Introdução
Pelo cerne das autobiografias perpassam vivências de realizações e de fracasso de cada escritor, e o ato de escrever e publicar a história de si, no campo do autismo, tem possibilitado a transmissão do impossível de ser dito e transmitindo aos leitores a experiência que aparece frequentemente como devastadora. A proposta deste artigo é, portanto, considerar algumas formalizações psicanalíticas sobre o autismo, orientadas pelo ensino de Jacques Lacan e enriquecidas por autores na atualidade do campo lacaniano, de modo a favorecer o desenvolvimento acerca do que se conhece como escritas de si, praticadas por esses sujeitos.
Nesse caminho, elegeu-se percorrer especificidades da constituição subjetiva dos sujeitos autistas, consequentemente suas peculiaridades com o universo simbólico, seus avatares no campo da linguagem, com o Outro, a incidência do real do gozo, a importância da foraclusão na dimensão do real e a falta de delimitação de uma borda simbólica. Através deste percurso põe-se em pauta a importância da modalidade literária autobiográfica, por meio da qual o sujeito autista se expressa dizendo de si e faz sua conexão com o mundo de modo realmente diverso dos recursos de escrita utilizados pelos psicóticos. Os escritos dos pais são também ensinamentos aqui presentes, considerando a singular modalidade de inscrição de cada sujeito no campo da linguagem.
Os atuais estudos das autobiografias de sujeitos autistas evidenciam a absoluta singularidade no trabalho que realizam para evitar o encontro com o Outro. Aqueles que encontraram uma saída de seu mal-estar e conseguiram testemunhá-la são uma minoria. As recentes publicações feitas por esses sujeitos, entretanto, vêm revelando valiosas orientações sobre a mudança que a escrita tem propiciado – quando isso é possível – a partir de uma posição inicial de estado gravíssimo. São os que podem contar com invenções, escolhas para saídas possíveis, em meio ao mundo em que a fala, muitas vezes, está interrompida.
As autobiografias dos pais, ainda que distintas dos escritos de seus filhos autistas, também evidenciam o muito que têm a dizer a respeito do assunto. São eles, em geral, que identificam os primeiros sinais característicos do autismo, na convivência diária com a criança. E, diante do cotidiano vivido, alguns se engajaram na escrita para dizer de suas observações, angústias e tentativas de responder ao sentimento de incompreensão experienciado. Suas narrativas levam a perceber o quanto pode ser especialmente desafiadora a experiência da paternidade ou da maternidade quando se tem um filho ou filha nessa posição subjetiva.
Modo de constituição e invenções linguageiras
As elaborações de Lacan acerca da constituição do sujeito, especialmente as proposições sobre a entrada do sujeito na linguagem, e a dimensão real do gozo, são as principais e imprescindíveis acepções utilizadas, atualmente, para a compreensão e como bases de estudos sobre o autismo infantil. No seminário Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Lacan (1964/2008, p. 199) diz: “se a psicanálise deve se constituir como ciência do inconsciente, convém partir de que o inconsciente é estruturado como uma linguagem”. Essa passagem trata da existência de uma ordem simbólica na condição de sujeito. Encontram-se nesse texto, bem como ao longo de sua obra, as formulações de que o sujeito está completamente imerso na linguagem:
Primeiro acentuei a repartição que constituo ao opor, em relação à entrada do inconsciente, dos dois campos do sujeito e do Outro. O Outro é lugar em que situa a cadeia significante que comanda tudo o que vai poder presentificar-se do sujeito, é o campo desse vivo onde o sujeito tem que aparecer. Eu disse – é do lado desse vivo, chamado à subjetividade, que se manifesta essencialmente a pulsão. (Lacan, 1964/2008, p. 200)
Lacan (1964/2008), nessa circunstância, viabiliza os conceitos de alienação e separação para falar sobre a constituição do sujeito. Na alienação, o sujeito não tem escolha em relação à entrada na linguagem; ele deve fazer a escolha entre a vida e a morte. Ou seja, para que seja possível ao infans1 se adentrar no laço social, mundo de representações, é preciso que ele se aliene ao menos em um significante mestre, operado pelo Outro. Segundo essa formulação, o sujeito submete-se a um significante, dentre os vários que lhe são oferecidos pelo Outro materno. A operação de separação, também responsável pela lógica da constituição do sujeito, é um movimento no qual a incompletude do Outro atua como causa da falta, a partir da qual o sujeito se constitui como desejante. Lacan (1964/2008) afirma que é na separação que termina a circularidade da relação do sujeito com o Outro. O seu ser não pode ser totalmente coberto pelo sentido dado pelo Outro; há sempre uma perda.
A relação do autista com a linguagem, entretanto, não se submete às leis que fundamentam neurose e psicose, embora autismo e psicose por muito tempo tenham andado irmanados. Nesse contexto, emergiram e emergem questionamentos acerca de como esses sujeitos estabelecem suas conexões com o mundo simbólico, com o Outro, e como constroem seus modos de expressão. Por isto mesmo, causou e ainda causa polêmica dizer que o autista está na linguagem. Mas, vale aqui ponderar que se Lacan, em seu tempo, em poucas oportunidades falou sobre o autismo, nelas deixou indicações preciosas sobre essa questão.
Na Conferência em Genebra sobre o sintoma, por exemplo, Lacan (1975/1998, p. 12) fez determinadas ponderações que se constituíram em balizas importantes para abordar a possibilidade de os autistas estarem presentes, de alguma forma, na linguagem. Logo após a abertura do debate que ocorreu na sequência da conferência, o Dr. Cramer, que tratava de autistas, lhe perguntou acerca do que faz com que uma criança seja receptiva a uma ordem simbólica que a mãe lhe transmite, pois constatava que os autistas não conseguiam ouvir, permaneciam acuados. E Lacan responde: “Como o nome indica, os autistas escutam a si mesmos”. Ouvem muitas coisas e, em alguns casos, o fato de escutarem pode, inclusive, desembocar numa alucinação, recordando que a alucinação “sempre tem caráter mais ou menos vocal”. Nesse caso, trata-se de considerar, precisamente, “de onde eles escutaram o que articulam”, de buscar saber acerca, pois parece que tanto nos esquizofrênicos quanto nos autistas algo se congela. A dificuldade para escutá-los não impossibilita que sejam personagens bastante verbosos.
Estas são considerações que permitem pensar a presença de algo da ordem de uma alteridade, no autismo, bem como não o tomar imediatamente no campo das psicoses. No contexto atual, por exemplo, ainda se discute onde situá-lo nos modos classificatórios. Um debate esquematizado se organiza basicamente em três posições: os defensores da unidade estrutural entre o autismo e a psicose; os que apresentam o autismo como uma estrutura subjetiva diferente da psicose, isto é, uma quarta estrutura; e os que o definem como uma a-estrutura. Os autores deste texto se respaldam na tese de que o autismo é uma quarta estrutura subjetiva, tal como haviam proposto, de forma inaugural, Rosine e Robert Lefort (2003/2017). Trata-se de importante debate, mas desenvolvê-lo aqui mudaria um pouco o rumo do texto e o tornaria demasiado extenso. Melhor voltar à rota.
De fato, as reflexões acerca da constituição do sujeito trouxeram enigmas relativos à alteridade própria da estrutura da linguagem. Lacan a aborda por meio do conceito do pequeno outro e do grande Outro, um conceito complexo que permeia diversos momentos de sua obra. Ela envolve, portanto, relação constitutiva com e a partir do Outro, o reconhecimento da diferença, e o autista fez pensar que, mesmo tocado pelo significante, na relação com o Outro, o ser ficaria aquém da articulação significante.
Ao escreverem livros ou ministrarem palestras, os autistas que o fazem testemunham, de alguma maneira, que para eles há possibilidades de encontrar soluções no trato com a alteridade. As articulações lacanianas, na verdade, consideram que o infans está na linguagem, que o sujeito é marcado, sim, pelo significante que lhe vem do Outro. Não há sujeito fora da linguagem; ele é determinado pela fala e pela linguagem, “nasce no que, no campo do Outro, surge o significante. Mas, por esse fato mesmo, isso – que antes não era nada senão sujeito por vir – se coagula em significante” (Lacan, 1964/2008, p. 194).
Na sequência de estudos sobre o assunto, e enfrentando impasses, Jean-Claude Maleval (2020) propôs, em sua argumentação/fundamentação, que nos casos de autismo há uma recusa precoce do que vem do campo do Outro; porém, resta a esses sujeitos a possibilidade de uma alienação que seja ao menos parcial. Consequentemente, se a clínica tem ensinado que as crianças autistas demonstram certa defesa em relação ao Outro da linguagem, essa posição não significa que estejam fora da linguagem. Nesse caso, o Outro pode ser visto como um intruso, e seu excesso de presença põe o sujeito em posição de promover um intenso trabalho de distanciamento.
Assim, os textos autobiográficos têm sido estudados no campo psicanalítico como uma invenção singular do sujeito autista, um recurso que incorpora características específicas de cada escritor. Eles são, de fato, ensinamentos. A relação particular com a linguagem, incluindo os autistas que não falam, pode ser constatada mediante os variados testemunhos daqueles que preferem se expressar pela escrita.
A psicanalista e pesquisadora da literatura de autistas Marina Martins Bialer (2015), desponta com alguns trabalhos sobre os efeitos terapêuticos da escrita para autistas, ajudando-os na tentativa de modalizar o gozo. Em suas palavras pode-se ler: “A importância da escrita no campo do autismo é particularmente enfática no caso de autistas não verbais, incapazes de utilizar a voz para se comunicar oralmente” (2015, p. 222). A psicanalista Suzana Faleiro Barroso (2018, p. 53), nessa mesma direção, diz que “[…] por meio das invenções, o autista torna manejável o traumatismo causado pelo encontro com a língua do Outro, que desencadeou o fechamento autístico”.
As escritas realizadas por pais de autistas, disponíveis em publicações para os interessados e para aqueles que não têm o privilégio de se deparar com elas durante o tratamento de algum filho, buscam, por sua vez, compartilhar suas experiências frente ao autismo e comunicar a outras pessoas um pouco mais sobre o mundo de isolamento de seus filhos. Nelas a angústia aparece, pois eles dizem sobre ela, de certo modo a tratam nessa forma de escrita que busca engajamento nos laços e movimentos sociais que pretendem alcançar oportunidades e direitos iguais para essas pessoas.
Para Tânia Ferreira e Ângela Vorcaro (2017, p. 53), a literatura de autistas e de pais de autistas contribui “para localizar não só o que é para eles o autismo, mas, ao mesmo tempo, e no mesmo gesto, identificar nos seus escritos suas estratégias de ‘compensação’”. As autobiografias, assim, delineiam-se como um importante recurso para compreender como um sujeito – que recusa o Outro, absolutamente singular no modo de ser – pode inventar modos de conexão com o mundo.
Autobiografia: testemunho da ordem do memoriável
A psicanálise, campo teórico/prático que orienta este trabalho, tem ensinamentos acerca do valor dos textos literários. Eles estão presentes em Sigmund Freud, por exemplo, em suas elaborações sobre o complexo de Édipo, a partir de Édipo Rei, de Sófocles. Em Lacan (1975-1976/2007), também exemplificando e escolhendo o tempo de sua segunda clínica, há o estudo sobre o escritor James Joyce.
O estudo de Lacan sobre Joyce estimulou pesquisas acerca da função assumida pelo ato de escrever e possibilitou verificar, em alguns casos, que a escrita serviu de solução para lidar com o excesso de gozo que acomete o sujeito. Os mesmos efeitos, no entanto, não ocorrem no autismo, até onde a clínica tem ensinado, o que exige pensar as implicações dessas produções literárias em plano diferente de uma psicose.
Dentro do vasto campo da literatura, a autobiografia é uma categoria de escrita marcada pelo caráter confessional e autoficcional. Esta segunda categoria é marcada pelo reconhecimento da impossibilidade de uma autobiografia em sua totalidade, reconhecendo o processo de ficcionalização da própria vida. De acordo com a psicanalista Márcia Maria Rosa Vieira,
Os escritos íntimos ou autobiográficos constroem e sustentam um mito de que ninguém melhor do que o próprio sujeito para dizer a verdade sobre ele mesmo, postulando com isso uma consciência reflexiva capaz de se confessar e de, com sinceridade absoluta, produzir uma verdade que se diz toda. (Vieira, 2010, p. 3)
É nesse sentido que se encontra nas autobiografias uma escrita de si, uma escrita em que o sujeito aborda sua própria história como tema de seus escritos. Nesse momento, em que o sujeito se defronta consigo próprio, a questão autobiográfica aparece como tentativa de dar conta de sua existência. Além disso, essa escrita porta uma singularidade, pois ao escolher esse recurso literário o sujeito tem como objeto de análise sua própria história de vida. A reconstituição dessa história de vida, como unidade ao longo de um tempo, acaba por formalizar um testemunho de si.
O testemunho que se está discutindo é entendido como um endereçamento aos outros, principalmente a partir daqueles casos em que o sujeito relata ter passado por algum evento traumático em sua vida (Mariani, 2016). No autismo, pensando aqui nas situações em que há a rejeição de toda e qualquer dependência em relação ao Outro, o sujeito trabalhará para se defender do gozo que o atormenta. Por não estar totalmente desligado do Outro, procura estrategicamente proteger-se. Em alguns casos, refugia-se num silêncio profundo.
Bethania Sampaio Corrêa Mariani (2016) diz que é da ordem da dimensão do indizível, de furo presente na linguagem, que o testemunho pode ser pensado. Segundo a autora, dar um testemunho aponta para esse lugar urgente. Para ela, o aspecto determinante é transmitir aos outros, por via oral ou escrita, a experiência traumática, tanto para não esquecer quanto para não deixar os outros esquecerem. O testemunho, portanto, termina por ser da ordem do memoriável.
As escritas autobiográficas de autistas e de familiares não são neutras. O sujeito trará consigo o espaço em que se insere, bem como opera e articula uma série de elementos cujos referentes são próprios, mas que também são orientados pela cultura, isto é, pelo discurso do Outro contemporâneo. Verifica-se, portanto, que as escritas de si comportam uma transmissão na língua que responde a esse Outro, abordando reflexões sobre o que é o autismo e como vive um(a) autista.
Dito isso, alguns autistas, diante do real, escolhem a escrita como via de testemunho de uma vida, em vez de cair na solidão. E a escrita inventiva nada mais é que a tentativa de dominar o excesso que se apresenta, no corpo, por falta de mediações simbólicas para representá-lo e, portanto, para atenuar esse excesso.
A escrita usualmente guarda uma relação estreita com o simbólico. Mas, na psicose e no autismo, algo escapa a essa regra: o ato de inventar, criar e escrever sobre seus personagens e suas vidas é uma tentativa de produzir uma história de si e, pelos efeitos desse ato, também há uma tentativa de simbolização. O psicanalista francês Joseph Attié (2012/2014), inspirado no último dos três ensinamentos de Lacan, diz que há uma dimensão de real que procede da pulsão que não cessa de se escrever, de se repetir, até que algo se simbolize e tempere um pouco seu gozo na pulsão. Attié situa o real como aquilo que está na causa e, por isso, há sempre uma causa naquilo que nos faz dizer, escrever ou fazer alguma coisa.
Na psicose, sabe-se que a relação com a linguagem é peculiar. Os psicóticos não atribuem a si mesmos diagnósticos; na escrita pode aparecer, por exemplo, a revelação súbita de uma verdade, a certeza de que alguma injustiça foi cometida contra eles, algo que caracterizasse uma desvantagem a eles imposta e que justificaria reivindicações de compensação. Ou ainda, eles podem acreditar serem perseguidos porque fizeram grandes descobertas sobre o mundo. No que diz Lacan (1957-1958/1999), a carência da simbolização, na psicose, ocorre pela foraclusão da Metáfora Paterna, do Nome-do-Pai, metáfora essa a responsável pela criação do registro simbólico, de significações, da centralização do sujeito no mundo, guiando-o por uma lei. Como na psicose o sujeito carece desse significante, a escrita pode ser tomada como suplência, produz corpo, cria um nome, uma identidade, procura barrar a intensa invasão do exterior.
Éric Laurent (2012/2014), no livro A batalha do autismo, estendeu ao autismo a noção lacaniana de foraclusão, o que explica a lógica dos fenômenos de linguagem e de gozo nas psicoses, porém diferenciando-a. Reconhece aí outra forma de foraclusão que não seja a do Nome-do-Pai, ou seja, a foraclusão do furo. Na psicose a foraclusão incide no significante, enquanto no autismo ela incide na dimensão do real.
Nessa perspectiva, na psicose e no autismo falta a delimitação de uma borda simbólica desse furo. A relação com o escrito será própria e singular, correspondendo ao que Attié diz: “Na realidade, o inconsciente é vazio. É uma página branca. […] É a palavra que o constitui, ou seja, é a palavra que escreve pela primeira vez o que nunca esteve ali” (2012/2014, p. 4). Assim, mesmo no autismo, onde a linguagem pode estar interrompida, ela não deixa de impor sua presença parasitária.
Diferentemente dos escritos dos psicóticos, os escritos dos autistas mostram que muitos deles buscam explicar e reivindicar, de modo inteligente e com capacidade, seu modo singular de funcionamento. E demonstram as inúmeras soluções inventadas para lidar com um mal-estar que se apresenta, muitas vezes, de forma radical e deslocalizada, gerando isolamento e precariedade nos laços.
Fragmentos de autobiografias de autistas
Como literatura autobiográfica desses sujeitos, um exemplo é o testemunho de Naoki Higashida, jovem escritor japonês, que manifesta sua vontade de compartilhar o que pensa e o que sente sobre o funcionamento autístico, além de expandir a compreensão sobre o assunto. A partir de suas histórias literárias, Higashida busca comunicar-se com outras pessoas, no sentido de entenderem o que é viver com autismo:
Por favor, não suponham que cada palavra que dizemos é aquilo que pretendíamos. Sei que isso dificulta a comunicação – e não conseguimos sequer usar gestos –, mas queremos muito que vocês entendam o que se passa em nossos corações e mentes. E, no fundo, meus sentimentos são bem parecidos com os seus. (Higashida, 2007/2014, p. 28)
Higashida (2007/2014), no livro O que me faz pular, solicita que as pessoas cuidem dos autistas, pois assim eles ficarão mais fortes, só pelo fato de elas estarem por perto e atentas às questões deles. Ressalta a importância de as pessoas e familiares não desistirem e terem uma tolerância e reconhecimento de que eles precisam de ajuda externa. Em vários trechos, Higashida dirige-se, explicitamente, ao seu leitor, pedindo que lhe dê apoio emocional e aposte na possibilidade de que o autor desenvolva suas potencialidades. Nesse âmbito, o leitor do texto é convocado a oferecer suporte emocional, o que pode ser evidenciado em seus reiterados apelos: “Por favor, não desista de nós” (Higashida, 2007/2014, p. 23).
Segundo Bialer (2014), a escrita inventiva desse autor foi uma importante modalidade terapêutica. Além de ajudá-lo a expressar-se oralmente, a autora expõe que “sua escrita é dirigida como um pseudópode, na esperança de que os outros humanos possam compreender quanto ele gostaria de poder expressar seus sentimentos e se comunicar com as pessoas” (Bialer, 2014, p. 73). Higashida falava poucas palavras, apresentando toda a sintomatologia kanneriana, tal como realizar movimentos repetitivos de pular e bater as mãos, tapar os ouvidos como forma de criar barreiras de proteção que impedisse ser invadido por ruídos intensos etc. Quando enfim consegue se expressar, ele realça seu sentimento de felicidade ao poder se comunicar com as outras pessoas pela escrita e, ainda, evidencia como conseguiu superar os comportamentos antes incontroláveis. Ele diz:
É uma sensação incrível! Não conseguir falar significa não compartilhar o que a gente sente e pensa. É como ser um boneco que passa a vida toda em isolamento, sem sonhos ou esperanças. É claro que levou um bom tempo até eu começar a me comunicar através do texto por conta própria. Porém, desde o primeiro dia em que minha mãe me ajudou guiando minha mão para escrever, eu comecei a descobrir uma nova forma de interagir com as outras pessoas. (Higashida, 2007/2014, p. 19)
Bialer (2014) acredita que a escrita autoral pode ser, então, uma estratégia essencial para que o autista se expresse e amenize seu sofrimento psíquico. Segundo ela, as situações de exclusão potencializam as dificuldades do autista em evoluir no espectro, tais como persistentes diagnósticos de retardo mental, crianças deixadas de lado ou sofrendo agressões, bullying de outros colegas e pessoas que, sem intenção, eram invasivas e agressivas. Esses fatores concretos, somados às questões subjetivas, contribuem para o acirramento do isolamento autístico.
A marcante ausência de enunciação, a verborragia e as especificidades do balbucio do autista estão interconectadas com sua recusa da dimensão gozosa da linguagem, o que implica a singular modalidade de inscrição no campo da linguagem, tal como discutido na primeira seção deste texto. Essas situações o levam a experimentar dificuldades para estabelecer laços sociais, exprimir os afetos e a fala. Com isso, os autistas sofrem com a solidão e com as dificuldades de se expressar por meio da voz. Eles não têm dificuldade em adquirir a linguagem, mas de tomar uma posição de enunciação. Os escritos autobiográficos, contudo, podem funcionar como um dispositivo para que consigam se expressar.
Esse tipo de escrita, na vida de Daniel Tammet (2006/2007, 2017), por exemplo, tem um impacto transformador, que o ajudou no enlace social. Sua escrita pode ser entendida como um recurso que foi além do traço sobre o papel. O repertório linguístico de Tammet é oriundo de suas invenções por meio da mistura das diversas línguas que ele estudou, e de sua apreciação estética por alguns sons e formas. Dessa forma, ao escrever seus livros, Tammet demonstra as estratégias de compensação que lhe permitem pensar sobre si, sobre o mundo e sobre os outros.
Ao que tudo indica, as publicações de Tammet comportam não somente a escrita de si, mas o fato de que sua publicação o insere no laço social, ao comunicar sua posição sobre o que pensa sobre o autismo. Ademais, tem o intuito de poder ajudar outros autistas e familiares a viverem melhor com sua especificidade. Tudo isso revela o caráter que essa escrita autobiográfica passa a cumprir em sua vida.
Para chegar à escrita, esses sujeitos passaram por um percurso laborioso, que supõe a construção de mecanismos de defesa contra a angústia, em face da dimensão gozosa da linguagem. A partir dos vários testemunhos a que se pode ter acesso, é patente que enfrentar os desafios é uma luta interna e particular, ao mesmo tempo que é necessário o apoio do entorno. Nisso, os autores autistas podem transmitir o que pensam acerca desse modo de viver a vida, e ensinar como lidar com crianças em situações semelhantes, dirigir-se a outros semelhantes, com um enfoque otimista, mas sem negar os obstáculos.
Nessa rica literatura, portanto, encontram-se textos que se dirigem à família e ao leitor (não autista), bem como a outros autistas, na busca de serem escutados, inclusive naquilo que têm a ensinar. E, nessa mesma direção, há reivindicações no campo social e político, bem como tentativas de compreender seu funcionamento. Esses autores escrevem com o intuito de explicar o que em geral veem e é visto como doença, e situar em qual diagnóstico se encontram dentro do espectro. Há casos daqueles que gostam que as pessoas saibam que eles têm um saber sobre si mesmos e, consequentemente, desejam ser incluídos na produção cultural como autores literários.
Na psicose, vê-se que a escrita pode aparecer como um delírio, construindo a história do sujeito, ou também como ponto de basta, marcando, com a palavra, extraindo gozo. A escrita, no autismo, por outro lado, surge como um modo de dar voz àqueles que não podem ou não conseguem ser escutados. O efeito de apaziguamento resulta de um tratamento por meio da letra, pela repetição, como muito bem demarcou Laurent (2012/2014).
Laurent (2012/2014) destaca que uma palavra qualquer que se pronuncia pode submeter uma criança autista a um horror particular, ao trazer um excesso de excitação que invade seu corpo. A solução desses sujeitos passa então pela relação com a letra, as listas, os objetos de caráter particular. O autor nos diz que, diante da “forclusão do furo” (p. 79), devemos buscar desfazer um modo específico de relação com a letra, para diversificá-la. É a busca de produzir, em suas palavras, “a instância da letra tronco” (p. 127) como tratamento do acontecimento de corpo para esses sujeitos. A partir dessa diversificação da letra, o interesse do sujeito pode ser mobilizado e, assim, ter “acesso a um mundo de uma literalidade mais rica” (p. 127).
Diante das inúmeras soluções inventadas para lidar com o que é disruptivo e atordoante, a escrita tem sido vista como um dos elementos da borda autística, formação protetora frente a um Outro ameaçador, que se pode impor como recurso para permitir que aquilo que não pode ser falado na cena social por meio da voz, possa ser dito por escrito.
Fragmentos de autobiografias de pais de autistas
A escrita dos pais de autistas, por sua vez, tem o valor de ensinar sobre a posição subjetiva desses sujeitos e busca mostrar a melhor forma de acompanhar os filhos. Ademais, nela pode-se depreender o processo de politização em torno da questão do diagnóstico e as reivindicações em prol de direitos, no campo político, junto às diversas instâncias de controle governamental.
Laurent (2012/2014) observa que, a partir da noção de espectro, o diagnóstico de autismo ampliou-se tanto que a quantidade de sujeitos supostamente afetados se multiplicou por dez em vinte anos, até atingir a frequência de uma criança em cada cem. Segundo Barroso (2018), na ocasião em que o autismo foi categorizado, na terceira edição do Diagnostic and Statistic Manual of Mental Disorders (DSM-III), contabilizava-se uma criança autista em 150. Ela informa que, em abril de 2018, o governo dos Estados Unidos, por meio do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), divulgou que há um autista para cada 68 crianças típicas. Esses dados são de 2012, mas foram divulgados em 2016, e revelam que houve um aumento de 15% desde sua medição.
O interessante, e que merece atenção, é o aumento de escritos de pais de autistas, que surge quase que paralelamente ao aumento de diagnósticos sobre autismo. Como se pôde observar e comentar anteriormente, ocorreu no último decênio um aumento repentino de diagnósticos, mas, à medida que ocorreu esse aumento, os escritos dos familiares de autistas também ganharam notoriedade.
Nesse sentido, tais escritos podem nos ajudar esclarecer, inclusive, a estrutura da epidemiologia desse aumento de casos. De partida, verifica-se que a militância existente nas autobiografias se manifesta em uma série de alianças e dissensos em torno das seguidas versões do diagnóstico do autismo pela psiquiatria, a última das quais lançada em 2023 (APA, 2023). O DSM, desde então, passou a adotar uma categoria globalizante denominada Transtorno do Espectro Autista (TEA), englobando o transtorno autista, a síndrome de Asperger e o transtorno global do desenvolvimento.
Ariadne Messalina Batista Meira (2020) ressalta o aspecto político e subjetivo, presente nos testemunhos por eles escritos. Entende-se que os escritos dos pais têm também essa mesma característica. Nas palavras da autora,
[…] para alguns, [a escrita] é uma oportunidade de ser porta-voz daqueles que não alcançaram ainda meios de comunicação verbal ou alternativa; é também espaço para dizer de seu funcionamento, trazer mais conhecimentos sobre o mundo do autismo, apontar críticas às teorias e métodos e dirigir seu apelo ao mundo na busca de melhores tratamentos; outros contam de suas dificuldades, reivindicando mais inclusão, seja na escola regular, universidades ou mercado de trabalho; há ainda aqueles que militam pelo movimento da neurodiversidade, entendendo o autismo como um funcionamento dentre vários no mundo e, portanto, não como uma doença; ao mesmo tempo que há aqueles que dirigem uma demanda por cura, diante das dificuldades impostas pelo autismo. (Meira, 2020, p. 94)
A escrita, assim, é um modo de dar voz àqueles que não podem ou não conseguem ser ouvidos, tanto no campo psicopatológico quanto no campo político, configurando uma modalidade por meio do qual o sujeito moderno passou a dizer-se. No livro Meu menino vadio: Histórias de um garoto autista e seu pai estranho, de autoria do jornalista Luiz Fernando Vianna (2017), encontra-se o relato de sua saga com o filho adolescente com severas dificuldades psíquicas e sociais. O testemunho é recheado de referências familiares e escrito com franqueza, revelando momentos de altos e baixos, de ternura e desespero do cotidiano ao lado do filho. A narrativa dá ênfase às construções sociais do autismo e à concepção da luta política acima das lutas individuais, e traz reflexões sobre relações familiares, direitos, rótulos, normalidade, medicação, terapêuticas, educação, entre outras. Um dos pontos importantes da obra de Vianna (2017) é o fato de como ele expõe o aprendizado que adquiriu com o autismo. Por meio da leitura das diversas biografias e autobiografias de outros autistas, ele pôde construir um novo olhar para com seu filho e, no mesmo gesto, pôde testemunhar a própria experiência.
A partir de uma perspectiva mais íntima da família, ainda que influenciada pela atualidade social, têm surgido também autobiografias com relatos sobre a angústia dos pais frente ao diagnóstico dos filhos. No artigo Escritura e Psicanálise: O debate sobre os escritos íntimos e a extimidade, Vieira (2010, p. 3) discute justamente o surgimento dessa modalidade de comunicação: “Assistimos a uma proliferação infinita dos escritos íntimos, a ‘um culto dos arquivos de si’ […], na forma de testemunhos, de relatos autobiográficos, de blogs, etc., na nossa contemporaneidade”.
A questão do testemunho assumiu, para Caterina Koltai (2016), devido às catástrofes históricas do século XX, uma relevância inédita, que levou algumas pessoas ao ato de escrever para que pudessem testemunhar a ruptura do pacto social e uma humanidade destruidora de si mesma. Esse tipo de escrita, diz a autora, nasce em virtude de uma proximidade anormal com a morte. Ela cumpre a função, percebida por alguns, de integrar, ainda que minimamente, o excesso de real em jogo na experiência traumática.
Nos trabalhos sobre a literatura de testemunho, Primo Levi (n.1919-m.1987) é sempre lembrado por sua obra. Ele foi um prisioneiro e sobrevivente em Auschwitz-Birkenau2, e escreveu memórias, contos, poemas e novelas. É mais conhecido por seu trabalho sobre o Holocausto, em particular expresso no livro É isso um Homem? (1947/1988), considerado um dos mais importantes trabalhos memorialísticos do século XX. Nele, Levi relata o que havia passado no campo de concentração em termos de perda da dignidade de si, numa posição limite, nem vivo nem morto e, sobretudo, sem voz (Mariani, 2016).
O que isso nos importa? No caso de Levi, a angústia do sobrevivente é revelada, inicialmente, pelo esforço empregado para se entender a natureza do ocorrido. Em seguida, ela se intensifica devido ao ato imperativo de narrar, de transmitir a experiência. De acordo com Mariani (2016), o acontecimento do Holocausto escapa à seriação histórica, isto é, de puro acontecimento real. Desse modo, o testemunho de Levi é uma tentativa de simbolização, mas que deixa um resíduo indizível, pois nem tudo é possível contar.
Do mesmo modo como os autistas encontraram na escrita uma solução para seu (auto)tratamento e comunicação, muitos familiares têm encontrado na escrita um recurso que propicia a invenção de uma condição de pais frente ao real do autismo. A escrita é utilizada para além de tratar um mal-estar, já que propicia uma implicação subjetiva, uma construção que envolve o singular do desejo de cada um, ou seja, como cada um lidará com sua própria condição em relação ao filho.
Lucimar Brandão de Oliveira (2019) escreve um pouco sobre a angústia dos pais diante do diagnóstico de autismo. Para essa autora, o encontro com o desconhecido, no autismo, é um dos fatores que provocam maior apreensão na mãe: “O autismo entra na vida da mulher como uma importante contingência, podendo alterar o desejo da mãe sobre esse filho que recusa seu investimento libidinal, podendo fazer instaurar entre os dois um abismo” (Oliveira, 2019, p. 1294). A notícia de que o filho é autista, segundo a pesquisa dessa autora, interpela a mãe no exercício da maternidade, e pode incidir diretamente sobre seu desejo e fragilizar a relação mãe e filho.
A relação entre escritos e angústia é encontrada recorrentemente, em diferentes obras. No livro Brilhante, Kristine Barnett (2013) conta toda sua saga em torno do filho autista, que apresentava muitas limitações, mas que, com a persistência dela, pôde alcançar um extraordinário nível acadêmico. Jacob Barnett tornou-se, aos 12 anos de idade, pesquisador renomado em física quântica numa universidade nos Estados Unidos. A mãe relata minuciosamente os investimentos que ela e seu marido fizeram após o filho ser diagnosticado com autismo, ainda bem pequeno. Ela disse que escreveu o livro porque acredita que a história do filho é um exemplo para outras crianças e famílias.
Outro exemplo vem do jornalista americano Ron Suskind, que conta a história de seu filho Owen, na biografia Vida animada: Uma história sobre amizade, heróis e autismo (2017), livro que inspirou também o documentário Life, animated (2016), dirigido por Roger Ross Williams. Esse documentário é um extenso relato do recurso escolhido por Owen, que o guiou desde os seis anos: os filmes da Disney, os diálogos entre os personagens e as músicas. Owen perdeu sua voz aos três anos, mas, de forma inesperada, passou a se reconectar com o mundo a partir dos desenhos animados, pelos quais é fascinado e assiste compulsivamente. Ele se apoia progressivamente nos diálogos entre outros filmes, a exemplo de A pequena sereia, descoberta emocionante descrita pelo escritor, quando, na adolescência, Owen encontrou Emily e iniciaram um namoro. Ele recorre à Dama e o vagabundo como um roteiro para se organizar e nortear seu namoro e sua conduta. Os filmes, assim, orientam também o processo criativo de invenção de suas próprias histórias e roteirizam sua autonomia.
Essas obras, contudo, têm tido grande importância e são de grande valia para a clínica. Além da utilidade clínica, a escrita dos pais também tem sido usada como instrumento de compreensão do que é o autismo, como forma de transmitir o que apreenderam frente ao que viviam. Como se pode notar, as manifestações dos filhos são apresentadas como perturbadoras, angustiantes para o entorno familiar e o círculo próximo. Pode-se dizer que a escrita autobiográfica, tanto para pais como filhos, mostra o modo como cada sujeito localiza, nomeia e opera com os pontos de real, ou mesmo de opacidade que lhes apresenta, propiciando um trabalho reflexivo no qual outros possam se inspirar.
Considerações finais
Após o que se escreveu sobre o potencial das escritas autobiográficas e suas implicações subjetivas, aqui especialmente as realizadas por autistas e seus pais, espera-se que luzes continuem sendo lançadas sobre o fato de que há um sujeito inscrito no testemunho, há enunciação naquilo que é narrado. Tais ensinamentos recolocam em cena a dimensão da singularidade de cada sujeito que ainda hoje é apontado como incapaz de dizer.
A interlocução entre a psicanálise e a literatura é antiga; já estava presente nos recursos de que Freud lançou mão em suas formalizações. E, mais recentemente, o estudo das autobiografias no contexto do autismo tem se tornado material que contribui para aprofundar e alargar perspectivas clínicas e investigativas, e propicia pensar sobre os impactos para o próprio sujeito e suas relações familiares.
As autobiografias oferecem-se para discussão, pois nelas se pode observar um esforço sistemático de análise do próprio funcionamento psíquico, a maneira singular de inserir-se no mundo, de estabelecer relacionamentos, de construir a apreensão de si e da realidade. Já não se pode ignorar que a escrita, além de importante anteparo, permite a esses sujeitos a comunicação com os outros, até mesmo no cenário das singularidades de seu funcionamento psíquico (Bialer, 2014). Ela permite, consequentemente, que cada sujeito, em suas possibilidades elaborativas, no laço social, concretize uma experiência potencialmente autoterapêutica.
A escrita dos pais, por exemplo, em meio à turbulência que o diagnóstico traz, deixa transparecer sofrimento a partir de palavras como “angústia”, “frustrações”, “saga” e “desamparo”. As particularidades da sintomatologia autística frequentemente fazem com que as pequenas atividades do cotidiano sejam, então, relatadas como exaustivas, deles exigindo um esforço gigantesco, principalmente no caso das crianças com manifestações sintomáticas clássicas mais evidentes.
Nelas se notam, no entanto, tentativas de dar conta da experiência do dia a dia. São exemplos que mostram que o sentimento da família pode ser incentivador de uma perspectiva que leva em consideração a potência e não a deficiência do filho. Em geral, tratam de pensar não sobre agentes causadores do autismo, mas de considerar o que se pode conquistar e transmitir acerca de intervenções de sucesso e formas de cuidado bem-sucedidas.
De modo geral, a narrativa é ficção, construção própria, permeada pelo contexto em que está inserida e pelas implicações subjetivas do que se narra. Nas palavras de Laurent (2012/2014, p. 123), “cada um apresenta um registro que deve ser distinguido em sua dimensão própria”. Mas a ficção pode oferecer-se ao laço social. Assim, é importante pensar a relação do sujeito autista com sua obra, pois se sua posição em relação ao mundo externo tem a perspectiva de contato com os variados discursos estabelecidos, pode haver aí uma possibilidade de ele se valer desses discursos como parceiros. Ao se considerar a possibilidade de uma parceria em que o autista se insira, mediado pela construção ou invenção de uma ficção particular, estabelecida como meio de regulação do gozo, resulta com isso também a possibilidade de construção de alguma forma de laço social.
A psicanálise aposta na existência de um sujeito autista com sua maneira particular de se posicionar frente à linguagem, levando em conta sua forma de interagir com o mundo. Os testemunhos desses sujeitos e seus familiares fazem crer que tal aposta é sensata e tem muita força. Se o conhecimento sobre o autismo continua incompleto, e supõe polêmicas e variados ângulos para se refletir sobre o assunto, há também a constatação de possibilidades de avanços no tratamento. Tal como Lacan (1975/1998) advertiu, se para os autistas há dificuldades para escutar, há, certamente, algo a lhes dizer.














