Existe o que a gente vê, que é quase nada. Existe o que a gente sabe que existe porque alguém pesquisou, que é um pouco mais, mas ainda assim é quase nada. E existe o que a gente não sabe que existe, que é quase tudo.
(Eliane Brum)
Não renunciaremos a salvar o navio na tempestade só porque não sabemos impedir o vento de soprar.
(Thomas Morus)
Agradeço muito o convite feito pelo corpo editorial do jp para comentar o texto de Silvana Rea e aproveito a oportunidade para a já inescapável tarefa de pensar o mundo em que vivemos com as urgências que se apresentam, pondo em risco nossa sobrevivência, e tentar organizar algumas ideias que acionem recursos para enfrentar a complexidade de tempos sombrios. Como psicanalista clínica e como cidadã do mundo, balizada pelo texto proposto, aciono em mim a esperança de manter uma qualidade reflexiva de contato com a realidade. À minha maneira espero encontrar auxílio na arte, em suas diversas formas de expressão, e na psicanálise assim como a entendo e como a pratico.
Silvana constrói um texto sólido, consistente e bem articulado, fluindo no encaminhamento das suas ideias, acompanhada dos mais importantes pensadores do nosso tempo, filósofos, sociólogos, historiadores, psicanalistas, dotados de pensamento crítico complexo. A partir da triste e poética indagação de Pasolini, de 1975 (retomada por Didi Huberman, em 2009), sobre o desaparecimento dos vagalumes, o texto traça um panorama histórico de como as previsões de Pasolini não só se concretizam, mas também se intensificam, caminhando para o que ele denominou “genocídio cultural”. Se a mídia televisiva do pós-guerra já impunha estreitamentos na capacidade para pensar, no mundo contemporâneo, a Internet trouxe o paradoxo de uma aparente democratização da informação e da comunicação, que acaba se traduzindo em controle autocrático.
Considero de muita precisão a escolha da autora pelo texto dos vagalumes, porque aponta essa assustadora condição de perder a capacidade de fazer metáforas, uma qualidade fundamental do ser humano, dotado de “alma”. Os vagalumes, na sua condição frágil de insetos afetados pelas mudanças climáticas, são também uma poderosa alusão à capacidade imaginativa e ao fazer poético. O fascismo, aparentemente vencido após a Segunda Guerra Mundial, espraia-se em teias que implantam um vazio, refletido nas patologias narcísicas do nosso tempo.
O texto de Silvana tem rigor conceitual e ao mesmo tempo porosidade ao trazer inúmeras indagações que abrem caminhos para o diálogo. São indagações que instigam à busca de caminhos, e é nelas que me concentro.
Assim, vou trazer algumas associações que, penso, dialogam com as questões propostas. A autora comenta o conceito de necropolítica, de Mbembe. Diz ela: “O genocídio cultural ultrapassou as fronteiras com a globalização, que prometia um mundo sem as separações impostas pelas ideologias e, no entanto, acabou por criar as fronteiras mais rígidas da história, por estabelecer uma categorização de populações”. Cita ainda Milton Santos, que aponta o recrudescimento do racismo e da xenofobia, concluindo que “o elogio da diversidade aos poucos cede lugar à polarização e à intolerância”, consolidando o neoliberalismo.
Destaco essa questão do recrudescimento das fronteiras com a acentuação das diferenças e a consequente intensificação dos preconceitos.
Penso na necessidade de repropor essas questões com uma perspectiva que contemple os fundamentos da ética do ser e aprofunde a dimensão ontológica. As urgências que se apresentam hoje pedem uma reversão na perspectiva de nosso olhar, questionando até mesmo a superioridade do humano em relação ao mundo natural. Nesse sentido, uma tendência a desfazer dicotomias e borrar fronteiras, tornando-as mais permeáveis. Buscar outras perspectivas não nos é estranho. Ao apresentar o inconsciente, Freud já subvertia uma ordem estabelecida, e estremecia as bases da superioridade do pensamento racional consciente, senhor absoluto de sua própria casa. Conviver com uma outra forma de pensamento não regido pelos processos secundários, racionais, não só pôs em questão a racionalidade como princípio maior, como iluminou os processos criativos. O pensamento psicanalítico clínico avançou para considerar o constante diálogo com o mundo primitivo (processos primários, pensamento onírico) dos pacientes e dos próprios analistas, que passaram a ter uma presença viva e inclusiva da sua vida psíquica, afastando-se de uma suposta neutralidade e tornando permeáveis as fronteiras das duas subjetividades na sessão.
Buscar em outros “reinos” que não o humano outras formas de inteligência e conhecimento abre campos instigantes. A psicanálise é uma ciência do humano, e o diálogo com as outras ciências, assim como as artes, sempre se fez presente.
Para mim, a psicanálise viva precisa se manter no lugar do “entre”, nem lá nem cá, nem interno nem externo. O lugar do espaço potencial. Acredito poder neste texto manter o campo da transicionalidade (Winnicott, 1967/1975).
E é nessa área da experiência que trago um relato muito vivo da escritora e jornalista Eliane Brum, retirado de sua reportagem “Amazônia dos fungos”.
Brum (2023), em parceria com os cientistas Noemia Kazue Ishikawa e Francisco Marques Bezerra, desenvolve uma potente narrativa sobre a pesquisa das infinitas espécies de fungos e suas organizações miceliais. Micélios são
redes emaranhadas dos fungos dos mais variados gêneros e espécies, pelas quais se comunicam e se relacionam com as raízes das arvores e plantas outras, assim como com insetos, aves e até mesmo mamíferos. … As redes miceliais se entrelaçam a raízes e brotos das plantas, corpos de animais, sedimentos do fundo do oceano, pastagens e florestas … A floresta e grande parte do planeta são sustentadas por essa imensa rede micelial, uma trama viva e absurdamente competente.
Diz Brum:
Um planeta sustentado por uma trama viva, grande parte dela subterrânea, em intensa atividade e constante conversa com uma multiplicidade de seres. É lindo demais. E ignoramos. Mas é assim onde os enclaves de natureza persistem. E terá que seguir assim se nossa espécie quiser continuar existindo.
E, continua:
Talvez só o que chamamos de “consciência” não baste, talvez nem o “inconsciente” baste. Será preciso ampliar as possibilidades de um e outro, misturá-los. Talvez só seja possível fazer essa escuta dos fungos e de outros pelos sonhos, da forma como os indígenas compreendem o sonhar.
Brum cita a antropóloga Anna Tsing:
Se nos abrirmos para os fungos, isso pode nos catapultar para um estado de curiosidade que me parece ser o primeiro requisito para a sobrevivência colaborativa em tempos de precariedade … Em um estado global de precariedade, não temos outra opção senão buscar vida nessas ruínas.
A antropóloga fala sobre se abrir à indeterminação dos encontros e lança a precariedade como potência para que os encontros aconteçam.
A precariedade é a condição de estarmos vulneráveis aos outros … A indeterminação expande nosso conceito de vida humana, mostrando-nos como somos transformados pelo encontro … Somos contaminados por nossos encontros, eles transformam o que somos, na medida em que abrimos espaços para os outros. … Colaborar significa trabalhar por meio de diferenças, o que leva à contaminação. Sem colaboração, todos morreríamos. …
As palavras da antropóloga soam absolutamente familiares ao fazer clínico do psicanalista, que se situa atentamente ao mundo atual, às mudanças e novas indagações que surgem em altíssima velocidade.
Incluo aqui textualmente o poético relato de Brum, na descoberta do que ela chamou de “Chão de estrelas”
Logo no início da noite, Noemia nos carregou para dar uma volta numa pequena área de floresta sobrevivente, a apenas algumas dezenas de metros. Chegando lá, nos mandou apagar as lanternas. É uma sensação poderosa a de estar na floresta na escuridão. No breu. Dá uma dimensão mais profunda da nossa fragilidade quando tudo abaixo e acima de você, ao redor e por todos os flancos é vivo - e não morto como nas cidades. Ficamos assim, em silêncio absoluto, por cinco minutos. E então, de repente, acendeu uma luzinha nos nossos pés. E depois outra luzinha. E aí outra luzinha. E seguimos ali, parados, quietos, assistindo às luzinhas surgirem. Dez minutos depois, eu entendi o que era um chão de estrelas. Como na música dos compositores brasileiros Sílvio Caldas e Orestes Barbosa, por tanto tempo “nós pisamos nos astros distraídos”. Havia estrelas por todo o chão da floresta, no tronco das árvores, nos arbustos, nas folhas. Imaginem isto: à noite, a floresta tem chão de estrelas. Meus olhos boiaram com a beleza daquilo. Reprimi os soluços porque não queria ser barulho na casa dos outros. Só então Noemia explicou que eram os fungos bioluminescentes. Eles sempre estiveram ali, bem ao lado de casa, mas eu nunca tinha sido capaz de vê-los. Eu passava por ali várias vezes por dia e nunca antes - nunca - fui capaz de enxergá-los.
O sumiço dos vagalumes me remeteu diretamente a esse momento de descoberta de um mundo de brilhos, desconhecido e povoado de seres estranhos a nós, porém, nossos “vizinhos”.
Voltando ao texto, Silvana descreve o homem neoliberal, o sujeito que hoje chega a nossos consultórios, “competente e competitivo, atomizado e isolado, é condenado a uma vida em comunidade, mas desconectado de relacionamentos” (no texto, referência a Zuboff, 2019). E mais, a autora mostra como na contemporaneidade caminha-se para uma perversão em que “a maldade e a cegueira moral se ocultam nas banalidades da vida quotidiana, revelam-se na insensibilidade diária diante do sofrimento do outro, na incapacidade de reagir ou na recusa de compreendê-lo”. A “banalidade do mal”, o “império da indiferença radical”, as campanhas de desinformação e construção de “pseudorrealidades”.
No livro Diante da dor dos outros (2003), Susan Sontag discute o poder da documentação em imagens dos horrores perpetrados pela violência em guerras e atentados, num mundo em que tudo se banaliza. Na mesma página do jornal, uma foto de guerra, seguida de um anúncio de qualquer coisa consumível. Ou, no correr hipnótico das postagens das redes sociais, “a nova teleintimidade com a morte e a destruição”. “Agora, guerras são também imagens e sons na sala de estar.” É fato que a exposição excessiva parece criar indiferença, mas, por outro lado, a autora argumenta que só a memória, mesmo que imperfeita e limitada, pode gerar a reflexão ética. Sontag lembra a impressionante obra de Goya Los desastres de la guerra, em que cada imagem tem o intuito de chocar e de abalar o espectador, num efeito cumulativo devastador, “um ponto crucial na história dos sentimentos morais e da dor”. Parece ser um bem em si mesmo reconhecer, ampliar a consciência de quanto sofrimento causado pela crueldade humana existe no mundo que partilhamos com os outros.
Bollas (2015) tem sido um analista e pensador do nosso tempo, trazendo significativa contribuição. Em texto de 2015, “Psicanálise na era da desorientação: do retorno do oprimido”, o autor mostra a perda da capacidade reflexiva como uma herança dos dois séculos anteriores. Ele descreve uma qualidade de pensamento que chama de “horizontalismo”. A desinformação gera uma indiferenciação, uma erradicação das prioridades, dando lugar a equivalências; todas as ideias são válidas, levando ao que ele denomina um “self desinformado”. Interessante formulação do autor, que, a meu ver, recupera um desgastado conceito de Winnicott, o “falso self”. Para Bollas, o falso self não se restringe a um nome para um distúrbio da personalidade, mas é uma função psíquica que será mais ou menos acentuada conforme a ameaça ao verdadeiro self.
No entender de Bollas, não se trata mais de repressão, mas de opressão, refletindo numa geração que fracassa em produzir ideias para uma vida significativa, não apenas enlutada, mas também em “melancolia incapacitante”. Ainda que desalentador, o autor ainda deixa alguma esperança na “notável resiliência inerente ao ser humano”.
Silvana refaz o percurso de Freud, enquanto pensador da cultura, suas oscilações entre “esperançoso” e “pessimista”, chegando às mais sombrias previsões de um fim para a espécie humana, pelo processo civilizador. Para Freud, não há utopia possível, mas a autora, junto com Didi Huberman, questiona: “há saída?” Em seguida, busca em Zaltzman o criativo conceito de “pulsão anárquica”. Numa incrível acrobacia psíquica, a vontade de viver extrai sua força da ameaça de morte, “pois só a energia dissociativa tanática poderia impulsionar a ânsia libertária necessária”.
Silvana propõe o corajoso caminho de “não ignorar o que somos, mas ver de frente o que podemos ser”. É o caminho que a psicanálise propõe e no qual também ponho a esperança.
Iluminada pelo “chão de estrelas” e pela incrível lição dos micélios, acrescento a necessidade de olhar em volta, de fazer parcerias e aprender com “nossos vizinhos”. Winnicott (1965/1983, p. 40), ao afirmar que “o bebê não existe” (there’s no such thing as an infant), ampliou muito nossa capacidade de pensar o amadurecimento do indivíduo como indissociável do contexto, do entorno. O indivíduo e o ambiente não são categorias distintas. Conhecer um amplia o conhecimento do outro. Há uma tendência hoje a conhecer mais de perto o que a natureza tem a ensinar, a buscar nos saberes dos povos primitivos novas referências para habitar o mundo e o corpo, nossa casa principal. Algo dessa perversão extrativista e tecnológica, tão bem descrita no texto da Silvana, convida a buscar caminhos inexplorados. A antropologia talvez se apresente como a ciência atual que propõe diálogo interessante com a psicanálise. Caminhando em direção ao conhecimento do mais originário, dos princípios fundamentais do humano, talvez seja possível um resgate ou um encontro de elos perdidos, ou nunca encontrados, ao longo da história da civilização.
No livro Escute as feras (2021), a autora Natassja Martin relata suas experiências após ter um encontro quase fatal com um urso na longínqua Sibéria. Como antropóloga, estuda os povos originários, e é nesse lugar que ocorre o encontro com a fera, que arranca um pedaço da sua mandíbula. Natassja faz questão de falar em encontro, e não em ataque. O encontro com o radicalmente “Outro” deixa marcas no seu rosto que levam a um reposicionamento identitário.
o acontecimento é: um urso e uma mulher se encontram, e as fronteiras entre mundos implodem. Não apenas os limites físicos entre um humano e um bicho que, ao se confrontarem, abrem fendas no corpo e na cabeça. É também o tempo do mito que encontra a realidade; o outrora que encontra o atual; o sonho que encontra o encarnado. A cena poderia ter ocorrido há mil anos… (p. 97) [lembrando as cenas retratadas na caverna de Lascaux, com homens e feras]
É no encontro que as fronteiras implodem. As diversas hospitalizações necessárias para sua recuperação, passando por hospitais russos e franceses, trazem questões ligadas à ciência e às diferenças do pensamento ocidental para o oriental. O próprio livro se move entre as fronteiras do relato literário, entre uma poiesis fincada na subjetividade e os registros antropológicos.
O encontro urso-mulher provoca uma necessidade de explicar, de interpretar. Aos olhos da psicoterapeuta de Natassja, poderia ser o encontro com a própria violência. Aos olhos de Daria, representante dos povos que habitam a região, ela passa a ser, numa perspectiva animista, um “presente” que o urso deixou. Qualquer explicação parece redutora. A autora faz opção pela incerteza, como promessa de vida.
Aí está o grande impacto do livro que surge da disponibilidade da pesquisadora, disposta a mergulhar na incerteza, questionar a ilusão de eternidade. Diz ela: “num instante, tudo aquilo que desde sempre conhecemos vai se desmanchar, se recompor, aqui ou ali, vai se metamorfosear e se tornar esse algo de inapreensível do qual não poderemos assumir mais nada” (Martin, 2021, p. 99).
Enfatizo a busca pelo mais originário, por formas não convencionais de abordar a experiência, a busca por modelos de pensamento não fincados na lógica, a abertura para o desconhecido e o incerto, mantendo as fronteiras móveis entre as áreas do conhecimento.
Outro pensador atual que se põe no não lugar, na fronteira entre literatura e filosofia, é Paul Preciado. No livro Disphoria Mundi (2023), escrito durante o confinamento pela pandemia, esse autor traz instigante reflexão sobre o “o som do mundo desmoronando”. O vírus da Covid instalou uma ameaça sem precedentes de caráter global, que nenhuma fronteira foi capaz de deter. Enfoca a escalada destrutiva do que ele denomina poder “petrosseorracial”, a consequente crise climática e a impossibilidade de manter uma posição negacionista e mortífera. Algo se transforma, as mutações de gênero forçam um reposicionamento dos métodos normativos e da categorização das patologias. As ciências precisam evoluir para acompanhar as evidentes rupturas nas formulações binárias e polarizantes. Ao ampliar a patologia “disforia” para “disphoria mundi”, Preciado procura “entender as condições descritas como disfóricas não como patologias psiquiátricas, mas como formas de vida que anunciam um novo regime de saber e uma nova ordem político-visual a partir dos quais pensar a transição planetária”.
Um alento surge na pontuação que Preciado faz de que práticas coletivas podem operar “deslocamentos capazes, talvez, de introduzir rupturas na história repetitiva e letal do capitalismo global”. Apesar das dinâmicas do capitalismo cibernético, eventos surpreendentes podem acontecer, como na gravação da morte de George Floyd pela polícia de Minneapolis, feita em celular pela jovem Darnella Frazer - a difusão viral desse vídeo nas redes sociais gerou uma tomada de consciência planetária e um movimento internacional de protestos contra a brutalidade policial e o racismo institucional. O mesmo acontecendo com os movimentos Me Too, Me Too Incest, Black Lives Matter e todos os movimentos feministas, queer, trans, intersexuais. Novamente, penso nas redes miceliais… Há esperança?
Uma última palavra sobre as Utopias.
Edson Luiz André Souza (2024), psicanalista e estudioso das utopias, traz uma rica contribuição que nos estimula a pensar o futuro e a urgência de sonhar. O autor retoma Thomas Morus, que em 1516 publicou seu livro A Utopia. “A palavra ‘utopia’, inventada por Morus, tem origem grega (utopus). U é prefixo de negação, e topus (lugar), um não lugar. Imaginar um não lugar como um lugar possível.” O ainda não remete a um horizonte possível, uma espera ativa que depende de nossos movimentos para construí-lo. A ilha de Morus, uma ficção literária, estimulou desenvolvimentos do pensamento utópico que inspirou movimentos de mudança social. Para Souza (2023), Freud é um pensador das utopias, o inconsciente seria a fonte utópica, fonte do vir a ser: “A psicanálise pode abrir espaços para a revolta, para a reinvenção da vida, para a criação” (Souza, 2023, p. 23).
Essa proximidade entre a psicanálise e o pensamento utópico, que Souza propõe, traz um frescor e um movimento que vem ao encontro do que procuro manter como atitude clínica, principalmente no que diz respeito a manter porosas as fronteiras entre mim e o outro, entre mim e o mundo, entre arte e ciência, entre sonho e realidade. Precisamos inventar e nos reinventar, imaginar outros mundos. Cito Souza (2023, p. 9): “… o pensamento utópico sempre se revelou como rebelde, próximo a arte e a literatura, instrumentos para reagirmos com novas narrativas ao empobrecimento da linguagem que alimenta a alma dos tiranos”.
Acredito na potência criativa do encontro humano, na possibilidade de a psicanálise manter-se em evolução como campo aberto ao novo. Fazemos parte da cultura de nosso tempo, das redes miceliais de cooperação solidária. Nos consultórios, ouvimos os ecos das grandes transformações afetando cada indivíduo e só nos cabe manter uma atitude ética comprometida com a vida, no que tem de mais original e significativo.