Servicios Personalizados
Revista
Articulo
Indicadores
Compartir
Revista Psicopedagogia
versión impresa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.39 no.118 São Paulo ene./abr. 2022
https://doi.org/10.51207/2179-4057.20220003
ARTIGO ORIGINAL
Diferença no desempenho receptivo-expressivo em crianças bilíngues e fatores relacionados
Difference in receptive-expressive performance in bilingual children and related factors
Juliana Belomo CorreiaI; Aline BarbamII; Alessandra Gotuzo SeabraIII
IGraduação em Psicologia - Universidade Presbiteriana Mackenzie; Especialização em Neuropsicologia - Centro de Diagnóstico Neuropsicológico, São Paulo, SP, Brasil
IIGraduação em Pedagogia - Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM); Pós-graduação em Psicopedagogia - UPM; Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento - UPM; Membro do grupo de pesquisa em Neuropsicologia Infantil - UPM, São Paulo, SP, Brasil
IIIGraduação em Psicologia - Universidade de São Paulo (USP); Mestrado, doutorado e pós-doutorado em Psicologia (Psicologia Experimental) - USP; Professora do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil
RESUMO
O estudo investigou a diferença entre vocabulário receptivo e expressivo em crianças alunas de escolas bilíngues com a intenção de verificar se há uma lacuna entre os vocabulários e identificar aspectos relacionados a esse possível distanciamento. Participaram 42 crianças bilíngues, de 4 a 7 anos, falantes do português e expostas ao inglês em escolas bilíngues na cidade de São Paulo. A partir das análises realizadas, encontrou-se uma diferença entre vocabulários receptivo e expressivo em crianças bilíngues em ambas as línguas. Adicionalmente, observou-se que a diferença entre vocabulários no inglês variou de acordo com algumas características da exposição à língua. Assim, crianças cujas mães falavam duas línguas apresentaram menor diferença entre vocabulários receptivo e expressivo. Já crianças que frequentam escola bilíngue há mais tempo, que são expostas ao inglês em diferentes contextos no dia a dia e que viajam ao exterior com mais frequência apresentaram maior diferença entre vocabulários, com maior desenvolvimento do receptivo. Sugere-se que o aumento da lacuna com esse tipo de exposição à segunda língua deve-se ao fato de que tais crianças adquirem um maior vocabulário em inglês, porém têm maior estimulação do vocabulário receptivo do que do expressivo, isto é, nesses diferentes ambientes são mais estimuladas a escutar o idioma do que a falar. Por esse motivo, estratégias e intervenções podem ser pensadas e desenvolvidas, especialmente em escolas bilíngues, para facilitar o desenvolvimento da linguagem das crianças bilíngues e promover estimulação não apenas do vocabulário receptivo, mas também do expressivo.
Unitermos: Bilinguismo. Vocabulário. Escolar.
SUMMARY
The study investigates the difference between receptive and expressive vocabulary in children at bilingual schools with the intention of verifying if there is a gap between the two vocabularies and to identify aspects related to this possible distance. 42 bilingual children, aged 4 to 7 years, who speak Portuguese and are exposed to English in bilingual schools in São Paulo have participated in this study. According to the analyzes, a difference was found between receptive and expressive vocabularies in bilingual children in both languages and it was noticed that the difference between vocabularies in English varied according to some characteristics of exposure to the language. Thus, children whose mothers spoke two languages showed less difference between receptive and expressive vocabularies. Children who have been attending bilingual schools for a longer time, who are exposed to English in different contexts daily and who travel abroad more frequently also showed a greater difference between vocabularies, with the receptive vocabulary more developed. It is suggested that the growth of the gap with this kind of increased exposure to the second language is due to the fact those children acquire more vocabulary in English, but have a greater input of receptive vocabulary than expressive vocabulary, which means that in different environments they are more nurtured to listen than to speak. For this reason, strategies and interventions can be developed, especially in bilingual schools, to help the language development of bilingual children and promote stimulation not only of the receptive, but also the expressive vocabulary.
Keywords: Bilingualism. Vocabulary. Schoolchildren.
INTRODUÇÃO
As discussões sobre o bilinguismo no Brasil vêm crescendo nos últimos tempos e, juntamente, o número de escolas bilíngues nos país. Os pais veem nas escolas bilíngues um espaço que fornece educação de qualidade e ensino de um segundo idioma para seus filhos1, mas, ao mesmo tempo, questionam-se sobre os benefícios do bilinguismo precoce e como apoiar mais adequadamente a aquisição da linguagem nas crianças.
Há evidências, até o momento, de que existe uma vantagem em indivíduos bilíngues em comparação aos monolíngues quando se avaliam as funções executivas, habilidades cognitivas envolvidas no planejamento, na iniciação, no seguimento e no monitoramento de comportamentos complexos2, como atenção3, controle inibitório4, memória de trabalho5, percepção fonoarticulatória6 e flexibilidade cognitiva7. Conforme essas evidências, possivelmente tais habilidades estão mais desenvolvidas já que o sujeito bilíngue, ao selecionar uma língua, necessita de um maior mecanismo de controle atencional e seleção de linguagem, o que acaba fomentando o processo cognitivo e possibilitando um melhor desempenho na seleção de informações que competem entre si.
Porém, por outro lado, os estudos sugerem que, ao aprender um segundo idioma, as crianças bilíngues tendem a apresentar menor vocabulário em ambas as línguas em comparação aos monolíngues8. De fato, isso foi observado em indivíduos bilíngues em pesquisa9 prévia, em que foi medido o vocabulário de crianças de 4 anos, descendentes de porto-riquenhos que vivem em Massachusetts ou na Pensilvânia, nos EUA. As crianças foram testadas tanto em inglês quanto em espanhol. Em média, as crianças porto-riquenhas monolíngues apresentaram maior nível de vocabulário do que as crianças porto-riquenhas bilíngues do continente norte-americano.
Outra pesquisa8 realizou uma análise de 1.738 crianças entre 3 e 10 anos, sendo 772 monolíngues de inglês e 966 bilíngues. A pontuação média padrão no Peabody Picture Vocabulary Test (PPVT), que mede quantas palavras a criança compreende, foi significativamente menor para bilíngues do que para monolíngues em cada faixa etária, o que indica que crianças bilíngues tendem a conhecer menos palavras em um de seus idiomas do que falantes monolíngues comparáveis desse idioma, por exemplo. Além disso, notou-se que a diferença de vocabulário estava restrita a palavras que fazem parte da vida doméstica, uma vez que o inglês não é usado com frequência, tanto em lares bilíngues quanto em monolíngues. Tal fato é relevante, pois diminui a possível influência do menor vocabulário sobre o desempenho acadêmico.
Essa aparente desvantagem de bilíngues pode ser explicada pela Hipótese dos Elos Mais Fracos (Weaker links hypothesis), a qual sugere que, nos indivíduos bilíngues, há conexões mais fracas entre as palavras (representação fonológica) e conceitos (representação semântica) em ambos os idiomas10. Isso acontece porque, como os bilíngues conhecem dois idiomas, mas só podem falar um idioma por vez, eles falam cada um com menos frequência do que os monolíngues. Sendo assim, os bilíngues usam palavras em cada idioma com menos frequência do que os monolíngues e as representações lexicais em ambos os idiomas acabam sendo menos praticadas em relação aos monolíngues10.
Apesar desses resultados revelando diferenças entre crianças monolíngues e bilíngues, nas pesquisas sobre vocabulário é relevante separar o quanto a criança entende e o quanto ela expressa. Assim, entende-se por vocabulário receptivo as palavras que um indivíduo consegue compreender, enquanto o vocabulário expressivo corresponde às palavras que o indivíduo é capaz de pronunciar11.
Primeiramente, a criança desenvolve a compreensão das palavras, habilidade que já pode ser observada desde o primeiro ano de vida da criança e, nos anos seguintes, desenvolve a habilidade de expressão12. O desenvolvimento do vocabulário receptivo é a base para o desenvolvimento de vocabulário expressivo, isto é, a compreensão de palavras usualmente antecede sua produção12.
Sendo assim, pode-se afirmar que ambos os vocabulários são fortemente ligados, mas dissociáveis. Isso acontece porque a compreensão da linguagem começa com uma entrada fonética (input), a qual ativa um conceito, enquanto a produção da linguagem inicia com o conceito e posteriormente produz uma saída fonética (output)13. Essa diferença no processamento da linguagem é a base para as diferenças de desempenho nas tarefas expressivas e receptivas. A lacuna entre vocabulários receptivo e expressivo, já bem documentada em monolíngues, parece ser ainda maior em indivíduos bilíngues13.
Por exemplo, o estudo realizado por Gibson et al.14 demonstrou a existência de uma lacuna receptiva-expressiva no vocabulário da segunda língua, porém não encontrou esse resultado na primeira língua das crianças. Conforme os autores, essa diferença é esperada nos escores receptivo-expressivos em crianças com contato maior em inglês e pode ser explicada considerando que as representações fonológicas em bilíngues são mais fracas do que em monolíngues por serem expostos a dois idiomas de forma dividida. No entanto, em um estudo feito posteriormente, Gibson et al.13 encontraram uma lacuna entre o vocabulário receptivo e expressivo maior na primeira língua do que na segunda, o que revela necessidade de mais estudos e de aprofundamento da questão.
Desta maneira, é importante analisar os fatores possivelmente relacionados às diferenças entre os vocabulários. De acordo com a literatura, um possível motivo para a existência desse distanciamento do desempenho em vocabulários expressivo e receptivo em indivíduos bilíngues se deve à inibição ou supressão da ativação do primeiro idioma ao usar o segundo14,15.
De acordo com Modelo de Controle Inibitório de Green16, ambas as línguas permanecem ativas na mente de um bilíngue, mesmo quando apenas uma está sendo utilizada em determinado contexto. Quando um conceito surge, o campo léxico-semântico compartilhado é ativado e palavras de ambos os idiomas competem pela seleção. No entanto, um mecanismo top-down suprime a ativação de palavras do idioma que não é alvo, permitindo a seleção da palavra do idioma de destino. Em suma, as palavras são ativadas primeiro em ambos os idiomas e, depois, as impróprias são suprimidas em determinada situação, isto é, o primeiro idioma é suprimido para dar espaço para o indivíduo aprender o segundo idioma.
Acredita-se, então, que esse mecanismo de supressão poderia diminuir com o passar do tempo, considerando que, com o aumento da segunda língua, o falante tem menos necessidade de bloquear interferências da primeira língua ou mais capacidade de aumentar rapidamente o nível de ativação de qualquer idioma. Assim, no início do aprendizado do segundo idioma, a lacuna receptiva-expressiva poderia ser mais nítida, pois é quando a pessoa precisa, mais fortemente, ignorar o primeiro idioma14.
Há evidências, ainda, de que variáveis como idade, educação materna e sexo podem desempenhar um papel importante na aquisição da linguagem e, eventualmente, na lacuna receptiva-expressiva14. Assim, algumas variáveis relacionam-se a maior vocabulário tanto receptivo quanto expressivo, tais como escolaridade materna17 e ser do sexo feminimo18. Porém, Gibson et al.14 sugerem que uma variabilidade nos escores receptivo-expressivos das crianças bilíngues é esperada, especialmente durante a exposição precoce a um segundo idioma. Ou seja, quanto mais nova a criança é exposta a um segundo idioma, mais provável será de haver uma lacuna receptiva-expressiva.
Porém, ainda há poucos estudos realizados para investigar a lacuna receptiva-expressiva em alunos estudantes de escolas bilíngues e não há referenciais com amostras brasileiras. Sendo assim, é de extrema importância que mais estudos sejam feitos para uma melhor compreensão dos possíveis benefícios e desafios que a aprendizagem de uma segunda língua pode trazer e pensar em estratégias para que o bilinguismo favoreça o desenvolvimento da linguagem das crianças.
Portanto, no presente estudo investigou-se a diferença entre vocabulário expressivo e receptivo no desempenho de crianças bilíngues, considerando bilíngue o falante e ouvinte de mais de uma língua de forma integrada19, que têm como primeira língua (L1) o português e como segunda língua (L2) o inglês, e foram analisadas características que possam se relacionar com essa lacuna.
MÉTODO
Participantes
Participaram 70 crianças de 4 a 7 anos, bilíngues falantes do português e expostos ao inglês em duas escolas bilíngues na cidade de São Paulo. Como critérios de inclusão, os participantes assentiram em participar da pesquisa e tiveram o consentimento dos responsáveis. Adicionalmente, deveriam ser exclusivamente indivíduos bilíngues português-inglês, atendendo os seguintes critérios simultaneamente: a) no questionário para pais, devia constar que a criança era bilíngue e tinha contato com inglês há pelo menos 6 meses; b) no Teste Infantil de Nomeação (descrito nos Instrumentos), devia ter pontuação-padrão em inglês e em português no mínimo de 78 pontos, que corresponde a 1,5 desvio-padrão em relação à média, usando a tabela normativa de português; ou seja, ter um nível mínimo de proficiência em ambos os idiomas.
Foi usado como critério de exclusão a presença de transtornos do neurodesenvolvimento conhecidos, conforme registros escolares e relato dos responsáveis, porém nenhum aluno foi excluído por esse motivo.
Instrumentos
Foram empregados questionários aos pais e professores da escola para avaliar a proficiência tanto em português como em inglês dos participantes. Para os responsáveis, foi usado o Questionário para grupo de contexto escolar bilíngue inglês/português (criado pelas autoras do estudo), o qual contém perguntas sobre aspectos importantes da criança e do desenvolvimento da segunda língua, assim como uso e familiaridade com o idioma no dia a dia, nacionalidade dos pais e da criança, tempo em que a criança está matriculada em uma escola bilíngue, qual é a língua falada em casa e outras informações relacionadas à familiaridade da criança com a segunda língua, que no caso era o inglês.
Para os professores, foi empregado o Questionário de Linguagem para Professores de Língua Inglesa e Questionário de Linguagem para Professores de Língua Portuguesa (criado pelas autoras do projeto). Ambos são compostos de duas seções (Linguagem Receptiva e Linguagem Expressiva), contendo cada questionário seis questões, na qual o professor devia assinalar a frequência com que o aluno usava a linguagem em situações do cotidiano escolar.
Com o objetivo de avaliar o vocabulário receptivo, foi utilizado o Teste de Vocabulário por Imagens Peabody (TVIP)20, que avalia o desenvolvimento lexical no domínio receptivo de crianças entre dois anos e seis meses até 18 anos de idade. O teste contém 130 pranchas com quatro desenhos cada, organizadas em grau crescente de dificuldade. O examinador fala uma palavra e o examinando deve apontar a figura que representa a palavra falada. Ao final, o examinando recebe um escore e uma classificação do desempenho de acordo com a faixa etária comparada à população de padronização. O instrumento foi aplicado tanto em português como em inglês, como descrito no Procedimento.
Já para avaliar o vocabulário expressivo, foi aplicado o Teste Infantil de Nomeação (TIN)21, o qual consiste em 60 itens com desenhos com diferentes graus de familiaridade, que representam objetos, animais e pessoas. O sujeito deve dizer os nomes das figuras apresentadas pelo examinador e o aplicador, ao ouvir a resposta da criança, anota na folha de respostas para posterior correção.
Procedimento
O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade em que foi desenvolvido.
Inicialmente, os diretores das escolas participantes foram contatados e, após seus consentimentos e assinaturas do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), foi encaminhado aos pais/responsáveis e os professores o TCLE para participação das crianças. Além disso, as crianças também foram convidadas a colaborar no estudo por meio do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE).
Durante a coleta de dados, as crianças participantes foram avaliadas individualmente em uma sala silenciosa disponibilizada pela escola. Ao final de cada tarefa, foi disponibilizado um adesivo para cada criança como forma de agradecimento. É importante ressaltar que apenas um teste foi aplicado por dia para cada criança, com um total de quatro sessões por criança.
Na primeira sessão, foi apresentado o TALE e, para as crianças que confirmaram o assentimento, foi aplicado o Teste de Nomeação (versão reduzida) - TIN - em português. Na sessão seguinte, foi aplicado o TIN - versão em inglês. Nas últimas duas sessões, o TVIP - versão em inglês e TVIP - versão em português. Sempre foi respeitado um intervalo médio de 7 dias entre a aplicação dos instrumentos. Essa ordem foi mantida constante, pois a língua portuguesa era a língua materna de todas as crianças participantes.
Além dos testes, foram aplicados os questionários de linguagem para os professores responsáveis, respondendo às perguntas relacionadas à língua que utiliza em aula. Aos pais, foi solicitado que respondessem aos questionários para grupo de contexto escolar bilíngue inglês/português em casa. Isso permitiu avaliar a proficiência de português e inglês para a verificação das influências no distanciamento de vocabulário receptivo e expressivo. Os dados finais foram disponibilizados aos pais em forma de relatório individual e, à escola, na forma de um relatório global.
Análise de Dados
Após a coleta de dados, os testes e os questionários foram corrigidos e tabulados, sendo os escores brutos convertidos para pontuações-padrão, conforme as normas de cada instrumento. Em seguida, foi calculada a diferença entre os vocabulários, ou seja, os escores no TVIP subtraindo os escores no TIN, de forma a gerar um escore que correspondia à vantagem do vocabulário em português em relação ao vocabulário em inglês.
Em seguida, foram conduzidas estatísticas descritivas dos desempenhos no TIN, no TVIP e na diferença (TVIP - TIN). A primeira análise objetivou comparar as pontuações-padrão das crianças bilíngues às pontuações referenciadas pela norma de crianças monolíngues.
Posteriormente, foram conduzidas correlações parciais de Pearson, para analisar a relação entre os resultados em um mesmo instrumento de avaliação nas duas línguas (ou seja, TVIP português e TVIP inglês; TIN português e TIN inglês), bem como para verificar analisar a relação entre os diferentes instrumentos na mesma língua (ou seja, TVIP português e TIN português; TVIP inglês e TIN inglês).
Tais correlações foram parciais, com controle de idade, visto que foram avaliadas crianças de diferentes idades e, caso não houvesse o controle de idade, poderia haver uma aparente correlação que seria, na verdade, fruto do aumento dos desempenhos com a idade. As correlações encontradas foram classificadas conforme Bisquerra et al.22, como: Muito alta (0,80 < r < 1); alta (0,60 < 1 < 0,80); moderada (0,40 < r < 0,60); baixa (0,20 < r < 0,40) e muito baixa (0 < r < 0,20).
Em seguida, uma terceira análise verificou se havia diferenças entre meninos e meninas, em TVIP e TIN nas duas línguas, por meio de comparação de médias com o Teste t de Student.
Por último, a quarta análise avaliou se a diferença entre os vocabulários (ou seja, receptivo menos expressivo), que mapeia um distanciamento entre a linguagem receptiva e expressiva em português e em inglês, relacionava-se a características sociodemográficas das crianças, conforme questionários respondidos pelos pais.
Para tanto, foram conduzidas análises não paramétricas de comparação de médias, por meio do Teste U de Mann-Whitney, sobre a medida de diferença (escores no TVIP menos no TIN, que mapeia um distanciamento entre a linguagem receptiva e expressiva) em função de fatores presentes nos questionários dos pais, tais como sexo, idade de aquisição do inglês, número de línguas faladas pela mãe, número de línguas faladas pelo pai, anos na escola bilíngue, exposição com o inglês em diferentes contextos e viagem para o exterior como variáveis preditoras para prever a existência do distanciamento entre linguagem expressiva e receptiva em português e inglês.
Essas variáveis foram escolhidas dado que mostraram influência no desenvolvimento de uma segunda língua14,23. Como a medida dependente usada foi a diferença entre as pontuações, optou-se pela análise não paramétrica nesse caso. Assim, foi possível verificar se a possível discrepância entre os dois tipos de vocabulário estava ligada a tais fatores ambientais.
RESULTADOS
A Tabela 1 sumariza as estatísticas descritivas para os escores brutos e ponderados no Teste Infantil de Nomeação (TIN) e no Teste de Vocabulário por Imagens Peabody (TVIP), bem como para a medida de diferença (TVIP menos TIN), em português e em inglês.
Conforme a Tabela 1, as crianças tiveram maiores escores nos testes em português do que em inglês, o que é esperado, visto que português era a sua língua materna. Para possibilitar a comparação entre os testes e a lacuna entre vocabulários receptivo e expressivo, deve-se analisar os escores em termos de pontuação-padrão, cuja média é de 100 pontos, com desvio-padrão de 15.
Comparando tais pontuações-padrão, as crianças bilíngues tiveram uma diferença de -12,8 entre receptivo e expressivo. Ou seja, em comparação às crianças monolíngues, a partir de quem foi feita a normatização do teste, tais crianças bilíngues parecem ter, em português, um vocabulário expressivo relativamente maior do que o vocabulário receptivo. Já no inglês, as crianças bilíngues tiveram um melhor desempenho no vocabulário receptivo do que no expressivo (6,3 pontos).
Na segunda análise, foram conduzidas análises de correlações parciais de Pearson, com controle de idade, entre os resultados nos testes (Tabela 2). Inicialmente, foram correlacionados os escores em um mesmo instrumento de avaliação nas duas línguas (ou seja, TVIP português e TVIP inglês; TIN português e TIN inglês). Para tanto, foram usadas as pontuações brutas nos testes.
Para os resultados no TVIP, observou-se correlação positiva significativa, de magnitude alta (r=0,611; p<0,001), ou seja, há uma tendência de que as crianças que apresentam maiores pontuações brutas no vocabulário receptivo em português também apresentam maiores pontuações brutas no vocabulário receptivo em inglês.
Para os resultados no TIN, foi observada uma correlação positiva significativa, de magnitude baixa (r=0,273; p<0,05), indicando que as crianças que apresentam maiores pontuações brutas no vocabulário expressivo em português também costumam apresentar maiores pontuações brutas no vocabulário expressivo em inglês, porém essa relação é mais fraca do que no vocabulário receptivo. Ou seja, as relações entre as duas línguas foram maiores para vocabulário receptivo do que expressivo.
Em seguida, análises de correlações parciais de Pearson também foram feitas com controle de idade, entre os diferentes instrumentos na mesma língua (ou seja, TVIP português e TIN português; TVIP inglês e TIN inglês), conforme a Tabela 2. Resultados entre TVIP e TIN em português revelaram correlação positiva significativa, de magnitude baixa (r=0,380; p<0,05). Isso significa que há uma tendência de que as crianças que apresentam maiores pontuações brutas no vocabulário receptivo em português também apresentem maiores pontuações brutas no vocabulário expressivo da mesma língua.
Em comparação aos resultados do TVIP e TIN em inglês, observou-se correlação positiva significativa, de magnitude moderada (r=0,421; p<0,001), indicando uma tendência de que os participantes que apresentam maiores pontuações brutas no vocabulário receptivo em inglês também apresentem maiores pontuações brutas no vocabulário expressivo do mesmo idioma.
Para verificar possíveis diferenças entre meninos e meninas, foram conduzidas análises de Teste t de Student, comparando os resultados nas diferentes medidas do TIN e do TVIP em função do sexo (Tabela 3). Porém, não houve efeito significativo de sexo para nenhuma das medidas, ou seja, meninos e meninas tiveram desempenhos estatisticamente equivalentes entre si.
Em seguida, foram conduzidas análises não paramétricas de comparação de grupos, por meio do Teste U de Mann-Whitney, sobre a medida de diferença (escores no TVIP menos no TIN, que mapeia um distanciamento entre a linguagem receptiva e expressiva), em termos de escores brutos, em função de fatores presentes nos questionários dos pais, tais como sexo, número de línguas faladas pela mãe, número de línguas faladas pelo pai, anos na escola bilíngue, exposição com o inglês em diferentes contextos e viagem para o exterior. Assim, foi possível verificar se a possível discrepância entre os dois tipos de vocabulário estava ligada a tais fatores ambientais.
Análises foram conduzidas em relação há quantos anos a criança estuda em uma escola bilíngue. O Teste U de Mann-Whitney foi usado para verificar se os anos na escola bilíngue (crianças que estudavam há apenas 1 ano na escola bilíngue x crianças que estudavam há 4 anos ou mais na escola bilíngue) se relacionou à medida de diferença de vocabulário em inglês (ou seja, TVIP em inglês menos TIN em inglês). Tal análise revelou efeitos significativos, com U=7,83 e p=0,049, o que indica que as crianças com mais tempo estudando na escola bilíngue tiveram maior diferença entre vocabulário receptivo e expressivo na segunda língua.
O Teste U de Mann-Whitney analisou se o número de línguas faladas pela mãe (participantes divididos em dois grupos: mães que falavam apenas português x mães que falavam mais de uma língua) e a medida de diferença de vocabulário em inglês, e revelou efeitos significativos, com U=70,50 e p=0,015. No grupo de crianças cujas mães falam mais de uma língua, a diferença tendeu a ser menor (posto médio = 12,83) do que no grupo de crianças cujas mães falam apenas uma língua (posto médio = 23,86). O mesmo foi feito com o número de línguas faladas pelo pai (divididos em dois grupos: pais que falavam apenas português x pais que falavam mais de uma língua) e a medida de diferença de vocabulário em inglês. Porém, não houve efeitos significativos (p=0,56).
Em seguida, foi analisado, por meio do Teste U de Mann-Whitney, se o contato com o inglês além do contexto escolar (divididos em dois grupos: crianças sem contato com o inglês em outros contextos x crianças com contato com o inglês em outros contextos) se relacionou à medida de diferença de vocabulário em inglês. Houve efeitos significativos, com U=274,50 e p=0,030. No grupo de crianças que tinham outro contato com o inglês, a diferença tendeu a ser maior (posto médio = 25,15) do que no grupo de crianças que não tinham contato com o inglês fora da escola (posto médio = 17,07).
Para finalizar, foram rodadas análises com o Teste U de Mann-Whitney para saber se viagens ao exterior (divididos em dois grupos: crianças que nunca viajaram para o exterior x crianças que viajaram para o exterior) se relacionou à medida de diferença de vocabulário em inglês (ou seja, TVIP em inglês menos TIN em inglês). Tal análise revelou efeitos significativos (p=0,038). Observou-se que, no grupo de crianças que já viajaram para o exterior, a diferença no desempenho em inglês tendeu a ser maior (posto médio = 23,24) do que no grupo de crianças que nunca viajaram para o exterior (posto médio = 12,79).
DISCUSSÃO
Esse estudo investigou a diferença entre os vocabulários expressivo e receptivo no desempenho de crianças alunas de escolas bilíngues e analisou as características relacionadas a essa lacuna. Investigou-se se havia diferença entre os dois tipos de vocabulário, com maior desenvolvimento do receptivo, e se essa diferença era mais evidente na língua materna ou na segunda língua. Esperava-se que o aumento da exposição à segunda língua estaria relacionado ao aumento do vocabulário em inglês e diminuiria a lacuna entre vocabulário receptivo e expressivo, como visto no estudo de Gibson et al.13.
Inicialmente, conforme o esperado, no presente estudo observou-se que há uma diferença entre vocabulário receptivo e expressivo em ambos os idiomas. Porém, em português, em termos de pontuação-padrão, as crianças bilíngues parecem ter um vocabulário expressivo relativamente maior do que o vocabulário receptivo (-12,84) em comparação às crianças monolíngues, usadas para a normatização do teste. Já no inglês, as crianças bilíngues tiveram melhor desempenho no vocabulário receptivo do que no expressivo (6,35).
Porém, visto que no presente estudo usamos testes com escalas diferentes para inglês e português, deve-se ter cautela na comparação direta entre os dois vocabulários. Os resultados encontrados nessa pesquisa devem ser compreendidos, também, à luz do que as crianças da pesquisa são falantes de português e frequentam uma escola bilíngue como forma de aquisição da segunda língua. Considera-se, então, que, por ainda estarem no início da aprendizagem e não estarem em um contexto totalmente bilíngue em seu dia a dia, a entrada do inglês (input) é consideravelmente maior do que a saída (output) nas crianças da amostra.
Na maioria das pesquisas da literatura9,14, os indivíduos testados são bilíngues residentes de um país em que a segunda língua é a mais falada nos diferentes contextos, mas difere do idioma falado pelos pais, fato este que pode influenciar na qualidade e na quantidade da exposição do inglês e, consequentemente, fornecer resultados diferentes.
Após a verificação de uma diferença relativa entre vocabulário receptivo e expressivo em inglês e seguindo a hipótese de que as crianças bilíngues do Brasil estão mais expostas e suscetíveis a receber informações em inglês do que a expressá-las, procurou-se verificar se havia diferenças entre meninos e meninas, e quais variáveis e relacionavam à diferença entre os vocabulários.
Em relação ao sexo, alguns estudos18,24 mostraram que as meninas apresentam uma vantagem sobre os meninos na aprendizagem de vocabulário. No entanto, de acordo com os resultados aqui obtidos, não foi encontrada diferença significativa de vocabulários entre as meninas e os meninos avaliados em nenhum dos dois idiomas, tanto em termos de escores brutos em cada teste, escores padronizados ou em termos de diferenças entre os vocabulários receptivo e expressivo, o que indica que o sexo não teve relação com tais medidas de vocabulário.
Foram analisadas, em seguida, as variáveis quantidade de anos na escola bilíngue, número de línguas faladas pela mãe, número de línguas faladas pelo pai, exposição com o inglês em diferentes contextos e viagem para o exterior. Tal análise foi conduzida pois, de acordo com Pearson et al.25, para que as crianças aprendam dois idiomas, elas devem ser expostas a ambas as línguas de forma direta. Para isso, fatores ambientais desempenham um papel essencial para o aprendizado de uma segunda língua. Os resultados serão discutidos a seguir.
A variável analisada número de anos na escola bilíngue é relevante, pois a presença e participação da criança na escola, assim como a quantidade e a qualidade das informações recebidas, influenciam o desenvolvimento da linguagem das crianças. Além disso, uma boa qualidade de interação na pré-escola prediz uma melhora no vocabulário receptivo das crianças e diversas oportunidades de interação com vários falantes diferentes têm sido associadas à aprendizagem de vocabulário em crianças bilíngues26.
Em escolas bilíngues, a criança tem a oportunidade de interagir com os adultos e com os seus colegas de classe, transformando tais escolas em um ambiente rico para o desenvolvimento de uma segunda língua. Hammer et al.27 observaram que, após a entrada no sistema escolar de língua inglesa de crianças falantes de espanhol e inglês, as pontuações-padrão do vocabulário receptivo em inglês melhoraram, apesar das pontuações em espanhol terem permanecido as mesmas ou diminuírem.
No presente estudo, ao comparar o vocabulário em crianças com um e com quatro anos na escola bilíngue, verificou-se um aumento na diferença de vocabulário receptivo e expressivo em inglês proporcional ao número de anos. Isto sugere que, quanto mais tempo a criança estiver inserida em uma escola de sistema bilíngue, maior será a diferença entre vocabulário na língua inglesa, com maior desenvolvimento relativo do vocabulário receptivo.
Ou seja, pode-se inferir que a escola influencia positivamente o desenvolvimento do segundo idioma; no entanto, o vocabulário receptivo parece estar sendo mais estimulado que o expressivo. Isso pode ser dar ao fato de que nas escolas participantes da pesquisa, os profissionais, principalmente professores e auxiliares de classe, se comunicam com as crianças utilizando o inglês 100% do tempo e as crianças compreendem os comandos, as instruções e até as correções. Porém, para responder, as crianças podem utilizar tanto o português quanto o inglês, dependendo da complexidade do diálogo. Assim, é possível que o vocabulário receptivo esteja sendo mais estimulado que o expressivo.
Em termos de número de línguas faladas pelos pais, muitos estudos sobre o desenvolvimento bilíngue de crianças indicam que a quantidade relativa de discurso dirigida às crianças é um forte indicador do desenvolvimento de habilidades das crianças nos dois idiomas28. Além disso, sabe-se que mães e pais influenciam as habilidades linguísticas de seus filhos bilíngues de maneira diferente25.
De acordo com pesquisas já publicadas, há uma grande influência da escolaridade da mãe26,29 e do quanto ela fala com os seus filhos com a variação no tamanho do vocabulário dessas crianças24. De fato, conforme os resultados encontrados na pesquisa atual em relação ao número de línguas faladas pela mãe, observamos que crianças que têm mães que falam mais de uma língua em casa apresentaram uma diferença de vocabulário menor comparado a crianças em que a mãe fala apenas português.
Segundo Hoff & Chunyan26, frequentemente as mães provocam conversas com seus filhos para engajá-los, o que influencia positivamente o desenvolvimento gramatical das crianças. Sendo assim, é possível supor que, quanto maior a estimulação materna, menor será a lacuna receptiva-expressiva, considerando que esse estímulo se dá de forma direta e requer da criança tanto a prática do vocabulário receptivo quanto do expressivo. Isso significa que a estimulação da mãe promove um desenvolvimento global do vocabulário ao ter uma interação bilateral, fazendo com que a criança não apenas compreenda o que foi falado, mas também interaja verbalmente utilizando a segunda língua.
Esse resultado não foi o mesmo encontrado ao comparar a diferença de vocabulário nas crianças com o número de línguas faladas pelo pai. Há poucas pesquisas comparando as contribuições de linguagem de mães e pais em seus filhos, já que muitas concentram-se apenas na contribuição das mães. No entanto, alguns estudos30-32 mostram que os pais conversam menos com os filhos do que as mães e que, quando pais e mães estão interagindo juntamente com os filhos, há uma tendência maior das mães falarem um número maior de palavra em comparação aos pais30.
Portanto, é possível hipotetizar que a inexistência de uma diferença significativa de vocabulário nas crianças em comparação ao número de línguas faladas pelo pai pode se dar pela menor interação que costuma acontecer entre pai-filho do que mãe-filho. Intervenções devem ser feitas no ambiente domiciliar para promover uma melhora no desenvolvimento da linguagem das crianças, transformando as crianças de ouvintes passivos a participantes ativos em uma interação adulto-criança33.
Outra variável analisada foi a exposição ao inglês em diferentes contextos. Mídias como televisão e videogames estão presentes na maioria das casas hoje em dia e geram grande interesse e motivação nas crianças. Portanto, tornam-se uma alternativa para promover o desenvolvimento de uma segunda língua, principalmente em casas em que os pais não têm a proficiência em inglês34.
Assistir a filmes ou desenhos pode, então, ser considerada uma atividade que favorece o desenvolvimento da linguagem. Em uma pesquisa de Uchikoshi23 foi encontrado que crianças que viram filmes previamente indicados em casa tiveram trajetórias de crescimento no vocabulário mais acentuadas do que aquelas que não assistiram. Similarmente, Koolstra & Beentjes35 observaram que programas de televisão legendados favorecem a aquisição de vocabulário e o reconhecimento de palavras em inglês. No entanto, quando as pessoas assistem a um vídeo com legendas, é adquirido principalmente o vocabulário receptivo e os recursos expressivos podem não ser tão fomentados36. Estudos também apontam que videogames em inglês facilitam a aquisição do idioma e podem melhorar as habilidades de escuta, leitura e vocabulário, no entanto, não há muitos recursos que estimulam a fala direta37.
Além de interação com televisão e videogame, sabe-se que a leitura de livros com as crianças também pode favorecer o desenvolvimento da linguagem. Livros podem frequentemente apresentar palavras novas em inglês, não tão comuns às crianças, em um contexto rico que pode ajudá-las a compreender o significado elaborado dessas palavras e fazer com que elas consigam abstrair ideias das histórias contadas34,38. Porém, novamente, a estimulação parece ser mais receptiva do que expressiva.
Na atual pesquisa foi perguntado no questionário aos pais a frequência do uso do inglês em diferentes atividades fora da escola, como no uso de Internet, jogos, televisão, cinema, música, livros, revistas e outros. As respostas foram comparadas entre um grupo de crianças que tinham uma baixa frequência nessas atividades de lazer utilizando a segunda língua, com um grupo que apresentou uma frequência maior nas mesmas atividades. Como resultado, pode-se observar que as crianças com maior frequência dessas atividades que utilizam o inglês apresentam uma diferença entre vocabulários maior, sendo o vocabulário receptivo maior que o expressivo.
É possível que, quanto maior a exposição ao inglês em atividades de lazer, como assistir televisão, ler livros e jogar jogos de videogame, maior a estimulação sobre o vocabulário receptivo da criança, considerando que ela terá uma maior entrada fonética (input) do que saída (output) e, consequentemente, a diferença entre vocabulário receptivo e expressivo será maior.
Finalmente, foi analisada a relação da variável de realização de viagem ao exterior com a diferença entre os vocabulários expressivo e receptivo. A partir das análises realizadas, notou-se maior diferença entre os vocabulários nas crianças que já viajaram para outros países. Ainda não há na literatura pesquisas que expliquem o aumento da lacuna receptiva-expressiva em indivíduos que viajam para fora do país. Porém, é possível que tais viagens, assim como a experiência com lazer fora do contexto escolar, estejam promovendo mais especificamente o vocabulário receptivo, em vez do expressivo.
De fato, ao viajar para outros países, as crianças têm um contato maior com diferentes pessoas e culturas, o que é relevante para a aprendizagem da segunda língua39. Logo, essa estimulação cultural pode se relacionar a um melhor desenvolvimento da linguagem e um aumento do vocabulário. Mas tal aumento parece ser mais especificamente do vocabulário receptivo, dado o tipo de intervenção que a criança recebe, com mais exposição ao idioma falado e maior necessidade de compreensão do que de expressão.
Ao finalizar, cabe destacar que o presente estudo teve limitações, especialmente o número limitado de participantes e o fato de as crianças terem acesso ao inglês em escolas bilíngues, em vez de serem de famílias efetivamente bilingues. Estudos futuros devem buscar superar tais limitações. Recomenda-se, especialmente, a condução de estudos longitudinais, com amostras maiores e mais diversificadas, que avaliem se a lacuna receptiva-expressiva em ambas as línguas diminui ou aumenta ao longo dos anos e com os diversos tipos de exposição ao inglês, o que possibilitará uma visão mais abrangente e com mais variáveis contextuais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O bilinguismo é um fenômeno majoritariamente positivo, apesar de apresentar alguns aspectos negativos. Considerando que cada vez mais aumenta o número de escolas bilíngues no Brasil e o desejo dos pais de terem filhos que falam duas línguas, é de suma importância a necessidade de mais pesquisas sobre o desenvolvimento das habilidades no vocabulário da segunda língua, e refletir sobre quais atividades escolares e domésticas são as que mais contribuem para o crescimento do vocabulário em inglês, sem haver um prejuízo na língua materna.
No presente estudo foi encontrada uma diferença entre vocabulário expressivo e receptivo em crianças bilíngues em ambas as línguas e percebeu-se que a diferença entre vocabulários no inglês variou dependendo da exposição à língua. Por um lado, as crianças que tinham mães falantes de duas línguas tiveram menor diferença entre os vocabulários, possivelmente pelo aumento do vocabulário expressivo. Por outro lado, as crianças com outras estimulações, como frequentar escola bilíngue há mais tempo, serem expostas ao inglês em diferentes contextos no dia a dia e viajarem ao exterior com mais frequência, apresentaram uma maior diferença entre vocabulários.
Acredita-se que essa maior lacuna com o aumento desse tipo de exposição à segunda língua deve-se ao fato de que crianças bilíngues adquirem um maior vocabulário em inglês, porém têm uma entrada de vocabulário maior do que uma saída, isto é, nos diferentes ambientes são mais estimuladas a escutar o idioma do que a falar. As crianças, então, observam e ouvem de forma ativa, aprendem o vocabulário receptivo, porém ainda estão desenvolvendo a produção da linguagem.
Por esse motivo, estratégias e intervenções devem ser pensadas e desenvolvidas, tanto no ambiente familiar como nas escolas, para facilitar o desenvolvimento da linguagem das crianças bilíngues e fomentar a estimulação tanto do vocabulário receptivo como do vocabulário expressivo, para que ambos os tipos de vocabulário sejam promovidos.
REFERÊNCIAS
1. Marcelino M. Bilinguismo no Brasil: significado e expectativas. Rev Interc. 2009;19:1-22 [acesso 2019 Nov 5]. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/intercambio/article/view/3487 [ Links ]
2. Limberger BK, Buchweitz A. Estudos sobre a relação entre bilinguismo e cognição: o controle inibitório e a memória de trabalho. Letrônica. 2012;5(3):67-87. [ Links ]
3. Raz A, Buhle J. Typologies of attentional networks. Nat Rev Neurosci. 2006;7(5):367-79. [ Links ]
4. Miyake A, Friedman NP, Emerson MJ, Witzki AH, Howerter A, Wager TD. The unity and diversity of executive functions and their contributions to complex "Frontal Lobe" tasks: a latent variable analysis. Cogn Psychol. 2000;41(1):49-100. [ Links ]
5. Baddeley AD, Hitch G. Working memory. Psychol Learn Motiv. 1974;8:47-89. [ Links ]
6. Sebastián-Gallés N, Albareda-Castellot B, Weikum WM, Werker JF. A bilingual advantage in visual language discrimination in infancy. Psychol Sci. 2012;23(9):994-9. [ Links ]
7. Estes KG, Hay JF. Flexibility in Bilingual Infants' Word Learning. Child Dev. 2015;86(5):1371-85. [ Links ]
8. Bialystok E, Luk G, Peets KF, Yang S. Receptive vocabulary differences in monolingual and bilingual children. Biling (Camb Engl). 2010;13(4):525-31. [ Links ]
9. Miccio AW, Tabors PO, Páez MM, Hammer CS, Wagstaff DA. Vocabulary development in Spanish-speaking head start children of Puerto Rican descent. In: ISB4: Proceedings of the 4th International Symposium on Bilingualism; 2003 Apr 30 - May 3; Arizona State University-Tempe Campus, Tempe, AZ, United States. Somerville: Cascadilla Press; 2005. p 1614-7 [acesso 2019 Out 19]. Disponível em: http://www.lingref.com/isb/4/127ISB4.PDF [ Links ]
10. Gollan TH, Montoya RI, Cera C, Sandoval TC. More use almost always a means a smaller frequency effect: Aging, bilingualism, and the weaker links hypothesis. J Mem Lang. 2008;58(3):787-814. [ Links ]
11. Ferracini F, Capovilla AGS, Dias NM, Capovilla FC. Avaliação de vocabulário expressivo e receptivo na educação infantil. Rev Psicopedag. 2006;23(71):124-33. [ Links ]
12. Capovilla FC, Prudencio ER. Teste de vocabulário auditivo por figuras: normatização e validação preliminares. Aval Psicol. 2006;5(2):189-203. [ Links ]
13. Gibson TA, Peña ED, Bedore LM. The relation between language experience and receptive-expressive semantic gaps in bilingual children. Int J Biling Educ Biling. 2014;17(1):90-110. [ Links ]
14. Gibson TA, Oller DK, Jarmulowicz L, Ethington CA. The receptive-expressive gap in the vocabulary of young second-language learners: Robustness and possible mechanisms. Biling (Camb Engl). 2012;15(1):102-16. [ Links ]
15. Linck JA, Kroll JF, Sunderman G. Losing access to the native language while immersed in a second language: evidence for the role of inhibition in second-language learning. Psychol Sci. 2009;20(12):1507-15. [ Links ]
16. Green DW. Mental control of the bilingual lexico-semantic system. Biling Lang Cogn. 2003;1(2):67-81. [ Links ]
17. Magnuson KA, Sexton HR, Davis-Kean PE, Huston AC. Increases in maternal education and young children's language skills. Merrill Palmer Q. 2009;55(3):319-50. [ Links ]
18. Eriksson M, Marschik PB, Tulviste T, Almgren M, Pérez Pereira M, Wehberg S, et al. Differences between girls and boys in emerging language skills: evidence from 10 language communities. Br J Dev Psychol. 2012;30(Pt 2): 326-43. [ Links ]
19. Grosjean F. Bilingual: Life and Reality. Cambridge: Harvard University Press; 2012. [ Links ]
20. Capovilla F, Capovilla A, Nunes L, Araújo I, Nunes D, Nogueira D, et al. Versão brasileira do teste de vocabulário por imagens Peabody: dados preliminares. Distúrb Comun. 1997;8(2):151-62. [ Links ]
21. Seabra AG, Trevisan, BT, Capovilla FC. Teste Infantil de Nomeação. In: Seabra AG, Dias NM, eds. Avaliação neuropsicológica cognitiva: Fundamentos teóricos e aplicação prática. São Paulo: Memnon; 2012. p. 54-86. [ Links ]
22. Bisquerra R, Sarriera JC, Martínez F. Introdução à estatística: enfoque informático com o pacote estatístico SPSS. Porto Alegre: Artes Médicas; 2004. [ Links ]
23. Uchikoshi Y. English vocabulary development in bilingual kindergarteners: What are the best predictors? Biling Lang Cogn. 2006;9(1):33-49. [ Links ]
24. Huttenlocher J, Haight W, Bryk A, Seltzer M, Lyons T. Early vocabulary growth: Relation to language input and gender. Dev Psychol. 1991;27(2):236-48. [ Links ]
25. Pearson BZ, Fernandez SC, Lewedeg V, Oller DK. The relation of input factors to lexical learning by bilingual infants. Appl Psycholinguist. 1997;18(1):41-58. [ Links ]
26. Hoff E, Chunyan T. Socioeconomic status and cultural influences on language. J Commun Disord. 2005; 38(4):271-8. [ Links ]
27. Hammer CS, Lawrence FR, Miccio AW. Exposure to English Before and After Entry into Head Start: Bilingual Children's Receptive Language Growth in Spanish and English. Int J Biling Educ Biling. 2008;11(1):30-56. [ Links ]
28. Hoff E, Rumiche RL. Studying Children in Bilingual Environments. In: Hojj E, ed. Research Methods in Child Language: A Practical Guide. Chichester: Wiley-Blackwell; 2012 [acesso 2020 Jan 15]. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/9781444344035.ch20 [ Links ]
29. Scarpino SE, Hammer CS, Goldstein B, Rodriguez BL, Lopez LM. Effects of Home Language, Oral Language Skills, and Cross-Linguistic Phonological Abilities on Whole-Word Proximity in Spanish-English-Speaking Children. Am J Speech Lang Pathol. 2019;28(1):174-87. [ Links ]
30. Shapiro NT, Hippe DS, Ramírez NF. How Chatty Are Daddies? An Exploratory Study of Infants' Language Environments. J Speech Lang Hear Res. 2021;64(8): 3242-52. [ Links ]
31. Rondal JA. Father's and mothers' speech in early language development. J Child Lang. 1980;7(2):353-69. [ Links ]
32. Davidson RG, Snow CE. Five-year-olds' interactions with fathers versus mothers. First Lang. 1996;16(47): 223-42. [ Links ]
33. Ribot KM, Hoff E, Burridge A. Language Use Contributes to Expressive Language Growth: Evidence From Bilingual Children. Child Dev. 2018;89(3):929-40. [ Links ]
34. Bus AG, Neuman SB. Multimedia and literacy development: improving achievement for young learners. New York: Taylor & Francis Group; 2009. [ Links ]
35. Koolstra CM, Beentjes JWJ. Children's vocabulary acquisition in a foreign language through watching subtitled television programs at home. Educ Technol Res Dev. 1999;47:51-60. [ Links ]
36. Dehaan JW. Video games and second language acquisition: The effect of interactivity with a rhythm video game on second language vocabulary recall, cognitive load, and telepresence [Dissertation]. New York: New York University; 2008. Disponível em: https://search.proquest.com/docview/304526161 [ Links ]
37. Chen HH, Yang TC. The impact of adventure video games on foreign language learning and the perceptions of learners. Interact Learn Environ 2012; 21(2):129-41. [ Links ]
38. Silver RE, Alsagoff L, Goh CCM, eds. Language Learning in New English Contexts: Studies of Acquisition and Development. New York: Continuum; 2009. [ Links ]
39. Byram M, Morgan C. Teaching-and-Learning Language-and-Culture. 1st ed. Clevedon: Multilingual Matters; 1994. [ Links ]
Endereço para correspondência:
Alessandra Gotuzo Seabra
Rua da Consolação, 930
São Paulo, SP, Brasil - CEP 01302-907
E-mail: alessandragseabra@gmail.com
Artigo recebido: 3/12/2021
Aprovado: 14/2/2022
Trabalho realizado na Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil.
Conflito de interesses: As autoras declaram não haver.
Apoio: CNPq; CAPES-Proex.