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Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.24 no.73 São Paulo 2007
ARTIGO ESPECIAL
Imersão do projeto lumiar: um mergulho dentro de nós mesmos
Galeara Matos de França SilvaI; Maria José Weyne Melo de CastroII
IPedagoga; Psicopedagoga; Psicanalista; Mestre em Educação
IIBióloga; Fonoaudióloga; Psicopedagoga.
INTRODUÇÃO
O Projeto Lumiar de Atendimento Psicopedagógico, projeto social da Seção Ceará da Associação Brasileira de Psicopedagogia - ABPp, possui dois objetivos principais. O primeiro visa a contribuir para o atendimento a pessoas portadoras de dificuldades de aprendizagem, que não têm condições de custear sua intervenção. O segundo diz respeito à formação continuada de seus voluntários, todos eles associados da ABPp.
O Projeto Lumiar teve início em 3 de outubro de 2003, no Grupo Espírita Paulo e Estevão - GEPE, atendendo à comunidade carente da Praia do Futuro. Lá, um primeiro grupo de psidopedagogas e estudantes de psicopedagogia, acreditando no sonho, iniciou esse trabalho social. Devido à qualidade do atendimento apresentada, a demanda por outros locais e núcleos logo se mostrou muito grande e, hoje, o Lumiar possui seis núcleos em Fortaleza e um no interior do estado, o que aumenta o compromisso social e o desejo de proporcionar a um maior número de pessoas os benefícios desse trabalho.
A Seção Ceará, como entidade de classe, tem responsabilidade pelo desempenho dos especialistas em Psicopedagogia, tendo, assim, um papel importante no desenvolvimento profissional dos seus associados. Todas as voluntárias participam de supervisões semanais, oficinas mensais, filmes com posterior discussão e, sempre que necessário, solicitam supervisão individual. Cada núcleo é constituído de dez psicopedagogas e uma coordenadora.
Durante os encontros das coordenadoras de núcleo com as supervisoras, que atendem a todos os núcleos, vimos a necessidade de fazer uma reflexão crítica sobre o trabalho voluntário na prática psicopedagógica. Para, assim, desenvolver uma melhor compreensão do que é o voluntariado, da responsabilidade com o trabalho social, não só com aprendizagem da leitura, escrita e matemática, mas principalmente da estruturação da autonomia com o desenvolvimento da cidadania, por parte de todos os que fazem o Lumiar, permitindo àqueles que procuram a nossa ajuda que tomem posse do seu saber e tenham consciência de que as capacidades são diversas e podem e devem ser exploradas.
Visando então fortalecer esse compromisso, resolvemos fazer um dia inteiro de reflexão com o maior número de voluntárias possível. Este encontro aconteceu no dia 29 de julho último, no Sítio Terra Sã, no município de Pindoretama, foi a primeira imersão do Projeto Lumiar, sob a coordenação de Maria José W. Melo de Castro - Zeza Weyne, tendo o apoio das outras duas supervisoras, Andréa Aires Costa de Oliveira e Galeara Matos de França Silva.
ENCONTRO DE IMERSÃO DO PROJETO LUMIAR
Iniciamos as atividades com uma avaliação do Projeto Lumiar como um todo, observando suas normas de funcionamento, qualidade de atendimento, acolhida àqueles que necessitam da intervenção, entre outros aspectos. Aproveitando a oportunidade, provocamos também uma auto-avaliação das lumiandas (voluntárias do projeto).
As dinâmicas e vivências organizadas para tanto tiveram como base teórica a Educação Biocêntrica, também chamada Pedagogia do Encontro, que considera a vida como referência para a construção do conhecimento e a vivência como mediadora da aprendizagem. A Educação Biocêntrica foi criada e desenvolvida pelo chileno Rolando Toro, com a colaboração de Ruth Cavalcante e Cézar Wagner no Ceará.
A Educação Biocêntrica1 pode se tornar uma grande parceira do trabalho voluntário no Projeto Lumiar, pois ela está centrada na vida, e convida a pessoa a estar conectada com o momento presente, sempre vivendo o "aqui-e-agora", proporcionando aos aprendentes uma forma reflexivo-vivencial de aprender, prazerosa, pois sem desprezar o cognitivo, leva-o a adquirir um conhecimento integrado ao seu viver. Além disso, busca desenvolver a cooperação para substituir a competição tão presente na nossa escola atual.
Outro aspecto importante que integra a Educação Biocêntrica é o vínculo existente entre aqueles que ensinam e aprendem, este vínculo se forma a partir do diálogo afetivo, considerando afetividade como sendo a capacidade que possuímos de sermos "afetados" pela presença do outro. Nesse momento, as estruturas cognitivas podem ser impulsionadas, facilitando a construção do saber.
O desenvolvimento da Inteligência Afetiva, proposta por Rolando Toro, não é como um tipo especial de inteligência, mas como uma fonte comum de todas as formas diferenciadas de inteligência.
Consideramos educador aquele que é capaz de estimular a expressão dos potenciais genéticos do educando, trabalhando as suas habilidades e dificuldades, o que facilitará o desenvolvimento do amor pela vida, da descoberta do prazer do aprender, do saber e do viver.
Baseadas no Princípio Biocêntrico, iniciamos a imersão, que nos levaria à tomada de decisões sobre a nossa ação voluntária do Projeto Lumiar. A primeira atividade foi a construção do crachá, onde cada uma colocava seu nome, núcleo do Lumiar ao qual pertence, a cor predileta e uma característica sua. Logo após, ao som da música "A terra é uma escola", de Nando Cordel, foi feita uma caminhada pelo espaço da tenda, quando todas liam os crachás, olhando para as pessoas, pois muitas das voluntárias estavam se conhecendo naquele momento.
Foi feito, então, um relaxamento como preparação para a vivência "Visualização criativa", onde as psicopedagogas foram estimuladas a fazerem uma viagem através do tempo e cada uma pôde lembrar e reviver o momento em que ouviu falar do Projeto Lumiar, quem falou, como, porque e para que falou. Além disso, todas foram levadas a pensar no porquê de participar de um trabalho voluntário, que sentimento têm para com o Lumiar. Essa vivência foi usada como forma de sensibilizar a todas para o que seria desenvolvido posteriormente. Foi feita também uma reflexão das contribuições que o projeto trouxe para a vida profissional e pessoal de cada uma.
A imersão teve prosseguimento com os "Encontros temáticos", dinâmica que é feita com troca de opiniões entre as pessoas. Inicialmente em pares, foi discutido "O que eu vim buscar no Lumiar", depois em grupos de três, "O que eu vim trazer para o Lumiar". A seguir, com quatro pessoas, "O que eu quero mudar no Lumiar" e, por fim, com seis grupos de cinco pessoas "Que sentimento tenho para com o Lumiar".
Para encerrar esta atividade, houve um momento de socialização. Quando registramos que as psicopedagogas buscam no Lumiar: conhecimento, aprendizagem, grupo de estudo, troca de experiência, oportunidade para desenvolver uma práxis, condição para prestar um serviço voluntário, matéria prima para o atendimento terapêutico, formação continuada, sensibilidade nas pessoas e espaço para desenvolver um papel social.
Dentre os motivos que levaram as psicopedagogas ao Lumiar, foi citado: apoio, solidariedade, dedicação, responsabilidade com o projeto e com a aprendizagem, compromisso, garra, perseverança, vontade de ajudar a mudar alguma coisa.
As mudanças sugeridas foram: ter uma coordenação geral, rever compromissos de algumas pessoas, convencendo-as de que devem levar o Lumiar mais a sério, ser mais exigente na seleção de voluntárias, fortalecer a participação nas oficinas, pois para ser terapeuta do projeto há necessidade de participação em todos os seus eventos, implantar um plano de ação em todos os núcleos, criar banco de reserva com psicopedagogas selecionadas.
Para iniciar o período da tarde, foi usada a música "Leve-me" (cantada por Daniela Mercury), foi o momento de encontro das voluntárias por núcleo do projeto. Cada núcleo teve, então, uma hora para conversar e colocar em uma cartolina as três questões:
1. O que gosto e quero manter no meu núcleo;
2. O que não gosto e quero mudar; e
3. Uma novidade que quero introduzir no núcleo.
Ao final, houve a socialização dos cartazes e conversa sobre os três itens propostos. Neste momento, as supervisoras do Projeto Lumiar, Zeza Weyne, Galeara Matos e Andréa Aires, anotaram todas as questões levantadas para serem escritas em forma de documento e socializadas para todos os núcleos.
É importante registrar a presença de Gracinha Moraes, coordenadora do primeiro núcleo do Lumiar no interior, que se encontra em fase de construção, já tendo ocorrido reunião da coordenadora com as participantes e deverá ter início no último final de semana de agosto.
O dia foi encerrado como previsto, às 16h, com uma música, celebrando o Projeto Lumiar e a Vida. Todas ouviram, cantaram e representaram "Te ofereço paz", de Walter Pini, e nos despedimos ao som de "Redescobrir", de Gonzaguinha, na voz de Elis Regina.
A avaliação feita individualmente pelas participantes foi de que o dia havia sido muito rico e que esta imersão deve ser instituída como parte integrante do projeto, assim como as oficinas, e que necessitamos de, pelo menos, uma por semestre.
Ao retornar para as atividades do segundo semestre, as coordenadoras dos núcleos perceberam a melhora na participação, no compromisso, assim como na pontualidade e assiduidade das profissionais envolvidas no Projeto. Aquelas que lá estiveram contagiaram, com certeza, as outras pela empolgação, quando partilharam a experiência da imersão. A energia fluiu positivamente, isso é um fato que pode ser percebido no olhar de todas que compõem o Projeto Lumiar.
Segue abaixo a avaliação feita pelos núcleos com depoimentos de profissionais participantes.
AVALIAÇÃO DO ENCONTRO POR NÚCLEO
Núcleo I - Praia do Futuro
A Imersão, além de estreitar os vínculos entres as integrantes do projeto, provocou maior compromisso das mesmas, ao mesmo tempo em que serviu como mecanismo de avaliação para a coordenação.
Considero que o objetivo foi atingido e sugiro que ocorram outros encontros, dando continuidade ao processo de acompanhamento e otimização do projeto.
Neile Alverne de Albuquerque Melo
Núcleo II - Vila União
Gostaria de manter: o espaço físico; a integração com o Lar da Criança (unidade que acolhe o Núcleo); os horários das sessões de atendimento clínico; o trabalho de psicopedagogia ressignificada com os pais e professores do Lar; o vínculo e a união do grupo; a primeira sessão que antecede à intervenção, por ser um momento de reflexão, produção científica, planejamento das atividades coletivas, estudos de casos, aplicação de exercícios de dinâmica, relaxamento, vivência e sensibilização psicopedagógica no próprio Núcleo. O Núcleo não gostaria mais de sofrer as conseqüências da rotatividade de psicopedagogas e, ao mesmo tempo, queria reativar o grupo de estudos, continuar a sistematização de atividades e instrumentos psicopedagógicos e o planejamento semestral das atividades, como instrumento norteador das ações do Núcleo.
O processo de imersão aconteceu com demonstração de muita alegria e satisfação por parte de todas que ali se encontravam. Creio que os objetivos do evento foram plenamente alcançados. Está de parabéns a ABPp - seção/CE pelo Projeto Lumiar, que é uma realidade incontestável, uma experiência muito rica na área da psicopedagogia social e, parabéns à Zeza, que soube competentemente aplicar os instrumentos adequados no trabalho de imersão, superando as expectativas iniciais e soube, acima de tudo, "ouvir, sem intervir".
Francisca Francineide Cândido
Núcleo III - Henrique Jorge
Muitas coisas podem ser ditas a respeito do nosso 1º Encontro Lumiar. Bom, maravilhoso, divertido, transcendental, etc. Porém, o que não se pode deixar de dizer é que, além de tudo isso, foi necessário. Realmente, estávamos (pelo menos eu estava) precisando de um momento de conversa sobre o Projeto Lumiar e nosso trabalho como lumiandas.
O Projeto Lumiar está crescendo e estaremos nós preparadas para crescer com ele? Muitas de nós entramos de cabeça nessa idéia, sem nos darmos conta do que ela era realmente. E agora? Estamos prontas para os sacrifícios e as doações? E o que esperamos ganhar com isso?
Acredito que foram estes questionamentos que levaram a Zeza a iniciar o encontro, levando-nos a uma viagem interior.
O segundo momento foi, também, muito importante para mim. Conversar com as lumiandas do núcleo 3, ouvi-las e ser ouvida sobre o que precisa ser mudado e o que deve ser mantido no nosso núcleo, aliviou um pouco as angústias e as dúvidas.
Sem medo de parecer piegas, digo que as energias emanadas naquele encontro nos renovaram, tenho certeza.
O local escolhido não poderia ser melhor, o envolvimento de todas e o espírito de cooperação fizeram de nosso l Encontrão Lumiar um marco na história de Projeto.
E foi com essa energia nova que no dia 05/08/2006 iniciamos as atividades no núcleo 3. Nesse dia, iniciamos nosso primeiro momento com uma breve descrição das atividades trabalhadas no Encontrão e as impressões deixadas em cada uma de nós que estivemos lá - Foi como um recado tipo: viram o que perderam?
Deixamos claro o que escrevemos naquele cartaz, isto é, o que queríamos manter e o que queríamos mudar. Após esta conversa, fizemos uma dinâmica, enfocando o trabalho em grupo, a responsabilidade de cada um e a cooperação. Uma segunda dinâmica levou à seguinte reflexão: podemos sempre contar umas com as outras, cada uma de nós tem sempre algo a dar, mesmo não sendo exatamente aquilo que esperamos, mas que pode ser justamente o que precisamos.
Glória Maria V. L. Pisandelli
Núcleo IV - Sede
Nas falas das lumiandas, ficou expresso o desejo de aprimorar a aprendizagem, a responsabilidade, o compromisso, a troca de conhecimentos e a vontade de conhecer e interagir com o outro. Além disso, conversamos sobre possíveis mudanças de organização e estruturação no projeto. Dentre os pontos expostos, destacou-se a necessidade de capacitar as novas terapeutas, para que, ao assumir um atendimento, elas já estejam mais seguras e preparadas. A responsabilidade e o compromisso foram retomados no intuito de expressar que a participação das lumiandas no projeto não deve se restringir somente aos atendimentos nos núcleos, mas também aos encontros de supervisão e formação continuada.
O grupo do núcleo IV colocou de forma consensual que o que mais gosta é dos momentos de estudo, entretanto, os mesmos devem ser reestruturados visando dar abertura a todas as terapeutas, para que as mesmas tenham a possibilidade de apresentar novas técnicas, discussões de textos, etc. Com relação às novidades, vimos que os relatórios precisam ser organizados e arquivados no núcleo, para que todas tenham acesso. Foi sugerida, também, a criação de um quadro de informações, onde serão anexados textos, horários de atendimentos, datas comemorativas, eventos, etc. O momento do cafezinho também foi resgatado, pois é um momento de integração e socialização.
Ana Cláudia Barros Barbosa
Núcleo V - Messejana
Nosso núcleo tem hoje um marco histórico, o núcleo antes do encontro de imersão e o núcleo depois do encontro, do qual saímos mais revigoradas, tanto a nível estrutural, instrumental como relacional. Estrutural, no sentido de termos parado para refletir sobre nossa prática organizacional e descoberto que podemos melhorar em determinados aspectos atualmente postos em vigor. Instrumental, no sentido de que todo ele será compartilhado entre os grupos para ser unificado, facilitando, assim, a entrada e adaptação de novas lumiandas. Relacional, no sentido de aprofundarmos o vínculo entre as lumiandas participantes.
Ao nosso ver, esse tipo de encontro deveria acontecer pelo menos duas vezes ao ano, para podermos parar um pouco e refletir a nossa prática psicopedagógica junto não só com as crianças e suas famílias atendidas pelo Projeto Lumiar, mas principalmente para fortalecer o vínculo entre as lumiandas e o compromisso de estarmos realizando um trabalho social tão necessário a nossa população carente.
Parabenizamos a Associação e a você, Zeza, que, por meio de um sonho seu, está resgatando o prazer de aprender não só nas crianças atendidas pelo projeto, como também nas suas LUMIANDAS.
Um abraço no coração!!!
Ana Paula Matos Bulcão
Núcleo VI - Parangaba
A proposta de imersão no contexto do Projeto Lumiar objetivou muito mais que passar algumas horas falando sobre a filosofia e objetivos do Projeto Lumiar; buscou focalizar os trabalhos desenvolvidos nos núcleos, verbalizando no coletivo os desafios e os significados do itinerário de formação profissional, a contribuição dessa formação para crescimento individual e em prol da comunidade atendida, bem como, para efetiva consolidação do Projeto, que passa por priorizar a qualidade mediante a implementação de medidas de melhoria na dinamização dos trabalhos, entre elas, a integração e a comunicação intergrupos; buscou a aprendizagem no tocante a entender e se fazer entender, desenvolver sem julgamentos a capacidade de escutar, compreender, pensar e falar sobre as dificuldades, as frustrações e as aspirações acalentadas pelo grupo.
Está de parabéns a idealizadora do Projeto, pela iniciativa da realização da imersão, pelo excelente trabalho que desenvolveu, assim como todas que participaram e estão engajadas na edificação dessa estrada.
Elisabete Silveira Castelo Branco
CONCLUSÃO
Com essa imersão, momento para pensar sobre o Projeto Lumiar, consolidamos a idéia de ser este o melhor caminho para fazer da Psicopedagogia o portal para a Inserção Social, esforço diário daqueles que desejam um mundo mais igual e mais feito de paz.
REFERÊNCIAS
1. Cavalcante R. Educación biocéntrica: un movimiento de construcción dialógica. 3ª ed. Fortaleza:Edições CDH;2004. [ Links ]
2. Regina C. Biodança gestos, palavras e músicas. Fortaleza-Ceará;2002. [ Links ]
Correspondência:
Galeara Matos de França Silva
Rua Assis Chateaubriand, 362 A - Fortaleza - CE
Brasil - 60135-200 - Tel.: (85) 3261-0064
E-mail: psicop_ceara@yahoo.com.br
Artigo recebido: 04/09/2006
Aprovado: 24/11/2006
Trabalho realizado no Projeto Lumiar de Atendimento Psicopedagógico, projeto social da Seção Ceará da Associação Brasileira de Psicopedagogia - ABPp, Fortaleza, CE.