Introdução
Após a chegada dos filhos, a estrutura familiar é marcada por profundas transformações e ressignificações de conceitos como vida, valores e prioridades, o que pode ser um desafio estressante se houver conflito entre as expectativas da parentalidade idealizada e da real (Perez-Blasco et al., 2013). Tal fato pode acarretar redução da qualidade de vida percebida pelos genitores e ampliação da sensação de ansiedade e estresse, por requerer aprendizados de habilidades inerentes à nova condição, adaptações às mudanças nos relacionamentos conjugais, sociais, profissionais e na gestão do tempo de autocuidado (Féres-Carneiro, 2005) – tudo isso, mais a conciliação com os afazeres cotidianos preexistentes (Herberts, 2019).
Mesmo passada essa fase de transição de aumento da família, a dinâmica de uma casa onde há filhos geralmente apresenta demandas maiores do que a de núcleos familiares constituídos apenas pelo casal, especialmente para os membros cuidadores, que precisam se dividir entre atividades domésticas e trabalho externo à residência (Chambel & Santos, 2009). Estresse e ansiedade são gatilhos mútuos, e é comum que coexistam em múltiplos públicos, especialmente naqueles sobrecarregados de demandas a cumprir, como ocorre no exercício da parentalidade (Song & Lindquist, 2015).
A ansiedade é uma reação fisiológica básica de alerta na iminência do perigo, motivando aquele que a sente a tomar uma atitude de mudança e defesa (Dourado et al., 2018). Suas manifestações psicofisológicas estão associadas a fatores genéticos e ambientais, e são mais comuns em mulheres do que em homens (Wang et al., 2020). Quando excessiva, a ansiedade classifica-se como um transtorno mental, pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição – DSM-5 (APA, 2014), e está relacionada com medo paralisante, tensão muscular, respiração curta e rápida e aceleração dos pensamentos sobre possibilidades futuras imaginárias (Rolim et al., 2020).
A ansiedade parental está associada a dificuldades emocionais, cognitivas e comportamentais nos filhos, ampliando a possibilidade de problemas internalizantes, como a depressão, e externalizantes, como a hiperatividade patológica e os transtornos opositores em crianças e adolescentes (Behrendt et al., 2020). A parentalidade hostil, caracterizada pela indiferença, afeto negativo ou autoritarismo no relacionamento com os filhos (Beckerman et al., 2017; Connor & Rueter, 2006), é mais encontrada em ambientes em que os pais e as mães apresentam maior grau de ansiedade e estresse (Hentges et al., 2019). A pandemia de Covid-19 contribuiu de forma significativa para a ampliação dos sintomas de ansiedade parental e repercutiu desfavoravelmente na criação dos filhos e no ambiente familiar (Hanetz-Gamliel et al., 2021).
A fim de minimizar os prejuízos a sua saúde mental, é importante que os pais reconheçam esse estado transicional entre a realidade familiar sem filhos (ou com menos filhos) e a vivida após a chegada deles (Perez-Blasco et al., 2013), agravada pela necessidade de adaptação à nova dinâmica social pós-pandemia de Covid-19. Dessa forma, é essencial que os pais adquiram ferramentas internas que lhes possibilitem aceitar suas emoções, conectar-se consigo mesmos e não exigir um desempenho cotidiano igual à condição anterior em curto prazo (Behan, 2020).
Ter filhos pode ser um fator ampliador de estresse e ansiedade, apesar de todo o amor envolvido, diante da dinâmica vivencial adulta em que se faz necessário equilibrar os cuidados com a criança ou adolescente e os diversos afazeres paralelos, como cuidados pessoais, relacionamentos, atividades domésticas, vida profissional e lazer (Repetti et al., 2002). Quando a carga assumida é maior que a habilidade para administrá-la, amplia-se a tendência a práticas parentais severas, o que, por sua vez, pode também levar a alterações comportamentais e emocionais que se refletem na criança ou adolescente, com diminuição da qualidade dessa interação (Flannery et al., 2023; Siegel & Hartzell, 2013).
O estresse decorre de alterações psicofisiológicas pelo enfrentamento de situações desafiadoras, na medida em que estas excedem os recursos adaptativos pessoais, e pode acarretar em desequilíbrio do funcionamento global do ser humano (Bargas & Lipp, 2013). Alguns fatores de risco que predispõem ao aumento do estresse parental são a ausência de ferramentas anteriores de enfrentamento psicológico, a presença de doença de base familiar e a existência de ambiente domiciliar caótico (Rapoport, 2003).
Por definição, atenção plena ou mindfulness é a consciência voluntária do momento presente, com aceitação, sem julgamento ou reatividade (Kabat-Zinn, 2013), considerada uma habilidade humana, bem como um estado de consciência ou traço de personalidade, associada a faculdades mentais de atenção, consciência, memória e discernimento (Gibson, 2019). Maiores níveis de atenção plena influem na redução de graus de ansiedade, depressão, estresse e ruminações (Badran et al., 2017; Park et al., 2020; Potharst et al., 2019) e na ampliação da autorregulação da atenção, o que proporciona benesses na percepção de qualidade de vida e nas condições socioemocionais (Gu et al., 2018).
A linha de pesquisa de Jon Kabat-Zinn e sua esposa Myla Kabat-Zinn (2021), com intervenções baseadas em mindfulness para famílias, conceitua que vivenciar o cotidiano da paternidade e maternidade com abertura para as experiências domiciliares, sem julgamentos ou expectativas, aceitando-as tais quais acontecem no momento presente, é o que consiste na habilidade ou na prática da parentalidade atenta. Esse modelo de pais atentos é uma extensão da atenção plena intrapessoal para a realidade interpessoal entre pais e filhos (Kabat-Zinn, 2013; Kabat-Zinn & Kabat-Zinn, 2021). Portanto, são considerados pais atentos aqueles que conseguem fornecer maior apoio às demandas de seus filhos no dia a dia, por terem maior autorregulação de seus comportamentos enquanto pais (Duncan et al., 2009).
Como prática terapêutica, trata-se de uma intervenção baseada em mindfulness aplicada à parentalidade, que, por auxiliar os pais a terem uma postura de mais aceitação e menos crítica em relação aos problemas com seus filhos, proporciona uma redução do estresse, advinda da melhor compreensão e da sábia seleção de respostas às situações que venham a surgir no relacionamento (Duncan & Shaddix, 2015). Assim, diferentemente dos cursos convencionais voltados para pais, que visam a auxiliar na melhoria comportamental das crianças e adolescentes, o principal objetivo do programa Mindful Parenting é ajudar os genitores a lidar melhor com o estresse e o sofrimento na convivência com os filhos, mediante práticas de atenção plena (Bögels & Restifo, 2014).
O cenário científico atual da aplicação da parentalidade atenta demonstra resultados promissores no que diz respeito à melhoria de qualidade de vida e do estresse parental (Bögels & Restifo, 2014; Gouveia et al., 2016), aos níveis neuropsicológicos atencionais dos genitores e filhos (Bögels & Restifo, 2014), à presença de relacionamento e interação familiar mais satisfatórios (Duncan & Shaddix, 2015; Lippold et al., 2015), ao maior sucesso ao lidar com as mudanças afetivas dos filhos adolescentes (Duncan et al., 2009) e à redução do esforço parental na criação de filhos (Bluth & Wahler, 2011), além de evidenciar redução de características psicopatológicas e de agressividade das crianças (Bögels & Restifo, 2014; Meppelink et al., 2016). Num estudo de avaliação do nível de cuidado parental, constatou-se haver associação diretamente proporcional entre pais com comportamentos parentais mais positivos e aqueles com maiores pontuações nos cuidados com seus filhos (Duncan & Shaddix, 2015).
A parentalidade plena ancora-se em cinco principais dimensões: (1) escuta com total atenção, a fim de perceber, inclusive, o não dito ao compreender a perspectiva da criança; (2) não julgamento e aceitação de si e dos filhos, reconhecendo que os erros e desafios fazem parte da parentalidade, da infância e da vida; (3) autoconsciência emocional e das crianças, promovendo a desidentificação com sentimentos e emoções próprios ou advindos do relacionamento da díade pai-filho; (4) autorregulação na parentalidade, possibilitando respostas mais sábias no cotidiano e nas adversidades, dada a baixa reatividade dos pais ao comportamento infantil normativo; e (5) autocompaixão e compaixão pelos filhos, por meio da ampliação do afeto positivo e do apoio a si mesmo e às necessidades dos filhos (Duncan et al., 2009).
Práticas de mindfulness são acessíveis, de baixo ou nenhum custo e sem restrições de uso, e possibilitam aos pais o desenvolvimento de autocuidado e compaixão, ampliação da empatia por si mesmos e por seus filhos, maior consciência na construção do relacionamento familiar salutar e na promoção da satisfação pessoal e parental com todos os seus benefícios (Potharst et al., 2019). Com a percepção de bem-estar pelos genitores, aspectos positivos da parentalidade são ressaltados e as necessidades dos filhos são atendidas adequadamente, com preservação emocional, social e cognitiva da família envolvida (Gutman, 2016).
O objetivo deste estudo, portanto, foi investigar o possível efeito mediador da mindfulness sobre a ansiedade e o estresse parental. Ou seja, a proposta foi de avaliar se maiores índices de atenção plena cotidiana (mindfulness) têm efeito protetor na geração de estresse parental em decorrência da ansiedade em pais e mães de crianças e adolescentes.
Como hipóteses iniciais do estudo, têm-se que: (H1) a ansiedade pode estar positivamente associada ao estresse parental; (H2) os níveis de mindfulness, por sua vez, podem estar negativamente associados à ansiedade e ao estresse; e (H3) tais níveis de mindfulness podem mediar a associação entre ansiedade e estresse parental, de forma a ter efeito protetivo em pais que estejam vivendo situações estressantes.
Método
Tipo de estudo
Trata-se de um estudo transversal do tipo mediação, que visa a explorar o efeito protetor da mindfulness sobre a associação de ansiedade e estresse parental de pais de crianças e adolescentes. Este estudo baseou-se nas diretrizes do roteiro A Guideline for Reporting Mediation Analyses of Randomized Trials and Observational Studies (AGReMA) (Lee et al., 2021), onde são encontradas recomendações para a escrita de análises de mediação em ensaios clínicos e estudos observacionais, com o intuito de garantir sua robustez e qualidade metodológica.
Participantes e coletas de dados
Os participantes foram recrutados no período entre maio e agosto de 2021, mediante divulgação em redes sociais (WhatsApp, Instagram e Facebook) dos colaboradores da pesquisa, que ficaram disponíveis para esclarecer possíveis dúvidas, pelos contatos telefônicos publicados, sobre o preenchimento do formulário de avaliação ou sobre o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os documentos foram fornecidos como link do Google Forms, com duração estimada de quinze minutos para leitura e preenchimento completo.
Trata-se de um delineamento amostral não probabilístico por conveniência. Para a realização do cálculo amostral, foi usado o software G*Power (Faul et al., 2007), baseando-se nos valores obtidos em estudo prévio envolvendo programa baseado em mindfulness e saúde mental na maternidade (Pan et al., 2019), com média e desvio padrão de 14,29 (DP=5,23) e 11,64 (DP=6,5). O resultado estimado foi de 72 participantes (poder estatístico de 0,8 para rejeitar efeito nulo ao nível de significância de 0,05). Contando com taxa de abandono de 50%, por se tratar de pesquisa online, o tamanho pretendido da amostra era de 144 participantes.
A amostra final constou de 229 pais e mães de filhos entre 0 e 18 anos, após exclusão de 27 amostras de pais de filhos adultos. Não houve preenchimento inadequado ou incompleto das escalas, dado que o link do formulário Google Forms não permitia o envio do formulário quando não completamente preenchido.
A coleta de dados ocorreu por meio do preenchimento de formulário eletrônico constando de questionário sociodemográfico e dos instrumentos de pesquisa: Escala de Atenção e Consciência Plena (MAAS), Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse (DASS-21) e Escala de Estresse Parental (PSS), todos respondidos acessando link disponível no Google Forms ao longo de três meses.
Considerações éticas
Este estudo foi aprovado pelo Comitê Ética e Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba (parecer de aprovação nº 4.932.710, de 26/08/2021). Os voluntários foram incluídos após leitura da explicação da pesquisa e da concordância com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), ambas em forma digital, previamente ao preenchimento das respostas dos questionários no Google Forms. Também foram providas informações sobre os direitos éticos, a confidencialidade, o anonimato dos participantes, bem como confirmado que os dados não seriam usados para outros fins que não a pesquisa.
Critérios de elegibilidade
Os critérios de inclusão foram: (1) ter idade superior a 18 anos; (2) ser pai ou mãe de filhos entre 0 e 18 anos de idade; (3) ter dispositivo eletrônico conectado à internet; (4) ter interesse e disponibilidade de tempo para responder aos questionários da pesquisa; e (5) concordar com o TCLE. Os critérios de exclusão foram: (1) preenchimento incompleto ou inadequado dos questionários; (2) não saber ler e escrever.
Instrumentos
Questionário Sociodemográfico – O bloco de variáveis sociodemográficas foi composto por perguntas de múltipla escolha ou dicotômicas (sim ou não), abrangendo: idade (entre 18 a 50 anos), escolarização (ensino fundamental; ensino médio, ensino superior; pós-graduação), estado civil (solteira; casada; separada; viúva), cor da pele (branca; parda; amarela; preta; asiática) e renda mensal familiar, em salários-mínimos (até 1, de 2 a 4, de 5 a 7, mais de 7). As variáveis relacionadas à maternidade englobaram: quantidade de filhos (1, 2, 3, 4, 5, mais de 5), idade dos filhos (0–2 meses; 3–12 meses; 1–2 anos), amamentação (sim; não), mãe trabalha fora (sim; não) e rede de apoio (sim; não).
Escala de Atenção e Consciência Plena (MAAS) – Este instrumento, que avalia o nível de atenção plena cotidiana, foi desenvolvido a partir de conhecimentos da filosofia budista, teorias psicológicas e da neurociência. Já foi validado no Brasil (Barros et al., 2015). É um questionário de 15 itens que medem a presença ou ausência de atenção e consciência plena em atividades diárias, delimitados entre 1 (quase sempre) e 6 (quase nunca). Seu escore total é obtido pela média aritmética de todos os itens, e varia entre 15 e 90, em que a pontuação mais alta indica maior nível de atenção plena. Na análise de consistência interna, tem-se um alfa de Cronbach de 0,83 do questionário validado para o público brasileiro (Barros et al., 2015).
Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse (DASS-21) – Este é um instrumento de autorrelato que mede e distingue as afetividades negativas: depressão, ansiedade e estresse, cada uma correspondendo a uma dimensão avaliada no questionário. O modelo reduzido de 21 itens é classificado numa escala Likert entre 0 (não se aplica) e 3 (aplica-se muito). Está validado transculturalmente, inclusive com uma versão brasileira (Martins et al., 2019). A escala apresenta, para o público brasileiro, para cada subescala, os seguintes coeficientes alfa de Cronbach: 0,92 depressão, 0,90 estresse e 0,86 ansiedade (Vignola, 2013).
Escala de Estresse Parental (PSS) – Este é um instrumento avaliativo do nível de estresse dos pais e mães de filhos menores de 18 anos no desempenho de suas funções parentais. É um instrumento de autorrelato, considerado de fácil manuseio e boa acessibilidade, composto de 18 itens, os quais podem ser enquadrados entre 1 (discordo totalmente) e 5 (concordo totalmente) em escala Likert. Está validado no Brasil (Brito & Faro, 2017). A escala apresenta, para o público brasileiro, o seguinte coeficiente alfa de Cronbach: 0,91 (Pereira et al., 2016).
Análise estatística – Utilizou-se o programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 25.0, na análise estatística deste estudo. Para a caracterização da amostra, após a distribuição e ajuste das variáveis no banco de dados, foram feitas as análises descritivas do questionário sociodemográfico a partir da média, desvio padrão (da idade dos participantes) e frequência percentual dos demais parâmetros.
Realizou-se uma análise de mediação simples entre a média do escore total de mindfulness, de ansiedade e de estresse parental, em que a variável independente (X) foi a ansiedade, a variável mediadora (M) foi o nível de atenção plena cotidiana (mindfulness) e uma variável dependente (Y), que foi o estresse parental. Nessa estatística avalia-se (1) o efeito total de ansiedade e estresse parental, sem a mediação da mindfulness; (2) o efeito direto da ansiedade no estresse parental controlado pela variável mediadora; e (3) o efeito indireto como sendo a diferença entre o efeito total e o direto, pela realização de procedimentos de bootstrapping com 5.000 amostras num intervalo de confiança de 95%.
Considerou-se como significativos valores inferiores a 5% do nível de significância (p<0,05). Para investigar a relação entre as variáveis deste estudo, foi verificada a normalidade da distribuição amostral com o teste Shapiro-Wilk e então foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson. Os tamanhos de efeito das correlações de Pearson foram baseados nas diretrizes de Cohen (1988) – pequeno para correlações em torno de 0,10, médio para aqueles próximos de 0,30 e grande para correlações de 0,50 ou superior, aceitando-se como adequados os de tamanho médio ou grande.
Resultados
Na análise dos dados descritos, observou-se uma maioria de mulheres, mães trabalhando fora do domicílio, cuidador principal com ensino superior, participantes casados ou em união estável, participantes com rede de apoio em alguma parte do dia, renda salarial familiar média acima de 7 salários mínimos e idade dos filhos entre 2 e 5 anos. Em relação à amamentação, 42% das participantes mulheres eram lactantes na ocasião da pesquisa (Tabela 1).
Tabela 1 — Frequência das variáveis sociodemográficas analisadas no estudo sobre o possível efeito mediador da mindfulness sobre a ansiedade e o estresse parental
Frequência | |
---|---|
Gênero do principal cuidador | |
Feminino | 90,0 |
Masculino | 10,0 |
Escolarização | |
Ensino básico | 0,8 |
Ensino médio | 13,1 |
Ensino superior | 48,0 |
Pós-graduação | 38,1 |
Raça | |
Branca | 50,0 |
Parda | 41,4 |
Preta | 4,9 |
Amarela | 3,7 |
Renda familiar | |
Até 1 salário | 4,9 |
2 a 4 salários | 29,5 |
5 a 7 salários | 17,6 |
mais de 7 salários | 48,0 |
Estado civil | |
Solteira | 4,9 |
Casada / União estável | 90,2 |
Separada | 4,9 |
Mãe trabalha fora | |
Sim | 58,6 |
Não | 33,2 |
Home office | 5,7 |
Licença | 2,5 |
Mãe amamentando | |
Não | 58,0 |
Sim | 42,0 |
Total de filhos | |
1 filho | 56,9 |
2 filhos | 36,1 |
2–3 filhos | 3,7 |
3 filhos | 0,8 |
4 filhos | 2,5 |
Filhos de 0 a 2 meses | |
Não | 94,5 |
Sim | 5,5 |
Filhos de 3 a 12 meses | |
Não | 80,9 |
Sim | 19,1 |
Filhos de 1 a 2 anos | |
Não | 78,1 |
Sim | 21,9 |
Filhos de 2 a 5 anos | |
Não | 61,3 |
Sim | 38,7 |
Filhos de 6 a 10 anos | |
Não | 70,3 |
Sim | 29,7 |
Filhos de 11 a 14 anos | |
Não | 88,3 |
Sim | 11,7 |
Filhos de 14 a 18 anos | |
Não | 92,8 |
Sim | 7,2 |
Nota: n=229.
Quanto à análise de confiabilidade entre os itens dos instrumentos utilizados, observou-se que todos os fatores apresentavam consistência interna, com alfa de Cronbach superior a 0,70, bem como a relação entre as variáveis, aferida por meio do coeficiente de correlação de postos de Spearman, resultou em que todas as correlações entre as variáveis estudadas foram significativas (mindfulness, ansiedade e estresse). Encontrou-se uma correlação média e positiva entre ansiedade e estresse parental, média e negativa entre mindfulness e ansiedade e forte e negativa entre mindfulness e estresse parental (Tabela 2).
Tabela 2 — Correlações entre ansiedade (DASS-21), estresse (PSS) e mindfulness (MASS)
α | M | SD | 1 | 2 | 3 | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | Estresse | 0,85 | 2,20 | 0,50 | 1 | ||
2 | Ansiedade | 0,88 | 0,57 | 0,62 | 0,39** | 1 | |
3 | Mindfulness | 0,90 | 3,66 | 0,97 | –0,52** | –0,35** | 1 |
Notas: n=229; α = alfa de Cronbach; coeficiente de correlação de Pearson = (1–3); ** p<0,01.
No que diz respeito à análise de mediação, inicialmente foi testado o modelo que avalia a influência do fator ansiedade (X) sobre o fator estresse parental (Y) (Figura 1a), confirmando-se que a ansiedade prediz um maior nível de estresse parental a partir do resultado do efeito total. Nesse modelo, a ansiedade explica 15,98% do desfecho do estresse parental.

Legenda: c = efeito total da ansiedade no estresse parental (X→Y); a = efeito da ansiedade em mindfulness (X→M); b = efeito da mindfulness no estresse parental (M→Y).
Figura 1 — Efeito total e mediação das variáveis: ansiedade, estresse e mindfulness
Uma das hipóteses deste estudo era a de que tal relação (X→Y), quando mediada pelos possíveis efeitos protetores da mindfulness (M), poderia minimizar o impacto nocivo da ansiedade (X) sobre o estresse parental (Y). Nesse sentido, foram feitas análises de regressão no modelo de mediação simples (Figura 1b) e constatou-se que: (1) no modelo a (X→Y), ocorre um efeito negativo e significativo da ansiedade em mindfulness; (2) no modelo b (M→Y), obteve-se um efeito negativo e significativo de mindfulness no estresse parental; e (3) na análise do efeito direto (c’) constatou-se que o nível de mindfulness (M) apresentou efeito estatisticamente significativo no estresse parental e que nesse modelo ansiedade e nível de mindfulness explicam 31,31% do desfecho do estresse parental, sugerindo uma possível mediação parcial.
Calculou-se também o efeito indireto (a*b) por meio do procedimento de bootstrapping, a fim de confirmar se o efeito mediador era significativo. Resultou que havia efeito mediador do nível total de mindfulness na relação entre ansiedade e estresse parental (Tabela 3).
Tabela 3 — Análise de modelo de mediação – mindfulness
Interações | β | I.C. 95% | t | p | R 2 |
---|---|---|---|---|---|
Efeito total (X→Y) | 0,31 | [0,23; 0,42] | 6,77 | <0,001 | 0,16 |
a (X→M) | –0,58 | [–0,77; –0,41] | –6,34 | <0,001 | 0,14 |
b (M→Y) | –0,22 | [–0,28; –0,16] | –7,31 | <0,001 | — |
Efeito direto (X→Y) | 0,19 | [0,10; 0,29] | 4,15 | <0,001 | 0,31 |
Efeito Indireto | β | I.C. 95% | |||
Mindfulness | 0,13 | [0,08; 0,18] |
Notas: n=229; X: depressão, Y: estresse, M: mindfulness; I.C. 95%: Intervalo de confiança de 95% do bootstrapping com 5.000 aleatorizações; β: coeficiente da mediação, t: distribuição t; p: nível de significância; R 2: percentual de variância explicada.
Obteve-se também o efeito mediado, concluindo-se que o nível de mindfulness explica 37,4% da relação de ansiedade com estresse parental (Figura 2).
Discussão
Este estudo teve como público alvo mães e pais de crianças e adolescentes provenientes do Brasil. Porém, a partir da análise dos dados do questionário sociodemográfico, observou-se que 90% dos participantes eram mães. Especulamos que essa discrepância da participação feminina esteja vinculada ao tema da parentalidade, por ainda haver protagonismo das mulheres nos cuidados com os filhos (Callegaro Borsa & Tiellet Nunes, 2017). Também se constatou que a maioria dos voluntários tinha alto nível de escolaridade, além de apresentar renda mensal categorizada como classe média, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV Social, s.d.), caraterísticas divergentes daquelas encontradas nos grupos de risco para estresse parental (Condon & Sadler, 2019). Como a divulgação desta pesquisa aconteceu por meio das redes sociais dos colaboradores do estudo, é possível que tenha sido maior o acesso e a visibilidade por pessoas com esse perfil socioeducativo.
Verificou-se que o impacto do estresse e da ansiedade nesse público pode ter sido ampliado pelo período de pandemia de Covid-19 (Bavel et al., 2020; Shuja et al., 2020). Tal momento histórico é considerado estressogênico em potencial, no quesito parentalidade, pelo desafio de conciliar as dinâmicas de trabalho com um convívio familiar contínuo com crianças e adolescentes estudando e brincando em casa (Brown et al., 2020; Kretzler, 2020).
Os resultados correlacionais da amostra fornecem evidências de que a ansiedade está associada a um maior nível de estresse e a um menor grau de mindfulness. Também se constatou que um maior traço de mindfulness correlaciona-se a índices mais baixos de estresse (Tabela 2), o que indica que ansiedade e estresse tendem a ser favorecidos protetivamente por graus mais altos de atenção plena.
Uma metanálise realizada no contexto da pandemia de Covid-19 identificou que a ansiedade e a depressão eram respostas comuns ao estresse entre adultos nesse momento de vulnerabilidade da saúde pública mundial (Rajkumar, 2020). No estudo de Cohodes et al. (2021), verificou-se que o estresse relacionado à Covid-19 no nível familiar era amenizado quando os pais apresentavam maiores níveis de atenção plena parental e mostravam uma parentalidade mais positiva, com repercussões indiretas nas crianças de redução de problemas sociais e comportamentais.
Segundo Behrendt et al. (2020), a ansiedade parental está associada a dificuldades emocionais, cognitivas e comportamentais nos filhos, ampliando a possibilidade de problemas internalizantes, como a depressão, e externalizantes, como a hiperatividade patológica e os transtornos opositores em crianças e adolescentes. Já em outros estudos, tem-se que a parentalidade hostil, caracterizada pela indiferença, afeto negativo e ou autoritarismo no relacionamento com os filhos, é mais encontrada em ambientes em que os pais e as mães apresentam maior grau de ansiedade e estresse (Beckerman et al., 2017; Connor & Rueter, 2006; Hentges et al., 2019).
No estudo de Repetti et al. (2002), observou-se que ter filhos pode ser um fator ampliador de estresse e ansiedade, apesar de todo o amor envolvido, diante da dinâmica vivencial adulta em que se faz necessário equilibrar os cuidados com a criança ou adolescente e os diversos afazeres paralelos, como cuidados pessoais, relacionamentos, atividades domésticas, vida profissional e lazer. Quando a carga assumida é maior que a habilidade de administrá-la, amplia-se a tendência de práticas parentais severas, o que, por sua vez, pode levar a alterações comportamentais e emocionais reflexas no filho e à diminuição da qualidade dessa interação (Flannery et al., 2023; Siegel & Hartzell, 2013).
Tem-se, a partir deste estudo, que o efeito direto da mediação pela mindfulness na ansiedade acarreta repercussões positivas nos índices de estresse, indicando que uma maior tendência à ansiedade está correlacionada a maiores níveis de estresse. Também se constatou que o efeito direto (X→M→Y) é menor se comparado ao efeito total (X→Y), sem a variável mediadora mindfulness. A partir do resultado do procedimento de bootstrapping, que mensura o efeito indireto da variável mediadora, obteve-se que a mindfulness tem efeito mediador sobre a relação ansiedade e estresse.
Uma pesquisa realizada no contexto da pandemia de Covid-19 demonstrou os efeitos mediadores da parentalidade consciente no estresse percebido e na redução de problemas de ansiedade, agitação e depressão pelas mães, bem como melhoria comportamental em seus filhos (Cheung & Wang, 2022). Num estudo que investigou o papel mediador da parentalidade consciente na relação entre a ansiedade parental e as dificuldades emocionais e comportamentais de filhos jovens, concluiu que a ansiedade materna é fator preditor de práticas parentais menos conscientes, as quais, por sua vez, associam-se às dificuldades emocionais e comportamentais nesses jovens (Larrucea-Iruretagoyena & Orue, 2023).
Henrichs et al. (2021) analisaram e demonstraram a atuação da mindfulness como mediadora entre a ansiedade materna na gravidez e os problemas comportamentais e emocionais da criança. Outro estudo também concluiu que maiores níveis de mindfulness nos pais associam-se a menores índices de ansiedade e depressão em seus filhos (Bird et al., 2021).
Como principais limitações para este estudo, tivemos a falta de análise de possíveis vieses, dada a baixa representatividade do público de maior fator de risco socioeducacional para as condições de saúde mental avaliadas, uma vez que houve maior percentual de participantes com alta escolaridade e renda mensal superior a sete salários mínimos, bem como a ausência de análise do grau de influência da idade dos filhos na percepção de estresse e ansiedade por parte dos pais. Também pode ser considerada uma limitação o fato de a pesquisa ter sido realizada no contexto da pandemia de Covid-19, uma vez que isso pode ter afetado os níveis de ansiedade, depressão e mindfulness do público alvo, pois mães e pais já sobrecarregados com múltiplas tarefas foram predispostos a maiores prejuízos psicossociais decorrentes principalmente da ansiedade, angústia e preocupação com o dia a dia e com o futuro, dada a propagação do medo das consequências e do contágio pelo novo coronavírus (Santos et al., 2021; Tonietto, 2021).
Este estudo traz evidências da associação da ansiedade com o estresse no público de mães e pais de crianças e adolescentes brasileiros durante a pandemia de Covid-19, presumindo o impacto protetivo de um maior traço de mindfulness em tais condições, dada a mediação pela variável nível de mindfulness equivalente a aproximadamente 37,4% da relação entre ansiedade e estresse parental, ampliando assim a literatura científica acerca desse tema. Considerando as consequências positivas da redução do estresse e ansiedade tanto no contexto da parentalidade quanto nas repercussões indiretas no comportamento e bem-estar dos filhos (Bögels & Restifo, 2014; Duncan & Shaddix, 2015; Lippold et al., 2015; Meppelink et al., 2016), recomendamos a realização de ensaios clínicos com intervenções baseadas em mindfulness no perfil de pais e mães brasileiras, dada a escassez desse tipo de pesquisa no Brasil.