxiliar o paciente a encontrar o significado dessa experiência para, então, haver melhor adaptação do ego em situações futuras, tal como possivelmente ocorreu nos casos clínicos.
Destaca-se o resultado de que, no período de seguimento, houve estabilidade nas mudanças, tanto no que diz respeito à ansiedade quanto ao sofrimento geral. Esses achados também reforçam os benefícios da psicoterapia psicodinâmica on-line, mesmo após sua finalização. Tais constatações deste estudo podem ser similarmente comparadas com os ganhos descritos no trabalho com pacientes ansiosos no tratamento pela internet e com orientação de um terapeuta (Carlbring et al., 2011), visto que também se observou a estabilidade na mudança sintomatológica; porém, essa estabilidade foi observada após um e dois anos desde o término do tratamento, período superior a um seguimento de três meses. Na perspectiva psicodinâmica, espera-se que, após a finalização das intervenções psicanalíticas, o paciente siga com o processo de autorreflexão e de autoconsciência dos seus problemas e, assim, os gerencie de forma autônoma (Etchegoyen, 2007; Gabbard & Westen, 2003; Shedler, 2010).
Por fim, chama a atenção que apenas uma paciente apresentou resultados que expressam falta da melhora em seus sintomas. A ocorrência de situações de violência psicológica possivelmente provocou novos conflitos psíquicos e a diminuição do bem-estar psicológico. Tal ocorrência poderia requerer uma nova intervenção, o que de fato ocorreu, visto que ela procurou novamente atendimento psicológico. Com isso, embora se reconheça que as psicoterapias breves estão indicadas para casos como esses, em que as queixas são circunscritas, a prontidão para a mudança dos pacientes é variável e situações de vida podem ocorrer, bem como outros fatores internos e externos ao processo terapêutico. Assim, alguns pacientes não se beneficiarão do modelo ou no tempo proposto, o que parece ter sido o caso dessa paciente.
Considerações finais
Este é um estudo que contribui com a avaliação da efetividade da psicoterapia psicodinâmica on-line para problemas relacionados à ansiedade. Nele foi possível concluir que há indícios de benefícios continuados da abordagem, tanto para os sintomas específicos, quanto para minorar o sofrimento psicológico geral, uma vez que se constatou mudança clinicamente significativa e confiável para a maioria das pacientes, inclusive no seguimento. Esses achados salientam o potencial das intervenções psicodinâmicas no contexto à distância e favorecem um campo de pesquisa ainda pouco explorado, dessa maneira ofertando alguma evidência para nortear a prática de profissionais de saúde mental nessa orientação.
Como esperado, os resultados desta pesquisa indicam uma trajetória não linear dos sintomas, com aumento dos sintomas de ansiedade no início do tratamento e em períodos específicos da etapa intermediária, com remissão na etapa final. Assim, mesmo que o processo psicoterápico progrida de forma satisfatória, oscilações na trajetória dos sintomas podem ser experimentadas pelos pacientes, o que requer atenção e manejo técnico dos clínicos em tais situações.
Por se tratar de uma amostra pequena de participantes, generalizações sobre os resultados devem ser feitas parcimoniosamente. Além do mais, as pacientes já tinham histórico de tratamentos psicoterápicos prévios, cursam ou concluíram o ensino superior e são da raça/cor de pele branca, características que não são as mais típicas da população brasileira em geral. Há, portanto, necessidade de replicação em amostras maiores e mais representativas. Uma compreensão mais detalhada da trajetória dos sintomas e dos movimentos de oscilação deles pode ser alvo de estudos de processo, com inclusão de variáveis da díade e não só do paciente. Outra limitação deste estudo refere-se ao uso exclusivo de instrumentos de autorrelato como avaliação de resultados, o que pode não captar detalhadamente diferentes níveis de mudança psicológica. Assim, para estudos futuros, sugere-se a adoção de triangulação dos dados na avaliação de processo, com a inclusão de medidas projetivas/expressivas ou de entrevistas, por exemplo.