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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.35 no.106 São Paulo abr. 2018

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

Implementação do modelo de resposta à intervenção em uma classe de 5o ano do ensino fundamental da rede pública de ensino: relato de experiência

 

Implementation of Response to Intervention Model in a class of 5th grade of a public elementary school: experience report

 

 

Gabriel Rodriguez BritoI; Alessandra Gotuzo SeabraII; Elizeu Coutinho de MacedoIII

IPedagogo. Psicopedagogo. Mestre e Doutorando em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bolsista CAPES, São Paulo, SP, Brasil
IIPsicóloga, Doutora em Psicologia pela USP. Docente do Programa de Mestrado e Doutorado em Distúrbios do Desenvolvimento. Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bolsista de Produtividade do CNPq, São Paulo, SP, Brasil
IIIPsicólogo, Doutor em Psicologia pela USP. Docente do Programa de Mestrado e Doutorado em Distúrbios do Desenvolvimento. Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bolsista de Produtividade do CNPq, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo teve como objetivo a aplicação do modelo de Resposta à Intervenção (RTI) em uma turma do 5o ano do Ensino Fundamental de uma escola pública. Participaram 22 crianças, com idades entre 10 e 11 anos. Foi realizada a adaptação da Camada 1 do modelo RTI, que visa a uma intervenção de caráter instrucional, preventivo, ofertada pelo professor a todos os alunos, por meio de estratégias com base em evidências científicas. Os participantes foram avaliados em três momentos: início, meio e final do ano escolar. Testes normatizados de leitura, escrita, aritmética, atenção e motivação foram aplicados a fim de avaliar o progresso das crianças. Além dos testes padronizados, avaliações qualitativas e contínuas foram feitas atendendo o critério de monitoramento prescrito no modelo de RTI. De forma geral, a análise dos resultados demonstrou que o desempenho dos alunos em leitura, escrita, atenção e aritmética obteve melhoras estatisticamente significativas, sendo possível também identificar os alunos com desempenho abaixo da média em relação a seus pares. Tal relato corrobora a eficácia da aplicação do modelo RTI também ao final do ciclo do Ensino Fundamental I.

Unitermos: Dificuldades de Aprendizagem. Prevenção. Remediação. Resposta à Intervenção. Ensino Fundamental.


ABSTRACT

The present study aims to narrate an experience of application of the Response to Intervention model in a 5th grade class of a Public Elementary School. Twenty-two children, aged 10 and 11, took part in this experience. We used an adaptation of tier 1 of the RTI model that aims for an instructional, preventive intervention, offered by the teacher to all students, through scientific based strategies. The study consisted in three moments of administration of standardized tests for reading, writing, numeracy, attention and motivation: at the beginning of the school year and at the end of the first and last semesters. Besides these tests, we made use of other types of continuous and qualitative assessment, meeting the criteria for monitoring prescribed in the RTI model. The analysis of progress in reading, writing, attention and numeracy showed statistically significant improvement. It is also possible to identify students with below-average performance relative to their peers. This report corroborates the effectiveness of the application of the RTI model also at the end of the Elementary School cycle.

Keywords: Learning difficulties. Prevention. Remediation. Response to Intervention. Elementary School.


 

 

INTRODUÇÃO

Os resultados obtidos pelo Brasil no Programe of International Students Assessment (PISA), em 20151, mostraram uma queda na pontuação nas três áreas avaliadas. A prova, realizada a cada três anos, é coordenada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e foi aplicada em 70 países e economias, incluindo o Brasil. O país teve desempenho significativamente abaixo da média dos países membros do OCDE, encontrando-se na 63a posição em ciências, na 59a em matemática e na 66a em leitura1.

O impacto da situação socioeconômica no desempenho dos alunos brasileiros é semelhante ao impacto da situação socioeconômica no desempenho dos alunos dos demais países, afetando negativamente os alunos com pior nível socioeconômico. Contudo, quando analisados os alunos que obtêm bom desempenho, apesar da situação socioeconômica desfavorável, o Brasil se encontra consideravelmente abaixo da média1.

É considerável o número de crianças que não aprendem a ler e escrever adequadamente nos anos iniciais do Ensino Fundamental, problema que se estende aos anos posteriores por conta do modelo de progressão continuada2. Tais dados ressaltam a necessidade de questionar o tipo de estratégias de ensino adotadas no contexto escolar brasileiro, bem como a necessidade de fomentar políticas de identificação das dificuldades e transtornos de aprendizagem3.

Diferentemente de outros países, as políticas públicas e os métodos de alfabetização no Brasil carecem de embasamento em pesquisas recentes realizadas sobre o desenvolvimento da leitura e da escrita, de forma que há uma grande discrepância entre as evidências científicas e os métodos de alfabetização adotados no país3. Além disso, no Brasil ainda não existe uma política nacional de identificação e acompanhamento de alunos com transtornos específicos de aprendizagem2,4.

O Modelo de Resposta à Intervenção (do inglês, Response to Intervention - RTI) combina um sistema universal de triagem, o qual permite identificar os alunos que estão abaixo da média esperada quando comparados aos seus pares de mesma idade e escolaridade, e progressivos níveis de monitoramento e apoio ao estudante5. Esta abordagem tem se mostrado bastante eficaz no diagnóstico das Dificuldades de Aprendizagem (DA) e dos Transtornos de Aprendizagem (TA), bem como contribuído para a melhora do ensino em geral6.

O modelo RTI visa prevenir e remediar as DAs, baseado na implementação de um sistema integrado de detecção precoce e progressivos níveis de intervenção, tendo como premissa básica a oferta de instrução de alta qualidade, baseada em evidências científicas7. Os níveis de intervenção que constituem o RTI são convencionalmente chamados de camadas. Originalmente, o modelo foi pensado para ser constituído por 3 camadas5.

A Camada 1 visa a uma intervenção de caráter instrucional, preventiva, ofertada pelo professor a todos os alunos, por meio de instruções de alta qualidade que tenham base em evidências científicas, no mínimo por 15 minutos ao dia, três vezes por semana. São feitas avaliações do desempenho dos alunos, permitindo ao professor revisar estratégias e elaborar planos de ensino8.

A Camada 2 equivale a uma instrução suplementar/remediativa, voltada ao grupo de alunos cujo desempenho, embora tenham recebido intervenção na Camada 1, continua abaixo da média dos seus pares de mesma idade. As intervenções são feitas por um profissional de apoio, fora do horário de aula, três vezes por semana, de 20 a 40 minutos por dia. O progresso dos alunos continua sendo monitorado e os pais são incluídos no planejamento e acompanhamento do processo8.

A Camada 3 caracteriza-se por intervenções individuais, remediativas e intensivas feitas por um especialista. Tem duração de 45 a 60 minutos por dia, cinco vezes por semana, em que o desempenho do aluno é monitorado semanal ou quinzenalmente. Com apoio de uma equipe multidisciplinar, o especialista que aplica a intervenção utiliza-se, por exemplo, de avaliações padronizadas e observações feitas pelos pais e professores. Nessa camada, pode-se avaliar a necessidade de encaminhamento para educação especial ou outras intervenções específicas8.

Pode-se resumir o RTI como sendo uma abordagem que se baseia na resposta dos alunos à instrução de alta qualidade para tomadas de decisões de ensino. Tais decisões se estendem desde questões sobre a eficácia e intensidade da instrução e intervenção, sobre quais alunos que possivelmente se encaixariam nos programas especiais de ensino, até a elaboração de programas educativos individuais9. Preconiza que, quando ensino de qualidade e intervenção às dificuldades são fornecidos precocemente, estudantes sem TA ou sem prejuízos intelectuais obtêm progressos satisfatórios7.

Em estudo anterior, ao adaptar e implementar as camadas 1 e 2 do modelo RTI ao contexto educacional brasileiro, em turmas do 1o ano do ensino fundamental, obtiveram-se dois grandes resultados consoantes aos relatados por experiências internacionais: primeiro, fornecimento de instrução precoce aos estudantes com dificuldades; e segundo, fornecimento de meios eficazes para avaliar e intervir nas necessidades dos alunos4,10. Estudo comparando intervenção fonológica individual e em grupo a crianças do ensino fundamental atestou que a intervenção em grupo (comparado à Camada 2) e individual obteve resultados semelhantes, apontando que o modelo pode auxiliar a aliviar a demanda do Sistema Único de Saúde na área11.

O fato de, no Brasil, ainda não haver uma política nacional de identificação e acompanhamento de crianças com DA/TA torna ainda mais complexa a prática da intervenção precoce12. Dessa forma, é importante verificar se a implantação do modelo de RTI em crianças em séries mais avançadas pode promover a melhora do rendimento geral da turma, diminuindo a incidência das DAs e apontando com mais precisão os alunos que realmente necessitariam de intervenções específicas fora da sala de aula, em especial no que tange à Rede Pública de Ensino.

Intervenções no contexto da escola pública são particularmente relevantes por ainda prevelecerem abordagens remediativas, sendo preteridos os investimentos na intervenção precoce13. Assim, o presente estudo teve por objetivo implantar a Camada 1 do modelo de Resposta à Intervenção (RTI) voltada à instrução em leitura e escrita, atenção e aritmética em uma turma do 5o ano do Ensino Fundamental de uma escola pública. Foram trabalhadas basicamente atividades de leitura, consciência fonológica, atenção e raciocínio lógico-matemático.

 

MÉTODO

Participantes

Com base na premissa de triagem universal, inicialmente foram coletados dados de 30 alunos do 5o ano do ensino fundamental. Destes, 4 alunos, durante o primeiro bimestre, foram remanejados de período ou escola e por isso não tiveram seus dados relatados. Adicionalmente, foram excluídos os dados de 2 alunos que tiveram 60% ou mais de faltas e de 2 alunos diagnosticados com deficiência intelectual. Outros 11 alunos ingressaram na classe ao longo do ano escolar, porém, como não foram avaliados ao início do ano, também não fizeram parte do estudo. Portanto, a amostra final do estudo totalizou 22 indivíduos, com idade média de 10 anos, sendo 10 meninas e 12 meninos.

Instrumentos de avaliação

Teste de Competência de Leitura de Palavras e Pseudopalavras - TCLPP

O teste consiste de 70 itens, cada qual composto de figura e palavra ou pseudopalavra associada. O probando deve circular as palavras corretas em termos ortográfico e semântico, e fazer um "X" sobre as palavras incorretas em termos ortográficos (i. e., pseudopalavra) ou semânticos (i. e., figura associada à palavra incompatível com ela). Trata-se de um instrumento psicométrico e neuropsicológico/cognitivo que avalia a leitura silenciosa de palavras isoladas.

A interpretação dos dados aferidos pelo teste permite avaliar o grau de desvio entre o padrão da leitura da criança e o padrão de leitura normal de seu grau de referência, ainda permite inferir qual estágio do desenvolvimento da leitura (logográfico, alfabético ou ortográfico) a criança se encontra, bem como qual a estratégia por ela utilizada: logográfica, fonológica ou lexical14.

Prova de Ditado - PD

O instrumento consiste em 45 itens psicolinguísticos que variam em termos de lexicalidade, regularidade das correspondências grafofonêmicas, frequência e comprimento. A prova é dividida em três blocos: palavras de alta frequência, palavras de baixa frequência e pseudopalavras. A criança deve escrever em folha pautada cada um dos itens que o aplicador pronuncia. A prova avalia a escrita na condição de ditado. Além de permitir uma análise qualitativa da escrita da criança, o instrumento dialoga com o TCLPP, auxiliando na compreensão das estratégias elegidas na leitura e em qual estágio ela se encontra15.

Prova de Redação

O instrumento consiste em uma folha pautada com uma ilustração de sequência lógica em uma tira com quatro quadrinhos organizados na ordem dos acontecimentos. A criança deve produzir um texto a partir de tal sequência. O instrumento permite uma análise qualitativa ao verificar a frequência e o tipo dos erros. Permite inferência sobre o grau de acurácia e fluência na escrita ao exigir que a criança se utilize, por exemplo, de estratégias de sintaxe e coesão, entre outros elementos de organização e gramática convencionalmente utilizados na escrita formal para produção de um texto coerente e compreensível.

Prova de Aritmética - PA

A prova contém seis subtestes. Os Subtestes de leitura e escrita numéricas, de relação maior-menor e de contagem numérica se agrupam para compor o bloco que avalia o Processamento Numérico. Os Subtestes de cálculos montados, de cálculos orais e de solução de problemas por escrito compõem o bloco Cálculo16.

Teste de Atenção por Cancelamento - TAC

O teste avalia atenção e é dividido em três partes impressas com diferentes tipos de estímulos (formas geométricas). Em um minuto, a criança deve assinalar o máximo de estímulos iguais ao estímulo alvo previamente determinado. A primeira parte do teste permite avaliar atenção seletiva; a segunda parte avalia o mesmo construto, porém com grau maior de dificuldade; na terceira parte do teste, além da atenção seletiva, avalia-se também a atenção alternada17.

Escala para Avaliação da Motivação Escolar Infanto-juvenil - EAME-IJ

O instrumento consiste em uma folha com 20 questões referentes ao modo como o aluno pode se comportar em sua vida escolar. O examinando deve responder marcando um "X" de acordo com a frequência com que realiza determinado comportamento (sempre, às vezes ou nunca). A prova permite avaliar as fontes de motivação do indivíduo e sua intensidade de três formas: motivação escolar intrínseca, que se relaciona ao interesse natural por novidades e desafios; a motivação escolar extrínseca, concernente aos elementos externos que podem fazer a pessoa agir; e, por fim, permite avaliar a motivação escolar geral da pessoa18.

Instrumentos e estratégias de intervenção

Atividades fônicas e de leitura

Para estimular as habilidades de consciência fonológica (consciência de palavras, rima, aliteração, sílabas e fonemas), foram desenvolvidos jogos e dinâmicas baseados no livro Problemas de leitura e Escrita: como identificar, prevenir e remediar numa abordagem fônica19. Com o fim de trabalhar a correspondência grafofonêmica, utilizou-se de estratégia fonovisuoarticulatória com base no Método das boquinhas: alfabetização e reabilitação dos distúrbios de leitura e escrita: caderno de exercícios, livro 220. Outras atividades para estimulação da consciência fonológica e fonêmica tiveram como base o livro Exercícios para Construir a Leitura, Escrita e Ortografia: desenvolvendo atenção, memória e consciência fonológica para atender melhor21.

Caixa de Jogos de Apoio à Alfabetização - PNAIC

Trata-se de uma caixa com 10 jogos para estimulação de habilidades psicolinguísticas tais como rima, aliteração, segmentação e manipulação de sons, correspondência grafofonêmica. Inicialmente, os jogos foram adaptados para serem utilizados com toda a classe, de forma que todos compreendessem o objetivo a ser alcançado e pudessem participar, num segundo momento, quando o jogo permitisse, de grupos formados por quatro alunos.

Dos jogos disponibilizados pela caixa (Bingo dos sons iniciais; Caça-rimas; Dado Sonoro; Trinca Mágica; Batalha de palavras; Mais uma; Troca letras; Bingo da letra inicial; Palavra dentro da palavra; Quem escreveu sou eu), foram utilizados o Bingo dos sons iniciais e Batalha das palavras, que trabalham a consciência de sílabas; o Bingo da letra inicial, que trabalha a aliteração; Trinca mágica, que consiste em formar o maior número de trios com cartelas que terminem com o mesmo som (rima); Troca letras e Bingo da letra inicial, que estimula a discriminação grafofonêmica e aliteração22. Destaca-se o fato de que na época da aplicação dessa pesquisa, este material já estava disponível há alguns anos na escola, porém não tinha sido utilizado pela maioria dos professores.

Atividades Multissensoriais

Com base nos trabalhos de Montessori, foram elegidos e elaborados instrumentos que trabalharam com a memória cinestésica tais como caixa de areia, alfabeto móvel e letras texturizadas, além de massa de modelar e o material dourado usado para compreensão do raciocínio aritmético23. Estes instrumentos estiveram durante todo o ano à disposição dos alunos que precisassem, mesmo fora dos momentos sistematizados de intervenção, servindo como apoio durante toda a aula.

Atividades de Memória, Atenção, Raciocínio lógico e Compreensão

Para a estimulação das habilidades de memória, atenção, criatividade e raciocínio lógico, foram utilizadas atividades com base no Manual Papaterra - Livro verde24, no Programa de Intervenção em Funções Executivas - PIAFEx25 e, no caso específico da matemática, na Khan Academy26. A coletânea de textos do livro Avaliação da compreensão leitora de textos expositivos: para fonoaudiólogos e psicopedagogos27 foi adaptada para servir como instrumento de intervenção coletiva em sala de aula; suas estratégias para facilitar a compreensão foram utilizadas para além dos momentos sistematizados de intervenção, tendo sido incorporadas intensivamente na prática das leituras dos textos das diferentes disciplinas.

Procedimento

Antes de começarem as aulas, na semana de planejamento escolar, a direção da escola foi esclarecida quanto aos objetivos da pesquisa e assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O primeiro autor do presente artigo foi o professor da classe e realizou todas as atividades de avaliação e de intervenção, conforme pressupõe o modelo de RTI, em que o próprio professor deve acompanhar o desempenho dos alunos e realizar as intervenções na Camada 1. Toda a classe participou de um momento de pré-testagem ao início do ano letivo, o que delineou os conteúdos e habilidades a serem enfocados durante a intervenção. Os instrumentos foram aplicados coletivamente.

Ao término do primeiro semestre letivo, os alunos foram novamente submetidos aos testes já mencionados. Este segundo momento de testagem atendeu à premissa de monitoramento dos alunos e verificação da eficácia das estratégias de ensino proposto pelo modelo RTI8, de modo a ajudar na triagem de alunos que seriam candidatos à Camada 2 do modelo, além de contribuir para a tomada de decisões de ensino pelo professor9.

A intervenção foi retomada no decorrer do segundo semestre e os alunos foram submetidos a um último momento de testagem ao término do ano letivo com os instrumentos supracitados. Além destes três momentos de testagem, o acompanhamento do desempenho dos estudantes ocorreu de maneira contínua por meio de avaliações que incluíram componentes curriculares e comportamentais, análises de atividades diárias e do caderno durante todo o processo de intervenção.

A partir dos resultados obtidos na avaliação inicial, iniciou-se a intervenção. Com base no modelo RTI, as atividades aconteceram de maneira sistemática, de três a cinco vezes por semana, em cerca de 30 a 40 minutos ao início das aulas, de maneira coletiva, contando com a participação de todos. Vale ressaltar que os materiais e estratégias usadas em grupo serviram de apoio aos alunos que necessitavam deles durante o decorrer da aula.

De maneira geral, as intervenções foram incorporadas pela prática docente diária, dialogando com as demais áreas do conhecimento. Basicamente, foram utilizadas estratégias para desenvolver a metalinguagem, como estratégias do modelo fônico e multissensorial relacionadas às habilidades fonológicas e de correspondência grafema-fonema, além de estratégias para desenvolver a compreensão de leitura, a metacognição, as habilidades aritméticas, as habilidades de atenção e automonitoramento.

Análise dos Resultados

Neste estudo realizou-se análise qualitativa de maneira contínua, por meio de avaliações que incluíram componentes curriculares e comportamentais, análises de atividades diárias e do caderno durante todo o processo de implementação da Camada 1 e também por meio das provas de redação. Na análise quantitativa, a fim de verificar se houve ganhos no desempenho dos alunos, foram conduzidas Análises de Variância, tendo o momento como variável intra-sujeitos (primeira, segunda e terceira avaliação), considerando como crítico o p0,05. Também foi feita uma análise de correlação entre a pontuação obtida pelos alunos no TCLPP e na Escala de Motivação Escolar. A análise quantitativa dos dados foi realizada por meio do Statistic Package for the Social Science (SPSS) para Windows (Versão 20, SPSS Inc.©, Chicago, Illinois). Foram feitas análises descritivas e de correlação, com intervalo de confiança de 95%.

 

RESULTADOS

Embora tenham sido atendidos os pressupostos de triagem universal e de monitoramento do desempenho dos alunos, apontando aqueles que seriam candidatos a uma intervenção de caráter suplementar, em razão de não haver a possibilidade de implementação da Camada 2, o principal papel das testagens deteve-se em verificar a eficácia das instruções e analisar as resposta dos estudantes à intervenção com o fim de orientar as decisões de ensino a serem tomadas pelo professor, tais como intensidade e tipo de instruções a serem ofertadas na continuidade da intervenção. A Tabela 1 mostra a média do escore total da turma para cada teste, bem como os resultados da Anova considerando como fator os três momentos da avaliação.

 

 

A análise da média de acertos das crianças no TCLPP aparece na Tabela 1 como tendo avanços significantes. Analisando seus subtestes, observam-se ganhos estatisticamente significantes para as vizinhas visuais (VV), vizinhas fonológicas (VF) e pseudopalavras homófonas (PH). A Figura 1 mostra o desempenho dos alunos no TCLPP nos três momentos de forma detalhada.

 

 

Os avanços nestes subtestes revelam que as crianças passaram a utilizar de forma mais eficaz as estratégias de leitura pela rota fonológica, sugerindo aperfeiçoamento da consciência fonológica e da discriminação grafofonêmica. Tal dado coincide com o avanço na média de acertos na Prova de Ditado, principalmente quando analisados os seus subtestes separadamente: Palavras de Alta Frequência, Palavras de Baixa Frequência e Pseudopalavras. A Figura 2 apresenta os escores obtidos pela turma na Prova de ditado de forma detalhada.

 

 

O aumento no desempenho dos alunos no subteste de pseudopalavras foi estatisticamente significante, revelando que os alunos tiveram progressivos avanços nos processos de leitura pela rota fonológica no decorrer do ano. A análise qualitativa da prova de ditado aplicada no início do ano chama atenção para os erros por questões ortográficas ("cherife" em lugar de "xerife", "tijela" em lugar de "tigela"), erros por omissões de letras ("maca" em lugar de "marca", "forido" em lugar de "florido") e principalmente para os erros por trocas fonológicas ("bricas" no lugar de "brigas"; "supeta" em lugar de "chupeta").

Já no segundo momento de teste e, mais ainda, na testagem do final do ano, os erros por questões ortográficas se tornaram mais sutis como, por exemplo, generalização e/ou não aplicação de regras ortográficas ("marréca" em lugar de "marreca"; "orgão" em lugar de "órgão"), sendo que também diminuíram outros tipos de erros como omissão de letras, mas principalmente os erros por trocas fonológicas, avaliados principalmente pelo subteste de pseudopalavras. Tais dados apontam não só para avanços na estratégia de leitura pela rota fonológica, como também pela rota lexical.

No que se refere à Prova de Redação, embora a falta de uma medida quantitativa limite a análise, a análise qualitativa deste instrumento permitiu observar que houve uma expressiva melhora na produção textual dos alunos, com aperfeiçoamento de critérios de pontuação, coerência, sintaxe e coesão, além de melhora na clareza e criatividade das ideias, bem como diminuição dos erros ortográficos como já apontados no TCLPP e na Prova de Ditado. Tais dados coincidem com as evidências indicadas pela literatura científica a respeito da estreita relação entre leitura e escrita, permitindo inferir que a produção textual, tal como a compreensão da leitura, é influenciada pelos processos de automatização das habilidades fonológicas16.

Por meio da Prova de Redação também foi possível observar a generalização de estratégias utilizadas para a compreensão da leitura, como as perguntas orientadoras27, que foram usadas pelos alunos para organizarem de forma mais coerente suas ideias. Outro fato importante na produção textual, além do desenvolvimento da linguagem oral e escrita, é o papel da metacognição e das funções executivas17,19; neste sentido, a melhora na produção dos alunos reflete também os avanços nas habilidades atencionais, uma vez que a produção envolve, entre outros aspectos das funções executivas, o planejamento da expressão do raciocínio linguístico, a alternância em um conjunto de respostas envolvendo codificação fonológica e ortográfica, e o automonitoramento, a fim de manter ou modificar as estratégias de escrita17.

Quanto aos testes de atenção por cancelamento, observa-se aumento pronunciado no desempenho dos alunos, estatisticamente significante, com p<0,05, o que revela um aperfeiçoamento na capacidade de seleção e filtragem da informação, o que permite ao aluno lidar de modo mais eficaz com os estímulos internos e externos. A Figura 3 mostra o avanço nas pontuações obtidas no Teste de Atenção.

 

 

Em relação à análise dos dados obtidos pela Prova de Aritmética, observa-se que o principal avanço foi no subteste cálculo, o que indica a aquisição de uma maior capacidade para o processamento dos símbolos matemáticos operacionais e execução dos cálculos. É provável, também, que os ganhos na habilidade de atenção possivelmente estejam relacionados com o avanço em aritmética. Destaca-se que, na primeira avaliação, muitos alunos não responderem aos itens da prova que requeriam a leitura e interpretação da situação-problema, mas, na última avaliação, tal situação se alterou, com quase todos os alunos respondendo, o que permite inferir que questões referentes à leitura e à escrita possam a influenciar o desempenho em aritmética. A Figura 4 mostra a pontuação detalhada dos subtestes da Prova de Aritmética.

 

 

Em relação à motivação escolar, estudos demonstram que, de forma geral, tal construto tende a diminuir no decorrer dos anos do Ensino Fundamental, correlaciona-se o bom desempenho escolar com nível alto de motivação intrínseca e baixo de motivação extrínseca18. Na presente experiência verificou-se que a motivação extrínseca correlacionou-se negativamente com o desempenho no TCLPP na última testagem (correlação de -0,679, p=0,001), indo ao encontro dos estudos que indicam que, quanto maior a autonomia e melhor o autoconceito dos alunos frente aos estudos, menor a sua necessidade de motivação extrínseca18,28. A Figura 5 mostra os escores obtidos na motivação nos três momentos de testagem.

 

 

DISCUSSÃO

O presente estudo implantou a Camada 1 do modelo de RTI voltada à instrução em leitura e escrita, atenção e aritmética a alunos do 5o ano do Ensino Fundamental. Embora o modelo RTI tenha sido idealizado para ser aplicado nos anos escolares iniciais - por preconizar o fornecimento precoce de instrução de alta qualidade e detecção das DA/TAs - os resultados obtidos revelaram a eficácia da aplicação do modelo também ao final do ciclo do Ensino Fundamental I, uma vez que houve avanços significativos no desempenho dos alunos.

Não apenas os testes, mas o acompanhamento do desempenho dos estudantes de maneira contínua, por meio de avaliações que incluíram componentes curriculares e comportamentais, análises de atividades diárias e do caderno durante todo o processo de intervenção, contribuíram para que o professor pudesse revisar estratégias e elaborar planos de ensino.

O presente estudo não tem como pretensão comparar o emprego da RTI a outro tipo de procedimento, visto que não houve grupo controle. Dessa maneira, não há como identificar, de forma quantitativa, qual seria o progresso dos alunos se fosse dada continuidade à escolarização regular. Porém, observa-se que a implementação da Camada 1, com instruções de qualidade, possibilitou avanços significativos ao longo do ano escolar, o que é esperado e desejável no sistema educacional.

Cabe destacar que, após a detecção das dificuldades dos alunos, ao elaborar o plano de ensino, o professor observou que seria necessário sistematizar estratégias e atividades que envolviam habilidades aparentemente simples para alunos do 5o ano, como as atividades do método fônico ou como o uso do material dourado. As mesmas foram implementadas por cerca de 30 a 40 minutos, no mínimo três vezes por semana. A escolha de separar parte do tempo das aulas para atividades mais simples de acordo com as dificuldades dos alunos, em vez de seguir com o conteúdo típico de 5o ano, possibilitou que, de modo geral, a classe se apropriasse de forma mais rápida e eficaz dos conteúdos das demais disciplinas.

Os testes foram aplicados ao início, meio e final do ano letivo. A comparação dos três momentos de testagem indica que houve diferença estatisticamente significativa principalmente entre as testagens. O grande avanço no desempenho dos alunos demonstrado pelos testes de um semestre para o outro corrobora a análise qualitativa do professor, que relata o rápido ganho de autonomia dos alunos. Esse ganho de autonomia acadêmica pôde ser observado não apenas em relação aos testes que avaliam habilidades cognitivas envolvidas em atividades propriamente escolares como leitura e aritmética, mas também por meio do teste de motivação.

Uma vez que a Escola Pública propõe que o aluno construa de forma individual o conhecimento a partir da pesquisa e da pedagogia de projetos ou projetos interdisciplinares29, o princípio de sistematização das intervenções preconizado pelo modelo RTI5,8 contribuiu também para a organização das disciplinas aplicadas pelo docente (Português, Matemática, História, Ciências e Geografia), auxiliando no planejamento das aulas como um todo, além de beneficiar a aquisição pelos alunos das habilidades estimuladas, também facilitou o monitoramento do desempenho dos estudantes. Rotinas consistentes demonstraram beneficiar as crianças para além de questões acadêmicas, como aponta a literatura30, e pôde ser comprovada pela experiência vivida na aplicação do RTI com crianças entre 10 e 11 anos.

Por fim, a implementação da Camada 1, ao fornecer instrução de alta qualidade para todos os alunos, potencializou o aprendizado daqueles que se encontravam com bom desempenho, ao mesmo tempo em que interveio nas necessidades daqueles que se encontravam com dificuldades, elevando a qualidade de ensino como um todo.

Uma das limitações deste estudo foi a opção metodológica por não incluir os dados dos dois alunos com deficiência intelectual e dos alunos que entraram no decorrer do ano. Tais dados poderiam revelar melhor como se deu este processo de aplicação da RTI em sala. A ausência de um grupo controle, que continuaria nas atividades cotidianas, também pode ser considerada uma limitação, pois impossibilita investigar os ganhos efetivamente derivados da intervenção. O fato do pesquisador ser o mesmo a aplicar tanto os testes como a intervenção constitui uma variável que, embora não invalide a relevância do relato, aponta para a necessidade de realizar-se novos estudos com metodologia mais rigorosa.

 

CONCLUSÃO

O presente relato pôde demonstrar o quanto o desempenho acadêmico dos alunos, de forma geral, melhorou significativamente por meio de intervenções sistematizadas, que utilizaram atividades e estratégias com base em evidências científicas como preconizado no modelo RTI. Dentre as atividades propostas, destacaram-se aquelas com foco na estimulação das habilidades de consciência fonológica e metalinguísticas.

O principal pressuposto da RTI de que, quando ensino de qualidade e intervenção às dificuldades são fornecidos precocemente, estudantes sem TA ou sem prejuízos intelectuais obtêm progressos satisfatórios7, mostrou-se verdadeiro também na aplicação da Camada 1 nesta turma do 5º ano, em que as intervenções em sala já não seriam mais de caráter precoce, mas remediativo, devido a tratar-se do final do primeiro ciclo do Ensino Fundamental.

Este relato aponta para a relevância de se realizarem pesquisas científicas com o fim de comprovar a aplicabilidade da RTI também nas turmas dos anos finais do Ensino Fundamental I. Ainda contribui com a reflexão sobre quais modelos e estratégias de ensino melhor se adaptam às necessidades destes alunos dos anos mais avançados de escolarização, quer apresentem DA ou não.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Gabriel Rodriguez Brito
Rua Francisca Maria de Souza, 282 - Parada Inglesa
São Paulo, SP, Brasil - CEP 02248-050
E-mail: gabrielrodriguezbrito@gmail.com

Artigo recebido: 16/2/2018
Aprovado: 24/2/2018

 

 

 Trabalho realizado na Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil.

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