Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.34 no.104 São Paulo 2017
ARTIGO ORIGINAL
Reflexões da mediação escolar para uma criança com mutismo seletivo
Reflections of school mediation for a child with selective mutism
Thereza Sophia Jácome PiresI; Monica Dias PalitotII; Giorvan Ânderson dos Santos AlvesIII; Henrique Miguel de Lima SilvaIV; Eduardo Lucas Sousa EnéasV
IProfessora do Departamento de Psicopedagogia da Universidade Federal da Paraíba. Mestre e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Linguística (PROLING) pela Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil
IIProfessora do Departamento de Psicopedagogia da Universidade Federal da Paraíba. Doutora em Psicologia Social e Mestra em Educação pela Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil
IIIProfessor do Departamento de Fonoaudiologia e do Programa de Pós-graduação em Linguística (PROLING) da Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Linguística, João Pessoa, PB, Brasil
IVGraduado em Letras, Português, Inglês e suas Literaturas pela UPE. Especialista em Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Portuguesa pela UFPB/FUNESO. Especialista em Psicopedagogia Institucional pelo CINTEP. Especialista em Psicopedagogia Clínica pelo CINTEP. Mestre e Doutorando em Linguística pelo PROLING/UFPB, João Pessoa, PB, Brasil
VGraduado em Psicopedagogia pela Universidade Federal da Paraíba. Especialista em Neurodesenvolvimento com Ênfase no Transtorno do Espectro do Autismo pela UNIFUTURO, João Pessoa, PB, Brasil
RESUMO
O presente trabalho apresenta as questões relacionadas aos processos de interação social no ambiente escolar de uma criança com mutismo seletivo, descrevendo as etapas de desenvolvimento atingidas frente ao processo de interação. Para tal, descrevemos as características pertinentes ao Mutismo Seletivo (MS), que é definido como uma inabilidade na comunicação oral em função de ansiedade social, ainda que possua capacidade de expressão. A pesquisa aborda o relato de uma professora que acolheu em sua turma uma aluna diagnosticada com MS pelo período de 3 anos. Os dados foram obtidos por meio da aplicação de um questionário semiestruturado e analisados com base em pesquisas realizadas sobre o MS e o processo de interação social. A mediação do professor permite que o aluno desenvolva suas habilidades comunicativas quando são utilizadas abordagens que dão ênfase à compreensão do sujeito, respeitando os seus limites e identificado estratégias para estimular as competências linguísticas, cognitivas e sociais.
Unitermos: Mutismo Seletivo. Educação Especial. Habilidades Sociais. Comunicação.
ABSTRACT
The present work presents the questions related to the processes of social interaction in the school environment of a child with selective mutism, describing the steps of development reached in face of the interaction process. For such, we describe the characteristics pertinent to Selective Mutism (SM) that is defined as an inability in oral communication as a function of social anxiety, even though it has the capacity for expression. The research approaches the report of a teacher who welcomed in her class a female student diagnosed with SM for a period of 3 years. The data were obtained through the application of a semi-structured questionnaire and were analyzed based on research carried out on the selective mutism and the process of social interaction. The teacher's mediation allows the student to develop his / her communicative abilities, when using approaches that emphasize the comprehension of the subject, respecting its limits and identified strategies to stimulate the linguistic, cognitive and social competences.
Key words: Mutism, Selective. Education, Special. Social Skills. Communication.
INTRODUÇÃO
A linguagem é a forma de expressão utilizada como via comunicativa entre os seres humanos. Presentes desde o primeiro ano de vida, as competências comunicativas são desenvolvidas e ampliadas em função das interações sociais e o desenvolvimento cognitivo do indivíduo.
A natureza da aquisição e do desenvolvimento linguístico da criança tem sido motivo de interesse dos estudiosos da linguagem, os quais compõem diversas áreas do conhecimento como a fonoaudiologia, a psicologia, a psicopedagogia e a linguística. Os estudos desenvolvidos têm focalizado na influência das afecções no aprendizado e uso da linguagem de crianças.
As diferentes áreas contribuem mutuamente no processo de compreensão acerca da aquisição linguística do sujeito e o seu desenvolvimento. As discussões construídas permitem a melhor compreensão dos fatores etiológicos e auxiliam na construção de estratégias que favorecem o domínio das habilidades linguísticas da criança.
As aquisições das habilidades necessárias para comunicação seguem etapas em que a utilização de competências mais complexas requer o amadurecimento dos princípios básicos, contudo, as etapas de desenvolvimento podem variar devido a cada sujeito apresentar um estilo cognitivo próprio e receber diferentes influências interações sociais no processo de acomodação1. Nesse sentido, um grupo de crianças com mesma faixa etária apresenta aptidões e dificuldades em função das suas características e das experiências vividas.
Algumas crianças adquirem ou nascem com disfunções que influenciam o domínio da linguagem, as quais podem provocar distúrbios sensórias, déficits linguísticos no nível da expressão e/ou compreensão, problemas na escrita ou distúrbios da comunicação. O problema na linguagem das crianças pode ser resultado de fatores biológicos ou sociais. Os exemplos das principais causas são os desvios da fala, a gagueira e a dislexia, enquanto os de ordem social são motivados por má qualidade no ensino, privação de experiências ou devido a causas emocionais2.
A influência do meio social na aquisição e no desenvolvimento linguístico tem sido analisada em diferentes pontos de vista, devido ao papel das relações sociais no processo de formação cognitiva, linguística e psicológica do indivíduo. Dentre as perspectivas, a teoria de Bronckart3 pontua a influência da psicologia da linguagem nas condutas humanas para a aquisição e funcionamento linguístico, mas também se direciona para a vertente interacionista social que compreende o significado das ações humanas.
As interações do adulto com a criança são importantes para possibilitar a compreensão do ambiente e de objetos do contexto. Durante rotinas sociocomunicativas, a criança compreende as estruturas interativas necessárias para estabelecer comunicação com o adulto4.
Os sistemas simbólicos que agem como mediadores da relação homem-mundo estão imbricados no aspecto sociocultural e, por essa razão, transformam-se historicamente juntamente com os processos sociais5. A socialização permite o desenvolvimento de quatro funções durante a interação verbal: construção de sentidos, que está associada aos valores culturais; a construção de imagens identitárias, definida pelo reflexo da personalidade do sujeito; a construção da relação social, estabelecida pelas posições sociais; gestão das formas discursivas, que permite a produção de sentidos6.
O presente artigo tem como objetivo relatar as características de uma criança com Mutismo Seletivo (MS) no ambiente escolar revisado sob a perspectiva interacionista. Nesse sentido serão descritos os comportamentos de M.E. (aluna) e as estratégias da mediação adotadas por C.L. (professora) para estabelecer uma comunicativa em função da interação.
Nos últimos anos, a aquisição da linguagem tem sido investigada sob diferentes perspectivas. As primeiras correntes foram as empiristas, em seguida as racionalistas e mais recentes são as cognitivistas7,8. Dentre as teorias linguísticas, a proposta por Bronckart3 define a ação comunicativa como reflexo da representação dos signos, ou seja, comunicar significa compartilhar dados comunicativos entre grupos, estes que são construídos e configurados dentro de uma esfera social.
Quando o ser humano nasce, ele aprenderá a usar a língua, contudo, os conhecimentos formais requerem um período de escolarização que permitirá o desenvolvimento das dimensões sociais, cognitivas e linguísticas diante experiências das situações comunicativas9.
A evolução do indivíduo possibilita que habilidades relacionadas à linguagem se consolidem devido às interações sociais e à evolução cognitiva. A linguagem é resultado de heranças biológicas. Não é uma simples invenção cultural com meros fins sociais, mas ela surgiu da adaptação biológica encontrada pelo sujeito em transmitir seus pensamentos; logo, a modelagem provocou ajustes na organização, planejamento e transmissão da informação10.
O ser humano é capaz de modificar o ambiente para expandir suas capacidades comportamentais por meio da incorporação de elementos com significados sociais para si e para o seu grupo. Os conhecimentos são internalizados conforme as propriedades que são atribuídas durante a relação do sujeito em suas interações sociais, permitindo assim domínio de capacidades psicológicas superiores11.
O MS tem como característica principal a ausência da fala e a inibição social, e as interações sociais tornam-se escassas, afetando o desenvolvimento do indivíduo. Essa afecção é associada a diferentes etiologias como traumáticas, genéticas, de relacionamento familiar e/ou comportamental. As crianças podem apresentar, ainda, comunicação gestual ou retração total, ocorrendo cenas de comunicação quando se sentem seguros.
Dentre as características do MS, pode ser citada a ansiedade, que reflete na habilidade de recuperação das palavras, problemas de memória, formulação de uma sentença e no tempo de resposta. Nos casos em que ocorre a fala a produção demonstra falhas ou erros na construção do que irá ser articulado12.
As crianças com MS têm limitação em estabelecer interações com seus pares em função da ansiedade que bloqueia a capacidade de se comunicar, ainda que não possuam problemas motores ou cognitivos. A presença da fala nos períodos de interação das crianças com MS está associada à percepção de estabilidade e segurança, podendo ter comunicação com as pessoas de sua confiança e nos espaços de sua preferência13.
As crianças que apresentam MS têm tendência a adotar perfil de dependência e aguardam ordens específicas de outras pessoas, respondem por gestos e utilizam seus pais como intermediários ou interagem sem uso da fala14.
Segundo o DSM 4-TR15, o mutismo é associado a uma dificuldade em se comunicar em determinadas situações sociais, porém, isto não quer dizer que há problemas em produção. O diagnóstico pode ser feito quando a fala está ausente por mais de mês. Essa afecção interfere na educação, ocupação e comunicação social.
Dentre fatores considerados predispostos para o surgimento do MS16 são apontados que pais com características de ansiedade exercem influência genética no neurodesenvolvimento, assim como a estimulação dos pais e do ambiente escolar com pressionamento para o surgimento da fala e comportamentos facilitadores impedem o desenvolvimento da fala.
O MS pode ser identificado utilizando questionário familiar, gravações e entrevistas, conversas com pessoas a qual a criança mantém comunicação e análise de gravações em ambientes em que ocorre a produção da fala; a linguagem compreensiva também deve ser analisada17.
A escola pode identificar o MS pela presença de comportamentos relacionados à ausência da fala. As crianças com MS têm a tendência de apresentar os seguintes problemas no âmbito escolar: problemas de separação, dificuldade em compreender as regras de interação da escola, uso da linguagem de maneira descontextualizada (imaginação, interpretação e inferência) e limitações linguísticas frente a pessoas desconhecidas18.
Para o aprendizado de uma criança com mutismo ocorrer, é necessário estabelecer um meio de comunicação. O ambiente escolar deve propor ações de acomodação para ajudá-la a diminuir a sensação de ansiedade, construindo espaços de segurança. É importante promover ações em que a criança adquira conhecimento, compreensão e percepção dos sentimentos, e, em consequência, ela estabelecerá estratégias para combater a ansiedade social19.
O processo de mediação do ambiente escolar requer o papel de profissional qualificado que irá observar: os professores com maior vínculo para a criança, o relacionamento para com o grupo de colegas de sala e os estímulos que diminuam a ansiedade.
As crianças com MS podem ter facilidade para verbalizar em grupos pequenos. O desenvolvimento da linguagem expressiva e a compreensão da competência pragmática requerem um tratamento específico para criança conseguir desenvolver um discurso e a conversação20.
As crianças com mutismo seletivo perdem a oportunidade de elaborar uma linguagem. Logo, a necessidade de estimulação é fundamental para que os elementos exteriores sejam compreendidos pela criança, isto é, perceber a existência de objetos, pessoas e suas respectivas formas, nomes e características.
A aplicação desta pesquisa propõe compreender as relações comunicativas linguísticas que se estabelecem em contextos de interação de crianças com afecções. O foco do estudo se embasa na perspectiva interacionista, posicionamento que vincula a ação humana com a existência de motivos, associando intenção da conduta humana, portanto, a linguagem apresenta dois pontos em que de um lado estão os acontecimentos naturais e de outro lado as ações humanas.
MÉTODO
Estudo aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Paraíba (Processo 46076715.7.0000.5188).
Trata-se de um estudo de caso que se caracteriza pela observação e o aprofundamento, dando ênfase às singularidades, respeitando as especificações atreladas ao contexto e à complexidade em uma perspectiva interacional. Nesse sentido buscamos a obtenção de informações relevantes para o caso em questão.
O objetivo principal é refletir o processo de mediação escolar de uma criança com MS analisando sob a perspectiva da atenção conjunta e sua influência no desenvolvimento social. Nesse sentido o estudo propõe uma análise do progresso de uma criança com MS, diante dos processos de interação social.
A pesquisa é constituída pelo relato da experiência profissional de uma professora que recebeu em sua sala uma criança do sexo feminino diagnosticada com MS pelo período de três anos. Para obtenção dos dados, foi aplicado um questionário semiestruturado contendo 40 questões sobre a percepção inicial e as estratégias utilizadas para proporcionar o desenvolvimento da fala e interação social com os colegas de turma.
Os dados obtidos serão relatados e em seguida analisados com base na perspectiva da atenção conjunta, isto é, a relação da mediação do adulto no processo de construção de modelos interativos sociais.
RESULTADO E DISCUSSÃO
O relato a ser descrito corresponde ao período da 2a até a 4a série, momento em que C.L. (professora) lecionou para a criança (M.E.) diagnosticada com MS por volta dos 3 anos. De acordo com a entrevistada, as primeiras interações com M.E. não foram correspondidas, pois as solicitações não eram respondidas por trocas verbais ou não verbais, isto é, a comunicação não era mediada por fala, gestos ou palavras.
As primeiras interações com M.E. foram descritas como de angústia e frustração para C.L., pois o comportamento da aluna não revelava sua percepção acerca dos assuntos em sala de aula. Dentre as características de M.E., a professora relata hipersensibilidade a ruídos, sem problemas visuais e não apresentava apego excessivo aos pais ou fobias que impedissem o aprendizado.
O MS é uma afecção que afeta as relações sociais em função da falta de comunicação verbal ou gestual20. As inquietações dos pais e familiares estavam relacionadas com a dificuldade em compreender as solicitações da criança, pois não existiam trocas linguísticas pela criança. Isto é comum nessa população, quando as crianças com MS não solicitam ou respondem quando necessário.
A família necessita compreender as características da afecção para reestabelecer as trocas comunicativas. A literatura12,16,18,21,22 aponta que as crianças com MS apresentam altos níveis de ansiedade, e sua fala poderá retornar quando sentir-se segura e confiante. Nesse sentido os pais necessitam compreender o tempo de resposta do filho, pois condutas que estimulam a fala baseadas em pressão podem ter efeitos mais negativos para o quadro patológico.
Esta afecção apresenta como característica a seleção de ambientes para produção da fala; nos espaços em que não existe sensação de segurança haverá uma retração linguística. Portanto, a acomodação sensorial dessas crianças nos espaços é fundamental para o tratamento. Os espaços escolares precisam propor situações nas quais os professores e colegas de turma permitam o estabelecimento de vínculos afetivos.
A interação verbal com pares ou pessoas não familiares do contexto habitual é considerada inexistente. Esse comportamento resulta frustações para aqueles que buscam a comunicação com essas crianças. No caso relatado, M.E. nos primeiros anos da escola não estabeleceu comunicação oral ou gestual, isso dificultou o processo de ensino-aprendizagem, pois a falta de resposta aos estímulos não informa a compreensão da criança às atividades.
As crianças com MS podem ser classificadas diante a comunicação estabelecida. Conforme há uma aproximação, a comunicação será gradativamente ser restaurada com base nos níveis de confiança da criança e aceitabilidade social ao contexto presente12. Segundo o relato de C.L., as primeiras trocas comunicativas ocorrem por meio de bilhetes após um ano de tentativas, contendo solicitações ou respostas ao que havia sido questionado.
O tratamento psicológico auxiliou na criação de vínculos afetivos com colegas de turma, uma vez que para o ambiente do consultório foram levados para que houvesse uma aproximação. Essa abordagem permitiu a M.E. construir uma rede de confiança que teria a possibilidade de ser expandida para outros espaços, promovendo cenas de interação social que permitiram a construção de modelos de comunicação com crianças de mesma faixa etária.
O quadro inerente ao mutismo requer a atuação multidisciplinar no tratamento, isto é, os diferentes profissionais devem manter uma comunicação entre si acerca das limitações e progressos durante o acompanhamento terapêutico e as observações no ambiente escolar21. De acordo com o relato da professora, houve um avanço no estabelecimento comunicativo após as sessões com a psicóloga, que ocorrem em grupo de apoio.
No processo terapêutico desta afecção é fundamental a criança estabelecer níveis de confiança para que possa externalizar o pensamento e compreender como funcionam as interações sociais. O tratamento comportamental tem maior efeito na intervenção com crianças com mutismo seletivo. Numa meta-análise22 pode ser verificado que 78% dos casos indicaram que uma abordagem comportamental tem influência significativa no processo comunicativo, assim como uma intervenção conduzida desde cedo auxilia 62,9% dos casos analisados.
No momento em que as crianças com MS adquirem confiança com o outro, poderá ser observada uma dependência para estabelecer comunicação19,23. Segundo C.L., após o processo de adaptação de M.E. com os colegas de classe algumas informações eram informadas para uma colega que, em seguida, transmitia para os demais. Uma das estratégias utilizadas para estimular a fala foi de solicitar que a mesma escrevesse o que desejasse comunicar e buscasse falar quando confortável.
Um aspecto relevante para o tratamento de crianças com MS é a necessidade em estabelecer momentos de interação com outros, mas a relação não deve ter como característica a dependência total. Os comportamentos de excessiva dependência influenciam na perda da autonomia e reforçam o isolamento social, isto é, as interações devem ser estimuladas, porém deve ser mediado por profissionais que permitam a criança diminuir a inibição na comunicação social24.
Na tentativa de estabelecer contato com crianças com MS podem ser destacados comportamentos de fuga, irritabilidade, falta de contato visual ou demonstração de interesse. As primeiras trocas comunicativas de M.E. foram iniciadas pela comunicação expressiva. Inicialmente, ocorreu por monossílabas ou gestos e com aumento da confiança a comunicação foi estendida para a escrita, em que as informações a serem transmitidas eram anotadas num caderno.
É importante compreender quais são as preferências da criança com MS para explorar as oportunidades de interação. O processo de acomodação de crianças com mutismo pode incluir jogos para promover a aproximação com o outro, pois o contexto lúdico influencia a interação com baixos níveis de inibição12,16.
Para promover a interação lúdica de M.E. com os colegas de sala, foi utilizado um jogo chamado cara-cara. Essa ferramenta permitiu estimular a falar e a interação durante a brincadeira. O jogo consiste em uma sequência de perguntas que nortearam qual é o personagem a ser descoberto. Para isso, as respostas devem ser alternadas entre "sim" ou "não".
É uma característica do MS a retração comunicativa em ambientes desconhecidos, e, em consequência, os níveis de ansiedade e estresse são ampliados, gerando respostas curtas ou frases telegrafadas. O profissional deverá rever suas perguntas, e quando possível dividir a pergunta em mais de uma, pois a sobrecarrega de questionamentos interfere na resposta ao estímulo17,21. A professora mencionou que M.E. apresentava sudorese excessiva nas mãos quando no ambiente haviam pessoas diferentes ou lhe fosse necessário a sua resposta, assim como o contato visual, eram escassos nos períodos de interação.
O acompanhamento dos progressos de uma criança com MS é de extrema importância, uma vez que alguns comportamentos podem auxiliar ou dificultar o tratamento. Segundo C.L., as atividades em sala de aula eram anotadas num caderno compartilhado com a psicóloga que relatava as sessões. Em ambos os casos, ocorria o destaque sobre as dificuldades e os avanços atingidos, além de sugestões para ampliar a comunicação.
Nesse sentido pode ser destacada a importância da comunicação entre escola e terapeutas para promover o desenvolvimento das crianças com mutismo, assim como a incorporação da percepção familiar no processo de tratamento e acomodação da criança. No presente caso C.L. destacou que a família compreendia as limitações da filha e buscava interligar as atividades da escola com as sessões psicológicas.
De acordo com a professora, M.E. não se distrai ao ponto de não realizar as atividades, contudo, as atividades eram desenvolvidas após as instruções, e na dúvida em alguma parte do exercício aguardava que fosse notada sua dificuldade. Devido à ansiedade, C.L. relata que precisou mediar em algumas situações para estimular a interação com colegas, como por exemplo, no período do intervalo os demais colegas precisavam ser alertados para convidar ME para brincar, pois apenas iria se chamada.
Durante a realização de atividades lúdicas, as crianças podem realizar atividades que promovam seu desenvolvimento global, uma vez que jogos e brincadeiras estão presentes na infância. As aquisições sociais, culturais e pessoais são internalizadas diante das ações motoras, emocionais, cognitivas e sociais25.
Segundo a professora, M.E. demonstrou gostar de atividades lúdicas que de preferência não necessitassem a fala. Em relação aos grupos sociais, no primeiro ano fazia os exercícios propostos, porém não se comunicava oralmente e necessitava uma orientação para executar sua tarefa, enquanto no segundo ano, em função do amadurecimento interações com seus colegas devido ao jogo cara-cara, a fala ocorreu em situações curtas.
Nas atividades que envolvessem a leitura M.E. tinha dificuldade se fosse solicitada a execução em voz alta, mas a compreensão ocorria tanto na leitura silenciosa quanto na de voz alta.
Na escola foram poucos os momentos em que realizava a leitura, mas em casa lia normalmente desde os 6 anos. De acordo com a professora, para estimular a leitura foram utilizadas as seguintes estratégias: reforço do apoio oral, necessidade comunicação oral, adaptação de histórias, vídeos e canções para observar a compreensão, gibis, pequenos textos, leitura compartilhada com a mãe, leitura de imagens, ter estímulos.
No segundo ano foram apresentados alguns seminários por M.E. Para isso, sua apresentação era escrita e lida rapidamente. A escrita auxiliava o rendimento em vários aspectos como, por exemplo, a capacidade de recordação era avaliada por meio da escrita, algo que não era possível ser externalizado em momentos de interação.
CONCLUSÃO
O ambiente escolar possibilita aos estudantes a formação intelectual e a construção de uma personalidade, por meio de abordagens mediadoras que auxiliam no desenvolvimento da criança. Nesse sentido o contexto educacional requer uma percepção das potencialidades e limitações de um indivíduo para estimular a aquisição de competências.
O comportamento de uma criança permite identificar suas competências e as dificuldades, uma vez que no período da primeira infância a espontaneidade é uma característica desse período.
Cada criança apresenta comportamentos peculiares frente a cada contexto específico. Desta maneira, não é coerente predizer que haverá uma homogeneidade comportamental dentro de uma mesma turma. Portanto, é fundamental compreender quais são as causas para cada conduta de um aluno, a fim de identificar os elementos que refletem suas características pessoais para as que indicam problemas de aprendizado.
O ambiente escolar permite à criança explorar o mundo e dar significado ao que entra em contato, ainda possibilita que sejam estimulados vínculos sociais que são fortalecidos pela convivência entre os alunos.
O trabalho da escola deve ocorrer em conjunto com a família para que não ocorra uma inversão de responsabilidades entre as partes, mas uma caminhada em conjunto. A escola tem dever de promover a recursos que possibilitem à criança adquirir competências para seu aprendizado, enquanto os pais têm a função de contribuir para formação de sua personalidade. Ambos devem desenvolver suas ações para auxiliar no desenvolvimento da criança.
As crianças com dificuldade de aprendizagem têm tendência a apresentar os mesmos comportamentos deficitários em contextos semelhantes, na escola ou em casa, por exemplo, problemas na atenção como dispersão na conversa ou aula pode ser verificado em sala ou num diálogo entre pai e filho. Ainda há dificuldades que comprometem a interação social; em razão desta limitação, a comunicação com os outros torna-se um impasse para o aprendizado.
As experiências sociais influenciam no desenvolvimento da capacidade comunicativa e auxiliam na apropriação dos sons pertencentes ao meio do sujeito, porém sabe-se que algumas crianças adquirem ou nascem com afecções que atrapalham o domínio da linguagem, as quais podem provocar distúrbios sensórias, déficits linguísticos no nível da expressão e/ou compreensão, problemas na escrita ou distúrbios da comunicação.
REFERÊNCIAS
1. Costa JC, Pereira VW, orgs. Linguagem e cognição: relações interdisciplinares. Porto Alegre: EDIPUCRS; 2009. [ Links ]
2. Pedroso F, Rotta NT. Transtornos da linguagem. In: Rotta NT, Ohlweiler L, Riesgo RS. Transtornos da aprendizagem: abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed; 2006. p.131-50. [ Links ]
3. Bronckart JP. Atividades de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. São Paulo: Educ; 1999. [ Links ]
4. Braz FS, Salomão NMR. A fala dirigida a meninos e meninas: um estudo sobre o input materno e suas variações. Psicol Reflex Crit. 2002;15(2):333-44. [ Links ]
5. Barros EMD. Interacionismo instrumental: o gênero como ferramenta mediadora do ensino da língua. ReVEL. 2009;7(13):1-20. [ Links ]
6. Vion R. La communication verbale: analyse des interactions. Paris: Hachette; 1992. [ Links ]
7. Del Ré A. A criança e a magia da linguagem: Um estudo sobre o discurso humorístico. São Paulo: Editora Unesp; 2011. [ Links ]
8. Ferrari L. Introdução à linguística cognitiva. São Paulo: Contexto; 2011. [ Links ]
9. Paviani NMS. Aprendizagem na perspectiva da teoria do interacionismo sociodiscursivo de Bronckart. Rev Esp Pedag. 2011;18(1):58-73. [ Links ]
10. Pinker S. O Instinto da Linguagem: Como a Mente Cria a Linguagem. São Paulo: Martins Fontes; 2002. [ Links ]
11. Carrilho MFP. As estratégias interativas do professor tutor na construção do memorial de formação. Rev Human. 2010;11(28):106-33. [ Links ]
12. Cohan SL, Price JM, Stein MB. Suffering in silence: why a developmental psychopathology perspective on selective mutism is needed. J Dev Behav Pediatr. 2006;27(4):341-55. [ Links ]
13. Viana AG, Beidel DC, Rabian B. Selective mutism: a review and integration of the last 15 years. Clin Psychol Rev. 2009;29(1):57-67. [ Links ]
14. Anstendig KD. Is selective mutism an anxiety disorder? Rethinking its DSM-IV Classification. J Anxiety Disord. 1999;13(4):417-34. [ Links ]
15. DSM IV. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 4a ed. Porto Alegre: Artmed; 2002. [ Links ]
16. Klein ER, Armstrong SL, Shipon-Blum E. Assessing Spoken Language Competence in Children With Selective Mutism: Using Parents as Test Presenters. Commun Disord Quart. 2012;34(3):184-95. [ Links ]
17. Bergman RL, Keller ML, Piacentini J, Bergman AJ. The development and psychometric properties of the selective mutism questionnaire. J Clin Child Adolesc Psychol. 2008; 37(2):456-64. [ Links ]
18. Cazeden CB. Classroom Discourse: The Language of Teaching and Learning. Portsmouth: Heinemann; 2001. [ Links ]
19. Shipon-Blum E. SM Comprehensive Diagnostic Questionnaire - Brief. Unpublished. Jenkintown: The SM Anxiety Research Treatment Center; 2005. [ Links ]
20. Fujiki M, Brinton B, Isaacson T, Summers C. Social Behaviors of Children With Language Impairment on the Playground: A Pilot Study. Lang Speech Hear Serv Sch. 2001; 32(2):101-13. [ Links ]
21. Mulligan CA, Hale JB, Shipon-Blum E. Selective Mutism: Identification of Subtypes and Implications for Treatment. J Educ Human Dev. 2015;4(1):79-96. [ Links ]
22. Stone BP, Kratochwill TR, Sladezcek I, Serlin RC. Treatment of selective mutism: A best-evidence synthesis. Sch Psychol Quart. 2002;17(2):168-90. [ Links ]
23. Oerbeck B, Kristensen H. Attention in selective mutism--an exploratory case-control study. J Anxiety Disord. 2008;22(3):548-54. [ Links ]
24. Vecchio J, Kearney CA. Selective Mutism in children: A synopsis of characteristics, assessment, and treatment. Behav Ther. 2006; 29(5):102-4. [ Links ]
25. Oliveira PS, Munster MAV. Atividades Lúdicas e Deficiência Visual: O Papel do Elemento Lúdico no Desenvolvimento da Criança. V Congresso Brasileiro Multidisciplinar de Educação Especial. 2009 Nov 3-6; Londrina, PR, Brasil. [ Links ]
Endereço para correspondência:
Thereza Sophia Jácome Pires
Av. Bahia, 900, apt 1602 Torre A, Ed. Vivant - Bairro dos Estados
João Pessoa, PB, Brasil - CEP: 58030-130
E-mail: jacomethereza@gmail.com
Artigo recebido: 27/4/2017
Aprovado: 15/6/2017
Trabalho realizado na Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil.