Services on Demand
article
Indicators
Share
Revista Psicopedagogia
Print version ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.24 no.74 São Paulo 2007
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Formação de professores: um investimento em autoconhecimento
Graduating teachers: an investment in self known
Isabel Cristina Hierro ParolinI; Rachel Cherubini Tomedi CaldeiraII
IPedagoga, psicopedagoga e Mestre em Psicologia da Educação. Psicopedagoga Consultora de instituições públicas, privadas. Psicopedagoga credenciada pela ABPp e Autora de vários livros na Área de Formação de Professores
IIPsicóloga, Consultora Organizacional, especialista em Psicologia comportamental, Recursos Humanos e Marketing de Serviços. Concluiu, em 2005, curso de Formação Transdisciplinar pela UNIPAZ. Em 2006, iniciou mestrado em Gestão Empresarial pela FGV -EBAPE-RJ
RESUMO
Este artigo trata de dois trabalhos desenvolvidos por duas consultoras, sendo uma da área da Educação e a outra da área de Pesquisa. Fomos convidadas para prestar nossos serviços a uma escola particular de Curitiba, em momentos diferentes. Uma de nós para criar e implantar um projeto de formação de professores, visando à melhoria na competência do educador e da escola; a outra, para avaliar se todo o investimento (tempo, emocional, financeiro e de trabalho) tinha repercutido em visíveis diferenças na competência geral da instituição de ensino e, especialmente, em sala de aula, na qualidade da relação aluno/professor/aprendizagem. Como produto final do Programa de Formação de Professores, escrevemos o presente artigo, em que se pretendeu discutir sobre a importância das instituições de ensino, em todos os níveis, investirem em projetos que primam pelo desenvolvimento pessoal e pela qualificação de seu corpo docente. Isso se torna ainda mais relevante, quando se trata de programas desenhados para trabalhar o autoconhecimento e o resgate dos valores universais. Com duração de 200h, o programa foi desenvolvido ao longo do ano de 2006, junto a um grupo de professores que se dispôs a fazer esse investimento. A pesquisa foi realizada nessa mesma escola, ao término do programa, em novembro de 2006. O pressuposto desse estudo é o entendimento de que um professor que busca se autoconhecer, de forma mais profunda, obtém maior consciência do seu potencial e de suas limitações e, portanto, irá ensinar de forma muito mais eficiente e afetiva, tendo claro seu papel socioeducativo. Refletir sobre a formação de professores, descrever o programa que foi desenvolvido ao longo do ano de 2006 e, posteriormente, aferir os resultados percebidos pelos alunos no comportamento do professor em sala de aula, por meio de pesquisa realizada por uma equipe especializada, é o que se intencionou mostrar nesse artigo.
Unitermos: Competência profissional. Prática profissional. Capacitação profissional. Auto-avaliação.
SUMMARY
This article refers to two works developed by two consultants, being one from education area and the other from research area. We were invited to do our work at a private school of Curitiba, in different moments. One of us was supposed to create and developed a project of graduating teachers, looking for a better competence of the teachers and the school; and the other to evaluated if all the investment (time-emotions-financial and work) had had a repercussion and visible differences at the whole competence of the institution and specially about quality of the relationship between student/teacher/learning. As the final product of the graduating teacher program, we wrote this article in which we intend to discuss about the importance of school institution in invest, in all levels, projects that are worried with their personal development and by the qualification of their staff. This became more relevant when it is referring about programs related to work with self known and the rescue of universal values. With duration of 200 hours, this program was developed during the year of 2006, together with a group of teachers who were able to do this investment. The research was done at this same school at the end of the program in November, 2006. The aim of this study is to understand that a teacher who looks for a self known in a deep way, will have more conscious about your potential and your limits, and therefore will be a teaching in a more efficient way, being clearer your work as a teacher. Considering about graduating teachers, it describe the program that was developed during the year of 2006 and later adapt the results that were realized by the students with the teachers behavior in classes, trough the research done by a specialized group, is what we want to show in this article.
Key words: Professional competence. Professional practice. Professional training. Self assessment.
"...não se pode reformar a instituição sem uma prévia reforma das mentes, mas não se podem reformar as mentes sem uma prévia reforma das instituições..."
Morin (2005)1
INTRODUÇÃO
O programa A Formação dos Professores Formadores foi desenvolvido a partir de uma demanda da direção da instituição particular de ensino, que buscava uma intervenção psicopedagógica de cunho institucional. O pedido inicial, feito pelo gestor, foi: "Gostaria que meus professores tivessem mais luz! Que brilhassem aos olhos dos nossos alunos e que, por conseqüência, eles tivessem prazer em aprender".
A referida instituição atende alunos das classes socioeconômicas A, de acordo com o CCEB - Critério Brasil (renda familiar superior a R$ 4.600,00) e possui três unidades que oferecem: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, além de cursinhos preparatórios para o vestibular, na cidade de Curitiba.
Diante do pedido e, tentando, efetivamente, colaborar, procurou-se, por meio de algumas reflexões, análises e conversas informais com professores, alunos e pais de alunos, produzir um projeto que pudesse enriquecer os trabalhos já desenvolvidos pela referida instituição de ensino.
Após o movimento de reconhecimento da filosofia e metodologias dos projetos que já eram desenvolvidos e do entendimento da dinâmica da instituição, priorizou-se trabalhar com os professores de sala de aula, por entender-se que são eles que dão luz e colorido ao dia-a-dia da escola e é, por intermédio dessa mediação, que o processo de aprender e ensinar acontece.
Tendo claro que se trabalharia com os professores, buscou-se que o trabalho provocasse o professor a uma tomada de consciência do seu papel formador, tanto na Instituição, quanto na vida das crianças, dos jovens e seus familiares.
O trabalho objetivou contemplar, prioritariamente, práticas vivenciais em que o professor foi provocado, por meio de atividades em grupo, a se colocar numa posição empática com seu parceiro e, a partir desta experiência, refletir sobre a condição, os desejos e o seu papel de um "formador de pessoas" - que são seus alunos.
Num segundo momento, aconteceu um estudo avaliativo, em forma de pesquisa, que pretendeu verificar, na percepção dos alunos, o impacto desse Programa de Desenvolvimento Pessoal de Professores, doravante denominado: A Formação dos Professores Formadores.
A investigação dos resultados do Programa, ou seja, a pesquisa, aconteceu sem que a escola soubesse de seus objetivos, para que não houvesse mudança de comportamento e de atitudes dos professores em sala de aula. Importante apontar que a comunidade escolar está acostumada a esses procedimentos avaliativos.
Os resultados da pesquisa foram bastante positivos e, por isso, tornam-se relevantes por demonstrar em dados, a repercussão de um trabalho de desenvolvimento de cunho "interpessoal".
O CONTEXTO SOCIAL E AS BASES REFLEXIVAS
Vivemos um momento de grandes mudanças sociais, científicas e socioemocionais. A dita pós-modernidade desconstruiu verdades que se estabeleceram como absolutas e trouxe-nos uma série de conceitos ainda não claramente definidos. A sociedade é assolada por um sem número de informações, enquanto a tecnologia modifica a forma de se relacionar no mundo, e o conhecimento torna-se moeda de maior valor circulante.
Nesse redemoinho de mudanças e informações, a complexidade e circularidade das idéias nos propõem temas que se tornam inconcludentes. A situação sociohistórica e o clima emocional em que os fenômenos acontecem passam a ter relevância científica. Nessa perspectiva, e em forma de alerta, Demo2 enfatiza: "(...) o conhecimento somente se curva às necessidades humanas, donde sempre parte, se for mantido em rédea curta, sob estrito questionamento e vigilância. Nasce do questionamento, mas, se não for questionado, escapa do questionamento e se torna arma do poder".
O desafio da sociedade contemporânea é integrar a multiplicidade de interações que um sujeito é capaz de realizar, de forma a contemplar cada um em sua identidade cultural e socioafetivas, sem, contudo, deixar de ver o homem em sua complexidade e diversidade.
A humanidade percebe que precisará reorganizar valores e, nessa reconstrução, o valor do conhecimento toma nova dimensão.
Para os "pós-modernos" torna-se fundamental organizar novas premissas que dispensem as verdades e certezas que advinham de tempos passados. Nasce, nesse tempo de mudanças, uma interface entre os que tentam entender e se responsabilizam diante das novas informações e novos rumos e os que simplesmente se omitem, alegando um relativismo duvidoso, ou ainda, uma licenciosidade perigosa.
Em meio a esse movimento de mudanças e tentativa de compreender e viver de forma contemporânea, as famílias e as escolas investem fortemente em redirecionar suas expectativas e normas de conduzir os processos educativos, tanto acadêmicos, quanto domésticos; contudo, esse redirecionamento está despojado de fundamentos de ordem moral, religiosa e do próprio conhecimento, o que é uma conseqüência dessas mudanças todas. Torna-se comum o questionamento de antigos e valiosos valores e a sociedade se vê compelida a rever as normas de bem viver e o que é "politicamente correto".
A sobrevivência e o bem-estar da communitas (e também, indiretamente, da societas) dependem da imaginação, inventividade e coragem humanas de quebrar rotinas e tentar caminhos não experimentados. Dependem, em outras palavras, da capacidade humana de viver com riscos e de aceitar a responsabilidade pelas conseqüências. São essas as capacidades que constituem os esteios da "economia moral" - cuidado e auxílio mútuo, ... (Bauman3).
As relações com o outro, com as coisas e com o conhecimento ficam relativizadas a uma nova ética, com repercussões ainda desconhecidas. Em meio a essas relativizações, inúmeras mudanças são propostas para a escola em seu fazer diário, enquanto a família tenta transferir para a escola a sua tarefa de educar.
Dentre as inúmeras pesquisas a que temos tido amplo acesso, muitas delas se destinam a mostrar que diante da sociedade do conhecimento há a necessidade do sujeito estar aprendendo constantemente. Torna-se, portanto, fundamental uma escola que propicie o espaço necessário para a construção de um cidadão engajado em seu tempo, com uma leitura de mundo crítica e com os instrumentos adequados para construir um espaço em que possa bem viver. Dito de outra forma, a escola tem como tarefa social desenvolver as habilidades necessárias para que o sujeito possa transformar as informações em conhecimento e que esse conhecimento transforme o sujeito e que tal movimento repercuta em boas mudanças sociais.
No entanto, sob a forma de um revés, o modelo de escola em cuja ordem, o silêncio e a repetição geram aprendizagem e progresso, ainda habita o imaginário de muitos professores. Ainda mais, esse modelo tem sido o objetivo prático de muitas escolas. Isso permite um pensamento: que o dia-a-dia da escola nos tem mostrado que o trabalho de compreender, reorganizar e transformar todas as mudanças e avanços científicos e sociais reconhecidos, em conhecimentos que instrumentalizam as pessoas para viverem melhor, tem sido um dos maiores desafios dessa geração de educadores, quer sejam eles familiares ou profissionais da educação.
Mudanças educacionais não faltaram no Brasil do século XX. Ainda assim, só vimos queda na qualidade. É o próprio INEP/MEC que afirma: ao final da 4a. série do ensino fundamental, mais da metade dos alunos continua mal sabendo ler e fazer cálculos matemáticos básicos, com pequena "melhora" ao final da 8a. série. E de nada adianta cada novo gestor começar outro modelo. Começando a cada vez do zero, podemos sanar alguns equívocos, mas seguramente iniciaremos outros. Para evitar mais fracassos, é mister ouvir, em escala representativa, o docente que atua em sala de aula, antes de colocar em prática novos projetos. (Zagury4).
Portanto, temos uma escola que, em sua grande maioria, não tem conseguido incorporar esses avanços científicos, por motivos, também, amplamente conhecidos: falta de políticas públicas que favoreçam as mudanças; falta de continuidade nos projetos desenvolvidos - acompanhamento, avaliação e regulação; desvalorização do professor - salarial e no âmbito das decisões. Por outro lado, temos um grupo de especialistas da educação legislando e dando "os mapas" da boa educação. Parece-nos um jogo em que alguns possuem os mapas do percurso, mas os outros devem executar. Os que possuem o conhecimento dos caminhos não traçam esse trajeto e os que percorrem o trajeto, desconhecem aonde deverão chegar.
A formação dos professores tem sido um problema a ser enfrentado. E fazemos coro com a afirmativa da professora Ariane Cosme5: "Quando os educadores se deparam com as dificuldades concretas das salas de aula não estão munidos de respostas prévias, mas tem de haver um modelo conceitual de escola que permita aos educadores gozar de uma capacidade reflexiva."
A psicopedagogia tem procurado facilitar as práticas educativas de forma a torná-las mais integradas aos cenários apontados. Em nossa comunidade contemporânea, práticas mais éticas, inclusivas e, principalmente, mais próximas à condição do aprendiz, quer seja ele uma criança, um jovem, um professor ou um grupo, torna-se de vital importância. O reconhecimento da multidimensionalidade do ser e de sua complexidade tem sido uma constante dos profissionais da psicopedagogia, em direção à escola e às instituições educativas de modo geral. Projetos que priorizam a natureza emocional do sujeito, os sentimentos, a sensibilidade, a compreensão da diversidade, da solidariedade e o pensamento eco-sistêmico são constantes preocupações desse segmento da educação.
A constatação de que as transformações todas que se fazem necessárias passam pela mudança dos sujeitos que professam a educação, brilha aos olhares dos mais atentos e verdadeiramente comprometidos com ela. A professora Evelise Portilho6 desenvolveu uma pesquisa junto a professores em que ela afirma, em parceria com outros autores, ao final de seu artigo: "É eminente a necessidade de uma formação contínua do ensinante que foque o conhecimento da própria aprendizagem e possibilite que ele se pense, se aproprie desse seu processo de aprender para poder fazer conexões e modificar sua forma de ensinar".
Parece-nos pensamento decorrente que os educadores, quer sejam administradores, coordenadores ou professores, precisam "desaprender" uma forma de fazer escola, de ensinar e aprender e, ainda, reaprender com os novos tempos e seus avanços tecnológicos e científicos7.
Diante do apresentado, e de acordo com a perspectiva exposta, compreende-se que uma forma de impulsionar avanços na área da educação, quer seja sob a perspectiva da aprendizagem ou do ensino, é investir na qualificação dos professores e dos profissionais da escola.
Entenda-se, portanto, que o projeto que foi desenvolvido e que será apresentado a seguir, faz parte de um todo e que deve ser compreendido como parte, mas que sem essa parte, deixaria o todo em falta.
A FORMA E OS MOTIVOS...
O programa de desenvolvimento pessoal partiu da convicção que o trabalho deveria provocar no professor uma tomada de consciência do seu papel formador e de suas possibilidades de deflagrar aprendizagens, tendo como premissa que a aprendizagem acontece em uma relação vincular.
A necessidade evidenciada do professor estar se "auto-fazendo" para poder provocar outras construções faz ressurgir uma antiga questão,
já amplamente discutida pela comunidade acadêmica e de educadores, porém ainda não satisfatoriamente desenvolvida, segundo questionou Karl Marx: "mas quem educará os educadores? "Reiteramos o já dito em Conhecer-se para Conhecer8, "...um ensinante que cumpre com sua tarefa social de provocar aprendizagens necessita reconhecer a trajetória de suas aprendizagens, identificar-se nesse reconhecimento e autorizar-se a efetivamente ensinar".
Portanto, um programa de formação de professores em que fosse priorizado o pensamento sobre a própria aprendizagem, na tentativa de conhecer os processos pelos quais eles mesmos aprendem, para poder entender e atender, de forma competente, a aprendizagem do outro, parece ser um bom caminho. Para isso, o professor necessita conhecer-se em sua forma de aprender e de ensinar e reconhecer-se como sujeito que é, produto e produtor de uma sociedade.
O professor, como Sujeito, é eixo norteador do curso de Formação de Professores. A partir do entendimento desse sujeito como um ser que pensa, sente, tem dúvidas e certezas, acerta e erra, foram escolhidos temas de interesse que serão trabalhados de forma transversal, tendo a Tarefa e a vivência como ponto de encontro entre o professor com ele mesmo e com seu colega. Ela será, também, o ponto disparador das reflexões e das aprendizagens pretendidas, o que se confirma em:
"O que caracteriza a vida é a ação! Ela é deflagrada a partir de informações fornecidas pelos discursos de verdade e pelas relações de força que, uma vez interiorizadas, definem as estratégias para a ação. Toda ação no ser humano é inteligente, amparada por estratégias, tem objetivo e obedece à vontade" (Stela de Sá9).
A proposta do projeto foi aprovada pela direção e, imediatamente, para melhor atender a demanda da instituição, foi feito um levantamento, entre os professores, sobre os temas que os mobilizariam, para que fosse possível construir o temário dos encontros. Essa pesquisa foi feita de forma informal, junto a 53 professores, de um universo de 200 professores das diferentes unidades, em situações informais: horário de lanche, saídas da escola, reuniões de estudo. Atentem que essa pesquisa inicial foi feita pela psicopedagoga com o objetivo de atender, devidamente, a demanda da instituição. Ela se diferencia completamente da pesquisa desenvolvida, posteriormente, pela pesquisadora co-autora do artigo.
O resultado da pesquisa realizada pela psicopedagoga dividiu-se em três itens:
1. Entender o momento atual (38 professores):
A dinâmica da sociedade, da infância, da adolescência, da família e da escola (interesse também por TDAH);
Como entender o jovem: valores, sexualidade, ideais, angústias e desafios;
Relacionamentos entre professores e alunos, entre alunos e alunos e alunos e seus pais;
O papel da escola e do educador na construção de um cidadão engajado e crítico;
Como tornar a escola mais atrativa diante desse mundo tão dinâmico e diferente.
2. Atualização na área de trabalho (6 professores) - Item que o projeto não pretendeu atingir.
3. Estratégias de planejamento (9 professores) - Item que foi contemplado, em parte, no projeto.
Ficou ressaltado que o grande interesse dos professores (38 participantes) é conhecer o mundo socioafetivo e cultural das crianças, dos jovens e de suas famílias.
Foram escolhidos, para desenvolverem o projeto, como docentes, professores que, além de poderem contribuir nos temas emergentes da escola, possuíssem reconhecido currículo acadêmico, importantes publicações em suas áreas de atuação, que tivessem familiaridade e fossem especialistas em trabalhar com grupos, com formação de professores e com familiaridade com as artes.
O objetivo psicopedagógico da coordenação do curso era o encantamento pela arte de aprender e ensinar, o que reafirma as palavras que Kant10 nos deixou ditas que "Educação é arte, cuja prática necessita ser aperfeiçoada por várias gerações".
O PROJETO
Objetivo
Esse Programa tem a expectativa de renovar "o olhar" do professor para a tarefa de aprender e de ensinar, promovendo a integração entre o Saber e o Ser, de forma a torná-lo mais íntegro, comprometido, competente e feliz.
Formatação
Curso de Formação, presencial e em módulos.
Número de alunos
50 alunos por turma.
Duração total
1 ano - 200h
Público-alvo
Professores que se candidatem espontaneamente e que atuem em sala de aula do Colégio.
Cada professor faria um investimento de R$ 20,00 ao mês, tendo direito a tudo que o programa exigia: refeições, materiais, equipamentos, transportes, etc.
Características das ações pedagógicas
Todos os módulos devem priorizar as vivências, as ações em grupo, a tarefa coletiva, os espaços para reflexões visando uma produção individual.
Estruturas dos módulos
Módulo 1 - Aprendendo a Conhecer-se
Configuração -1 sábado por mês - 10 encontros - Vivências - 8h
Módulo 2 - Aprendendo a Conhecer
Configuração - 5 encontros/meses alternados - Palestras - 4h
Módulo 3 - Ensinando e Aprendendo
Configuração - 5 encontros/meses alternados - Seminários - 4h
Módulo 4 - Aprendendo a Fazer
Configuração - Trabalho escrito - artigo científico (publicação)
Módulo 5 - Redefinição
Configuração - Apresentação final dos trabalhos
Temário dos módulos
Módulo 1 - Aprendendo a Conhecer-se - vivências - aos Sábados
Março - Tema: Ser eu
Abril - Tema: Ser criança e ser adolescente nos dias de hoje
Maio - Tema: Ser professor
Junho - Tema: Ser múltiplo - A delicadeza das relações
Julho - Tema: Ser encantado
Agosto - Tema: A vida é um jogo - Administrando as diferenças na sala de aula e na vida
Setembro - Tema: Viver criativamente
Outubro - Tema: Musicriando o ser
Novembro - Tema: Sentimentos
Dezembro - Tema: Ser eu - de volta ao começo
Módulos 2 e 3 - Aprendendo a Conhecer e Ensinando e Aprendendo
Local: Em sedes alternadas da escola, às Quartas-feiras: das 18h30 às 22h30
Março - Palestra - módulo 2 - Tema: Conhecer-se para conhecer
Abril - Seminário - módulo 3 - coordenadora do curso
Maio - Palestra - módulo 2 - Tema: O mal-estar na escola
Junho - Seminário - módulo 3 - coordenadora do curso
Julho - Palestra - módulo 2 - Tema: A aprendizagem e o mundo do imaginário
Agosto - Seminário - módulo 3 - coordenadora do curso
Setembro - Palestra - módulo 2 -Tema: Por uma educação com alma
Outubro - Seminário - módulo 3 - coordenadora do curso
Novembro - Palestra - módulo 2 - Tema: As dimensões da competência do educador
Dezembro - Seminário - módulo 3 - coordenadora do curso - leitura dos memoriais
Módulos 4 e 5
Aconteceram ao longo dos meses de fevereiro até junho de 2007.
O ANDAMENTO DO PROJETO E SUA FINALIZAÇÃO
A primeira surpresa foi a constatação de que os professores não se interessaram na proporção que imaginávamos que se interessariam. Apesar de todas as facilitações, não obtivemos o número de matrículas esperado no curso. Conseguimos fazer uma turma de 30 alunos, ao invés de 50 alunos, como o previsto. Alegando diferentes motivos, percebeu-se que os professores, ou temiam a exposição que o curso pedia, ou desconsideravam, avaliando como "brincadeirinhas" as vivências, ou o avaliavam como mais uma atividade de final de semana para sobrecarregar suas agendas.
Ao final do curso, tínhamos 22 alunos. As desistências foram acontecendo naturalmente, por motivos esperados, tais como: quatro professores assumiram novas atividades profissionais, um alegou dificuldades com as datas e o seu planejamento familiar e três professores confessaram ter medo do momento da escrita do trabalho. Dos 22 alunos que finalizaram o curso, 20 leram seus memoriais e 17 apresentaram seus artigos.
Em contrapartida, desde o primeiro instante, os professores que se dispuseram a participar dessa jornada sabiam que teriam de trabalhar suas propostas pessoais, e assim aconteceu, desde o primeiro encontro. O grupo entregou-se ao trabalho sem economias ou reservas.
Ao longo do ano de trabalho, foi visível que as vivências estavam mexendo com conteúdos que era manifesto por depoimentos dos próprios professores que estavam "vivendo" o programa. Por outro lado, os docentes que participavam deflagrando as vivências e os momentos de reflexão percebiam e denunciavam o movimento que o grupo estava promovendo.
O grupo, após cada encontro, se mostrava mais disposto e, até mesmo, encantado com as possibilidades de Ser em grupo.
O ponto alto dos encontros foi, sem dúvida alguma, as refeições. O grupo se encontrava para o café da manhã e após essa cerimônia é que os trabalhos começavam. Em cada almoço, o grupo vivia uma situação diferente e tinha de desenvolver uma tarefa que variou de proposta, método e abordagem. Era sempre uma surpresa, que unia o grupo em emoções compartilhadas. Entre risos, surpresas e delícias, o grupo descobria o outro e se descobria e, à medida que viviam o percurso, se percebiam ora como um Eu e ora como um Tu, ou seja, seres em relação.
As vivências procuraram colocar os professores em situações em que tinham que decidir rapidmente, que se submeter incondicionalmente, que cuidar ou ser cuidado. As palestras eram sempre dialogadas e foram dirigidas por Mestres que estavam inteirados do processo que o grupo vinha desenvolvendo e puderam mostrar as teorias e os teóricos que estavam embasando aqueles encontros vivenciais, provocando a integração entre prática e teoria.
Os seminários eram os momentos em que os professores, ao lado da coordenadora do curso, faziam a tessitura de tudo que tinham vivido, compartilhado e refletido ao longo dos meses. Era sempre uma soma reflexiva. O momento do grupo parar e pensar, compartilhando o que sentiam, servia para avaliar as possibilidades de aplicabilidade em seus afazeres diários.
Dentre os muitos momentos vividos pelo grupo, destacamos o cerimonial dos crachás, momento em que cada um, de forma individual, teve de fazer o seu brasão de família e apresentar-se para o grupo. Esse cerimonial fez parte do primeiro encontro e do último (Figuras 1 e 2).
A construção de uma mandala foi outro momento a ser destacado. A consigna um processo coletivo que representasse o movimento do grupo ao longo do curso (Figuras 3 e 4).
Outro ponto que se revelou bastante importante foi a leitura dos memoriais. O grupo compartilhou momentos de muita emoção a cada leitura da história de vida dos professores e de suas trajetórias profissionais. Puderam entender a importância de suas histórias pessoais no professor que se fizeram.
Durante o desenvolvimento do programa, os professores se manifestaram em diversas linguagens e formas diferentes. Na busca de unidade e compreensão das possibilidades do grupo, eles dançaram, desenharam, cantaram, dramatizaram e representaram por meio de miniaturas em caixa de areia. Também viveram desafios, serviram e foram servidos, cuidaram e foram cuidados, fizeram e receberam, ganharam e perderam, aprenderam e ensinaram, riram e choraram, ajudaram e foram ajudados. Dessa forma, era construído o grupo, que funcionava para clarear e dar suporte ao ato de conhecer-se. Buscamos em Morin a melhor forma de explicitar o percurso do grupo, quando ele diz:
"Uma grande parte, a parte mais importante, a mais rica, a mais ardorosa da vida social, vem das relações intersubjetivas. Cabe até dizer que o caráter intersubjetivo das interações no meio da sociedade, o qual tece a própria vida dessa sociedade, é fundamental. Para conhecer o que é humano, individual, interindividual e social, é preciso unir explicação e compreensão. O próprio sociólogo não é uma mente apenas objetiva; ele faz parte do tecido intersubjetivo. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que, potencialmente, todo sujeito é não apenas ator, mas autor, capaz de cognição/escolha/decisão" (Morin1).
Entende-se que os professores, para se prepararem para enfrentar o desafio de provocar aprendizagens num mundo de incertezas, necessitam ter suas mentes despertadas para a delicadeza e amplitude das relações que educam. O desafio de compreender o ser humano e suas peculiaridades se faz vivendo diferentes situações, refletindo sobre elas e compartilhando suas reflexões com seus pares. As vivências tinham o objetivo de que os professores se superassem de forma individual e como componente de uma equipe. Nas Figuras 5 e 6, são exibidos alguns fragmentos das vivências desenvolvidas em grupo.
Inúmeras vezes os professores lamentaram que seus familiares não estivessem presentes, que seus colegas não estavam ali, ou seja, o desejo de estender o bem-estar que conquistaram e construíram em grupo aos queridos de suas vidas. O tempo é pouco, lamentavam, manifestando o desejo de mais!
A PESQUISA E SEUS RESULTADOS
A avaliação informal feita pelos profissionais da instituição foi bastante otimista, contudo, a diretoria necessitava de indicadores, por eles entendido como mais científicos. A partir dessa premissa, contrataram uma consultora especializada em metodologias de pesquisas, que aplicou um estudo experimental.
Observou-se, por meio dos depoimentos dos professores que desenvolveram o programa e na avaliação da coordenadora, que o grupo de professores havia "crescido" em seus valores. E depois, a pesquisa contratada pela instituição veio confirmar que essas mudanças de comportamento estavam sendo percebidas pelos atores mais importantes do processo - os alunos.
A pesquisa foi realizada com 582 alunos que estudavam da 3ª série do Ensino Fundamental ao 1º ano do Ensino Médio. Esses alunos foram divididos em dois grupos: um deles denominado Grupo Experimental (GE), avaliou professores que estavam participando do programa "Formação dos Professores Formadores", e o outro, denominado Grupo Controle (GC), avaliou os professores pares - mesmas matérias e séries do grupo experimental - que não haviam participado do programa.
Os alunos que avaliaram os professores que participaram do programa (Grupo experimental) demonstraram estar mais satisfeitos com o comportamento desses professores em sala de aula, do que os alunos que avaliaram os professores do grupo controle, ou seja, aqueles professores que não haviam participado do programa. Conforme demonstrado na Tabela 1, em que foi utilizado o teste estatístico não paramétrico U de Mann-Whitney, concluiu-se que existe diferença significativa em nove dos dezesseis indicadores que mediam o comportamento e atitudes do professor em sala de aula, com um rigor estatístico de um alfa de 2%. Também será possível perceber que os indicadores de caráter relacional se sobressaíram mais do que os de caráter cognitivo - exatamente o foco do programa.
Os alunos do grupo experimental percebem de forma mais positiva que os professores: gostam de ensinar, apreciam estar com eles em sala de aula e deixam as aulas interessantes e divertidas. São pacientes para explicar a matéria e se importam com o aluno como pessoa. Além disso, lembram que o professor costuma falar de temas como amizade, solidariedade e relacionamento e mostra carinho e compreensão com seus alunos. Os professores deste grupo também são percebidos como mais incentivadores de seus alunos, fazendo com que eles acreditem que podem "ir longe em suas vidas" e que cada aluno sinta que tem valor como pessoa. O indicador de caráter cognitivo: possuir maior conhecimento sobre o conteúdo ministrado também foi mais bem avaliado nesse grupo, o que se pode inferir que fatores afetivos e bom relacionamento com o professor influenciam no aprendizado, por deixar os alunos mais receptivos para receberem informações de caráter cognitivo.
CONCLUSÕES
O Programa de Desenvolvimento "Formação dos Professores Formadores" impactou de forma muito positiva os itens de natureza relacional, justamente o seu foco, pois, como se sabe, a qualidade da relação professor-aluno é a base de sustentação para que o professor possa desempenhar o seu papel de formador na totalidade. Pelas evidências do momento desta pesquisa, parece recomendável que Programas de Desenvolvimento que trabalhem aspectos comportamentais e relacionais do professor com o aluno continuem tendo espaço nas Escolas de uma maneira geral.
A educação tem por objetivo construir e reconstruir cidadãos instrumentalizados para viverem e conviverem, em sua sociedade, de forma adequada e feliz. Portanto, o educador tem de estar habilitado para entender e atender às exigências de sua comunidade e fazer o que é de competência de um professor educador - mediar as relações que influenciam e determinam as aprendizagens.
Uma ação educativa competente é aquela que, além de conhecimento, gera bem-estar para si mesmo e para seus aprendizes e, como decorrência, para o contexto socioafetivo em que ambos estão inseridos.
No entanto, o que determina a prática do professor é o conjunto de crenças, de experiências, de conhecimento sob o aporte de teorias que vão sendo reconstruídas a partir da visão de mundo, de homem e do que seja aprender/ensinar para ele.
Nessa perspectiva, um trabalho que pretenda formar professores preparados para o enfrentamento dos desafios de ensinar nos novos tempos, tem de passar por conversas, vivências, reflexões, compartilhamentos e análises críticas. Ou seja, necessita formar o professor, além de informar. Isso implica entender que o comportamento de uma pessoa se renova à medida que ele é trabalhado, de forma dialética, em suas emoções e em sua razão.
Neste projeto, a interação entre emoção e razão foi colocada de forma didática, posto que, na vivência, deve-se abandonar a segmentação entre pensar e sentir. Contudo, entende-se como essencial, trabalhar o sujeito/professor sob a ótica da razão, sensação, sentimento e intuição, e objetivar uma nova consciência que transcenda o eu individual para fomentar a intencionalidade de provocar desenvolvimento e aprendizagens em todos os canais da relação homem/mundo.
Esperamos que esse artigo proporcione, aos gestores educacionais, a reflexão de que vale investir no autoconhecimento dos professores, uma vez que esses têm a nobre missão de contribuir, de forma ampla, para a formação de seus alunos, já que o ambiente educacional, nos dias de hoje, exige muito mais do que um mero repassador de conteúdos. Da mesma forma, temos a intenção de contagiar outros psicopedagogos na mesma direção e objetivos desse projeto.
Ao finalizar, gostaríamos de expressar que "vida e aprendência são no fundo a mesma coisa. Quantas vidas humanas são des-vividas na escola?"11. Para trazer vida e luz para a escola, conforme o pedido recebido ao início dos trabalhos, desenvolvemos o projeto apresentado, na crença de estarmos contribuindo e avançando.
Vimos luz nos olhos dos professores e a pesquisa mostrou que eles brilharam aos olhos de seus alunos.
Espera-se que o trabalho apresentado provoque reflexões, viabilize outras propostas e ações que, como afirma a Professora Terezinha Rios12 "o trabalho docente competente é um trabalho que faz bem!"
REFERÊNCIAS
1. Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil;2005. [ Links ]
2. Demo P. Educação e conhecimento: relação necessária, insuficiente e controversa. Petrópolis:Vozes;2002. [ Links ]
3. Bauman Z. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar; 2005. [ Links ]
4. Zagury T. Por que fracassa a educação. Rev Pátio. 2006/2007;Ano X:40. [ Links ]
5. Cosme A. Entrevista: uma portuguesa em terras brasileiras. ABCEducatio. 2007;8:64. [ Links ]
6. Portilho E. Conexões da aprendizagem e do conhecimento. Diálogo Educacional. 2007; 7(20). [ Links ]
7. Furtado J. Uma boa oportunidade para se refletir sobre os paradigmas de aprendizagem ou por uma escola mais competente. In: Professora, não entendi! Porto Alegre: Instituto Criar;2007. [ Links ]
8. Parolin I, Portilho E. Conhecer-se para conhecer. In: Scoz B, org. Psicopedagogia: um portal para inserção social. 2a. ed. Petrópolis:Vozes;2004. [ Links ]
9. Stela de Sá R. Aprendizagem: um ato relacional. ABCEducatio. 2005;6:43. [ Links ]
10. Kant I. Sobre a pedagogia. Piracicaba: Unimep;1996. [ Links ]
11. Assmann H. Reencantar a educação. Petrópolis:Vozes;2004. [ Links ]
12. Rios T. Compreender e ensinar. São Paulo: Cortez;2005. [ Links ]
Correspondência:
E-mail: isabel.parolin@bbs2.sul.com.br
www.isabelparolin.com.br
E-mail: rachel@interslf.com.br
Artigo recebido: 02/05/2007
Aprovado: 29/05/2007
Trabalho realizado no Consultório