Introdução
A Psicopedagogia atende a duas vertentes de estudos – saúde e educação – para compreender a complexidade presente na aprendizagem humana. A atuação psicopedagógica se dá em duas áreas – a clínica e a institucional, ou seja, compete a atendimentos particulares ou em instituições, como nas escolas, sendo estes dois tipos os mais comuns e popularmente conhecidos, contudo, esse profissional pode ir muito além, podendo estender sua prática a hospitais, empresas e também à sociedade em geral, com a Psicopedagogia comunitária e social.
À Psicopedagogia comunitária e social compete o estudo e a intervenção em comunidades carentes, jovens em privação de liberdade, estudos da agressividade e comportamentos antissociais na juventude e a perspectiva da inclusão social de pessoas em situações de vulnerabilidade social (Juárez, 2012; Maia & Gomes, 2014) .
Essa perspectiva visa à ação de uma educação libertadora, com estudos pautados em Paulo Freire, Pichon-Rivière, Winnicott e outros.
Por isso, este trabalho tem por objetivo promover a expansão do conhecimento desta área de atuação do psicopedagogo, tão pouco explorada atualmente nos cursos de pós-graduação em nosso país.
O presente artigo busca entender a relação da atuação psicopedagógica e seu papel na inclusão social, que pode ser definida como: “Inclusão, [...] é uma prática social que se aplica no trabalho, na arquitetura, no lazer, na educação, na cultura, mas, principalmente, na atitude e no perceber das coisas, de si e do outrem” (Camargo, 2017). Além disso, procura-se demonstrar a importância do trabalho do profissional da Psicopedagogia nos casos de violência na juventude e em situações de conflito. Para isso, corrobora-se o Capítulo I, Artigo 3º do Código de Ética do Psicopedagogo, da Associação Brasileira de Psicopedagogia (2019), que relata os objetivos da atividade psicopedagógica, estando entre eles a contribuição para o processo de inclusão escolar e social e a mediação das relações interpessoais visando à prevenção de dificuldades e/ou à resolução de conflitos.
Portanto, esse estudo é necessário para que se consiga expandir a atuação psicopedagógica e, assim, conquistar territórios até então pouco explorados pela educação.
Método
Para que este trabalho fosse realizado, fez-se uso de revisão de literatura de artigos que exploram desde a violência na escola até a Psicopedagogia comunitária, buscando compreender como a intervenção psicopedagógica pode auxiliar na melhoria da aprendizagem humana em todos os aspectos – não somente voltados à educação formal.
Alguns dos textos referenciados nesta pesquisa foram encontrados somente na língua espanhola, visto que países como a Argentina possuem uma pesquisa científica mais extensa sobre esse assunto, além de oferecer o curso de graduação em Psicopedagogia, tendo, assim, um estudo mais amplo e mais aprofundado sobre esta área educacional. Ademais, no decorrer da pesquisa, foram utilizados diversos trabalhos que têm como referência autores que são modelos em suas áreas de atuação, como Paulo Freire, cuja obra é muito utilizada em pesquisas e métodos educacionais fora de nosso país, Pichon-Rivière, referência em psicologia social, e Winnicott, estudioso da psique humana.
Resultados
A partir da leitura dos textos, pode-se inferir a importância desse tipo de trabalho em todos os países, principalmente em países como o Brasil, em que a desigualdade social é evidente. O processo de inclusão social vai além de políticas públicas impressas, mas deve realmente incluir os marginalizados socialmente, e os profissionais da educação – incluídos aqui os psicopedagogos – têm, por senso e dever, que promover esse acesso a oportunidades reais de quebra do status quo.
Com os estudos realizados, podemos definir a Psicopedagogia comunitária como a promoção de um pensamento inovador e idealizador, além de crítico, pelas comunidades que por ela são alcançadas, e, com esse novo pensamento desenvolvido, promover uma real mudança da situação nessas comunidades, pensando nesta intervenção como uma “via de mão dupla”, ou seja, de um trabalho contínuo e de comunicação entre as partes envolvidas. Para isso, fez-se uso do estudo do trabalho realizado por Juárez (2012), a qual desenvolveu uma análise da contribuição da Psicopedagogia em uma comunidade, utilizando, para isso, ensinamentos e teoria de Paulo Freire.
Esse diálogo, essa mediação na qual o psicopedagogo tem meios de desenvolver seu trabalho, pode ter resultados satisfatórios, à medida que pode promover uma mudança no quadro geral que se pretende alterar, de forma positiva. Isso pode ser observado nos estudos das mediações de conflitos nas quais psicopedagogos atuaram, juntamente com outros profissionais, em situações de confronto, como na SAP (Síndrome de Alienação Parental), no sistema prisional e na Teoria do Vínculo e Grupos Operativos de Pichon-Rivière; além disso, tenta compreender o porquê dessa situação ter tomado tal forma, como a agressividade e a tendência antissocial explicadas por Winnicott.
Por isso, o trabalho psicopedagógico em situações conflituosas é importante, já que tenta compreender as vertentes que formam todas as partes envolvidas no processo, assim como abranger todas as experiências vividas por esses sujeitos, a fim de assimilar suas ações atuais. A Psicopedagogia comunitária e social pode ser definida como um processo dialógico e contínuo.
Discussão
A Psicopedagogia como instrumento de inclusão social
“Nesse país, a educação é considerada uma despesa, e não um investimento”. (Merlí, 2015-2018)
A Psicopedagogia é comumente conhecida como a intervenção terapêutica individual ou em grupos dentro de clínicas, ou como apoio a professores, gestores e pais ao atender alunos com dificuldade de aprendizagem. Contudo, a atuação psicopedagógica não se limita a esses espaços, podendo ser também realizada em ambientes de vulnerabilidade social. Sendo assim, a Psicopedagogia comunitária ou social consiste em:
[...] la comprensión empática de las condiciones sociales [...], intentando agudizar una mirada dirigida al papel que desempeñan los sujetos en circunstancias de aprendizaje, cualquiera sea su edad y su pertenencia social, [...] aprendizajes múltiples y diversos que trascienden el ámbito educativo formal y que remiten a aprendizajes de la vida, en la vida y para la vida [...]. (Juárez, 2012, p. 201)1
Além disso, a Psicopedagogia pode computar sua ação na educação não formal, ambientes de privação de liberdade e outros, uma vez que a dificuldade de aprendizagem humana não se encontra apenas em pessoas de idade escolar e tampouco em instituições tradicionais de ensino, já que a: “educação é o que conduz cada indivíduo [...] a tornar-se humano, formar-se humano, ser humano. [...] Educação é tudo aquilo que nos molda, nos orienta, nos organiza em nossa trajetória, o que inclui também a escola” (Cortella, 2015, p. 17).
Como citado, a escola faz parte do processo educativo, mas esse processo não se resume a ela, assim como disse o Barão de Montesquieu, no século XVIII: “(…) recebemos três educações diferentes, ou contrárias: a de nossos pais, a de nossos mestres e a do mundo” (Montesquieu, 1951, citado por Trilla Bernet, 2013, p. 27).
São diversos os autores que entendem o papel do psicopedagogo além dos contextos da educação formal, todavia, a maioria deles são autores de língua espanhola, por isso, muitas vezes, esses âmbitos tratados por eles possuem defasagem de informação no Brasil, apesar de alguns trabalhos serem pautados nas ideias de Paulo Freire, autor pernambucano.
Um desses autores, segundo Juárez (2012), é Álvaro Rojo, da Universidade de Vigo, na Espanha, que denomina a Psicopedagogia comunitária como:
una orientación, acción e intervención como un proceso de optimización y transformación social, [...] desarrollada a través de una acción, social y educativa, sistemática y planificada. Entre las intencionalidades de esta psicopedagogía menciona: el contribuir a la adaptación y bienestar social [...] y la transformación y/o cambio de la realidad para conseguir la autorrealización personal y dinamización social. (Juárez, 2012, s.p.)2
A partir deste trecho, pode-se inferir a necessidade de uma intervenção psicopedagógica mais ampla, no sentido de conquistar uma educação mais igualitária, que transforme a realidade social enfrentada por muitos brasileiros, afinal, a educação brasileira, desde o princípio, privilegia a elite em detrimento dos menos abastados.
A educação em determinada sociedade estará de acordo com os interesses e objetivos da elite, considerando a cultura e o período histórico, e, em nosso país, nunca houve um real interesse em uma educação com equidade e capaz de transformar a realidade, por isso, ainda nos dias de hoje, o ensino formal traz resquícios da educação colonial, ou seja, aquela em que privilegia filhos da elite, para que a ordem social continue a mesma. “A escola continua cumprindo o seu papel histórico de selecionar, classificar, distinguir, hierarquizar” (Bittencourt, 2003, s.p.).
Por isso, de acordo com Freire (1989), citado por Juárez (2012), faz-se necessária a mudança de pensamento e atitudinal, já que, em todo ato educativo, há duas possibilidades: os que entendem o homem como um ser inacabado, e toda ação será crítica e reflexiva para a transformação da realidade, e os que, para Juárez (2012), entendem o ser humano como um ser passivo e pretendem manter o status quo.
Na Psicopedagogia social e comunitária deve-se levar em conta todo o entorno da comunidade, tanto fatores internos – moradores da comunidade, que definem qual o problema a ser solucionado – quanto externos – por exemplo, empregados públicos que atendem à comunidade (Juárez, 2012).
De acordo com Juárez (2012), o objetivo da Psicopedagogia comunitária deve ser o de oferecer novas formas de pensar, de realizar processos de aprendizagem segundo a realidade vivida, refletindo criticamente sobre questões como controle de poder – que deve ser centrado nos sujeitos moradores, o fortalecimento de capacidade e recursos próprios, caráter participativo, identificação das necessidades e como saná-las, desenvolvimento de redes comunitárias e resgate do valor do conhecimento.
A autora propõe uma intervenção psicopedagógica comunitária pautada em Paulo Freire, autor brasileiro, que desejava realizar uma educação emancipadora, que permitiria a transformação social mediante a reflexão crítica do ser antes oprimido, que compreenderia e mudaria a sua realidade (Juárez, 2012).
Usando o método de Paulo Freire de alfabetização, Juárez (2012) sugere que, para a atuação psicopedagógica na comunidade, é preciso conhecer, indagar e investigar seus problemas, temas, necessidades e prioridades, para então projetar uma intervenção crítico-reflexiva. Esse modelo de mediação implica em um processo de busca, de conhecimento dos temas significativos a essa comunidade; para isso, o psicopedagogo deve seguir etapas, não de forma linear, mas promovendo uma dialética em todo o processo. As etapas foram inspiradas por Juárez (2012) a partir do livro Pedagogia do Oprimido (1970) de Paulo Freire e, de forma resumida, consistem em ir à área comunitária, analisar os dados, retornar à comunidade, estudar as descobertas e iniciar as palestras e workshops de educação popular para a problematização dos temas emergentes (Juárez, 2012).
Com essas etapas, e uma equipe transdisciplinar, o começo do trabalho em uma comunidade será satisfatório, mas vale lembrar que uma comunidade é formada por pessoas, e essas são voláteis, ou seja, estão em constante transformação, por isso, a necessidade de um trabalho dialógico, que perpassa todas as etapas, para que cada vez mais haja pertencimento social e identidade grupal.
A intervenção psicopedagógica comunitária se utiliza dos próprios agentes comunitários e de suas problemáticas para que se promova uma aprendizagem democrática, significativa, popular, crítica e transformadora.
Um outro exemplo de comunidade em que a intervenção psicopedagógica se faz necessária é em ambientes de privação de liberdade, nos quais há carência de trabalhos significativos, que levem à recuperação efetiva de jovens e adultos que se encontram nessa situação, a fim de que voltem à liberdade com outras perspectivas. O psicopedagogo atuante no sistema prisional deve coordenar os outros profissionais e supervisionar projetos (Maia & Gomes, 2014).
As intervenções psicopedagógicas devem ter como objetivo a superação das dificuldades apresentadas pelo indivíduo, e, para isso, há de haver reflexão sobre a prática, reestruturação e elaboração de estratégias para que esse objetivo seja alcançado (Maia & Gomes, 2014).
Posto isso, deve-se ter em mente que a educação deve ser libertadora, formar o indivíduo integralmente, torná-lo cidadão, e considerar todos os aspectos que fazem parte dessa formação do sujeito, ou seja, seus aspectos cognitivos, afetivos, sociais e culturais. O “[...] psicopedagogo estimula o desenvolvimento de relações interpessoais, o estabelecimento de vínculos e facilita a aprendizagem com a utilização de métodos de ensino compatíveis” (Maia & Gomes, 2014, s.p.).
Isso deve ser a máxima do profissional da Psicopedagogia, pois deve promover a conexão entre os saberes, o discernimento em cada atendimento e levar à “[...] superação das dificuldades de aprendizagem em caráter educativo, preventivo, terapêutico, ressocializador e ressignificador [...]” (Maia & Gomes, 2014, s.p.), além de ser um instrumento para a reparação da hierarquia social, da autoestima, do resgate da cidadania, superação dos fracassos escolares e resgate dos estigmatizados e marginalizados pela sociedade.
Com os estudos realizados, pode-se definir a Psicopedagogia comunitária como a promoção de um pensamento inovador e idealizador, além de crítico, pelas comunidades que por ela são alcançadas, e, com esse novo pensamento desenvolvido, promover uma real mudança da situação nessas comunidades, pensando esta intervenção como uma situação dialógica, ou seja, de um trabalho contínuo e de comunicação entre as partes envolvidas.
Portanto, a Psicopedagogia em ambientes de vulnerabilidade social é necessária para formar sujeitos conscientes de seus problemas, que saibam refletir com criticidade e encontrar soluções, promovendo uma educação libertadora.
A Psicopedagogia na mediação de conflitos
Uma pessoa sozinha não é uma pessoa inteira: existimos na relação com os outros.
Margaret Atwood (2019)
A atuação do psicopedagogo em situações de conflito é benéfica porque promove uma mediação que visa o alcance de melhores perspectivas relacionais e afetivas, para promoção do respeito e valorização das particularidades, ao mesmo tempo que se tenha a valorização do grupo que será trabalhado.
Alguns exemplos de atuação que serão abordados neste trabalho são na Síndrome de Alienação Parental (SAP), no terceiro setor e as teorias desenvolvidas por Pichon-Rivière.
A SAP é definida por “[...] afastamento de um dos genitores do convívio com o filho. A alienação, [...] pode acontecer por motivos: a) involuntários (morte [...]) [...]; b) voluntários (desordens psicológicas; abandono [...])” (Silva, 2016, p. 210). Também segundo Silva (2016), a síndrome pode ser exemplificada com o impedimento de aproximação entre um dos pais e o filho e o envolvimento da criança nesse processo de alienação.
A Psicopedagogia, por seu caráter transdisciplinar, pode ter em seu processo de atuação não somente escolas, mas também empresas, hospitais, ONGs, entre outros. Na SAP, a atuação deste profissional se faz importante porque, junto ao Poder Judiciário, pode-se observar como as relações familiares afetam a vida da criança e/ou adolescente em seu processo de ensino-aprendizagem e intervir de forma a eliminar impasses (Silva, 2016).
O profissional deve promover um diálogo, a fim de resolver a questão sem processo litigioso, que pode trazer malefícios para a relação entre pais e filhos, e entre o casal, como pais na criação coparental dos descendentes. A SAP, quando não bem mediada, pode acarretar traumas para este infante, podendo levar essa criança a apresentar tendências antissociais, o que levará a problemas mais complexos de comportamento, que serão aprofundados no decorrer deste artigo.
Sendo assim, o trabalho terapêutico deve manipular a configuração familiar e mesmo escolar, “pois uma resposta positiva do meio pode resultar numa transformação psíquica” (Silva, 2008, p. 92). Como afirma Silva (2016, p. 224), “A família em crise [...] requer atenção [...]. E não há como separar o que é inseparável, ou seja, família, escola e sociedade”. Por isso, a necessidade de uma equipe qualificada para tratar situações conflituosas. A proposta da autora é realizar a mediação com uma equipe transdisciplinar, que envolve psicopedagogos e psicólogos, para a observação do progresso familiar e da criança, pois “A equipe transdisciplinar deverá observar o desenvolvimento da socialização e da aprendizagem das crianças e adolescentes envolvidos nos conflitos” (Silva, 2016, p. 225).
Outra possibilidade de atuação psicopedagógica é no terceiro setor, que compete à “[...] toda atividade não-governamental e sem fins lucrativos [...]” (Leonardi, 2005, s.p.).
Existem ONGs que visam à melhoria da educação de crianças que vivem em comunidades carentes. Para que esse tipo de instituição seja efetiva, é necessário um levantamento de dados, uma elaboração de ideias para que, então, se concretize o projeto.
Um exemplo desse tipo de trabalho é o relatado no artigo de Leonardi (2005), que aborda sobre a ONG “Associação Novas Trilhas”, situada no interior do estado de São Paulo, fundada em 2001, e tem como missão
Contribuir para a melhoria das condições de vida [...] promoção e ampliação das oportunidades socioculturais e econômicas de crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, por meio de atividades centradas em educação e cultura, [...] resgate da plena cidadania com dignidade para os munícipes, no campo social e econômico. (Associação Novas Trilhas, 2001, s.p.)
Para que o objetivo apresentado pela ONG Novas Trilhas seja concreto, Leonardi (2005) pontua que há a atuação de um psicopedagogo que visa à integração entre o cognitivo e o afetivo no atendimento dessas crianças e adolescentes; além disso, há, junto a uma equipe transdisciplinar, a supervisão psicopedagógica no atendimento às famílias e comunidade, para que haja a junção de todas as esferas que impactam na vida do aluno atendido. O psicopedagogo também tem a função de refletir criticamente a prática e orientar os outros profissionais.
As crianças atendidas nessa instituição são comumente de baixa renda e conhecidas como “alunos-problema” nas escolas regulares que frequentam. Para que esse rótulo fosse desmantelado, foi oferecido a essas crianças o necessário segundo Saes (2012, p. 100), ou seja, um “[...] diálogo real e genuíno, relações verdadeiras, espaços de criatividade [...]” valorizando as particularidades e o grupo “onde cada integrante seria, além de parte do todo, um todo em si mesmo” (Rogers, 1979, citado por Leonardi, 2005, s.p.).
A atuação do psicopedagogo junto ao terceiro setor trouxe benefícios à cidade na qual este projeto foi desenvolvido, promovendo aumento da autoestima e resgate da cidadania, por isso, é importante que se discuta o conceito da Psicopedagogia em ambientes extraescolares e clínicos.
O atendimento à comunidade visto anteriormente pode ser entendido como a Psicopedagogia comunitária ou social, como já explicitado no tópico anterior. Um autor que foi muito relevante nesta área e ajudou a validar a psicologia social foi Pichon-Rivière, psiquiatra suíço radicado na Argentina que trouxe grande contribuição para esse campo, sendo o autor da teoria dos Grupos Operativos e da Teoria do Vínculo.
Os grupos operativos baseiam-se em “[...] modos de intervenção [...] para a aprendizagem e para a transformação” (Pereira, 2013, p. 25). Como o ser humano possui necessidades e todas as nossas ações resumem-se em atender a elas, Pichon-Rivière classificou cinco contradições inerentes a todo grupo, sendo eles, segundo Pereira (2013): velho x novo; necessidade x satisfação; sujeito x grupo; explícito x implícito e projeto x resistência à mudança. Essas contradições e a tentativa de nos satisfazermos é o que nos leva ao desenvolvimento e à aprendizagem.
O grupo operativo tem como técnica a transformação de uma situação grupal em investigação ativa (Pereira, 2013), visando à mudança de determinada realidade, por isso, a necessidade da escuta, discussão e diálogo entre os integrantes do grupo, promovendo a transformação, afinal “aprendizagem é sinônimo de mudança” (Bastos, 2010, p. 161).
“Não pode haver transformação sem diálogo, sem interação, sem a troca, sem a palavra do outro construindo sentidos junto à minha, seja na mesma direção, seja em sentidos contraditórios, em um movimento permanente, dialético e em espiral” (Pereira, 2013, p. 27).
Essa teoria dialógica, apresentada pelo autor, promove a troca de experiências e de ideias, levando à transformação da realidade. Para Pichon-Rivière, também era importante que, ao realizar um atendimento, se considerasse a influência dos meios, uma vez que a aprendizagem se dá por meio de um processo contínuo e é concretizada a partir das experiências e do vínculo com o outro para que esse conhecimento tome forma e seja significativo (Bastos, 2010). Além disso, Silva (2008) pontua que, ao lado de fatores psicológicos e fisiológicos, a configuração social é determinante na formação da personalidade e comportamentos.
Segundo Bastos (2010), para a Psicologia social, o sujeito é constituído por uma contradição, pois ao mesmo tempo em que tenta satisfazer suas necessidades pessoais, ele tem a exigência e a urgência da relação com o outro, da interação, do vínculo com o mundo externo e da reciprocidade perante essas ações. Essa necessidade da interação é reiterada por Silva, já que as “[...] trocas afetivas [...] são determinantes para a construção e sustentação da identidade [...]” (Silva, 2008, p. 95).
As respostas às ações irão depender da comunidade, da cultura, dos valores e dos significados partilhados pela sociedade. Segundo Wallon (1968), citado por Bastos (2010, p. 163), o “sujeito interage construindo-se socialmente e, ao mesmo tempo em que se constrói, participa ativamente da construção social”. Por isso, a interação é tão significativa para a construção do sujeito individual, sua psique e da sociedade a qual pretende-se formar.
Para explicar essa necessidade de interação, Pichon-Rivière (1988) citado por Bastos (2010), apresentou a Teoria do Vínculo, que se baseia na ideia de que, em uma relação, nós internalizamos o outro e vice-versa:
“O vínculo, que primeiro é externo, depois se torna interno, depois, externamente [...] configurando permanentemente a fórmula dessa espiral dialética, dessa passagem do de dentro para fora e do de fora para dentro [...]” (Pichon-Rivière, citado por Oliveira, 2000, p. 164).
A Teoria do Vínculo e os Grupos Operativos estão intimamente ligados, uma vez que, em cada relação vincular, há a individualidade, seja ela consciente ou não e, ao partilharem as necessidades, o grupo cria histórias, dando a ele uma identidade própria. Abduch (1999), citado por Bastos (2010) afirma que:
Cada integrante do grupo comparece com sua história pessoal consciente e inconsciente [...]. Na medida em que se constituem em grupo passam a compartilhar necessidades em função de objetivos comuns e criam uma nova história [...] gerando uma história própria, inovadora que dá ao grupo sua especificidade e identidade grupal. (Abduch, citado por Bastos, 2010, p. 166)
Para chegar a essa identidade grupal, cada integrante possui um papel – que pode ser volátil, no qual há a criação de laços, trazendo aos grupos operativos um caráter terapêutico (Bastos, 2010).
Por isso, no trabalho psicopedagógico, principalmente em situações de conflito, nas quais se aplica a Psicopedagogia social, há a necessidade do conhecimento da técnica de grupos operativos e da teoria do vínculo, a fim de promover dinâmicas que visem a superação de conflitos, promovendo uma nova identidade que envolve as particularidades do grupo.
Portanto, pode-se inferir sobre a necessidade da ampliação da intervenção psicopedagógica em ambientes que ultrapassam as barreiras da escola e do ambiente clínico.
A falha social na agressividade
Muitos me chamam pivete
Mas poucos me deram um apoio moral
Se eu pudesse eu não seria um problema social
Seu Jorge (2005).
Em nosso país há muitas considerações sobre a adolescência e o acréscimo da violência nesse período. A adolescência, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990), estende-se dos 12 aos 18 anos de idade. Cada pessoa reagirá de forma diferente frente às mesmas situações, mas aqui pretende-se o aprofundamento no estudo da agressividade nessa fase, visto que jovens em vulnerabilidade social são constantemente estigmatizados como violentos e agressivos.
Essa fase é um intervalo de intensas descobertas, angústias e vulnerabilidade de um sujeito que ainda se encontra em formação, suscetível a influências, pois está em busca da sua identidade, uma vez que “[...] representa um momento de contradição e de confrontação com o social e, ao mesmo tempo, com sua própria constituição subjetiva” (Scoz, como citado por Scoz & Porcacchia, 2009, p. 69).
A violência e a agressividade nesse período geralmente se resumem em rótulos como “alunos-problema” e têm relação direta com o fracasso escolar. Mas o necessário é voltar ao início, encontrar o cerne do problema para, assim, tentar remoldar as estruturas criadas nesse adolescente, já que:
A agressividade manifestada pelos alunos [...] deve ser vista como um pedido de socorro [...] estão convidando a escola a retroceder com eles até o ponto em que houve falhas, que podem ter sido causadas pela família, mas também pela sociedade e pela própria escola. (Saes, 2012, p. 99)
Como relatado, a agressividade expressa pelo adolescente é uma fuga da realidade, sendo a causa desta violência alguma falha social. Muitos adolescentes entram nessa fase já estigmatizados por diversos fatores, como a pobreza, pois “[...] movimentos de reforma social transformaram a diferença cultural e socioeconômica em patologia [...]” (César, 1999, s.p.)
Winnicott, britânico, pediatra de formação e estudioso da psique humana, enxergava a agressividade como um processo inerente ao ser humano, que pode vir a se tornar uma patologia dependendo da resposta do ambiente a ela; já a tendência antissocial é sinal de esperança, uma vez que é entendida como um pedido de ajuda para a reparação das falhas cometidas pela sociedade (Saes, 2012).
Levando em consideração o pensamento deste autor, pode-se inferir que a intervenção psicopedagógica nos casos de violência é importante para que se entenda o porquê desta agressividade, a fim de que não se torne um problema recorrente e grave, uma vez que a agressividade pode ser vista, segundo Silva (2008), como uma forma de comunicação de conflito e substituição de uma relação falha, além de que, quando voltada a si mesmo, seja uma maneira de se reconhecer perante suas angústias.
Por isso, de acordo com Capra (2006), como citado por Scoz e Porcacchia (2009), é necessária a compreensão do sujeito em sua subjetividade, entender quais são os impactos da sociedade em seus âmbitos cognitivo, afetivo e social, pois são aspectos indissociáveis do ser humano, que, juntos, moldam o caráter e a personalidade, e podem ser determinantes frente uma situação desafiadora.
Nossas respostas ao meio ambiente são, portanto, determinadas... por nossa experiência passada, nossas expectativas, nossos propósitos [...]. A tênue fragrância de um perfume pode evocar alegria ou mágoa, prazer ou dor, através de suas associações com a experiência passada, e nossas respostas variarão de acordo com isso. Assim, o mundo interior e exterior estão sempre interligados [...]. (Capra, 2006, como citado por Scoz & Porcacchia, 2009, p. 61)
Assim, pode-se entender como a subjetividade atua, uma vez que nossas experiências anteriores afetam as nossas ações do presente, por isso, cada cidadão, ao enfrentar circunstâncias adversas, pode ter respostas diferentes a elas. Sendo assim, a agressividade observada pode ser explicada por acontecimentos anteriores que moldaram a sua personalidade.
Por isso, a atuação da equipe escolar – gestores e professores – juntamente com a família e um profissional da Psicopedagogia deve ser conjunta, visando a remodelação de traumas e falhas provocadas pelo ambiente, seja ele familiar, escolar ou social, pois o adolescente pode demonstrar agressividade como mecanismo de defesa, já que “[...] os perigos [...] não os amedrontam tanto quanto o risco da invisibilidade [...]” (Silva, 2008, p. 106). Se o tratamento dessa hostilidade ocorrer de forma equivocada, ou seja, se houver falha ao oferecer a este aluno um espaço saudável, seguro, confiável e harmônico, haverá a defasagem da estabilidade ambiental, o que leva ao aumento da violência e dos atos antissociais, podendo acarretar delitos graves.
Deve-se entender a agressividade e o “aluno-problema” como um ser que foi, por diversas vezes, rejeitado e estigmatizado pela sociedade, que rotula os menos abastados desde o seu nascimento.
O indivíduo que se comporta de forma agressiva está buscando algo que lhe foi tomado, e, de forma implícita, está pedindo que alguma instância ofereça limites – com o acolhimento necessário, a estabilidade que ele necessita para que o impeça de dar prosseguimento a este tipo de comportamento. Essa instância – seja ela qual for – deve oferecer o suporte para que o jovem assuma as responsabilidades e haja a reparação dos danos (Saes, 2012).
Para Winnicott, de acordo com Saes (2012), a reparação destes danos deve ser realizada ao proporcionar um ambiente saudável, que, intrinsecamente, foi a busca deste adolescente tachado como agressivo e com tendências antissociais.
A escola, para este autor britânico, é a continuação das experiências de vida, a primeira colocação da criança na sociedade, e, sendo assim, deve adaptar-se às necessidades dos alunos, oferecendo um equilíbrio entre os aspectos emocionais e racionais, já que, nos processos de ensino-aprendizagem, as emoções são indissociáveis da razão (Saes, 2012).
O adolescente deve ter “o reconhecimento de si mesmo como protagonista ou participante de tal produção”, como afirma Fernández (2001, citada por Scoz & Porcacchia, 2009, p. 69) e isso, com a intervenção psicopedagógica correta, pode ser alcançado, já que, segundo Fernández, o papel desse profissional é abrir espaços de autoria de pensamento, de construção e reconstrução constante (Scoz & Porcacchia, 2009).
Posto isso, se ressalta a importância de um acolhimento, de um apoio a estes adolescentes, tendo em mente que são pessoas em formação. Caso sejam tratados como “alunos-problema”, destinados ao fracasso, terão mais dificuldade em superar suas dificuldades – resultado de falhas da própria sociedade. Sem adentrar à problemática real e tentar repará-la, os jovens se sentirão negligenciados novamente pela sociedade, desta vez representada pela escola.
Considerações
Este trabalho foi proposto a fim de elucidar alguns aspectos da Psicopedagogia além do comumente conhecido. A atuação psicopedagógica deve ir além do ambiente escolar e clínico para uma intervenção que promova a inclusão social de crianças, adolescentes e adultos marginalizados pela sociedade e estigmatizados por ela como “delinquentes” e “alunos-problema”.
A Psicopedagogia se propôs a entender os enigmas da psique humana e sua relação com a aprendizagem, por isso, se fez a partir de uma junção das áreas da saúde e educação. Desta maneira, crianças e adolescentes que carregam consigo descrédito devem ser avaliadas não de forma médica apenas, mas também em seus aspectos afetivos e sociais, já que são indissociáveis. Em algum momento, provavelmente houve o cometimento de uma falha, fazendo com que as ações em resposta fossem consideradas inadequadas, porém, nada mais é que um pedido de ajuda para voltar ao cerne da questão e resolvê-la.
Vale ressaltar que a aprendizagem humana não compete somente a pessoas em idade escolar, e muito menos é restrita ao ambiente escolar, já que em todos os momentos os seres humanos aprendem, mesmo que pela educação informal, por isso, a necessidade de um olhar para o envolto do sujeito, pois tudo é absorvido e influencia em condutas e aprendizagem.
A Psicopedagogia deve ter como objetivo a formação integral do sujeito. Dito isso, deve-se ampliar a visão para uma educação extraescolar, formando sujeitos que sejam críticos e cidadãos atuantes na sociedade.
Para tal, faz-se necessária uma atuação psicopedagógica que envolva todos que fazem parte da educação do sujeito, além de um olhar mais atento às partes marginalizadas de nossa sociedade, como pessoas em situação de privação de liberdade e alunos que são vistos como fracassos. Não deve haver generalização, porém, ao negligenciar-se a maioria desses estigmas, não haverá solução da questão, mas sim ignorância deliberada de erros que podem ser reparados, e, se feitos de forma adequada, são capazes de evitar cometimento de delitos e ajudar a construir uma sociedade mais democrática, mediante o diálogo.
O trabalho psicopedagógico em situações adversas se faz muito importante, a partir do momento em que tenta entender as partes em sua subjetividade, além de promover uma compreensão das experiências passadas para que possa haver o entendimento das ações presentes de certos indivíduos. A palavra que define a Psicopedagogia comunitária e social e a sua intervenção em situações de conflitos é o diálogo.
Posto isso, observa-se a necessidade imediata de olhares para a educação social, em prol de uma sociedade mais justa e igualitária.













