Introdução
O contexto escolar exerce grande influência no desenvolvimento infantil, pois, além das aquisições acadêmicas, proporciona uma ampliação de seu repertório social e de suas relações interpessoais (Elias & Amaral, 2016). Além disso, o contato da criança com a escola, principalmente em relação ao suporte que esse contexto lhe oferece, contribui para suas experiências socioemocionais, sendo esse fator importante na aprendizagem, na maior participação das atividades escolares e no desempenho escolar. Crepaldi et al. (2017) sinalizam que a educação básica contribui para uma ampliação do repertório de estratégias que auxiliam no enfrentamento de desafios advindos da sociedade. Ademais, as situações vividas no período escolar impactam em características infantis, como por exemplo autoconceito e autoestima, que, por sua vez, influenciam o sucesso escolar.
Dessa maneira, a escola se caracteriza por oferecer tanto o aprendizado acadêmico (formal) quanto a aquisição e expansão de diversas habilidades e competências, por exemplo sociais e emocionais (Marturano & Gardinal-Pizato, 2015). Tais características podem modificar e afetar tanto o comportamento individual e coletivo daqueles que frequentam a escola, como também o clima escolar da instituição (Cunha et al., 2016).
O clima escolar pode ser compreendido como as expectativas e percepções que são partilhadas pelos atores escolares acerca da instituição de ensino (Vinha et al., 2016). Contempla não apenas características de aprendizagem, mas também outras dimensões como os relacionamentos sociais estabelecidos, segurança dentro daquele contexto, práticas pedagógicas e participação nas atividades, processos administrativos, comportamento dos alunos e professores em relação à escola, sentimento de pertencimento, infraestrutura (Santos et al., 2021; Filippsen & Marin, 2021), somando-se, ainda, a participação da família (Vinha et al., 2016).
Na trajetória escolar, a importância do Ensino Fundamental tem sido ressaltada, dado que nos anos iniciais ocorrem as aprendizagens essenciais como a alfabetização; o desenvolvimento e aprimoramento de habilidades diversas, entre estas as sociais (Elias & Amaral, 2016) e progressos cognitivos e comportamentais (Pereira et al., 2011). Ademais, as vivências impactam o desempenho escolar e aspectos psicossociais dos escolares, no momento vivido e em etapas posteriores (Crepaldi et al., 2017).
No Brasil, o Ensino Fundamental, regulamentado pelo Plano Nacional de Educação (PNE) como de nove anos, tem como objetivos oferecer uma maior permanência dos escolares no ensino obrigatório e, dessa forma, alcançar níveis superiores em relação à escolaridade (Brasil, 2004). Contudo, para que essa continuidade na escolaridade ocorra, é necessário que haja uma reorganização de conteúdo do Ensino Fundamental, priorizando o perfil dos estudantes e suas demandas (Correia-Zanini et al., 2016). Nesse sentido, a Base Nacional Comum Curricular traz proposições importantes, sobretudo no que tange ao desenvolvimento de habilidades e competências circunscritas nos contextos vividos (Brasil, 2017).
Segundo o Ministério da Educação (Brasil, 2013), o início do Ensino Fundamental é um período essencial na alfabetização, devendo acontecer no decorrer dos três primeiros anos, de acordo com o parecer CNE/CEB nº4/2008, de 20 de fevereiro de 2008. Sendo assim, é esperado que a criança seja cobrada acerca da aquisição e domínio da escrita e leitura, habilidades essenciais para o desenvolvimento de sua aprendizagem.
Portanto, a promoção da alfabetização nesse processo de formação dos alunos facilita o acesso e possibilita a construção de novos conhecimentos, além de aperfeiçoar a comunicação, assim impactando as práticas e trocas sociais que acontecem na escola e em outros contextos (Oliveira & Silva, 2019). A alfabetização é de extrema importância e se mostra como um recurso para enfrentar os diversos desafios que o cotidiano escolar apresenta, tendo em vista que as vivências nesse período não são de calmaria, não apenas pelas demandas acadêmicas, mas também sociais.
O início do Ensino Fundamental é marcado por algumas demandas, dentre elas conviver em um novo ambiente, relacionar-se com adultos desconhecidos, ser aceito em grupos, conseguir realizar tarefas acadêmicas e lidar com avaliações constantes do progresso acadêmico. Tais demandas exigem que a criança se adapte e apresente competências para vivenciar essas situações com êxito (Correia-Zanini & Marturano, 2016). Estudos apontam que os anos iniciais do Ensino Fundamental causam impacto na vida das crianças, tanto neste período escolar quanto em momentos posteriores da vida escolar dos alunos; nesse sentido, sabe-se que o desempenho e o ajustamento de escolares (relacionamentos com professor, com pares e aprendizagem) nas séries superiores sofrem influências das experiências iniciais (Marturano et al., 2009).
Diante da importância do Ensino Fundamental no desenvolvimento da criança, é necessário pensar em fatores de risco e proteção que podem prejudicar ou contribuir com seu desenvolvimento educacional. Segundo Pesce et al. (2004), os fatores de risco podem ser considerados como variáveis pessoais e/ou ambientais que aumentam a probabilidade de resultados negativos referentes ao seu desenvolvimento. Os fatores de proteção, por sua vez, podem ser descritos como recursos pessoais ou sociais que atenuam ou neutralizam o impacto do risco, ou seja, podem ser considerados como escudos que contribuem para o desenvolvimento humano, após prolongada exposição ao risco (Pesce et al., 2004). Rutter (1987) coloca que os fatores de proteção possuem quatro funções: reduzir o impacto dos riscos; reduzir reações negativas; desenvolver e manter autoestima e autoeficácia; e criar situações para reverter os resultados advindos do estresse.
O estresse constitui um fator de risco relevante na vida do escolar. Estudos referentes ao tema consideram três tipos de estressores: eventos de vida, estressores crônicos e aborrecimentos cotidianos (daily hassles) (Bridley & Jordan, 2012). Os eventos de vida referem-se a situações únicas, traumáticas e imprevisíveis, que causam impacto na vida do sujeito, gerando mudanças e apresentando possíveis ameaças. Os estressores crônicos são resultados de prejuízos contínuos de características físicas e sociais presentes no ambiente imediato, levando o sujeito a diversas privações que implicam em ameaças contínuas e modificam o ambiente. Por último, os aborrecimentos cotidianos são demandas consideradas frustrantes e irritantes que perturbam os acontecimentos diários associados ao ambiente, podendo prejudicar o bem-estar físico e emocional nas diversas faixas etárias da vida (Bridley & Jordan, 2012).
Os estressores cotidianos no período escolar relacionam-se tanto com o contexto familiar quanto o escolar e de saúde do estudante (Bridley & Jordan, 2012). No que tange ao contexto escolar (foco do presente estudo) os aborrecimentos ou estressores cotidianos podem ser associados às demandas acadêmicas como notas baixas, problemas de comportamento, relações interpessoais com professores, relacionamentos com pares e com os pais (Marturano & Gardinal-Pizato, 2015). Essas demandas podem se apresentar como sobrecarga para a criança, tendo resultados negativos em seu desenvolvimento como possível consequência (Marturano & Gardinal-Pizato, 2015).
O baixo desempenho escolar e os problemas de comportamento são outros fatores de risco importantes no desenvolvimento infantil (Bolsoni-Silva et al., 2018). O baixo desempenho escolar é caraterizado como rendimento abaixo do esperado para a série e idade do aluno (Elias & Amaral, 2016). Para que ocorra uma avaliação de desempenho escolar, é indicado que haja uma relação entre os níveis de alfabetização e de letramento; sendo o primeiro nível compreendido como o progresso de compreensão de normas do funcionamento do sistema de escrita alfabética e o segundo como a viabilidade de usar as funções sociais da linguagem escrita (Brasil, 2009).
Nesse tocante, a Provinha Brasil é um instrumento atualmente utilizado em âmbito nacional para avaliação do desempenho escolar (Brasil, 2009). Esse processo de avaliação está relacionado à qualidade da educação brasileira e investiga as situações que podem levar determinadas escolas a apresentarem resultados melhores quando comparadas a outras (Brasil, 2009). Ressalta-se que pesquisas sobre a qualidade do ensino podem indicar os fatores que contribuem para o desenvolvimento dos estudantes, possibilitando que a escola ofereça com igualdade uma educação de qualidade (Lacruz et al., 2019).
No que tange aos problemas de comportamento, adotou-se neste estudo uma descrição funcional, sendo considerados como déficits ou excessos comportamentais que prejudicam a interação das crianças com seus pares e com adultos (Bolsoni-Silva et al., 2018). Dessa forma, ao dificultar o acesso da criança a novas contingências de reforçamento, a aquisição de repertórios que seriam relevantes para a aprendizagem também é prejudicada (Bolsoni-Silva et al., 2018).
Segundo Achenbach e Edelbrock (1979), os problemas de comportamento podem ser divididos em dois grupos: os externalizantes (agressividade, agitação, desobediência às regras, comportamentos desafiadores e provocações) e os internalizantes (ansiedade, depressão, queixas somáticas, timidez e insegurança). A literatura aponta que meninos apresentam mais problemas de comportamento do que meninas, assim indicando também maior prejuízo na aprendizagem e no desempenho escolar (Emerich et al., 2012). Ademais, meninas sinalizam maior tendência a comportamentos internalizantes (Bolsoni-Silva & Loureiro, 2018).
Gresham (2009) afirma que o indivíduo com problemas de comportamento apresenta dificuldades em adquirir e desempenhar comportamentos habilidosos. Tem-se que, em termos desenvolvimentais, os problemas de comportamento (fatores de risco) são concorrentes com as habilidades sociais (fatores de proteção) (Gardinal-Pizato et al., 2014; Bolsoni-Silva & Loureiro, 2018).
Compreende-se as habilidades sociais como comportamentos sociais, valorizados em determinada cultura, que colaboram para a qualidade na interação com os pares (Del Prette & Del Prette, 2017). Além disso, a utilização de tais habilidades aumenta a probabilidade de gerar consequências favoráveis para o próprio indivíduo, bem como para seu grupo e comunidade (Del Prette & Del Prette, 2017). As habilidades sociais estão relacionadas a comportamentos essenciais para que haja uma relação interpessoal de sucesso, seguindo contexto e cultura de cada local (Del Prette & Del Prette, 2017; Caballo, 2010).
Caballo (2010) ressalta que as habilidades sociais são aprendidas e o seu desempenho varia conforme o período de desenvolvimento de cada pessoa, os fatores ambientais, cognitivos e a interação entre essas variáveis. Del Prette e Del Prette (2017) propõem um sistema de sete classes de habilidades sociais, interdependentes e complementares, consideradas relevantes para o desenvolvimento interpessoal da criança: autocontrole e expressividade emocional, habilidades de civilidade, empatia, assertividade, solução de problemas interpessoais, fazer amizades e habilidades sociais acadêmicas. Os autores ressaltam que a análise das habilidades sociais deva considerar três dimensões: a dimensão pessoal, que se refere às características da pessoa; situacional, que diz respeito às demandas do contexto; e a cultural, que engloba normas e valores importantes socialmente.
No Ensino Fundamental algumas habilidades sociais são aprimoradas e desenvolvidas, contribuindo para o sucesso escolar e ajustamento social nos anos iniciais e subsequentes, como apontado por Elias e Amaral (2016). Além disso, esse estudo na área de habilidades sociais traz que sua promoção diminui problemas de comportamento, rejeição de grupos e déficits em relacionamentos interpessoais, favorecendo o bom desempenho escolar, o enfrentamento favorável em situações de estresse e o sucesso na realização de tarefas do cotidiano, tanto no contexto familiar como escolar (Bolsoni-Silva et al., 2018).
Tendo em vista a literatura apresentada, este estudo teve como objetivo comparar as variáveis de estressores escolares, habilidades sociais, problemas de comportamento e desempenho escolar entre grupos de alunos definidos por sexo e alfabetização (alfabetizados ou não alfabetizados) e verificar associações entre tais variáveis.
Método
Trata-se de um estudo de metodologia quantitativa, com recorte transversal, descritivo e comparativo.
Contexto
Estudo realizado em uma cidade do interior do leste paulista, com aproximadamente 89 mil habitantes, com IDH de 0,797, que contava com 46 escolas públicas e 21 privadas. Participaram do trabalho quatro escolas públicas municipais.
Participantes
Participaram deste estudo alunos e professores de quatro diferentes escolas. Dos 157 alunos, 73 eram meninos e 84 eram meninas, com idade média de 8 anos e 9 meses, DP=0,3. Quanto aos professores, participaram 9 mulheres e 1 homem, com idade média de 42 anos e 7 meses, DP=10,73. No que tange ao IDEB, a Escola 1 apresentava a nota 7,1; a Escola 2 - 5,9; a Escola 3 - 6,7 e a Escola 4 nota 5,8. Teve-se como critério de exclusão: frequentar instituições de apoio à aprendizagem, alunos de inclusão e reprovação no ano anterior.
Instrumentos
Provinha Brasil (Brasil, 2009): tem como finalidade avaliar o nível de alfabetização das crianças no início e ao final do 2º ano de escolarização de escolas públicas brasileiras. Possui 24 questões de múltipla escolha, distribuídas em ordem crescente de exigência das habilidades. Os resultados são classificados em cinco níveis, que ocorrem de acordo com o número total de acertos: nível 1 – 0 até 10 acertos; nível 2 – 11 até 15 acertos; nível 3 – 16 até 18 acertos; nível 4 – 19 até 22 acertos; nível 5 – 23 até 24 acertos.
Inventário de Estressores Escolares – IEE (Marturano et al., 2009): tem como objetivo investigar situações perturbadoras ou irritantes relacionadas à vida da criança no período escolar, sendo avaliados quatro domínios: desempenho escolar, relação família-escola, relação com os pares e outras demandas da vida escolar. Contém 30 itens frente aos quais a criança responde se aconteceu ou não com ela e o quanto a aborreceu. Para o presente estudo, foi utilizada a análise fatorial, que considera dois fatores: F1 – Estressores relativos ao papel do estudante (itens dos instrumentos: 2, 8, 11, 15, 17, 21, 25, 27 e 29), com itens referentes a desempenho escolar, relação família-escola e ao relacionamento com professor e; F2 – Estressores relativos ao relacionamento interpessoal (itens do instrumento: 4, 5, 12, 16, 18, 19, 23, 24, 28 e 30) referentes ao relacionamento com adultos e com os pares. Os fatores apresentam valores do coeficiente alfa de Cronbach: F1: 0,81 e F2: 0,72, sendo ambos considerados favoráveis para o estudo.
Social Skills Rating System (SSRS-BR) - Sistema de Avaliação de Habilidades Sociais (Freitas & Del Prette, 2015). Utilizou-se neste estudo a versão para professores. O instrumento possui 45 itens que compõem três escalas: Habilidades Sociais, Problemas de Comportamento e Competência Acadêmica. No presente estudo apenas as duas primeiras foram consideradas. Para cada item, o professor avalia o aluno em relação à frequência em que apresenta a habilidade ou o problema de comportamento, considerando uma escala de três pontos (nunca, algumas vezes e muito frequentemente). A proposta do instrumento também abarca o quanto o professor avalia a importância da habilidade social para o aluno, porém esta medida não foi considerada neste estudo.
A análise de consistência interna para a escala global teve um valor alfa de 0,94 e foram satisfatórias também para as subescalas: responsabilidade (α=0,84; 6 itens), autocontrole (α=0,83; 7 itens), assertividade/desenvoltura social (α=0,77; 5 itens), cooperação/afetividade (α=0,89; 3 itens), problemas de comportamento externalizantes (α=0,88; 6 itens), problemas de comportamento internalizantes (α=0,74; 4 itens), hiperatividade (α=0,81; 4 itens).
Procedimento de coleta de dados
Inicialmente, foi realizado um contato com a Secretaria Municipal de Educação para a apresentação do projeto. Após a autorização da mesma, o estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Na sequência, foi feito o contato com as escolas para o convite à participação no estudo; dentre cinco convidadas, apenas uma não aceitou.
Após a aprovação pelo Comitê de Ética, novamente contatou-se os diretores para os ajustes necessários à execução do estudo dentro do espaço escolar, de forma a não atrapalhar a rotina da instituição e dos alunos. Em seguida, foi agendada uma conversa com as professoras e, frente ao aceite delas em participar da pesquisa, foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Também foi enviado (via caderno do aluno) um bilhete para os pais/responsáveis legais solicitando a autorização para a participação de seus filhos no estudo, juntamente com o TCLE para os pais/responsáveis. Após o aceite de pais/responsáveis e professores, foram agendadas as avaliações com as crianças, as quais ocorreram no ambiente da escola, no período de aula ou no contraturno.
Antes da aplicação dos instrumentos, foi apresentado às crianças o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido e, na sequência, responderam ao IEE (individualmente e em forma de entrevista) e à Provinha Brasil (pequenos grupos). O tempo gasto estimado foi de uma hora. Concomitantemente, os professores responderam uma ficha de identificação e o SSRS de cada aluno. Informa-se que os professores puderam responder aos instrumentos no momento que avaliaram como mais pertinente, e os protocolos foram recolhidos posteriormente em data marcada; o tempo gasto para responder o instrumento de cada aluno foi de, no máximo, 10 minutos.
Considerações éticas
O presente projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) – CAAE 11375419.3.0000.5407, seguindo as normas da Resolução nº 466/12 e 510/16, do Conselho Nacional de Saúde e ao disposto na Resolução nº 016/2000 do Conselho Federal de Psicologia. Os participantes assinaram o TCLE e o Termo de Assentimento.
Análise de dados
Para realização das análises estatísticas, foi utilizado o programa JASP (versão 0.13.1). Inicialmente, foram obtidas as estatísticas descritivas para a amostra total e os diferentes grupos constituídos (anos escolares e sexo) como média, desvio padrão e mediana. Para verificar o pressuposto de normalidade, foram observadas a curtose e simetria, sendo consideráveis aceitáveis valores até 7 e 3, respectivamente (Marôco, 2011). Frente à normalidade dos dados, foi utilizado o teste t de Student para amostras independentes, com nível de confiança de 95%. Diante da não normalidade dos dados, utilizou-se o teste de Wilcoxon. O teste t de Student foi utilizado para verificar diferenças entre sexo e o teste de Wilcoxon para o desempenho escolar. Informa-se que, a partir da pontuação na Provinha Brasil, foram constituídos dois grupos: alunos não alfabetizados (participantes que se enquadraram nos níveis 1, 2 e 3 segundo critérios da Provinha) e alfabetizados (participantes que se enquadraram nos níveis 4 e 5 segundo critérios da Provinha). Foram considerados significativos valores de p≤0,05.
Para realizar a avaliação da magnitude de diferenças, foi considerado efeito pequeno quando ≤ 0,2; médio, quando d entre 0,2 e 0,5; elevado para d entre 0,50 e 1; muito elevado quando d>1 (Marôco, 2011). Foi considerado também o Rank BC para obtenção de tamanho de efeito, sendo apontado que, quanto mais próximo de 1, maior o tamanho de efeito.
As análises de associação entre as variáveis foram feitas por meio da correlação de Pearson, sendo considerado correlações fracas quando atingem valores menores que 0,30, moderadas entre 0,30 e 0,69 e, fortes acima de 0,70 (Hair et al., 2009).
Resultados
Os resultados serão apresentados inicialmente de modo a contemplar as comparações de grupos compostos com base no sexo e nível de alfabetização e, em seguida, as associações entre as variáveis.
Resultados da comparação entre grupos definidos por sexo com relação às variáveis estressores escolares, habilidades sociais, problemas de comportamento e desempenho escolar
A Tabela 1 apresenta os resultados de comparação entre os sexos dos alunos com relação às variáveis investigadas. Observa-se que, em relação ao instrumento IEE, o grupo do sexo masculino apresentou média significativamente superior que o sexo feminino apenas no fator estressores relativos ao papel do estudante. Quanto ao desempenho escolar, o grupo do sexo feminino apresentou resultado significativamente superior. No que tange às habilidades sociais, o grupo feminino apresentou escore significativamente superior no total de habilidades sociais e nas diferentes classes; enquanto o grupo masculino apresentou resultados superiores e significativos em problemas de comportamento, externalizantes e internalizantes.
Tabela 1 : Resultados da comparação entre sexo nos instrumentos Inventário de Estressores Escolares (IEE), Inventário de Habilidades Sociais, Problemas de Comportamento e Competência Acadêmica para Crianças – Versão para Professores (SRSS) e Provinha Brasil
Variáveis | Sexo | t | d | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Masculino n=73 | Feminino n=84 | |||||
Média | DP | Média | DP | |||
IEE | ||||||
Total de estressores | 32,4 | 13,3 | 26,8 | 16,4 | 0,221 | 0,035 |
Estressores relativos ao papel de estudante | 8,9 | 5,3 | 7,7 | 5,3 | 2,306* | 0,369 |
Estressores relativos ao relacionamento interpessoal | 12,6 | 7,4 | 9,5 | 8,0 | 1,447 | 0,232 |
Provinha Brasil | ||||||
Total Provinha Brasil | 21,4 | 2,8 | 22,1 | 2,2 | 2,508* | 0,401 |
SSRS | ||||||
Total de habilidades sociais | 29,0 | 8,3 | 33,6 | 7,1 | -1,949 | -0,312 |
Responsabilidade | 8,9 | 2,7 | 10,5 | 1,9 | -3,674*** | -0,588 |
Autocontrole | 10,5 | 3,5 | 11,6 | 3,0 | -4,278*** | -0,685 |
Assertividade e desenvoltura social | 6,5 | 2,6 | 6,9 | 2,6 | -2,074* | -0,332 |
Cooperação e afetividade | 3,1 | 1,9 | 4,5 | 1,7 | -1,048* | -0,168 |
Total de problemas de comportamento | 7,4 | 5,6 | 5,0 | 4,8 | -4,903*** | -0,785 |
Externalizantes | 2,9 | 3,0 | 2,0 | 2,6 | 2,884** | 0,461 |
Internalizantes | 2,2 | 2,1 | 1,7 | 1,7 | 2,079* | 0,333 |
Hiperatividade | 2,3 | 2,1 | 1,3 | 1,7 | 1,416 | 0,227 |
Fonte: Elaboração Própria.
DP=desvio padrão; t=teste t de Student; d=tamanho de efeito (D de Cohen); * p<0,05; ** p<0,01; *** p<0,001.
Em relação à magnitude do tamanho da diferença nas comparações entre sexo, apresentadas na Tabela 1, pode-se observar tamanho de efeito pequeno em cooperação e afetividade; médio em estressores relativos ao papel do estudante, desempenho escolar, assertividade e desenvoltura; externalizantes e internalizantes; elevados em responsabilidade, autocontrole e total de problemas de comportamento.
Resultados da comparação entre alunos alfabetizados e não alfabetizados com relação às variáveis estressores escolares, habilidades sociais e problemas de comportamento
A Tabela 2 apresenta os resultados obtidos da comparação dos alunos alfabetizados e não alfabetizados considerando as variáveis investigadas.
Tabela 2 : Comparação entre resultados dos alunos do grupo alfabetizado e do não alfabetizado de acordo com a Provinha Brasil nos Inventários de Estressores Escolares (IEE) e de Habilidades Sociais, Problemas de Comportamento e Competência Acadêmica para Crianças – Versão para Professores (SRSS)
Variáveis | Classificação PB | U | Rank BC | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Não alfabetizado n=13 | Alfabetizado n=144 | |||||
Média | DP | Média | DP | |||
IEE | ||||||
Total de estressores escolares | 32,2 | 2,7 | 9,1 | 5,5 | 1073.000 | 0.157 |
Estressores relativos ao papel de estudante | 10,9 | 5,4 | 8,0 | 5,3 | 1241.500* | 0.146 |
Estressores relativos ao relacionamento interpessoal | 9,2 | 6,3 | 11,1 | 8,0 | 831.000 | 0.326 |
SSRS | ||||||
Total de habilidades sociais | 25,3 | 8,6 | 32,0 | 7,7 | 528.000** | 0.112 |
Responsabilidade | 7,5 | 3,1 | 10,0 | 2,3 | 458.000** | 0.436 |
Autocontrole | 9,8 | 3,0 | 11,2 | 3,3 | 695.500 | 0.511 |
Assertividade e desenvoltura social | 5,0 | 2,5 | 6,9 | 2,6 | 566.000* | 0.257 |
Cooperação e afetividade | 3,1 | 1,9 | 3,9 | 1,9 | 675.000 | 0.395 |
Total de problemas de comportamento | 7,0 | 5,2 | 6,0 | 5,3 | 1075.000 | 0.279 |
Externalizantes | 2,5 | 2,8 | 2,4 | 2,8 | 967.000 | 0.149 |
Internalizantes | 2,5 | 1,8 | 1,9 | 1,9 | 1153.500 | 0.033 |
Hiperatividade | 2,0 | 2,2 | 1,8 | 1,9 | 982.000 | 0.232 |
Fonte: Elaboração Própria
PB=Provinha Brasil; U=Teste de Wilcoxon; Rank BC=efeito de diferença da magnitude; * p<0,05; ** p<0,01.
De acordo com a Tabela 2, o grupo alfabetizado sinalizou escores significativamente inferiores em estressores relativos ao papel do estudante e superiores em habilidades sociais, responsabilidade, assertividade e desenvoltura social. Quanto à magnitude da diferença, observa-se tamanho de efeito pequeno em estressores escolares relativos ao papel do estudante e no total de habilidades sociais; tamanho de efeito médio em responsabilidade e em assertividade e desenvoltura social.
Resultados das associações entre as variáveis
A Tabela 3 apresenta os resultados das associações entre as variáveis investigadas.
Tabela 3 : Associações entre desempenho acadêmico e demais variáveis do estudo
r de Pearson | ||
---|---|---|
Desempenho Acadêmico | ||
Total de estressores escolares | -0.149 | |
Estressores relativos ao papel do estudante | -0.238** | |
Estressores relativos ao relacionamento interpessoal | -0.016 | |
Total de habilidades sociais | 0.367*** | |
Responsabilidade | 0.454*** | |
Autocontrole | 0.224** | |
Assertividade e desenvoltura social | 0.245** | |
Cooperação e afetividade | 0.231** | |
Total de problemas de comportamento | -0.168* | |
Externalizantes | -0.080 | |
Internalizantes | -0.161* | |
Hiperatividade | -0.189* |
Fonte: Elaboração Própria
r=correlação de Pearson; * p<0,05; ** p<0,01; *** p<0,001.
A Tabela 3 aponta que o desempenho escolar foi associado positivamente com total de habilidades sociais, responsabilidade, autocontrole, assertividade e desenvoltura social e cooperação e afetividade. Associações negativas foram observadas entre desempenho escolar e estressores relativos ao papel do estudante, total de problemas de comportamento, internalizantes e hiperatividade. As correlações variaram de fracas a moderadas.
Discussão
O presente estudo teve como objetivo comparar as variáveis de estressores escolares, habilidades sociais, problemas de comportamento e desempenho escolar em alunos considerando grupos definidos por sexo e alfabetização (alfabetizados ou não alfabetizados); e verificar associações entre tais variáveis. A escolha pelas variáveis do presente estudo se deu em função dos seus papeis de risco e proteção no desenvolvimento de estudantes na primeira etapa do Ensino Fundamental. Os resultados referentes à comparação de grupos de alunos do sexo feminino e masculino confirmaram apontamentos anteriores da literatura e trouxeram novas considerações.
No que tange aos estressores escolares, o grupo do sexo masculino apresentou maior escore no fator relativo ao papel de estudante; resultado não encontrado anteriormente na literatura, a qual não aponta diferença entre sexo (Crepaldi et al., 2017; Correia-Zanini & Marturano, 2016). Estressores escolares relativos ao papel do estudante também se mostraram associados negativamente com desempenho escolar, resultado este que vai ao encontro da literatura (Correia-Zanini et al., 2016), segundo a qual estressores relativos ao papel do estudante no contexto escolar seriam fonte de estresse cotidiano, causando prejuízos aos alunos.
Quanto às habilidades sociais, os resultados indicaram que o grupo feminino obteve maiores pontuações, com destaque nos fatores responsabilidade, autocontrole, assertividade, desenvoltura social e cooperação e afetividade. Esse resultado aponta que as meninas demonstram maiores recursos comportamentais para o enfrentamento de possíveis situações de estresse. A literatura apresenta resultados semelhantes (Gardinal-Pizato et al., 2014).
Foram encontradas associações positivas entre diferentes classes de habilidades sociais (responsabilidade, autocontrole, assertividade, desenvoltura social e cooperação e afetividade) e desempenho escolar, corroborando mais uma vez com a literatura (Bolsoni-Silva et al., 2018). Ressalta-se que os comportamentos socialmente habilidosos contribuem para um bom relacionamento com professores e colegas, bem como para um maior engajamento frente às demandas escolares. Do mesmo modo, podem impactar tanto no comportamento individual e coletivo (de alunos, professores e demais atores escolares), como também o clima escolar da instituição (Cunha et al., 2016), modificando a maneira como a escola é significada e como se caracterizam as expectativas e percepções que a ela são atribuídas (Vinha et al., 2016). Ademais, esses resultados demonstram que as habilidades sociais, enquanto fator de proteção, impactam nas interações sociais e no desempenho escolar nos anos posteriores da vida escolar das crianças (Del Prette & Del Prette, 2017), auxiliando na compreensão do clima escolar e dos aspectos que assinalam as relações interpessoais (Santos et al., 2021; Filippsen & Marin, 2021).
Na comparação dos grupos quanto ao desempenho escolar, meninas apresentaram resultado significativamente superior aos meninos. Estes achados se coadunam com a literatura (Correia-Zanini et al., 2016; Elias & Amaral, 2016). Finalmente, na comparação entre grupos definidos por sexo, os meninos apresentaram escore significativamente superior no total de problemas de comportamento, comportamento externalizantes e internalizantes. Esses resultados corroboram com a literatura no que tange ao total de problemas de comportamento e comportamentos externalizantes (Emerich et al., 2012). No que se refere aos problemas de comportamento internalizantes, os resultados diferem da literatura, que aponta as meninas com mais internalizantes (Bolsoni-Silva & Loureiro, 2018). Conclui-se, assim, que os participantes do sexo masculino apresentaram maior exposição a fatores de risco ao desenvolvimento, dado que sinaliza maiores estressores relativos ao papel de estudante, menores habilidades sociais, menor desempenho escolar e maiores problemas de comportamento.
Nas análises comparativas entre grupos não alfabetizados e alfabetizados, observou-se que crianças do grupo alfabetizado apresentaram melhores pontuações no total de habilidades sociais e em classes específicas (responsabilidade e autocontrole). Acredita-se que esses comportamentos contribuem para o sucesso no desempenho escolar, visto que são repertórios que auxiliam na superação das demandas de sala de aula e na convivência com seus pares (Del Prette & Del Prette, 2017). Nesse sentido, a literatura acrescenta o impacto da alfabetização não apenas na construção do conhecimento, mas também nos processos, relações e práticas sociais (Oliveira & Silva, 2019).
O grupo não alfabetizado, por sua vez, apresentou resultado significativamente superior em estressores relacionados ao papel do estudante. Infere-se que isso ocorra com os alunos deste grupo por eles não conseguirem se engajar nas atividades acadêmicas, gerando estresse cotidiano. É importante ressaltar que a legislação brasileira traz que a alfabetização deva acontecer no decorrer nos três primeiros anos do Ensino Fundamental (Brasil, 2013). Diante disso, observa-se que as crianças do grupo não alfabetizado vivenciam um ciclo que se retroalimenta, entre o não aprender e o estresse. O grupo alfabetizado, por sua vez, sinalizou maiores habilidades sociais, menores problemas comportamentais e menor exposição a situações estressoras, sinalizando que as habilidades sociais são concorrentes aos problemas de comportamento e recursos para o enfrentamento de estressores cotidianos (Del Prette & Del Prette, 2017; Elias & Amaral, 2016).
As associações entre as variáveis apontaram correlações negativas significativas entre total de problemas de comportamento, comportamentos internalizantes e hiperatividade e desempenho escolar. Estudos têm apontado que quanto maiores os problemas de comportamento menor é o desempenho escolar apresentado pelo aluno (Cia & Barham, 2009; Correia-Zanini et al., 2016; Del Prette & Del Prette, 2017), causando prejuízos na vida acadêmica de escolares do Ensino Fundamental e impactando negativamente no desenvolvimento infantil.
O estudo permitiu realizar uma caracterização de alunos do 3º ano do Ensino Fundamental em relação aos fatores positivos e negativos que podem prejudicar a aprendizagem, sendo esse período importante na trajetória escolar, conforme reconhecido pela literatura e pela legislação educacional. Os resultados sinalizaram maior exposição de crianças do sexo masculino a fatores de risco; a existência de um ciclo de variáveis que se retroalimentam, prejudicando o desenvolvimento do escolar; além de associações negativas entre variáveis. Neste cenário, intervenções que auxiliem a quebra deste ciclo, promovendo recursos para o alunado, mostram-se essenciais.
Considerações
O presente estudo respondeu aos objetivos propostos e sinalizou a importância das variáveis estudadas no desenvolvimento escolar nos anos iniciais do Ensino Fundamental. As comparações entre grupos definidos por sexo e alfabetização trouxeram resultados importantes a serem considerados no ambiente escolar, tais como o ciclo de comportamentos que se retroalimentam e a maior exposição dos meninos a fatores que prejudicam o desenvolvimento.
A pesquisa mostrou resultados efetivos, contudo, algumas limitações são apontadas como o número de participantes e o recorte transversal. Para próximos estudos, sugere-se aumento no tamanho da amostra, diferentes contextos de ensino e avaliações de seguimento.