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Revista Psicopedagogia
Print version ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.24 no.73 São Paulo 2007
ARTIGO ORIGINAL
O portfólio e a autoria de pensamento: um estudo na Psicopedagogia
The portfolio and the authorship of thought: a study in the Psychopedagogy
Jurema Nogueira Mendes Rangel; Mirian Garfinkel
Psicopedagoga, Mestre em Educação, docente da Universidade Estácio de Sá
RESUMO
Este trabalho analisa o uso do portfólio no curso de especialização em Psicopedagogia, visando ao processo de construção da autoria de pensamento. As contribuições de Fernández, Andrade, Foucault, Freire, Orlandi sobre autoria e Villas Boas e outros sobre portfólio serviram de suporte teórico para um estudo de caráter qualitativo de uma pesquisa-ação, em que o questionário foi o instrumento de coleta de dados aplicado a 24 alunos de uma universidade particular, em 2005. Os resultados demonstram o desconhecimento dos alunos a respeito do portfólio; o entendimento do portfólio, inicialmente, voltado para a avaliação e o reconhecimento de que o portfólio auxilia a construção da autoria de pensamento. Conclui-se que o portfólio contribui para a formação de profissionais capazes de pensar com autonomia, necessitando ser implementado nos cursos superiores.
Unitermos: Autoria. Especialidade. Aprendizagem. Documentação. Avaliação educacional.
SUMMARY
This work analyzes the use of the portfolio in the course of specialization in Psychopedagogy, aiming at the process of construction of the authorship of thought. The contributions of Fernández, Andrade, Foucault, Freire, Orlandi on authorship and Villas Boas and others on portfolio had served of theoretical support for a study of qualitative character of a research-action, where the questionnaire was the instrument of collection of data applied to 24 students of a private university, in 2005. The results demonstrate the unfamiliarity of the students regarding the portfolio; the understanding of the portfolio, initially, come back toward the evaluation and the recognition of that the portfolio assists the construction of the authorship of thought. It is concluded that the portfolio contributes for the formation of professionals capable to think with autonomy, needing to be implemented in the superior courses.
Key words: Authorship. Specialism. Learning. Documentation. Educational measurement, methods.
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo analisar o uso do portfólio como uma forma de registro de aprendizagem com vistas ao aprofundamento do processo de autoconhecimento, no viés de uma proposta metacognitiva, construtora da autoria de pensamento, desenvolvido junto a estudantes do curso de pós-graduação lato sensu em psicopedagogia de uma universidade particular.
Considerando a Resolução CNE/CES n.1 de 3 de abril de 2001 que trata, entre outros, da flexibilização do lato sensu1, destaca-se que, privilegiando a qualificação da formação do especialista, o psicopedagogo deve apresentar um perfil de atuação que englobe conhecimentos determinados e uma postura profissional, agregando a teoria, a prática e a formação pessoal. Nesta linha, os diferentes percursos assumidos pelo psicopedagogo e/ou atribuídos a ele reforçam que este deve dominar um saber específico, aqui entendido como um saber plural2: saberes gestados pela formação profissional, o saber das disciplinas específicas, os saberes curriculares, se o profissional fizer parte do sistema escolar, estampados nos projetos pedagógicos das instituições e o saber da experiência. Todos esses saberes são construídos na relação do sujeito com a sociedade, que elege, em uma dada cultura, o conhecimento a ser valorizado.
Assim, o futuro psicopedagogo, foco deste estudo, ao abraçar uma área do conhecimento cuja preocupação é compreender o processo de aprender3, deve admitir que, para lidar com esta problemática, seja no âmbito institucional ou clínico, antes é necessário cuidar, rever, reorganizar, revalidar a sua história pessoal e sua modalidade de aprendizagem para melhor prevenir e intervir quando nas diferentes relações que estabelece em campo.
Considerando que o professor ou mesmo a instituição escolar são socialmente representados como transmissores de conhecimentos perenes, resquícios de um pensar positivista, defende-se, para aqueles que lidam com a educação de forma geral, a existência do pressuposto epistemológico que demanda a construção e desconstrução de saberes, a atualização permanente do conhecimento, a interlocução viva e dinâmica com o aluno, práticas pedagógicas que visem o aprender4, além do aspecto político que subsidia a ação educativa, posto que não é neutra.
Por outro lado, a complexidade e a emergência da incerteza, postuladas no mundo contemporâneo, requerem que o sujeito interrogue o seu pensamento, pergunte sobre o conceito de verdade, objetividade, realidade para promover uma interlocução com o outro e permitir a transformação do que está dado. Se queremos isto do aluno, também queremos o mesmo dos profissionais, futuros psicopedagogos.
Neste sentido, as questões que moveram este estudo foram: Como se pode compreender o processo de aprender do outro, se não se conhece ou compreende a própria aprendizagem? Como o portfólio pode contribuir para a construção da autoria de pensamento do especialista em psicopedagogia? Em que medida o portfólio ajuda o futuro psicopedagogo a rever a sua forma de aprender e ensinar?
A ABORDAGEM TEÓRICA SOBRE A AUTORIA DO PENSAMENTO
O estudo sobre autoria de pensamento requer sustentação teórica que transita por algumas áreas do conhecimento que abarcam a filosofia e a moral até as ciências sociais. É um tema entrelaçado por várias áreas do conhecimento. Valeu-se, aqui, das contribuições de Fernández5, Andrade6, Foucault7,8 , Orlandi9 e Freire10 sobre o processo de construção da autoria de pensamento, pois, não se pode esquecer que o psicopedagogo, "um professor de um tipo particular", nas palavras de Mery apud Bossa3, muitas vezes, passou por uma experiência escolar onde a figura do docente era tida como suprema e ao aluno cabia apenas ouvir e reproduzir o saber apresentado. Portanto, freqüentemente, a maneira pela qual o professorado aprendeu acaba constituindo a sua forma de agir e pensar o ato de ensinar e aprender, ou seja, práticas pedagógicas acentuadamente reprodutoras, lineares, memoralísticas, evidenciadas por um projeto pedagógico institucional prenhe de prescrições normativas, que atendem às forças de poder e legitimação que perpassam o cotidiano escolar. Mas, tal situação encontra resistências e vê-se que há professores reinventando processos de aprendizagem e exercendo o magistério de forma criadora4, tendo em vista que a proposta positivista já não dá conta de responder às perguntas que o cotidiano escolar impõe aos profissionais da educação.
Foucault7,8, filósofo francês, preocupado com questões relacionadas ao saber, poder e sujeito, destaca que o lugar ocupado por este último, na sociedade moderna, é gestado em um campo de forças que desenham as posições dos sujeitos nos grupos sociais e acarretam formas discursivas que introduzem experiências particulares de subjetivação, configuradas historicamente pelo saber e poder.
Na visão foucaultiana, os discursos vão além de uma composição de signos lingüísticos. São práticas que constroem os objetos sobre os quais se fala. Assim, discurso pode ser definido como uma enunciação individual gerada na interação social, uma produção social em que o lingüístico e o social se inter-relacionam e se determinam pelas condições e contextos de produção.
Neste sentido, o autor chama a atenção que as diferentes instituições sociais exercem uma espécie de pressão sobre as pessoas, fazendo com que certos procedimentos e vontades sejam inibidos ou mesmo excluídos para possibilitar a inserção do sujeito nas diferentes instâncias sociais.
Neste caso, romper estas amarras e propor uma forma de pensar própria, implica, para Foucault8, comprometer-se com aquilo que nomeia de princípio de agrupamento do discurso, visto que caberia ao sujeito dar unidade e coerência ao contexto a partir de suas significações. É este compromisso que possibilitaria a instalação de um processo de identidade que toma a forma da individualidade e do eu.
Compreende-se, então, que a pessoa humana é fabricada no interior de certos aparatos de subjetivação em função de mecanismos e estratégias institucionais que mediatizam a experiência de si8. A escola é um exemplo de instituição que, de certa forma, governa as relações aí produzidas, onde costumes, hábitos, formas de agir e pensar vão se constituindo em função da formação discursiva privilegiada pela sociedade. A subjetividade está vinculada ao lugar que o sujeito ocupa, possibilitando-lhe apropriar-se de certos padrões e discursos (saberes dominados) e não outros (saberes ingênuos), pois ele é afetado pelas normas instituídas8.
Assim, pensar um professor/ psicopedagogo que possibilite a construção do conhecimento do sujeito que aprende implica admitir a idéia de um profissional que conceba a educação na perspectiva transformadora, ou seja, entenda a dimensão criadora do ensinar e aprender como resultante do entrecruzamento dos dispositivos pedagógicos, das práticas discursivas e das tecnologias da auto-expressão e as questões institucionais que estão no subtexto da ação.
Nesta linha, Fernández5, pesquisadora argentina que investiga as relações entre inteligência e afetividade, ao destacar o papel do professor, diz que, para ocupar o lugar de mediador da aprendizagem, é preciso, antes, entender a sua história de aprendizagem.
Acredita-se que o psicopedagogo poderá buscar formas de ensinar e aprender resultantes de uma investigação cuidadosa sobre a sua forma de produzir conhecimento, delineando a consciência de conhecer e reconhecer-se por meio de uma redefinição de competências e papéis.
Fernández5 define a autoria "como o processo e o ato de produção de sentidos e de reconhecimento de si mesmo como protagonista ou participante de tal produção". Ser autor é reconhecer-se criando e "[...] quando sua obra mostra a ele mesmo algo novo dele que não conhecia antes de plasmar sua obra".
A autora destaca que pensar a autoria de pensamento implica pensar a relação eu-outro, ou seja, a sua inserção nesta relação, não na posição de assujeitamento, mas assumir-se participante e responsável por suas ações, externando a sua forma de estar no mundo.
Assim, o conceito de pensar não pode ser separado da prática, da experiência, pois o pensamento implica um movimento de revisão frente ao que se pensava antes. A autoria de pensamento está entrelaçada a três processos que o sujeito desenvolve, conhecidos como aquilo que é impensável, o não pensável e o não-pensado. O primeiro está relacionado aos limites impostos pela realidade, o segundo diz respeito a um obstáculo subjetivo e o último supõe a exclusão do criar, em que não é percebida a possibilidade de ousar5. Observa-se, portanto, que o processo de autoria não é apenas um movimento que diz respeito ao sujeito em si, mas está implicado na relação que estabelece com seus pares.
Andrade6, doutora em psicologia da educação, complementa o pensamento sobre a autoria, reforçando a inter-relação entre o sujeito desejante (eu/ psíquico) e o sujeito cognoscente (eu/ cognitivo), envolto pelo social. A autoria pressupõe um processo cuja gênese relaciona-se a "[...] articulação possível e necessária entre o mundo interno e mundo externo de um sujeito que formula teorias sobre o mundo e sobre si mesmo desde que se constitui como sujeito".
Freire10, ao aprofundar a questão da formação docente a partir da reflexão sobre a prática educativa, traça uma série de elementos fundamentais para que o docente atue de maneira mais efetiva para favorecer a aprendizagem do aluno. Um deles diz respeito à importância das experiências do sujeito assumir-se, constituindo a sua identidade cultural. Diz ele: "Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos [...]". E, neste movimento, é preciso prestar atenção para o aspecto da incompletude, da inconclusão, o que, segundo Freire, anuncia a possibilidade para que sujeito possa pensar e agir diferente, rever e propor outros caminhos.
Orlandi9, estudiosa da linguagem, destaca a autoria como um princípio geral, acreditando que "autor é a função que o eu assume enquanto produtor de linguagem e em estreita relação com a exterioridade". Aponta que o sujeito-autor é produto de constituição histórica de sua singularidade e das práticas vividas possibilitadas pelas formas discursivas que engendram a sociedade e, conseqüentemente, está submetido às regras das instituições, porém, numa visão dialética: "Como autor, o sujeito ao mesmo tempo em que reconhece uma exterioridade à qual ele deve se referir, ele também se remete a sua interioridade, construindo desse modo sua identidade como autor"9. Portanto, a assunção da autoria relaciona-se à inserção do sujeito na cultura, na sua posição no contexto histórico-social, o que lhe possibilita constituir-se e mostrar-se autor.
Logo, a alteridade está imbricada na compreensão dos processos de subjetividade, construída na sua singularidade, porém, nutrida pelo outro, pelo que é externo.
O PORTFÓLIO COMO DOCUMENTO AUTORAL
O portfólio, mais conhecido nas escolas de ensino fundamental e nos cursos universitários voltados para a área do desenho industrial, engenharia, comunicação social, arquitetura, entre outros, começa a tomar vulto na área da educação, nos últimos anos.
Dentre as publicações recentes, o estudo de Villas Boas11 é representativo. Apresenta resultados de uma investigação sobre o portfólio e avaliação realizada no curso de Pedagogia para Professores em Exercício no Início de Escolarização, em Brasília. Outros trabalhos como os apresentados por Rangel, et al.12, Seldin13, Rangel14, Shores e Grace15, Gardner16 revelam, também, que o portfólio é uma forma de acompanhar a produção do estudante como uma alternativa menos pontual de verificar seu rendimento, apoiado na prova e testes.
O portfólio consiste, à primeira vista, na reunião de trabalhos realizados por uma pessoa, mas, não apenas uma compilação exaustiva de documentos e materiais que direcionam as ações do ensinar e aprender. Ele apresenta evidências sólidas da efetiva aprendizagem13.
Para Shores e Grace15: "O portfólio é definido como uma coleção de itens que revela, conforme o tempo passa, os diferentes aspectos do crescimento e do desenvolvimento de cada criança".
Gardner16 diz que um portfólio padrão reúne os melhores trabalhos para algum tipo de competição ou exibição.
Sem dúvida, o caráter avaliativo é inerente a este tipo de produção, pois à medida que o estudante produz, tem a oportunidade de, tomando um certo distanciamento do momento da feitura da atividade, rever o processo e verificar os pontos falhos e aqueles pertinentes e, se quiser, refazer, re-arrumar aquilo que agora vê com outros olhos. Afasta-se da avaliação centrada apenas nos procedimentos verificativos que têm a prova como registro do que o aluno conseguiu aprender, em um determinado tempo. Propostas pontuais, como a prova, não são suficientes para mostrar, a ele e ao professor, o processo de construção das relações entre os conteúdos propostos e a realidade em que vive12.
Desta forma, Seldin13 chama a atenção de que o portfólio é um documento único, personalizado, não existindo dois iguais, justamente porque os itens selecionados dependem do estilo de cada estudante e da ênfase privilegiada.
Embora a maioria dos autores trate o portfólio como um caminho importante para a avaliação, vimos que, concomitante a este procedimento, o portfólio permite uma ação voltada para a autoria, posto que propicia ao estudante desenvolver o processo de auto-reflexão sobre a maneira de aprender, fazer escolhas. Avaliar não está separado do processo de rever-se.
MÉTODO
Os sujeitos são 24 alunos da disciplina psicopedagogia institucional (60h/a) de um curso de especialização oferecido numa universidade particular do Rio de Janeiro, em 2005.
O estudo tem caráter de uma pesquisa-ação, na perspectiva qualitativa, pois o interesse está voltado para a investigação do sentido que os alunos dão à sua forma de aprender, calcado no diálogo entre pesquisador e pesquisados e na análise dos portfólios elaborados pelos estudantes. Para Bogdan e Biklen17 e Richardson18, esta abordagem permite a compreensão do problema, preservando os dados coletados em ambiente habitual, onde os sujeitos se encontram, focalizando o processo e não apenas o resultado desejado.
Aplicou-se, além das conversas sobre o portfólio e o processo de construção da autoria durante as aulas, que foram registradas pelo docente, um questionário com 3 perguntas abertas para investigar: a identificação da palavra portfólio no contexto do processo de avaliação e construção do pensamento autônomo; o reconhecimento do portfólio dentro da proposta da disciplina em curso e o processo de autoria fomentado pelo uso do portfólio, contemplado na última questão, onde o aluno registrava o seu comentário. Ao término da disciplina, aplicou-se o mesmo questionário respondido na fase inicial, agora com o intuito de verificar as mudanças ocorridas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Tendo em vista que o portfólio é um processo que vem sendo incorporado na educação desde a década de 90, esperávamos que os alunos possuíssem algum conhecimento sobre o tema, adquirido durante o curso de formação, ou mesmo, fizessem uso dele na vida profissional.
Porém, os dados relativos à identificação do termo portfólio revelam que 4 alunos o desconheciam, assim como a sua utilização; 5 não sabiam porque o portfólio estava sendo utilizado na disciplina em curso, supondo que estaria servindo: "para que o professor nos conheça, para servir de arquivo de consultas, para construir o processo de aprendizagem". Tais depoimentos mostram que o processo de avaliação está mais centrado na mão do professor, reforçando a posição de estudante submetido pela educação bancária10. A escola ainda mantém algumas estratégias que molduram uma dinâmica em que procedimentos característicos de uma educação que retém o controle do que acontece na sala de aula no docente. Ao mesmo tempo, as novidades que são introduzidas endossam a idéia de Andrade6 de que é necessário incluir situações desequilibradoras do sistema cognitivo para provocar a construção de novos esquemas que favoreçam o movimento do aprender. Este aspecto foi fundamental para não nos deixarmos abater pelos momentos reticentes dos alunos.
No espaço destinado para que o aluno escrevesse comentários, 8 alunos nada escreveram. Outros relataram: "não sei, nunca fiz", "acho que é para acompanhar desempenho" ou "nunca utilizei como estudante, mas aplico com meus alunos". Duas destas respostas, fornecidas por professoras de educação infantil, aproximaram-se do conceito de portfólio, justificado pelo uso do mesmo em suas atividades docentes.
À primeira vista, depreende-se que o portfólio, independente das formas que assume, é algo novo, pouco ou nada experimentado e, portanto, distante de ser concebido como propiciador de um processo de formação do pensamento autônomo. Alguns depoimentos identificaram o portfólio como forma de avaliar a produção dos alunos, conforme demonstramos nas práticas adotadas nos cursos de pedagogia, psicopedagogia e odontologia, quando o portfólio foi introduzido para implementar uma avaliação que se distanciasse das provas e testes e possibilitasse estratégias metacognitivas sobre o aprender12,14. Na verdade, os depoimentos revelaram que os alunos conseguem perceber a elaboração do portfólio apenas para avaliar o que é feito, a forma de apropriação dos conceitos trabalhados, não fazendo ainda uma conexão entre o fazer, avaliar, refletir e autoria.
Dos 24 alunos, 14 apontaram o portfólio como pasta, uma forma de organização de trabalhos, semelhante ao que Shores e Grace15 denominam portfólio de aprendizagem, uma espécie de arquivo da produção acadêmica, como confirma este registro: "Pessoalmente é uma atividade que contribui para repensar as dificuldades que tive para organizar meu tempo para poder participar das aulas". Pode-se dizer que esta seria uma etapa "burocrática", porém, essencial para o aluno estabelecer relações com o seu movimento de aprender.
Há 7 depoimentos que identificaram o portfólio como um processo de avaliar e de auto-avaliação: "é uma forma sincera e objetiva de auto-avaliação que nos leva a perceber o nosso envolvimento e crescimento com o conteúdo; refere-se à apresentação de trabalho pessoal ou de grupo, refletindo uma experiência e prática constituída" (grifo nosso). O portfólio começa a ser entendido como uma forma de construir e apropriar-se dos saberes da docência, de relacionar a prática e a teoria, de desenvolver o pensamento crítico e autônomo como comprovou Villas Boas11.
No entanto, 3 depoimentos chamaram a atenção pela contra proposta que apresentam, sugerindo o retorno ao esquema de provas: "[...] já que dá tanto trabalho, de colecionar trabalhos, preparar o portfólio e ainda analisar passo a passo [...] - a data é marcada, a gente estuda, faz a prova e pronto!" Os resquícios de uma proposta disciplinar, apontados por Foucault7,8, fazem-se notar, pois neste tipo de registro - a prova - pouco ou nada se sabe sobre a sua individualidade, pois quase sempre, limita-se a uma repetição daquilo que foi lido no original. A ritualização da prova, devido à incorporação deste mecanismo de controle adotado pela escola, é algo já internalizado pelo sujeito. A escrita-relato parece ser um risco para estes estudantes. Há resistências. Villas Boas11 reforça esta idéia ao mencionar que os alunos dos cursos superiores encontram dificuldade em mudar de postura diante da proposta do uso do portfólio, pois estão acostumados a receber tudo pronto dos professores e não a "[...] escrever, a formular objetivos e critérios de avaliar, a avaliar as suas produções, a refazê-las [...] a selecionar novas fontes de informação".
No decorrer das aulas, verificou-se que os estudantes demonstravam dificuldade em estabelecer uma relação entre autoria e o caminho propiciado pelo portfólio. Considerando a ementa da disciplina que propunha um estudo sobre: o sujeito, o grupo e a instituição: características e interfaces; os fundamentos da Psicopedagogia Institucional; a prática, intervenção e prevenção de problemas e dificuldades de aprendizagem no âmbito escolar; diagnóstico e avaliação da instituição; a identificação do preconceito como definidor de nós nas relações institucionais, entende-se a pertinência da proposta do portfólio e sua vinculação com a perspectiva autoral, pois como aponta Bossa (2000, p. 68), sobre a psicopedagogia institucional, é fundamental que os profissionais inseridos na escola analisem "seus próprios modelos de aprendizagem, de modo que, ao se perceberem também 'aprendizes' revejam seus modelos de ensinante". À primeira vista, os alunos parecem entender que irão cuidar da escola, dos alunos, da família, dos professores e que a sua história como sujeito não interferirá no seu olhar para/sobre estes aspectos. Aos poucos, com as conversas e retomadas dos escritos registrados no portfólio, começamos a notar, aqui e ali, "a autonomia, penosamente construindo-se [...]"10.
Em relação ao processo de autoria fomentado pelo uso do portfólio, há depoimentos que anunciam ser: "[...] extremamente criativo e avaliativo rever minha trajetória; foi uma atividade tanto individual, tanto grupal, pois, pudemos nos ajudar tanto na troca de materiais como de idéias; é muito bom refletir sobre a construção do saber adquirido", "O portfólio me remete a construção de minha própria aprendizagem; aprendente e ensinante podem crescer mutuamente na construção [...]." Nas palavras de Fernández5, para favorecer espaços de autoria de pensamento, tanto o professor como o psicopedagogo necessitam de "espaços próprios de autorizar-se a pensar e conseguir sentir prazer, bem como se sentirem vivos a partir desse trabalho consigo mesmos".
Estes relatos sinalizam o caminho favorecido pelo uso do portfólio para se pensar sobre a modalidade de aprendizagem independente e autônoma, requisitando de si mesmo a tomada de decisão, iniciativa e julgamento. O foco desloca-se do professor para aquele que aprende e remete ao aspecto do compartilhamento inerente ao processo de aprender: eu e o grupo (neste incluído o psicopedagogo).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados obtidos nos permitem afirmar que o portfólio, no curso de especialização em psicopedagogia, é um procedimento que precisa ser implementado, visto que além de ser um caminho alternativo para uma avaliação diferenciada, propicia uma aprendizagem singular, crítica e criativa, a partir da tomada de decisões.
Por ser o portfólio uma novidade para muitos, é fundamental que o professor que propõe este caminho, realize, inicialmente, uma contextualização deste procedimento para que os alunos sejam mais receptivos e sintam-se desafiados a experimentar um modo diferente de perceber e acompanhar a sua maneira de aprender.
O desconhecimento da finalidade do portfólio e as dificuldades encontradas pela maioria dos estudantes no uso deste procedimento indicam que o psicopedagogo, ao buscar intervir no processo de construção do conhecimento do outro para que este encontre sucesso, precisa ter em mente que o aprender não está dissociado do desejar e sentir, o que é favorecido pelo portfólio à medida em que registra a produção feita, escreve sobre ela, seleciona, classifica e reflete sobre a maneira de produzir certo conhecimento que, sem dúvida, favorece o acesso a si mesmo.
Por outro lado, demonstrou-se a dimensão do procedimento do portfólio voltado para o desenvolvimento do pensamento autoral, a partir da função estruturante que assume, organizadora da coerência, reveladora e estimulante dos processos de desenvolvimento pessoal e, portanto, profissional, descortinada por alguns estudantes que arriscaram e se comprometeram com uma nova maneira de aprender.
Desta forma, conclui-se que a proposta do uso portfólio é um elemento favorecedor do processo de construção da autoria de pensamento dos psicopedagogos em formação.
REFERÊNCIAS
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Correspondência:
Jurema N. M. Rangel
Rua das Laranjeiras, 102/608 - Laranjeiras
Rio de Janeiro - RJ - 22240-000
Tel: (21) 2205-3808 (residencial)
E-mail: jurema.rangel@virgula.com.br
Artigo recebido: 18/12/2006
Aprovado: 14/03/2007
Trabalho realizado na Universidade Estácio de Sá, Rio Comprido, RJ. Este estudo está baseado no trabalho "A autoria de pensamento: possibilidade de construção através do portfólio", apresentado no XIII ENDIPE, realizado em Recife, PE, em abril de 2006.