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Revista Psicopedagogia
Print version ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.28 no.87 São Paulo 2011
ARTIGO ORIGINAL
Análise da associação entre o desempenho acadêmico, a velocidade de execução das tarefas e o comportamento da criança a partir da EACI-P
Analysis of association between the academic performance, the speed of execution of tasks and behavior of children from EACI-P
Maria Fernanda B. Coelho da FonsecaI; Thiago da Silva Gusmão CardosoII; Mauro MuszkatIII; Orlando Francisco Amodeo BuenoIV
IPedagoga, Psicopedagoga, Mestre em Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/SP)
IIPsicólogo, Mestrando em Educação e Saúde na Infância e Adolescência UNIFESP/Guarulhos
IIINeuropediatra da UNIFESP/SP, Coordenador do Núcleo de Atendimento Neuropsicológico Infantil/CPN
IVChefe da Disciplina de Psicobiologia/ UNIFESP/SP
RESUMO
OBJETIVO: Esse trabalho busca analisar a associação entre o desempenho acadêmico, a velocidade de execução das tarefas, e os problemas de comportamento infantil, avaliados pela EACI-P, bem como as inter-relações entre esses problemas de comportamento, desempenho e a inteligência estimada das crianças.
MÉTODO: Trata-se de um estudo transversal com a avaliação do comportamento por meio de escala padronizada, comparação entre as idades e análise de associação entre as variáveis do instrumento (EACI-P) segundo classificação do professor.
RESULTADOS: Os resultados da avaliação dos professores quanto à presença ou não de problemas de comportamento nas 84 crianças avaliadas revelam que 7,9% (7) crianças apresentam Hiperatividade/Problema de Conduta, 2,2% (2) crianças apresentam um nível abaixo do esperado para sua idade e nível de escolarização no que se refere ao Funcionamento Independente/Socialização Positiva, 13,5% (12) apresentam Inatenção, 5,6% (5) têm sintomas de Neurotismo/Ansiedade e 1,1% (1) vivencia um processo de Socialização Negativa. O desempenho foi associado aos escores de desatenção e hiperatividade. A velocidade de execução foi associada à socialização negativa e o escore de QI foi negativamente correlacionado com todas as variáveis comportamentais, exceto funcionamento independente.
CONCLUSÃO: É possível por meio da aplicação da EACI-P obter dados para compreender o comportamento e a aprendizagem da criança, fundamentando intervenções precoces. Comportamento, desempenho acadêmico, velocidade de execução e inteligência foram fatores de risco ou proteção para aprendizagem, caso estejam preservados ou prejudicados. A relação professor-aluno-escola é fundamental para o desenvolvimento psicossocial da criança, a partir da mediação dessa tríade podem-se evitar problemas de aprendizagem, comportamentos e relacionamentos interpessoais.
Unitermos: Comportamento. Criança. Aprendizagem.
SUMMARY
OBJECTIVE: The aim of this study was to analyze the association between academic achievement, assessed by Child Behavior Scale for Teacher (EACI-P), as well as to correlate it to behavioral problems, speed of performance and IQ score.
METHODS: This is a cross-sectional study analysing EACIP Inventory answers through standardized comparison to neuropsychological variables in 84 children.
RESULTS: Hyperactivity and conduct problems prevailed in 7.9% (7 cases) children, 2.2% of cases showed difficulties in Independent Functioning / Positive Socialization, 13.5% revealed inattention, 5.6% (5 cases) showed symptoms of neuroticism / anxiety and 1.1% (1 case) of cases experiences a negative socialization. Global performance was associated with inattention scores and positive socialization, whereas hyperactivity symptoms were correlated to inattention. Speed of performance was associated with negative socialization and IQ score was negatively correlated to all behavioral variables except independent functioning.
CONCLUSION: It is possible through the application of EACI-P to obtain data to understand behavior and learning correlations, supporting early intervention. Behavior, speed of performance and intelligence could be either risk or protective factors for learning if they are preserved or impaired. Such data suggest that teacher-student interface is crucial to understand psychosocial development of children and could give support to positive approaches to face learning, behavior and interpersonal problems.
Key words: Behavior. Child. Learning.
INTRODUÇÃO
A Escala de Avaliação do Comportamento Infantil para o Professor (EACI-P) é um instrumento individual de preenchimento pelo professor, que fornece uma estimativa do funcionamento da criança na escola em relação a cinco dimensões diferentes de comportamentos, sendo aplicadas para crianças de 4 a 14 anos. A construção da escala partiu de um amplo grupo de itens obtidos da Conners Teacher Rating Scale - CTRS-391, ADDH - Comprehensive Teacher Rating Scale - ACTeRS2 e dos critérios diagnósticos do DSM-III3 e DSM-III-R4 da American Psychiatric Association para os transtornos infantis da atenção com ou sem hiperatividade.
No Brasil, o instrumento foi adaptado e normatizado por Brito5 numa amostra de 1.608 crianças, de ambos os sexos, da região metropolitana do Rio de Janeiro, demonstrando sensibilidade na identificação de problemas de comportamento compatíveis com condições psiquiátricas descritas no DSM-III-R4. Novos estudos foram conduzidos na década de 90 por Brito et al.6, desta vez numa amostra composta por 2.082 crianças, com média de idade de 11,2 anos, sendo 62,4% do sexo feminino, frequentando escolas do Rio de Janeiro e revelou a alta confiabilidade do instrumento, correlação teste re-teste de 0,7. Desde então, o instrumento vem sendo aplicado em várias pesquisas no país, servindo como uma importante escala de avaliação no diagnóstico diferencial de transtornos psiquiátricos que cursam o desenvolvimento infantil, como o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e Transtornos do Comportamento Disruptivo7-11.
A Escala foi desenvolvida para fins de pesquisa e triagem em serviços clínicos e psicopedagógicos, como instrumento de auxílio a profissionais e pesquisadores na compreensão de algumas dimensões importantes do comportamento da criança. A ideia subjacente à utilização da escala é de que a informação obtida por meio da visão do professor é fundamental para todo o processo de avaliação, diagnostico e monitoramento do tratamento. A escala pode também ser utilizada para uma investigação nosológica mais específica, já que nos critérios diagnósticos de muitos transtornos psiquiátricos está presente a necessidade de que o comportamento seja observado ou se manifeste em mais de um contexto, clínico, familiar e escolar, por exemplo. Embora, o EACI-P apresente características psicométricas muito favoráveis no que se refere à medida da percepção do professor quanto ao comportamento da criança na sala de aula, não deve ser utilizada como instrumento único de diagnóstico.
O comportamento apresentado pela criança no ambiente escolar deve ser bastante observado durante as atividades, pois pode ser por esse caminho que possibilita uma investigação mais precisa de uma provável dificuldade ou transtorno de aprendizagem. Comportamentos desatentos, impulsivos, agressivos, hiperativos, depressivos entre outros determinam muitas vezes uma condição, que por meio de intervenções pode ser superado. Além disso, a visão do professor sobre o comportamento do aluno constrói ou destrói uma condição, portanto, é fundamental que o profissional da educação mantenha a sensibilidade única sobre cada criança, independente de seu status social, situação familiar e condições de desenvolvimento, pois o importante é que consiga em seus olhares e ações motivar seus alunos para o aprendizado.
Pesquisa realizada por Santos e Graminha12, em uma escola Pública Estadual no interior de São Paulo, aponta que o problema de comportamento representa uma forte condição de risco para problemas de aprendizagem e que o trabalho com crianças com dificuldades de aprendizagem deve considerar aspectos ligados ao comportamento. Manifestam ainda em seus estudos que, na escala preenchida por pais e professores, professores discriminam melhor, e aponta para a forte associação entre dificuldades de aprendizagem e comportamento. Concluíram que os professores avaliam melhor problemas de comportamento do que baixo rendimento acadêmico dos alunos, tendo uma alta sensibilidade para detectar crianças com problemas emocionais/comportamentais. Ainda no mesmo estudo concluem que o baixo rendimento acadêmico foi mais frequente entre meninos, e as meninas com alto rendimento. Sugerem, ainda, que as crianças que apresentam baixo rendimento acadêmico estão em desvantagem de desenvolvimento em relação às crianças com alto rendimento, uma vez que no baixo rendimento acadêmico foram maiores: a incidência de crianças com desempenho escolar inferior ao esperado, o número de crianças com inteligência abaixo da média ou intelectualmente deficientes e o número de crianças com resultados visomotores abaixo do esperado para a idade.
Barra et al.13, analisando a opinião dos professores sobre o rendimento acadêmico, o comportamento de escolares e a necessidade de serviços especializados por não estarem respondendo às demandas da escola, concluíram que os professores avaliam melhor problemas de comportamento do que baixo rendimento acadêmico dos alunos, tendo alta sensibilidade para detectar crianças com problemas emocionais/comportamentais.
Machado et al.14, em pesquisa focalizando a sala de aula e a avaliação feita pelos professores, concluíram que o grupo de crianças com dificuldades de aprendizagem apresentava mais problemas de comportamento, principalmente ligados à externalização, reforçando a ideia de que as crianças que apresentam dificuldades para aprender também são avaliadas como tendo mais problemas comportamentais.
Ainda D´Abreu e Marturano15, em um levantamento na literatura de estudos prospectivos e longitudinais investigando a associação entre problemas de comportamento externalizantes e baixo rendimento escolar no Ensino Fundamental, sugerem a influência de variáveis antecedentes como condições adversas na família e baixo nível socioeconômico, e indicam que a associação traz prognóstico ruim para as crianças, como comorbidades com transtornos psiquiátricos, posteriores problemas acadêmicos e de comportamento anti-social, evidenciando a situação de risco psicossocial em que se encontram.
Para Ferreira16, em seu artigo de revisão sobre autoconceito e desempenho escolar, concluiu que todos os onze artigos revisados encontraram uma correlação positiva entre autoconceito e desempenho escolar, ou seja, crianças com desempenho acadêmico satisfatório tendem a ter um bom autoconceito e aquelas com desempenho escolar ruim tendem a apresentar autoconceito diminuído.
Peixoto17 no seu estudo demonstra que as variáveis cognitivas (Q.I e fator "g" de inteligência) influenciam os problemas de aprendizagem e de comportamento. Os problemas de aprendizagem e de comportamento de acordo com a percepção dos professores foram subdivididos em doze categorias distribuídas conforme os aspectos avaliados: 1) aspectos mais ligados à cognição (raciocínio, atenção e memória); 2) aspectos mais ligados a aprendizagem (cálculo, leitura-escrita e motivação); 3) aspectos mais ligados ao comportamento perturbador em sala de aula (hiperatividade, indisciplina e oposição); e 4) aspectos mais ligados ao comportamento não perturbador (autoconfiança, inibição e apatia). Os resultados de Peixoto17 revelam que a diferença nas médias das variáveis cognitivas entre os grupos de alunos referidos pelos professores como sem problemas ou com problemas nos doze indicadores de aprendizagem-comportamento são sempre favoráveis aos alunos do grupo sem problemas, com exceção das categorias indisciplina e autoconfiança.
Em síntese, no estudo de Peixoto17, a percepção dos professores é consistente com os resultados obtidos nas variáveis cognitivas, pois os alunos referidos pelos professores sem problemas tendem a obter melhores resultados nas variáveis cognitivas. Outro achado interessante é que a diferença nas médias é maior nas categorias relativas à cognição-aprendizagem, sendo mais elevada no conjunto dos indicadores relativos à cognição (raciocínio, atenção e memória) do que na aprendizagem propriamente dita (leitura-escrita, cálculo e motivação).
No estudo realizado por Miranda-Casas et al.18, crianças com TDAH e com dificuldades de aprendizagem da matemática solucionaram menos problemas da vida real e realizaram operações aritméticas mais lentamente em comparação ao grupo controle. Para Simões19, crianças com TDAH, principalmente com déficits de prejuízo atencional, tendem a apresentar escores mais baixos nos códigos e procurar símbolos no WISC-III, por conta de uma velocidade de processamento mais baixa, apresentando um desempenho mais lentificado e não necessariamente incapacidade de realização da tarefa. Destaca-se, desta forma, a necessidade de medidas de velocidade de execução de tarefas ou conforme o seu nome mais conhecido, velocidade de processamento para identificação do TDAH e de outras dificuldades de aprendizagem, como da matemática, leitura e escrita.
Para Cunha20, a velocidade de processamento reflete a velocidade psicomotora e mental, sendo importantes medidas de desempenho em testes a serem consideradas no psicodiagnóstico.
Esse trabalho busca analisar a associação entre o desempenho acadêmico, a velocidade de execução das tarefas, e os problemas de comportamento infantil, avaliados pela EACI-P, bem como as inter-relações entre esses problemas de comportamento, desempenho e a inteligência estimada das crianças.
MÉTODO
Trata-se de um estudo transversal com a avaliação do comportamento por meio de escala padronizada, comparação entre as idades e análise de associação entre as variáveis do instrumento (EACI-P) e o desempenho escolar e velocidade de execução da criança, segundo classificação do professor.
Procedimentos
A avaliação consistiu de duas etapas. Na primeira etapa, foi avaliado o coeficiente de inteligência (Q.I) estimado das crianças, obtido através da escala Weschler (Wisc-III), considerando apenas o subteste de vocabulário e cubos, o que determina um Q.I estimado. Na segunda etapa, foi avaliado o comportamento das crianças por meio da escala EACI-P. Os professores foram orientados sobre o preenchimento adequado do instrumento, porém o preenchimento ocorreu de maneira individualizada, sem a participação da psicóloga, orientadora ou pedagoga da escola. Foram critérios para seleção dos professores: que os mesmos fossem o regente da sala e conhecessem a criança por pelos menos dois meses.
Participantes
Participaram do estudo 84 crianças, com idades entre 6 e 12 anos, média de 8,95 anos (dp=2,0) de uma Escola Pública Municipal na zona Sul de São Paulo, sendo 43,8% das crianças do sexo masculino.
Instrumentos
Foi utilizada como principal instrumento a escala de Avaliação do Comportamento Infantil para o Professor - EACI-P: escala preenchida pelo professor composta de 62 itens que avaliam o comportamento da criança em cinco dimensões - Hiperatividade/Problema de Conduta, Funcionamento/Independência/Socialização Positiva, Inatenção, Neurotismo/Ansiedade e Socialização Negativa.
A escala apresenta uma seção para avaliação do desempenho acadêmico (bem abaixo, abaixo, médio, acima e bem acima) e velocidade de execução das atividades (lento, médio e rápido), sempre considerando a criança em relação à turma, questões referentes à repetência, nível de compatibilidade da criança com a série, leitura, ditado e aritmética. O EACI-P permite também a coleta de informações descritivas sobre comportamentos relevantes, atendimentos terapêuticos realizados, indicação de necessidades de encaminhamento e/ou atendimentos, interesses de estudos e dados sobre problemas de aprendizagem na família da criança.
São sintomas avaliados pelo instrumento conforme os seus cinco fatores/dimensões:
a) FATOR I - Hiperatividade/Problema conduta: Constantemente se mexe (mesmo sentado); emite sons ou ruídos constantemente; pedido tem que ser imediatamente atendido (facilmente frustrável); irrequieto, hiperativo, excitável, impulsivo, mal humorado; perturba colegas; provoca confusões; humor muda drasticamente com rapidez; matreiro, se faz de esperto, destrutivo, mente, tem explosões de raiva, comportamento imprevisível; desafiador, atrevido, excessiva exigência de atenção; provoca outras crianças ou interfere com as suas atividades; teimoso, sempre mudando de atividade, grita em sala; dificuldade em esperar a sua vez, sempre correndo ou pulando, frequentemente responde antes que se complete a pergunta; tem dificuldade em brincar quieto, fala excessivamente, frequentemente interrompe ou se intromete nas atividades dos outros; frequentemente perde objetos de uso na escola e em casa (ex brinquedos, livros); participa das tarefas que envolvem perigo sem considerar as possíveis consequências, tenta envolver o outro em confusão, começa briga sem nenhum motivo, ridiculariza outro de modo malicioso.
b) FATOR II - Funcionamento Independente/Socialização Positiva: trabalha de forma independente, persistem em tarefas por um bom tempo, completa deveres com pouca assistência; segue instruções simples corretamente; funciona bem em sala de aula, executa corretamente uma sequência de instruções, comporta-se bem com os colegas; comunicação verbal clara e concatenada, comunicação verbal não correta, compreende normas e regras sociais; sabe fazer novos amigos, enfrenta situações confiantes.
c) FATOR III - Inatenção: desatento, não termina o que começa, dificuldades em se concentrar nos deveres escolares; dificuldades em fixar em uma brincadeira ou jogo; dificuldades em organizar suas atividades e deveres; muitas vezes parece não prestar atenção ao que está sendo dito a ele.
d) FATOR IV - Neurotismo/Ansiedade: extremamente sensível; extremamente sério ou triste; chora com frequência e facilidade; isola-se das outras crianças; submissa, tímida e medrosa.
e) FATOR V - Socialização Negativa: Parece não ser aceita pelo grupo; não tem espírito esportivo; parece não ter liderança; não se relaciona bem com o sexo oposto; não se relaciona bem com a criança do mesmo sexo.
Análise dos dados
Foi utilizado para análise dos dados o programa estatístico SPSS versão 15.0 (Statistical Package for the Social Sciences). Para análise dos dados categoriais, foram aplicados os testes do Qui-quadrado e correlação V de Cramer. Na análise dos dados numéricos, foi utilizada a ANOVA (Análise de Variância) por idade, para determinar se havia diferenças nos fatores do EACI-P que fossem sensíveis à idade da criança e correlação de Sperman entre o QI estimado do WISC-III e os fatores do EACI-P. As variáveis do instrumento referentes ao ponto de corte que eram variáveis escalares foram convertidas no programa em variáveis categoriais, através da dicotomização do valor do ponto de corte nas categoriais 0-1 (0 = abaixo do ponto de corte e 1= acima do ponto de corte), permitindo a comparação com outras varáveis do instrumento. As variáveis que foram analisadas por meio do teste de associação para variáveis categoriais foram velocidade (lento, médio e rápido) e desempenho (bem abaixo, abaixo, médio, acima e bem acima).
RESULTADOS
Os resultados da avaliação dos professores quanto à presença ou não de problemas de comportamento, nas 84 crianças avaliadas, revelam que 7,9% (7) apresentam Hiperatividade/Problema de Conduta, 2,2% (2), um nível abaixo do esperado para sua idade e nível de escolarização no que se refere ao Funcionamento Independente/Socialização Positiva, 13,5% (12), Inatenção, 5,6% (5) têm sintomas de Neurotismo/Ansiedade e 1,1% (1) vivencia um processo de Socialização Negativa. A análise de como esses problemas de comportamento influencia a velocidade de execução da criança e seu desempenho escolar podem ser visualizados nas Tabelas 1 a 4.
Os resultados das Tabelas 1 e 2 revelam que somente a socialização negativa está associada significativamente à velocidade de execução das crianças (χ2 = 8,98; significante para p < 0,01; V de Cramer = 0,34), explicando 11,6% dessa variação.
Os resultados das Tabelas 3 e 4 demonstram que o desempenho da criança é significativamente associado aos fatores do EACI-P de Inatenção (χ2 = 30,60; significante para p < 0,01; V de Cramer = 0,61) e Funcionamento Independente/Socialização Positiva (χ2 = 9,52; significante para p<0,05; V de Cramer = 0,35). A Inatenção é o fator que mais explica as variações no desempenho das crianças, sendo responsável por 37,2% dessa variação, seguido do nível de Funcionamento Independente/Socialização Positiva que explicam 12,5% da variação.
Os resultados da Tabela 5 demonstram que crianças de 6 a 12 anos, quando comparadas entre si nos fatores do EACI-P, somente apresentam diferenças estatisticamente significativas no fator Funcionamento Independente/Socialização Positiva (p<0,05), sendo melhor o desempenho das crianças mais velhas.
Quando correlacionados os fatores do EACI-P entre si e com o Q.I estimado do WISC-III, observa-se que o Q.I apresenta correlações negativas e significativas com a maior parte dos fatores do EACI-P, exceção do fator Funcionamento/Independência. Todavia, todas as correlações entre o Q.I e os fatores são pequenas, mas já demonstram que conforme o Q.I aumenta num sentido, os fatores crescem no sentido oposto. A correlação mais alta é entre os fatores Hiperatividade e Inatenção, sendo está correlação significativa e positiva (ρ = 0,79 e p<0,01). Existem também correlações moderadas, estatisticamente significativas e positivas entre Inatenção e Socialização Negativa (ρ = 0,58 e p<0,01) e entre Neurose/Ansiedade e Socialização Negativa (ρ = 0,66 e p<0,05) - Tabela 6.
DISCUSSÃO
Os resultados referentes à frequência de problemas de comportamento na amostra de crianças estudadas são diferentes das frequências encontradas em outros estudos8,10. No estudo de Brito et al.8, que avaliou 402 crianças do Rio de Janeiro, por exemplo, verificou-se que 11,9% das crianças apresentaram Inatenção e 4,2% Hiperatividade/Problemas de conduta, enquanto que, no nosso estudo com crianças da cidade de São Paulo, as frequências para esses domínios foram de 13,5% e 7,9%, respectivamente. As médias também das crianças por nós avaliadas nos instrumentos foram diferentes, enquanto que no estudo de Brito et al.8 as médias foram: Hiperatividade/Problemas de conduta (M=17,5), Inatenção (M=5,1), Funcionamento Independente/Socialização Positiva (M=17,5), Neurotismo/Ansiedade (M=5,0) e Socialização Negativa (M=2,6); no presente estudo, elas foram: Hiperatividade/Problemas de conduta (M=12,7), Inatenção (M=3,3), Funcionamento Independente/Socialização Positiva (M=24,6), Neurotismo/Ansiedade (M=3,9) e Socialização Negativa (M=1,9) (Tabela 5). Esses achados revelam que existem diferenças para a frequência de problemas de comportamento entre crianças do Rio de Janeiro e São Paulo, se significativas ou não, depende da realização de outros estudos, inclusive as diferenças encontradas relativas às médias para as subescalas do EACI-P apontam para a necessidade de normas específicas para a população de crianças do Estado de São Paulo.
Os resultados referentes à velocidade de execução (Tabelas 1 e 2) de que somente a socialização negativa está associada a esse fator, explicando 11,6% da sua variação, permite hipotetizarmos que o fato da criança apresentar relacionamentos sociais pobres e apresentar características de maior passividade frente ao grupo, influencia o modo pelo qual ela se adapta às exigências ambientais escolares em amplos aspectos desde as demandas de socialização até as acadêmicas. Neste sentido, Speakman et al.21, por exemplo, apontam que entre os fatores de risco para problemas de aprendizagem estão os relacionamentos sociais pobres. Entretanto, a questão é como a socialização negativa está envolvida no desenvolvimento de problemas de aprendizagem. Com base na análise da Tabela 3 observamos que a socialização negativa não influencia o desempenho acadêmico, mas sim a velocidade de execução, indicando o mecanismo explicativo que pode estar associado a está variável.
Outro achado interessante é de que houve correlação moderada, estatisticamente significativa e positiva entre Inatenção e Socialização Negativa (Tabela 5). Sabemos que crianças com TDAH tipo predominante desatento apresentam desempenho mais lentificado conforme Simões19 e Miranda-Casas et. al.18 e que crianças com TDAH também tendem a apresentar mais problemas de socialização e prejuízos nas habilidades sociais22.
O fato da Inatenção ser o fator mais expressivo nas variações no desempenho das crianças, sendo responsável por 37,2% dessa variação, seguido do nível de Funcionamento Independente/Socialização Positiva que explica 12,5% da variação, foram achados que permitem algumas considerações. Primeiro como a atenção traduz, de maneira geral, a habilidade da criança em manter o interesse em determinada tarefa ou ideia, inclusive manipulando suas próprias distrações23, sendo requisito para a execução de qualquer tarefa escolar, o seu prejuízo impacta de maneira geral o desempenho escolar da criança. Isso é especialmente observado em crianças com TDAH cujo perfil de inatenção faz com que tenham dificuldades de atenção seletiva, sustentada, de organização, inibição e integração no curso da execução de tarefas, por exemplo, escolares24,25.
Outro dado é que há influência recíproca entre o desenvolvimento emocional e cognitivo, sendo possível uma associação entre problemas comportamentais e desempenho acadêmico12. Muitas vezes as necessidades da criança de maior autonomia e independência não são adequadamente atendidas pelo ambiente escolar e familiar, fazendo com que a mesma não encontre a motivação e confiança necessárias para o desenvolvimento de um apropriado autoconceito sobre suas próprias capacidades de aprendizagem e desempenho acadêmico26.
As correlações entre o Q.I estimado do WISC-III e os fatores do EACI-P corroboram os achados do estudo de Naglieri et al.27. Nesse estudo que buscou correlacionar os escores no WISC-III com as escalas Conners, versão pais e professores, e Continuous Performance Test, aplicado a 117 crianças de 6 a 16 anos, foram demonstradas no WISC-III correlações significativas com a escala Conners versão professores, sendo a correlação mais importante encontrada para o fator Inatenção (r = -0,37), semelhante ao nosso estudo a correlação para este fator também foi pequena e significativa (ρ = -0,38). Como o Q.I estimado do WISC-III apresentou correlações negativas e significativas com a maior parte dos fatores do EACI-P, traçamos a hipótese que a reserva cognitiva traduzida no fator ("G") é uma medida de proteção no que se refere ao desenvolvimento de problemas de comportamento na infância, já que eles tendem a crescer em sentidos opostos. Nesse sentido, a literatura tem revelado que crianças com Q.I acima da média têm menores taxas de morbidade psiquiátrica, enquanto que crianças com Q.I abaixo da média são mais vulneráveis para desenvolvimento de transtornos de comportamento, apresentando, assim uma maior prevalência dos mesmos28.
CONCLUSÃO
Os resultados demonstram que a Escala de Comportamento Infantil para o Professor (EACI-P) apresenta dados importantes para compreender o comportamento e a aprendizagem da criança no ambiente escolar, auxiliando o professor nas suas funções pedagógicas. Portanto, enquanto instrumento estruturado, a escala favorece a compreensão do professor em relação às variáveis envolvidas no processo de ensino-aprendizagem, permitindo aos profissionais da educação refletir sobre suas observações e registros, remetendo-as a processos de intervenção a curto, médio e longo prazo.
O estudo corrobora outros achados da literatura sobre a influência dos problemas de comportamento no desempenho acadêmico de crianças em processo de escolarização, demonstrando as inter-relações entre comportamento, desempenho acadêmico, velocidade de execução e inteligência, apontando-os também como importantes fatores de risco ou proteção para o desenvolvimento típico da criança e da sua aprendizagem, dependendo dos mesmos estarem preservados ou comprometidos.
Concluímos que este estudo indica a necessidade de um cuidado especial quanto à observação do comportamento da criança no ambiente da aprendizagem, oportunizando assim intervenções mais precoces e com validade ecológica. Entendemos que as relações professor-aluno-escola são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo e psicossocial da criança, e quando adequadamente mediados, podem evitar a instauração de problemas de aprendizagem, comportamentais e interpessoais.
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Correspondência:
Maria Fernanda B. Coelho da Fonseca
Rua Ernesto de Oliveira, 400 apto 41B - Vila Mariana
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Artigo recebido: 11/7/2011
Aprovado: 23/9/2011
Trabalho realizado na Universidade Federal de São Paulo - SP - Disciplina de Psicobiologia - CPN - NANI - São Paulo , SP, Brasil.