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Jornal de Psicanálise
versão impressa ISSN 0103-5835
J. psicanal. vol.49 no.90 São Paulo jun. 2016
DEPOIMENTOS DOS EDITORES
2011: Nishikawa / Vettorazzo Filho
Eunice Nishikawa
Membro efetivo da SBPSP. eu.nishi@uol.com.br
Por que Jornal? Foi a primeira pergunta que nos ocorreu como editores do Jornal de Psicanálise, nos anos de 2011 e 2012. Os colegas que participaram da equipe editorial durante esse período, e alguns estiveram presentes em um único número, mas todos deixaram inscritas suas contribuições para essa publicação tão importante da nossa instituição: Abigail Betbedé, Alexandre Socha, Beatriz Helena Peres Stucchi, Daniel Kauffmann, Marta Úrsula Lambrecht, Miriam Altman, Raquel Elisabeth Pires, Sonia Maria Camargo Marchini, Suzana Kiefer Kruchin, Valeria Gimenes Loureiro e Vera Lúcia Martins Wehb.
Diante de nossa pergunta inicial, voltamo-nos para uma reflexão sobre a função deste periódico, que desde sua origem está ligado ao Instituto de Psicanálise, órgão formador dos psicanalistas da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Pensamos no Jornal tendo uma dupla inserção, pois é do Instituto e da Sociedade, mas com o compromisso de ser receptáculo para uma atividade em constante transformação, relativa à constituição da identidade do psicanalista. Ressaltamos aqui a manutenção do que consideramos a marca do Jornal, qual seja, sua função ligada ao ensino e à pesquisa, presente desde seu primeiro número, sendo a editora d. Virginia Bicudo.
Fomos percebendo também a importância do Jornal como memória da nossa instituição, e isso em um sentido específico, pois é um periódico ligado à formação do analista, evidenciando a cada momento as indagações decorrentes dos modelos vigentes no vir a ser analista. O Jornal seria, nesse contexto, um dos desdobramentos da memória do psicanalista, na tentativa não só de ser um registro, mas também de permitir que a escrita ali publicada ganhasse nova vida ao ser revisitada e fosse ressignificada a posteriori, como parece ser a proposta deste número comemorativo de seus 50 anos.
Eu já tinha participado do Jornal de Psicanálise na gestão de Maria Olympia França, editora junto com Elizabeth Rocha Barros, e depois quando o Jornal tinha à frente Luís Carlos Menezes como editor, entre os anos de 1990 e 1994, e pude testemunhar a mudança que nele ocorreu desde então. Foi um periódico que ganhou importância no meio científico, ganhou corpo, foi indexado, o que também implicou seguir certos padrões editoriais. Se, de um lado, o Jornal ganhou em maturidade científica, de outro, ele deixou de ser uma publicação em que os candidatos/membros filiados pudessem trocar de maneira mais direta com seus pares, colegas, professores.
Optamos, da mesma forma, por manter a versão eletrônica do Jornal, o que obrigou a um cuidado maior com o sigilo profissional sobre o caso clínico e a uma discussão quanto à natureza da escrita psicanalítica. Outra questão espinhosa foi quanto à avaliação do artigo para publicação, que procuramos rigorosamente manter em anonimato, visando a isenção quanto ao parecer por ele recebido, e muitas vezes solicitamos a ajuda de outros pareceristas. Essas foram algumas preocupações com que nos deparamos, as quais, acredito, continuam presentes no trabalho da atual equipe editorial, além de outras mais, pois a edição de cada número acarreta uma série de questões novas, conflituosas, mas estimulantes para o nosso desenvolvimento. Enfim, cuidar de uma publicação é algo muito difícil, trabalhoso, mas é também trabalhar com um elemento vivo, pulsátil, e aí reside um paradoxo, pois, como nos lembra André Green, "ler e escrever constituem um ininterrupto trabalho de luto" (Green, 1988, p. 326).
Ao sermos solicitados, pela atual equipe editorial do Jornal, a indicar um artigo que consideramos significativo sobre o tema da "formação do psicanalista", o nosso olhar recaiu sobre "Fundamentação conceitual do currículo e da avaliação no processo de formação psicanalítica", escrito por Homero Vettorazzo Filho. São dois os motivos para essa escolha. De um lado, o mérito do trabalho do autor, uma profunda reflexão sobre o processo de formação do analista, em relação ao ensino das teorias em psicanálise, que, junto com a análise pessoal e supervisão, constituiria o terceiro elemento do tripé da formação do psicanalista, e, incluindo também um quarto elemento, o ambiente institucional, ele nos propõe pensar a questão curricular. O segundo motivo é uma homenagem a esse autor que nos deixou relativamente jovem, em um momento frutífero de sua carreira, tendo tido uma trajetória de busca incansável pelo conhecimento e pela verdade. Vocês podem conferir a nossa escolha na leitura de seu trabalho.
Por fim, em nome das pessoas que participaram dos números 80, 81, 82 e 83 do Jornal, parabenizo a atual equipe editorial pela iniciativa deste número comemorativo.
Fundamentação conceitual do currículo e da avaliação no processo de formação psicanalítica1
Homero Vettorazzo Filho2
Resumo: O autor discute critérios e princípios subjacentes à concepção conceitual do currículo, considerado em sua função no tripé que fundamenta o processo da "formação psicanalítica". Parte do princípio de que pensar o processo de formação é pensar primeiramente em formação de subjetividade. Portanto, considera que a autonomia do membro filiado e o desenvolvimento de sua própria experiência de teorização devem ser os princípios básicos priorizados na concepção de um currículo. É sob este vértice que o autor aborda o conceito e a função dos módulos optativos no currículo. Nesse contexto, é debatido o conceito do "respeito às tradições" no processo de formação. Com relação à avaliação de membros em formação é posto em debate o risco de um controle institucional rígido, na contramão de um processo de formação que vise a uma ação subjetivante, ou seja, não alienante.
Palavras-chave: currículo, formação psicanalítica, subjetividade, módulos eletivos, controle institucional
Base conceptual del currículum y evaluación en el proceso de formación psicoanalítica
Resumen: El autor analiza los criterios y principios subyacente en la concepción conceptual del curriculum, considerados en su función en el trípode que soporta el proceso de formación psicoanalítica. Propone que es necesario pensar primero en la formación de la subjetividad para entonces se pensar el proceso de formación en psicoanálisis. Por lo tanto, considera que, en el diseño de un plan de estúdios, se debe dar prioridad a la autonomía de los miembros afiliados y al desarrollo de su propia experiencia de la teorización. En este contexto, el autor discute el concepto y la función de los módulos del currículo electivo. Asimismo en este contexto, se examinó el concepto de "respeto por las tradiciones" en el proceso de formación. En cuanto a la evaluación de los miembros en la formación, el debate se pone en relación con el riesgo de control institucional intrusivo lo que va en la dirección opuesta a la meta de un proceso de formación, con el objetivo de una acción subjetivante, es decir, no alienante.
Palabras clave: currículum, formación psicoanalítica, subjetividad, módulos electivos, control institucional
Conceptual basis of the curriculum and of evaluation in the process of psychoanalytic training
Abstract: The author discusses criteria and principles underlying the conceptual design of the curriculum, considered in its function in the tripod that supports the process of "Psychoanalytic Training." Assumes that think the process of training is to think first in the formation of subjectivity. It therefore considers that the autonomy of the affiliate member and the development of their own experience of theorizing should be prioritized as basic principles in designing a curriculum. It is under such a viewpoint that the author discusses the concept and function of the elective modules within the curriculum. In this context, he also discusses the concept of "respect for the traditions" in the process of psychoanalytic training. Regarding the assessment of members in training, it is set to debate the risk of an intrusive institutional control that can lead to an opposite direction the process of psychoanalytic formation that aims at a subjectifying action, that is, non-alienating.
Keywords: curriculum, psychoanalytic training, subjectivity, elective modules, institutional control
O objetivo deste breve comunicado é pôr em discussão critérios e princípios subjacentes à concepção do currículo, considerando sua função no tripé que fundamenta o processo da "formação psicanalítica", ao lado, portanto, da análise pessoal e da supervisão individual. A importância do "quarto pé da formação" na concepção do currículo, ou seja, a influência do ambiente institucional, também merece ser discutida.
Parte de minhas considerações está permeada pelas discussões e propostas que tiveram lugar durante a Jornada Preparatória para o Congresso Interno "Atualizando Rumos da SBPSP", realizado de 18 a 20 de junho de 2010, com especial relevância às proposições de Marcio Giovannetti (2010). Valho-me também de um artigo de Sonia Azambuja (1997), "Sobre a formação do analista: fragmentos de um percurso",3 no qual ela expõe os fundamentos, conceituais e éticos, que embasaram a concepção do atual currículo do Instituto Durval Marcondes da SBPSP - estruturado, discutido e aprovado em 1995, durante a presidência de Leopoldo Nosek, quando Sonia Azambuja era diretora do instituto. Além disso, minhas considerações estão também marcadas pela interlocução, direta ou por meio de escritos, com outros colegas que têm pensado seriamente, e escrito, sobre a questão da formação - destaco o artigo de Bernardo Tanis (2006) sobre os desafios atuais na formação analítica, em função de suas ressonâncias diretas com a proposta temática do Congresso Interno de 2010. Evidentemente, permeando as minhas considerações também está presente a experiência que, ao longo do tempo, fui constituindo em minhas vivências institucionais, configuradas na dupla mão do estar "se formando" e do "trabalhar com a formação".
"Falar em formação em psicanálise é pensar, primeiramente, na formação de subjetividade" (Azambuja, 1997, p. 38).4
Escolho essa proposta de Sonia Azambuja como ponto de partida de minha reflexão. Poderia caber a pergunta: por que tal escolha, uma vez que essa proposta, à primeira vista, parece desfrutar de simpatia e consenso entre nós? Não seria melhor partir de uma situação menos consensual que gerasse mais discussões?
Pois bem, prefiro escolher esse caminho porque vejo aí um primeiro ponto a ser considerado: muitas vezes, a sedução do aparente consenso incorre em simplificações que podem esvaziar os princípios conceituais que fundamentam uma proposta de mudança, propiciando, assim, a proliferação de equívocos.
Parto da proposição de que "Falar em formação em psicanálise é pensar, primeiramente, na formação de subjetividade", dispondo-me a elaborar minha reflexão, considerando-a radicalmente em sua implicação conceitual e nos desdobramentos daí decorrentes.
Privilegio, portanto, o conceito que subjaz a uma prática, como eixo na articulação de questões a serem discutidas. Comecemos então pela consideração do próprio termo "formação": formação ou transmissão?
O debate estruturado no contraponto "formação ou transmissão" tem propiciado a consideração de questões importantes. A "transmissão" é considerada como expressão de um modelo de ensino orientado em um eixo vertical; nesse sentido o saber contido na tradição é transmitido às novas gerações por "mestres", que podem assumir a função de "guardiões da tradição". Por outro lado, a "formação" traria como princípio organizador de seu ideário a consideração e a implicação subjetiva daquele que está se formando em seu processo.
Nesse contexto, penso ser interessante retomar o enfoque desenvolvido por Marcio Giovannetti sobre a questão da tradição, apoiado em considerações de Eagleton. Ou seja, a tradição não como saber constantemente reavaliado e repassado, mas como "a prática que incessantemente vai escavando, maturando, violando, descartando, e reinscrevendo o passado" (Eagleton, 1981, p. 59, apud Giovannetti, 2010, p. 184).5
Acrescentaria que, reinscrevendo o passado, o sujeito vai se constituindo, inscrevendo-se na tradição, e, assim, também a constituindo. Sinto-me aliviado em pensar na tradição dessa maneira, por ver marcada nessa concepção uma hospitalidade ao novo, com aberturas para uma visão de transformações, de futuro e de esperança.
Retomo, nesse contexto, especificamente a função do currículo e do ambiente institucional no processo de formação. Penso que há uma relação importante a ser considerada, a saber: como o ensino das teorias em uma formação psicanalítica pode se desenvolver em uma prática em que o membro filiado incessantemente vá escavando, maturando, violando, descartando e reinscrevendo as teorias que está estudando ao mesmo tempo em que se reinscreve como analista a partir de suas próprias teorizações? Logicamente não estou me referindo somente aos membros filiados, mas a todos os analistas, especialmente aos que se dedicam ao trabalho de formação.
Sonia Azambuja (1997), ao fundamentar a proposta da criação de módulos eletivos, propõe em relação a essa questão que a formação é sempre continuada para todos nós e que os membros em formação devem ser instigados a questionar e desenvolver sua própria capacidade de teorização a partir de sua clínica, para descobrir como se criam teorias. Dessa forma, o melhor instrutor só pode ser a própria experiência de teorização.
Nesse sentido, o fundamento conceitual dos módulos eletivos, em vigor no atual currículo do Instituto Durval Marcondes da SBPSP, não se restringe à proposta de conhecimento de novos autores ou de novas teorias, mas à ideia de autonomia do membro filiado na constituição do próprio percurso através de temáticas ou de autores que estejam abrindo frentes de interesse em suas próprias teorizações.
O cuidado em se evitar o risco de um conhecimento atomizado ou de um sincretismo teórico não reside na restrição do acesso e circulação de diversos referenciais teóricos, ou mesmo da interlocução entre diferentes "escolas" teóricas. Ao contrário, tal risco pode ser evitado por meio de uma cultura institucional em que as teorias não sejam tratadas como fonte de resposta ou de saber, fechados e circulares, ou seja, que não possam ser interrogadas em seus próprios referentes.
No dizer de Azambuja (1997), o objetivo desse ideário com um campo pluralista de autores e temáticas não é modelar certo tipo de analista, mas o de criar, em um ambiente com maior liberdade, um pensador aberto ao multifacetado na psicanálise.
Nesse sentido, portanto, é interessante desvincular a palavra "formação" de suas ressonâncias com "forma, molde", condição que nos faz questionar a pertinência da seguinte formulação: que tipo de analista queremos formar? Tal questão, considerada sob o vértice de que "não é a instituição que nos torna analista, ela é apenas continente e estímulo da nossa própria criação" (Azambuja, 1997, p. 38), poderia ser reformulada nestes termos: do analista que queremos "evocar" com nossa proposta de formação, como propõe Marcio Giovannetti.6
O currículo em sua função interpretante das transferências privadas
Márcio Giovannetti (2010), considerando o tripé da formação analítica, introduz um elemento de reflexão importante ao propor a análise pessoal e a supervisão individual no contexto do íntimo, do privado, no processo de formação. Por sua vez, o currículo faria parte do contexto do público. Nessas circunstâncias, Giovannetti (2010), de maneira instigante, considera o "quarto pé da formação" - o ambiente institucional - como decorrência ou emanação do tripé básico. Proposição de importante alcance, uma vez que o ambiente institucional, nesse contexto, permite inferir e aferir por meio de manifestações dogmáticas e apolíticas que se revelam na interface "pública" da instituição, a forma com que o tripé básico está se articulando e, portanto, as interferências entre os contextos privado e público que o constituem.
Como sabemos, a análise pessoal e a supervisão individual, apesar da importância que ocupam no processo de formação, por serem ambientes privilegiados de transferências, podem causar problemas institucionais e, na dupla mão, sofrerem contínua interferência na condição de caixa de ressonância de questões do contexto societário. A instituição, nesse sentido, como ambiente facilitador de cristalizações transferenciais não resolvidas, pode sofrer imobilizações e circularidade em seu interior.
O currículo, portanto, por sua relação com o público, encontra uma importante função na formação, propiciando uma visão de aprendizado mais próximo da Paideia: em que questões são problematizadas e no qual toda a comunidade pode e deve participar - modelo que me parece fundamental para configurar a relação instituto e sociedade. Nessas circunstâncias, o currículo, por estar fundamentado no contexto do público, "pode exercer seu caráter interpretante das transferências privadas" (Giovannetti, 2010, p. 183) se estiver cumprindo sua função de favorecer, em seus membros, a própria experiência de teorização. Essa é uma condição que visa tanto à autonomia dos membros em formação como "sua possibilidade de se inscreverem no mundo simbólico da psicanálise, criando uma existência própria" (Azambuja, 1997, p. 39) na instituição, à medida que também a constituem.
Flexibilização: eletivos como espaço aberto para formação continuada
A teoria psicanalítica não se faz na clínica, mas é a partir dela que criamos interrogantes que se transformam em referentes para nossas teorizações, desde que nos permitamos ser interrogados em nossas teorias. Tal necessidade "teorizante" se estende além dos questionamentos levantados na clínica. Como psicanalistas, estamos continuamente sendo questionados em nossos referenciais à medida que nos abrimos para o diálogo com outras disciplinas e, de forma mais ampla, com a cultura - por meio das questões propostas pelas novas formas de subjetivação da sociedade contemporânea.
A psicanálise, desde Freud, traz a ideia de que a formação psicanalítica é ampliada na interlocução com outras áreas do conhecimento. Novamente, o aparente consenso que reveste essa condição precisa ser considerado mais criteriosamente. Às vezes, desconsiderando o fato de que "nosso saber é suposto", pode-se reforçar uma postura asséptica e enclausurada. Nessas condições, a relação com as outras áreas do conhecimento assume o caráter muito mais de erudição que de interlocução.
Nesse contexto, vejo na área dos eletivos de nosso currículo uma forma de flexibilidade que se opõe a essa assepsia. Penso que a flexibilização - que vem sendo pensada também em relação à abertura das Sociedades de Psicanálise à comunidade e a outras instituições, universidades etc. - não deve ser confundida com falta de rigor, assim como rigor não deve ser confundido com controle nem com rigidez de postura. O medo de que a pluralidade ameace a especificidade dos referenciais psicanalíticos também não me parece justificar-se, desde que nossa interlocução com outras áreas do conhecimento não se faça no sentido de irmos procurar respostas em outros referentes para as questões com que somos interpelados em nossos referenciais.
A importância da área dos eletivos vai assim para além da abertura à inclusão de autores com os quais se quer aprofundar o conhecimento. A área eletiva fundamenta-se como disponibilidade insaturada, espaço potencial para aquilo ainda não articulado e pensado. Condição que, de certa forma, contemplaria a proposta de Paulo Duarte Guimarães7 sobre a criação de um "Fórum Permanente de Novas Iniciativas Curriculares", visando a uma fundamentação mais consistente do processo de construção do conhecimento na psicanálise - sob a forma de Working Parties, adaptados para fins da formação, ou ainda de "Seminários de Caso Clínico Continuado e Abordagem Variada".
Avaliações
Penso que a escrita de relatórios cumpre a função de avaliação no processo de formação se, tal qual o currículo, for conceitualmente fundamentada como processo de subjetivação que visa ao desenvolvimento da capacidade teorizante dos membros em formação em um contexto público.
Talvez a discussão que possa daí derivar é sobre o controle da instituição na formação. Nesse sentido, um dos princípios que podem nortear tal debate embasa-se no seguinte questionamento: como nossa instituição concebe o processo de formação?
Se a formação for concebida tendo sua ressonância maior com a formatação "do tipo de analista que queremos formar", o papel do controle institucional ganha ênfase. Se a formação for concebida no propósito "do analista que queremos evocar", a ênfase recairá sobre o ambiente institucional.
Particularmente, tenho receio de controle e de posicionamentos "muito desejantes" em relação ao outro. Penso que essa condição está na contramão tanto do ato analítico como do processo de formação, que, a meu ver, devem ser concebidos na condição de ação subjetivante, ou seja, de ato político, que se propõe enquanto função desalienante.
Freud, em A questão da análise leiga (1926/1976), é questionado, por meio de um diálogo com um interlocutor imaginário, sobre a arbitrariedade que pode estar presente em uma interpretação. A meu ver, atos de controle institucionais deveriam ser considerados e questionados em ressonância aos riscos da arbitrariedade proposto por Freud.
Ocorre-me o setting como modelo para configurar essa questão. O setting psicanalítico tornou-se menos caricato, mais efetivo e menos arbitrário quando deixou de resumir-se à mera obediência a regras técnicas para ser concebido como questão metapsicológica. Ou seja, a partir do pensar psicanalítico, flexível, o setting é criado em função dos movimentos em transferência, naquele momento, daquela análise - em ressonância com uma escuta metapsicológica ampliada e continuada, tal qual deve ser nosso processo de formação: contínuo e ampliado.
Dessa maneira, como método de contenção da arbitrariedade e do abuso do controle institucional, valorizo como elemento importante na forma atual de avaliações no Instituto de Psicanálise Durval Marcondes da SBPSP,o fato de serem feitas pela "instituição de forma ampliada", ou seja, pelo instituto representado não só pela sua diretoria em vigência, mas por todos os membros implicados no processo de formação e nas comissões de avaliação.
Junqueira,8 considerando a função da supervisão individual no processo de formação, propõe duas questões de grande alcance. A primeira refere-se à sua afirmação de que, na formação, a supervisão individual deveria ser concebida mais com uma função de infusão que de transfusão. Tal modelo, a meu ver, configura, de forma viva e precisa, a diferença entre transmissão e formação, fornecendo elementos conceituais para pensá-la em qualquer dimensão do tripé de formação. Enfim, infundimos ou transfundimos?
A segunda questão, ainda nesse contexto, mas sob o vértice da avaliação, diz respeito ao relatório não precisar se reduzir à tarefa de articulação teórica-clínica, quase ponto a ponto, de um único caso, mas de transformar-se na possibilidade de, a partir do estímulo do caso supervisionado, "colocarmos para trabalhar", parafraseando Laplanche, as teorizações e articulações "em construção" na formação psicanalítica e de vida.
O relatório fica assim em plena ressonância com a ideia de o currículo na formação visar, primordialmente, a que um analista possa subjetivar-se no desenvolvimento de sua capacidade teorizante. De qualquer forma, a melhora da qualidade na formação não parece estar no âmbito de um controle burocrático.
Nossa sociedade é pluralista, condição que proporciona uma riqueza que nos distingue de outras instituições no sentido de potencial de criatividade e de crescimento subjetivo como psicanalistas. É verdade que isso também gera resistências e exige desenvolvimento de tolerância e de continência ao diferente. É nesse contexto, de desenvolver capacidades para contemplar diferenças, que a flexibilidade assume, a meu ver, o caráter de ideário. Distingo, entretanto, flexibilidade de complacência, condição que me parece propiciar posturas institucionais dogmáticas e apolíticas.
O cuidar para que a flexibilização não incorra em arbitrariedades, no ambiente institucional, exige que alterações ou novas proposições que impliquem mudanças no tripé do processo de formação - visto não terem o caráter burocrático - devam ser cuidadosamente pensadas em sua fundamentação conceitual e explicitadas no que diz respeito ao novo ideário de formação proposto, para serem aprovadas em uma discussão que abranja e estimule todo o corpo societário.
Referências
Azambuja, S. (1997). On becoming analyst: the journey's expressions. Newsletter IPA, 6 (1), 37-39 (versão em espanhol).
Freud, S. (1976). A questão da análise leiga. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 20, pp. 205-293). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1926)
Giovannetti, M. F. (2010). Sobre a natureza do currículo e função do currículo na formação analítica. Jornal de Psicanálise, 43 (79), 181-185.
Tanis, B. (2006). Considerações sobre a formação psicanalítica: desafios atuais. Revista Latinoamericana de Psicoanálisis, 7, 578-590.
1 Trabalho apresentado no dia 20 de junho de 2010 no Congresso Interno "Atualizando Rumos da SBPSP", realizado de 18 a 20 de junho de 2010.
2 Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP. Docente do Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP, faleceu em 2011.
3 Artigo não publicado em português. Publicado nas versões em espanhol e em inglês, sob o título "On becoming an analyst: the journey's expressions". Ver Azambuja, 1997.
4 Versão em português da própria autora, Sonia Azambuja.
5 Eagleton, T. (1981). Towards a revolutionary criticism. Nortfolk: Thetford Press.
6 Proposta formulada por Marcio Giovannetti, como contra-argumento conceitual à questão sobre "qual o tipo de analista que a instituição deve formar", posta em debate por um colega na Jornada Preparatória para o Congresso Interno "Atualizando Rumos da SBPSP", realizada em 25 de abril de 2010.
7 Proposta apresentada na Jornada Preparatória para o Congresso Interno "Atualizando Rumos da SBPSP", em 25 de abril de 2010.
8 Proposição feita, no dia 19 de junho de 2010, por Luiz Carlos Uchôa Junqueira Filho, em "Comunicação oral sobre supervisão individual no processo de formação psicanalítica", durante o Congresso Interno "Atualizando Rumos da SBPSP", realizado de 18 a 20 de junho de 2010.
Referência
Green, A. (1988). O duplo e o ausente. In A. Green, Sobre a loucura pessoal, pp. 315-334. Rio de Janeiro: Imago. [ Links ]