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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.24 no.75 São Paulo  2007

 

ARTIGO ESPECIAL

 

(A)cerca do aprender e do ensinar: fios, teias e redes como metáforas em subjetividade, aprendizagem e Psicopedagogia

 

(A) about the learning and teaching: wires, webs and networks as metaphors in subjectivity, learning and Psychopedagogy

 

 

João Beauclair

Conferencista e palestrante internacional sobre Aprendizagem, Educação e Psicopedagogia em diversos eventos. Fóruns, congressos e simpósios. Arte-educador, Psicopedagogo, Mestre em Educação. Associado Titular e Conselheiro Eleito Gestão 2008-2010 da ABPp - Associação Brasileira de Psicopedagogia

Correspondência

 

 


RESUMO

Compreender os processos de formação a partir do uso de metáforas é uma proposta de construção textual oriunda de minha prática como pesquisador e docente em cursos de pós-graduação em diferentes instituições de ensino no Brasil. As metáforas servem como parâmetros à continuada formação em Educação e Psicopedagogia; compreendendo-as como áreas de atuação e campos de conhecimento que devem privilegiar a interdisciplinaridade, visando a transdisciplinaridade e as temáticas voltadas à compreensão da subjetividade humana.

Unitermos: Psicopedagogia. Metáfora. Aprendizagem.


SUMMARY

Understand the processes of formation from the use of metaphors is a proposal to build textual come from my practice as a researcher and teacher in the post-graduate courses in different institutions of education in Brazil. The metaphors serve as parameters for continuous training in Education and Psychopedagogy, including them as areas of expertise and fields of knowledge which should focus on interdisciplinary, to transdisciplinary and thematic toward the understanding of human subjectivity.

Key words: Psychopedagogy. Metaphor. Learning.


 

 

INTRODUÇÃO

Metáforas e subjetividade em Psicopedagogia: Uma metodologia formativa

"Perder tempo em aprender coisas que não interessam, priva-nos de descobrir coisas interessantes."

Carlos Drummond de Andrade

 

Compreender os processos de formação a partir do uso de metáforas é uma proposta de construção textual oriunda de minha prática como pesquisador e docente em cursos de pós-graduação em diferentes instituições de ensino no Brasil. As metáforas servem como parâmetros à continuada formação em Educação e Psicopedagogia; compreendendo-as como áreas de atuação e campos de conhecimento que devem privilegiar a interdisciplinaridade, visando a transdisciplinaridade e as temáticas voltadas à compreensão da subjetividade humana.

Ao trabalharmos nesta direção, poderemos encontrar novos significados e sentidos para as palavras "fios, teias, redes e tecelagens", fazendo uso de uma linguagem metafórica apoiada na visualização e na criação de imagens, servindo de elementos reflexivos sobre os complexos atos de aprender e de ensinar. O sujeito que aprende deve desejar conhecer e se posicionar em movimento de busca por novos fios de saberes que possam estar enredados em múltiplas teias, subjetivantes e portadoras de nexo e sentido.

As diferentes modalidades de aprendizagem do sujeito humano se constituem neste mover-se: cabe ao ensinante fornecer espaços e tempos onde o aprendente possa efetivamente fazer valer este desejar. A metáfora da teia, da rede, da "tessitura do conhecimento" se faz presente neste "labirinto". A autoria de pensamento e a autonomia para criar possibilitam a construção da subjetividade humana e, neste sentido, procuro aqui tecer algumas idéias oriundas de uma práxis formativa, onde a construção de significados e sentidos ao fazer-se "ser em formação em Educação e Psicopedagogia", configura-se em espaços de autoria, mostrando que as possibilidades de tornar-se autor podem e devem ser vivenciadas nos espaços de formação de educadores e psicopedagogos, além de se fazer presente também nos espaços e tempos das ações educativas1.

A partir do uso das metáforas em tela, em diferentes experiências docentes, busco a construção de "Diários de Bordo como registro de aprendências", mostrando que é possível ver compartilhado o prazer de ser autor. Num estudo anterior, me propus a vincular aspectos teóricos da Aprendizagem Significativa, abordando a construção de diários de bordo como configuração de registros de aprendências, na práxis de formação em Educação e Psicopedagogia, elaborando um conjunto de idéias fruto de minhas inquietações pessoais sobre ensinagem e, ainda, procurando demonstrar esta estratégia de formação de adultos como facilitadora dos processos de construção de autoria de pensamento e de significação e sentido para o agir/fazer de ensinantes e aprendentes atuando em parceira2.

Como diversos autores da contemporaneidade, também acredito imensamente que a teia da vida só foi (e continua sendo possível) com a aprendizagem, que deve ser mote principal para a emancipação humana: somos seres interdependentes e articulados numa dinâmica existencial, vinculados uns aos outros como sujeitos históricos e inseridos num contexto social e cultural revelado a partir dos processos comunicacionais, frutos das diferentes interações que vamos estabelecendo ao longo do nosso trilhar pelas sendas da vida.

O mundo se revela e ganha sentidos e significados a partir daí, cabendo na palma de nossas mãos a síntese de nosso viver, o resultado de nossas relações. Na pós-modernidade, o desafio é fazer caber em nossas mãos esta síntese, visto estarmos vivendo num tempo repleto de informações e aceleradamente vivenciado por todos nós. Múltiplos são os fios, diversas são as redes e tecelagens: urge recriarmos espaços e tempos qualitativos possibilitadores de construções de sínteses mais abrangentes, onde faça sentido estar em movimento de aprender e de ensinar.

Nossas relações com a realidade devem estar pautadas num ato de criação e recriação, onde nossas decisões devem gerar dinamismos vivenciais que estabeleçam laços de humanismo e de cultura, relações com o mundo, conosco mesmos e com os outros, propondo-nos o desafio de superarmos este mundo globalizado, tecnológico, individualista e competitivo, percebendo-nos como mutantes, aprendentes em processos educativos permanentes, voltados à ecologia humana e pautados em ações cooperativas, por sabermos que as tendências presentes na sociedade atual vinculam-se à democracia, ao compromisso social, à solidariedade e à inclusão social.

Numa perspectiva mais abrangente, pensarmos em metáforas e subjetividade em Educação e Psicopedagogia é tarefa instigante, que pode nos levar a redes(cobrir) o fio como metáfora do conhecimento, tecendo numa complexa rede de saberes e fazeres novos contextos sobre humanismo, valores, saberes e sabores compartilhados, um modo constante de continuar acreditando na emancipação humana a partir da aprendizagem3.

Neste sentido, novas competências e habilidades devem ser experimentadas para a construção de novos modos, tempos e espaços para pensar sínteses possíveis, tecendo fios para fazer parte da rede onde nossas subjetividades possam gerar afetividades e, com isso fazer com que em nosso humanismo ocorra o resgate de valores a serem saborosamente compartilhados, com o lúdico, o estético e o belo ganhando espaço de vivência e sensibilização.

A teia da vida: a aprendizagem como emancipação humana

"A vida não vingou no planeta
através do combate, mas
através da parceria,
do compartilhamento
e do trabalho em rede."
Fritoj Capra

"Meu pai me ensinou que só através da
autodisciplina você pode conquistar a liberdade.
Ponha água num copo e você poderá beber.
Sem o copo, a água se derramaria.
O copo é a disciplina."
Ricardo Montalban

A emergência de novos modos de ser e estar no mundo trouxe, a partir dos meados do século XX, reflexões plurais advindas de diferentes campos do saber, gerando diversidades de pensamento e a reconfiguração dos paradigmas4. A vida compreendida como uma complexa teia ganha nova vertente epistemológica e os campos teóricos das ciências criam novas significações e sentidos.

Numa concepção mais aberta, necessário se faz pensar sobre temas plurais, tais como interatividade e auto-regulação da aprendizagem, e até mesmo resgatar discussões sobre a dialogicidade resultada do estabelecimento de conflitos cognitivos. A interação do sujeito com o objeto do conhecimento é possível a partir da mediação (ou intermediação), de um outro sujeito ou um determinado grupo: na teia da vida, se a aprendizagem pode ser compreendida como emancipação humana, a interação pode ser pensada como um processo vivo, negociado, sem pré-ordenação, ou seja, criado a partir de processos interativos. A questão que se coloca para o nosso pensar reside nesta mudança essencial, pois os antigos paradigmas não dão mais conta de criar respostas, ou de encontrar soluções para os diferentes dilemas vivenciados pela humanidade como um todo5.

Ao buscarmos adotar uma visão mais aberta de vida e de mundo, somos remetidos a pensar na dimensão sistêmica proposta pela perspectiva ecológica, que trouxe ressignificações importantes à nossa percepção de vida. É a partir da observação do outro que podemos construir percepções mais claras sobre nós mesmos, à medida que superamos a visão do sujeito do contexto para uma nova forma de perceber este sujeito, agora compreendido como sujeito em contexto6.

A aprendizagem, processo humano por excelência, é espaçotempo privilegiado para a emancipação humana, porque amplia saberes e fazeres e possibilita, ao ser que aprende (e óbvio, também ao que ensina), revisões permanentes de crenças e paradigmas7. Toda a herança cultural acumulada pela humanidade ao longo do tempo deve ser matéria de currículo, deve ser conteúdo específico das diferentes disciplinas presentes no cotidiano escolar. No contexto educacional, validar esta questão é essencial: a vida segue seu curso e evolui, mesmo que muitos pessimistas de plantão não acreditem nisso. Superar um cotidiano escolar repleto de enfado e repetição sem contextualização leva o sujeito humano a perceber e sentir que enquanto espaçotempo social a escola é, de fato, instituição a ser dispensada, desprivilegiada, desqualificada em sua importante função social8.

Quando o diálogo se estabelece, os confrontos de pontos de vista e conhecimentos acumulados possibilitam trocas que propiciam o crescimento dos envolvidos e assim, a partir do conflito cognitivo, instauram-se processos de aprendizagem significativa que sempre ocorre pela mediação, pela intermediação feita por outros "eus", diferentes dos nossos eus.

É interessante ressaltar a importância do diálogo no "espaçotempo" da escola, pois é através do diálogo, das diferentes interações, conversas e indagações com os outros que, enquanto sujeitos, começamos a refletir sobre os nossos valores, sobre nossa vida e nossas limitações, nossos desafios e potencialidades. Este processo é propiciador do desenvolvimento de nossas consciências e responsável por nosso desenvolvimento enquanto seres humanos.

Neste desenvolvimento, afirmações podem ser criticadas e modificadas, estudadas e compartilhadas: podem ser revestidas de um movimento social formador de nossas subjetividades, onde a interação que se faz é o elemento deflagrador da formação inicial de nossas subjetividades.

Já em 1970, com seus estudos sobre os sistemas vivos, Jean Piaget percebe que nós, sujeitos humanos, nos fazemos humanos porque, em se tratando dos processos de cognição e aprendizagem, estamos todos vinculados a sistemas vivos e auto-reguladores, caracterizados pela interação. Nos sistemas vivos, definir as partes de modo isolado é impossível: só é possível observar e definir as partes ao se observar as suas relações com as outras partes e com o sistema como uma totalidade.

A partir das Teorias do Caos e da Complexidade, nossas interpretações sobre esta totalidade podem ter novos significados, novos sentidos e serem percebidas como um processo inacabado. O ato humano de conhecer, na atualidade, é complexo e ganha nova roupagem pelo advento das novas tecnologias de informação e conhecimento e por observarmos os avanços oriundos das diversos campos do saber.

De acordo com Edgar Morin, tudo isto nos remete à complexidade:

"O conhecimento pertinente deve enfrentar a complexidade. Complexus significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo e as partes entre si. Por isso, a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade. Os desenvolvimentos próprios da nossa era planetária nos confrontam cada vez mais e de maneira cada vez mais inelutável com os desafios da complexidade"9 .

E para o enfrentamento destes desafios, a revisão de ações e práticas cotidianas se faz presente como uma necessidade de "mudança de ênfase da ação auto-afirmativa para a ação integradora10". Tal revisão, a meu ver, só é possível quando realizarmos um verdadeiro balanço de nossos valores e pensamentos, buscando superar as predominantes visões auto-afirmativas por uma concepção de vida e de mundo mais integrativa, sustentável e ecológica.

No paradigma dominante, caracterizado pela auto-afirmação, a racionalidade é priorizada, o comportamento humano é demasiadamente analítico e o modo de pensar o mundo, as coisas e as pessoas ganham uma perspectiva reducionista, gerando uma linearidade de pensamento que não mais consegue compreender a realidade de nosso tempo presente.

Ao se propor uma visão concebida num referencial mais integrativo, o comportamento humano pauta-se por um movimento mais intuitivo, capaz de elaborar uma síntese do que é vivenciado, numa perspectiva mais holística e focada na não-linearidade dos fatos, das ações, dos processos.

Os valores vivenciados na cotidianidade auto-afirmativa pautam-se na permanente busca da expansão, num movimento competitivo onde a dominação e a quantidade mostram sua característica de não-integração. Tais valores refletem a ideologia configurada a partir do modelo econômico capitalista que, apesar de todas as suas mudanças de ênfase e de práticas, permanece focado na expansão e na competição acirrada.

Em se tratando de buscar novos paradigmas que consigam dar conta da complexidade de nosso tempo, o modelo integrativo muda a direção deste movimento: prioriza a conservação ao invés da destruição e mudança desnecessária, busca a cooperação como grande aliada na conquista da qualidade de idéias e serviços e pauta-se, essencialmente, nas relações de parceria para ir adiante e atingir metas e objetivos. Assim, se propõe a validar e valorizar todas as contribuições possíveis, oriundas de pessoas, espaços e tempos diversos, compreendendo que na teia da vida somos todos interdependentes e que a partir do "estarjuntocom" os outros é que se poderá vivenciar, efetivamente, a aprendizagem como processo de emancipação humana.

O desafio, então, é o de redescobrir o fio do conhecimento a partir das múltiplas relações e interações que estabelecemos uns com os outros. Missão, princípios e valores são necessários a esta "redes-coberta".

Redes(cobrir) o fio: a metáfora do conhecimento

"... presente é a porta aberta,
e o futuro é o que virá."
Gonzaguinha
Com a perna no mundo
"Ensinar é aprender duas vezes."
Joseph Joubert

A metáfora da rede tem sido utilizada por mim faz algum tempo, e sobre ela já produzi alguns outros textos, algumas outras falas em diferentes lugares e muitas reflexões11. Entretanto, este é um tema inesgotável, pois sempre percebo que sua importância ainda não está valorizada devidamente nos processos educacionais como um todo, mas principalmente nas universidades e em cursos de especialização, salvo raríssimas exceções. Oriundos que somos de uma formação pautada no modelo auto-afirmativo aqui trabalhado, ainda temos imensas dificuldades de agirmos e estarmos enredados, apesar de observamos que "a forma de organização social em redes tenha existido em outros tempos e espaços"12.

A aposta metodológica para buscarmos tal enredamento, na nossa contemporaneidade, é nos propormos a agir de modo interdisciplinar, visando a alcançarmos a transdisciplinaridade, a partir da vivência de um cotidiano mais integrativo e menos auto-afirmativo. A proposta global da Psicopedagogia é atuar na dimensão da interdisciplinariedade, objetivando a transdisciplinariedade em sua práxis.

Foi Jean Piaget o primeiro a utilizar o termo transdisciplinaridade no sentido de interação de disciplinas: as diversas fronteiras de tais disciplinas gradativamente iam sendo mescladas, uma etapa superior de integração onde as fronteiras sólidas entre as disciplinas não existiriam. Assim, a transdisciplinaridade privilegia o reconhecimento dos diferentes aspectos da realidade e é uma síntese bem sucedida da própria interdisciplinaridade. Tal síntese bem sucedida é o que podemos denominar, de fato, de transdisciplinaridade.

Ao utilizar a MOP: Metodologia de Oficinas Psicopedagógicas como estratégia de formação em Educação e Psicopedagogia na minha práxis como ensinante em diferentes cursos, busco desenvolver aspectos relacionais que se propõem a vivenciar as múltiplas dimensões do humano: agir, sentir, pensar, interagir, inovar, criar e exercitar a autoria de pensamento. A estratégia principal para tal movimento é a de utilizar diferentes metáforas, vivenciadas por meio da leitura de poemas, de letras de músicas, de imagens relacionadas aos temas estudados, além de alguns vídeos e de textos de reflexão. A partir da dinâmica desenvolvida com a formação de grupos operativos de aprendizagem, é ressaltada a importância de estarmos juntos compartilhando saberes, afetos e ignorâncias13. E neste "estarmos juntos com" fazemos uso da palavra como possibilidade de uma prática dialógica que favoreça a liberdade de pensar e de sermos, todos, autores de nossa história, praticada em momentos de comunhão.

A trajetória de cada um dos elementos que participam destas experiências é validada como exemplos a serem observados, para se pensar, se refletir sobre sua própria formação. A redes (coberta) do fio como conhecimento é uma metáfora que percebe o conhecimento com a junção de informações e saberes oriundos da vivência de cada um que compõem esta rede: estarmos juntos com, num processo de parceira e de dialogicidade, onde o ouvir atento é privilegiado e o respeito de ouvir a contribuição de todos é colocado com estratégia de inclusão.

É obvio que para tal é necessário um esforço de mudança do modo de ser e de agir no espaçotempo da sala de aula. Nesta práxis, é necessário:

"se enredar, se entrelaçar, fazer-se fio, tecido, nó, ponto de confluência, estação de emissão e recepção de saberes; é necessário tornar-se capaz de ser elo de interligação entre outros "eus" e assim, ser outro sujeito constituído em busca de um outro tempo, uma outra vida. A metáfora de rede aqui tratada pode ganhar outras conotações e devemos, sempre, procurar outras possíveis articulações, utilizando nossas possibilidades de construção de autorias de pensamento: é só acreditar para poder querer, é só querer e acreditar para ver"14.

Estamos prontos a este desafio? Criamos estratégias significativas em nossas interações com os outros que possibilitem este necessário enredamento? Que movimentos tecemos no nosso agirfazer cotidiano que sejam elementos propiciadores de tais possibilidades?

No espaçotempo de nossas ações docentes e psicopedagógicas, construímos possibilidades de superação do imaginário aprisionador e fixo? Permitimos e nos tornamos parceiros em processos que levem a autoria do pensamento de cada um de nós, sujeitos desejantes e aprendentes? Desenvolvemos estratégias de trabalho onde possamos fazer uso do simbólico, compreendido como plástico e móvel, à medida que é criado, construído e vivenciado de acordo com a cultura e com a linguagem, viva e mutante em cada tempo e espaço social?

As palavras, as metáforas. As metáforas, as palavras. Elas constituem a linguagem, construção humana que possibilita nosso movimentar-se pelo mundo. A linguagem, fonte essencial ao nosso ser e estar neste mundo, "é a terceira margem do rio, confluência do sonho e da realidade, núpcias da pulsão e do logos, que no transporte da paixão, engendra o verbo"15.

As palavras na metáfora, a metáfora nas palavras

"A metáfora sustenta todo o tecido de interligações mentais.
A metáfora está no âmago do estar vivo."
Gregory Bateson

"Um cesto de pesca serve para se colocar peixes;
mas, quando se apanha o peixe,
não é mais preciso pensar no cesto.
As palavras servem para se colocar idéias,
mas, quando se apanha a idéia,
não é mais preciso pensar nas palavras."
Chuang Tsu

Para entender o que é uma metáfora, posso iniciar buscando um significado no próprio Dicionário16:

"[Do gr. metaphorá, pelo lat. metaphora.]

S. f.

1. Tropo que consiste na transferência de uma palavra para um âmbito semântico que não é o do objeto que ela designa, e que se fundamenta numa relação de semelhança subentendida entre o sentido próprio e o figurado; translação.

Por metáfora, chama-se raposa a uma pessoa astuta, ou se designa a juventude primavera da vida".

Deste modo, sempre que buscamos comunicar ou explicar algo o comparando a uma outra coisa, fazemos uso da metáfora. Na verdade, mesmo tendo quase nenhuma semelhança concreta

entre si, é a nossa capacidade de associar idéias que permite que seu uso seja produtivo e eficaz. Sendo simbólico, o uso das metáforas cria um espaçotempo significativo para a nossa formação, pois envolve efetivamente a possibilidade de uma maior intensidade no caráter emotivo de nossa personalidade. Ao usar as metáforas, podemos fazer com que as palavras e as imagens ganhem maior significação e sentido para que nossas mensagens sejam mais bem compreendidas.

Os atos humanos de aprender e de ensinar são permeados com o uso das metáforas e, quando bem estruturados e pensados, conseguem desenvolver processos de apreensão de novas sinapses, de criação de novos sentidos e significados, de novas associações mentais, enfim.

As metáforas proporcionam modos de perceber que aquilo que inicialmente não compreendemos é semelhante com algum outro conhecimento que já possuímos. O uso das metáforas no espaçotempo do aprender e do ensinar colabora para as necessárias construções de vínculos nas interações entre aprendentes e ensinantes. Dulce Consuelo Soares, em seu livro "Os vínculos como passaporte para a Aprendizagem: um encontro de D'eus", nos demonstra que é possível estabelecer elos mais propícios ao aprender e ao ensinar quando elaboramos melhor nosso trabalho e quando nos colocamos em movimento de interação aberta com os outros. A construção de vínculos positivos no espaçotempo da sala de aula favorece o alcance dos objetivos e das metas traçadas pelo ensinante, em parceira com os aprendentes.

Na práxis das oficinas psicopedagógicas que tenho tido o privilégio de ser mediador, estabeleço desde o início do trabalho alguns critérios da própria mediação, visando fazer do momento vivenciado algo realmente transcendente. De acordo com Feuerstein17, para que haja uma aprendizagem significada e de fato mediada, é preciso deixar claro a intencionalidade e estabelecer a reciprocidade no que pretendemos fazer, ou seja, não se consegue executar nenhuma tarefa longe da parceria. Além disso, é preciso que a experiência vivenciada seja a chave para a significação, compreendida aqui como a ação de encontrar sentido para aquilo que está sendo processado, vivenciado. As metáforas nos servem para iniciar este movimento: intencionalidade e reciprocidade, significado e transcendência.

Os critérios que completam este inicial movimento são os de competência, automodificação, desafio, planejamento de objetivos, individuação, compartilhamento e auto-regulação e controle de comportamento. Ao utilizar as metáforas, gradativamente tais critérios podem ser perseguidos na prática do ensinar e do aprender, propiciando melhoria significativa da qualidade no cotidiano escolar18.

As metáforas são compostas por mensagens inconscientes ou profundas, e pelas que denominamos conscientes ou superficiais. Ao usar uma metáfora, o nosso pensamento ocupa-se da interpretação de um conteúdo superficial, e neste sentido, usará o modo típico do pensar dentro da perspectiva auto-afirmativa comentada acima, pois fará uso de processos lineares, racionais, lógicos.

Ao mesmo tempo, a nível inconsciente, nossa mente interage com as informações de um modo mais aberto, intuitivo, não-linear, mais holístico, onde nossa mente poderá ser mobilizada/afetada com mais profundidade, emotividade e compreensão, favorecendo a construção permanente de nossas subjetividades, num movimento de vida situado no ser e no saber19. Talvez possa ser de serventia prestar atenção na letra da música Metáfora, de Gilberto Gil, e com isto compreender que todo conhecimento está na nossa interioridade enquanto humanos e que precisamos, todos, reconhecer e usar nossas potencialidades de interação dialógica para trazê-lo à tona.

Metáfora, de Gilberto Gil

Uma lata existe para conter algo,
Mas quando o poeta diz lata
Pode estar querendo dizer o incontível
Uma meta existe para ser um alvo,
Mas quando o poeta diz meta
Pode estar querendo dizer o inatingível
Por isso não se meta a exigir do poeta
Que determine o conteúdo em sua lata
Na lata do poeta tudo-nada cabe,
Pois ao poeta cabe fazer
Com que na lata venha caber
O incabível
Deixe a meta do poeta, não discuta,
Deixe a sua meta fora da disputa
Meta dentro e fora, lata absoluta
Deixe-a simplesmente metáfora.

Tecer a rede: subjetividades, afetividades, humanismo, valores, saberes e sabores compartilhados no aprender

"Cada um sabe a dor e a
delícia de ser o que é... "
Caetano Veloso

"Mantenha em sua vida uma
unidade de plano,
para conseguir seus objetivos.
Veja um colar de pérolas: estão todas
presas por um fio.
Se este arrebentar, as pérolas se espalham.
O que é o fio para o colar de pérolas, é a unidade de plano em nossa vida.
Não deixe que as pérolas de suas
ações se percam,
por lhes faltar o fio que lhes mantém a unidade."
Carlos Torres Pastorino

"A razão controla, a paixão move."
Bernardo Toro

A tessitura aqui presentificada envolve nossa compreensão da própria palavra rede, originada do latim retis, que significa o entrelaçamento de fios, com aberturas regulares que, no seu conjunto, formam um tecido. A noção metafórica de malha, estrutura reticulada, entrelaçamento, possibilita novos significados e sentidos, aprimorando nossas compreensões sobre subjetividades e afetividades, sobre humanismo, valores e saberes compartilhados no aprender e no ensinar, no ensinar e no aprender, no aprenderensinar, no ensinaraprender.

Ao estabelecermos uma rede de aprendências e de ensinagens, reorganizamos o espaço tempo da sala de aula, como uma possibilidade de desenvolvermos nossas potencialidades de descentralização, de flexibilidade, de conectividade.

Em uma busca de conceituação favorável à nossa compreensão sobre a própria expressão rede, dentro do contexto da contemporaneidade, encontramos algumas contribuições significativas, oriundas de campos do saber distintos, mas que se aproximam da tentativa de superação de uma compartimentalização disciplinar. Em Castells20 podemos compreender que uma rede pode ser definida como "um conjunto de nós interconectados. Nó é o ponto no qual uma curva se entrecorta. Concretamente, o que um nó é depende do tipo de redes concretas de que falamos (...). Redes são as estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada, integrando novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmos códigos de comunicação (por exemplo, valores ou objetivos de desempenho)".

Com esta afirmativa, Castells contribui para nossa reflexão sobre redes de ensinagens e aprendências quando se refere à comunicação e ao compartilhar de objetivos e valores. Em cursos de formação inicial em Psicopedagogia, é exatamente este o ponto central dos nossos estudos sobre a temática do ensinar e do aprender e suas possíveis dificuldades. É necessário compartilhar valores e visões de mundo: é essencial, por exemplo, crer que a aprendizagem é uma forma do ser humano se emancipar, se tornar autônomo, capaz de desenvolver sua subjetividade e compreender que, de fato, "cada um de nós compõe a sua história e cada ser em si carrega o dom de ser capaz, de ser feliz!" 21.

O dom de ser capaz de ser feliz reside na alegria de ser um eterno aprendiz, vivenciando "a beleza de ser um eterno aprendiz", verso de Gonzaguinha tantas vezes mencionado e cantado em encontros, cursos, fóruns, congressos, enfim, em espaços e tempos de celebrar e refletir sobre Educação e Psicopedagogia.

A vida, com suas singularidades, belezas e magias reveste-se de poesia e de encantamentos quando é propiciada a ousadia de fazer diferente, de vivenciar outros momentos diferentes dos que estamos acostumados a vivenciar em espaços e tempos de nossa formação. Tornando-se uma metodologia diferenciada e prazerosa, a oficina psicopedagógica faz uso das metáforas, das músicas, das dinâmicas de grupo, dos vídeos-debates, da dança, com o claro intuito de querer construir uma práxis participativa e dialógica que respeite a trajetória de cada aprendente ensinante, de cada ensinante aprendente.

Em recente experiência, a partir da discussão sobre os papéis de cada um de nós nos espaços e tempos institucionais que atuamos, uma aprendente ensinante uniu palavras e, a partir de uma colocação, vinculou aprendente, ensinante, caminhante, errante, num permanente movimento de busca, de desejar fazer e aprender novos modos de estar atuando neste nosso complexo tempo presente.

De novo, é a vida que se faz em rede. Enredados numa dinâmica existencial ativa e propositiva nos vemos assim, fazendo parte de uma grande teia, da imensa teia da vida, repleta de desafios e de novas aprendizagens a cada dia. Nos seus estudos sobre a organização dos sistemas vivos, Capra nos diz:

"Onde quer que encontremos sistemas vivos - organismos, partes de organismos ou comunidades de organismos - podemos observar que seus componentes estão arranjados à maneira de rede. Sempre que olhamos para a vida, olhamos para redes. (...) O padrão da vida, poderíamos dizer, é um padrão de rede capaz de auto-organização10".

A intenção maior desta metodologia, denominada MOP Metodologia de Oficinas Psicopedagógicas, é contribuir para que componente desta rede teça com o seu fio o seu próprio caminhar, buscando estabelecer links de permuta, de solidariedade, de parceira e de crescimento dentro da própria rede, construindo inúmeras possibilidades de conexões diferenciadas, capazes de vivificar "um sistema aberto altamente dinâmico suscetível de inovação sem ameaças ao seu equilíbrio20".

Ao iniciar o processo de tessitura desta rede, nossas subjetividades e afetividades podem gerar novas visões sobre aprendizagem, humanismo e valores humanos, criando na configuração do intercâmbio, saberes e sabores compartilhados no aprender e no ensinar, no ensinar e no aprender.

Para tal, entretanto, é preciso que ocorram processos de mediação facilitadores desta tessitura, que possam contribuir à sustentação das malhas da rede. A tecelagem a ser feita inicia-se a partir do principal componente desta teia: o sujeito aprendente. A rede é uma estruturação comunicacional onde desejos, sonhos, realidades e poderes circulam de modo a darem corpo a um conjunto de informações, onde sujeitos se comunicam e geram movimentos de sustentabilidade à própria rede, a partir do seu interesse na solidariedade, no compartilhamento de idéias e opiniões, na partilha de saberes e de ignorâncias, enfim, no estarjuntocom, atuando em prol de uma concepção mais aberta e articulada, superando o modelo de agir pautado no individualismo para um outro modelo, mais articulado e sistêmico.

Deste modo, a rede criada de modo metafórico ganha corporeidade quando um grupo de sujeitos se envolve e se compromete em sustentar o movimento de estar neste enredamento, percebendo que o alimento para mover-se é a informação compartilhada. Tal modelo, distante do que é compreendido como "natural" nos antigos paradigmas, gera produção e circulação de conhecimentos, apropriação de novos saberes e construção de novos fazeres, colaboram à autoria de pensamento e à autonomia.

Quando nos apropriamos da informação compartilhada, o passo seguinte é intercambiar tal apropriação, estimulando e mantendo novas conectividades com os diferentes sujeitos que integram tal rede. Se cada sujeito que integra a rede se posicionar numa cultura de compartilhamento de conhecimento e de experiências, de idéias, ideais e de informação, poderemos seguir adiante, contribuindo sobremaneira para a necessária modificação das formas de sentir, atuar, pensar, enfim, de estarmos num movimento de aprender em conjunto, criando uma nova esfera de relações capaz de permitir uma nova comunicação que dialoga com a realidade e que, neste dialogar, cria novos conhecimentos capazes de mobilizar e criar um novo imaginário convocante de novos empoderamentos, deflagrador de novas utopias. Mobilizar é buscar a ativa proposição de despertar desejos, alimentar sonhos, conhecer a realidade e poder compartilhar significados e sentidos, participando de redes de conexões.

Concluo este escrito com um belo texto, que nos convoca a pensar e repensar sobre nossa práxis.

Participe de redes de conexões, de Robert Muller22

Decida-se a participar de redes de conexões
Use cada palavra que escrever
Cada conversa que mantiver
Cada encontro de que participar
Para expressar suas crenças básicas e seus sonhos
Para afirmar aos outros a visão de mundo que você almeja.
Conecte-se através do pensamento
Conecte-se através da ação
Conecte-se através do espírito.
Você é o centro de uma rede de conexões
Você é uma fonte livre de vida e de bondade
Tente afirmá-la
Tente expandí-la
Tente irradiá-la.
Pense nela noite e dia
E um milagre acontecerá:
A grandeza de sua própria vida.
Num mundo de grandes poderes, grandes mídias e monopólios
Com bilhões de pessoas
Participar de redes de conexões é uma forma de liberdade
Uma forma de democracia
Uma nova forma de felicidade.

 

REFERÊNCIAS

1. Beauclair J. Educação e Psicopedagogia: aprender e ensinar nos movimentos de autoria. São José dos Campos:Pulso Editorial;2007.         [ Links ]

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Correspondência:
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Artigo recebido: 15/09/2007
Aprovado: 22/10/2007

 

 

O presente trabalho faz parte do Projeto Editorial de Formação Continuada Ensinantes do presente, uma parceria do autor com a WAK Editora, do Rio de Janeiro. Trata-se de uma coleção/curso de formação continuada em Educação e Psicopedagogia com os seguintes temas/volumes: I - Ensinar é acreditar. II - Ensinar é aprender. III - Ensinar é compartilhar utopias. IV - Ensinar numa perspectiva humanística. V - Ensinar é ter um projeto de vida. O primeiro volume tem lançamento previsto para março de 2008. Rio de Janeiro, RJ.

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