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Jornal de Psicanálise
Print version ISSN 0103-5835
J. psicanal. vol.54 no.100 São Paulo Jan./June 2021
CARTA-CONVITE
O que fazemos com o sexual?
Berta Hoffmann AzevedoI; Ricardo Trapé TrincaII
IEditora
IIEditor associado
Nascidos do reconhecimento das vicissitudes do infantil e continuamente desacomodados por ele, seriam os psicanalistas ainda capazes de escutar o sexual em sua radicalidade e extrair dele consequências para a teoria?
Seja com base no feminismo, ou no ativismo queer, o lugar do sexual na cultura está na ordem do dia e convoca as ciências humanas a pensar suas implicações em termos de violência entre gêneros e de normatização de condutas. Seu polimorfismo, sua complexidade e suas relações com o gênero, cada vez mais nomeados e reconhecidos, produzem críticas ao ordenamento clássico entre as identificações e a vivência do complexo de Édipo, convocando os psicanalistas a se interrogar sobre sua própria implicação no risco da perpetuação de um discurso patriarcal e falocêntrico.
O que fazemos com o sexual e o que ele faz de nós? A pergunta, tão atual quanto originária da psicanálise, não permite que nos furtemos ao debate. Fonte de conflito, rechaço, fruição, desconhecimento e tendência à vigilância, a revolução freudiana faz um recorte epistemológico cuja ampliação o afirma como não redutível ao genital, nem determinado por um caminho natural. Infantil, parcial e polimórfico, em estreita relação com as bordas - do corpo e do psíquico -, ele se constitui e precisa encontrar destinos.
Toda formulação reflexiva sobre a questão, seja de que área for, dialoga necessariamente com a psicanálise, e a cultura e a clínica atual produzem experiências subjetivas capazes de anunciar uma crise epistêmica e fazer vacilar formulações caras ao nosso campo.
Paul B. Preciado, em Manifesto contrassexual, é exemplo de uma voz que, com base na filosofia, se anuncia na direção de desordenar as relações estabelecidas entre sexo e gênero e propor "uma teoria do corpo que se situa fora das oposições homem/mulher, masculino/feminino, heterossexualidade/homossexualidade" (2014, p. 22). Foucault (1988), em História da sexualidade, já apontava sua apropriação pelo discurso médico e a consequente patologização que tenta dominar os corpos, o sexo e a sexualidade. Judith Butler (2018), em Problemas de gênero, também provoca impacto contundente ao propor gênero como ato performativo e questionar a imposição de uma ordem binária de matriz heterossexual para as identidades.
As formulações psicanalíticas, ainda que não possam apressadamente se apropriar de noções de campos vizinhos como diretamente assimiláveis sem que sofram transformações, são dinâmicas e abertas e podem seguir ganhando em complexidade quando interrogadas e tensionadas.
As noções de diferença sexual, complexo de castração e complexo de Édipo reclamam continuar a ser revisitadas para que renovem (ou não) seu sentido e alcance como operadores para escuta do sofrimento humano. A estabilidade das identificações hetero e homossexuais é também cada vez mais interrogada na clínica, assim como o atravessamento histórico-social de condutas e sua diferença para com as posições identificatórias no desejo e na fantasia, todas elas desnaturalizadas pela própria psicanálise.
O que os psicanalistas têm formulado para tomar parte do diálogo que interpela a escuta e a metapsicologia sobre o sexual? Como temos recebido e escutado as ditas dissidências sexuais e de gênero? Quais desafios nos provocam a pensar? Como nossos institutos de formação têm contribuído para o avanço de tais discussões? Reconhecemos limites e potencialidades em nossas ferramentas conceituais? Sentimo-nos impelidos a ressignificar nossas categorias metapsicológicas em novas direções?
Convidamos os colegas a contribuírem com suas reflexões sobre "O que fazemos com o sexual?", tema do próximo número do Jornal de Psicanálise, em artigos que serão recebidos para avaliação até 1 de março de 2021. Lembramos que também serão aceitos artigos não temáticos, e que as normas para publicação se encontram ao final de cada número do Jornal ou em http://SBPSP.org.br/publicações/jornal-de-psicanálise.html.
Referências
Butler, J. (2018). Problemas de gênero. Civilização Brasileira. [ Links ]
Foucault, M. (1988). História da sexualidade. Paz e Terra. [ Links ]
Preciado, P. B. (2014). Manifesto contrassexual. N-1 Edições. [ Links ]
Equipe editorial: Abigail Betbedé, Cibele Amaro Pires Rays, Claudia Amaral Mello Suannes, Denise Salomão Goldfajn, Gizela Turkiewicz, Helena Cunha Di Ciero, Ludmila Y. Mafra Frateschi e Luiz Moreno Guimarães Reino