O fim do ano de 2024 se aproxima, e está marcado por uma sensação cada vez mais evidente de que o tempo corre em um ritmo ainda mais acelerado. No campo da educação, da saúde e na Psicopedagogia essa percepção se torna ainda mais intensa, à medida que as mudanças no mundo – sejam tecnológicas, sociais e culturais – moldam novas formas de aprender, ensinar e compreender o ser humano. Este Editorial reflete sobre a produção de conhecimento e pesquisa em Psicopedagogia, onde a urgência de pensar as novas demandas educacionais caminha lado a lado com a necessidade de revisar as bases da aprendizagem na prática psicopedagógica.
No centro das discussões, a virtualização continua a desempenhar um papel transformador. A transição para ambientes híbridos de aprendizagem, que havia sido acelerada pelos eventos globais dos últimos anos, consolidou-se em 2024. Com isso, surgiram questões sobre como adaptar as práticas psicopedagógicas às novas formas de interação e ensino. As pesquisas voltaram-se para a compreensão de como as plataformas digitais, a inteligência artificial e as novas tecnologias impactam o desenvolvimento cognitivo e emocional dos estudantes em todos os níveis de ensino, especialmente aqueles com dificuldades de aprendizagem. A rápida evolução das ferramentas tecnológicas exige que o campo da Psicopedagogia esteja em constante adaptação para acompanhar as necessidades dos estudantes em um mundo cada vez mais conectado.
No entanto, enquanto a tecnologia avança, não podemos perder de vista o ser humano. Um dos maiores desafios destacados neste ano foi equilibrar a inovação tecnológica com a promoção do bem-estar mental dos seres humanos. Com a crescente complexidade da vida contemporânea, o aumento dos casos de ansiedade, depressão e outras dificuldades tornou-se uma preocupação central nas pesquisas psicopedagógicas. O tempo, que parece passar mais rápido do que nunca, tem imposto uma pressão crescente sobre os estudantes, resultando em uma necessidade urgente de intervenções que acolham a dimensão psíquica do aprendizado. Assim, as pesquisas deste ano reforçaram a importância de práticas integrativas, que consideram o desenvolvimento cognitivo e emocional de forma interconectada.
Outro aspecto desafiador de 2024 foi a ampliação do debate sobre diversidade e educação inclusiva no contexto educacional. Em um mundo em constante mudança, a Psicopedagogia tem desempenhado um papel fundamental na criação de ambientes de aprendizagem que respeitem e acolham as diferenças. A produção de conhecimento na área refletiu esse movimento, com um aumento significativo de estudos voltados para populações diversas. A aceleração das mudanças sociais também trouxe novos desafios para os processos formativos em todos os espaços educativos.
No âmbito global, a internacionalização das pesquisas também ganhou força em 2024, à medida que pesquisadores de diferentes países colaboraram para enfrentar desafios comuns na educação. Essa troca de conhecimento entre diferentes contextos culturais não só enriquece a produção acadêmica, como também revela padrões globais nas dificuldades de aprendizagem, ao mesmo tempo em que aponta para a importância de ideias em cada espaço. O diálogo entre diferentes nações reforça o sentimento de que, embora o tempo pareça passar rapidamente, novas ideias para os problemas educacionais emergem de processos contínuos e colaborativos.
O debate ético também ocupou espaço significativo nas discussões ao longo deste ano. A forma como os dados educacionais são coletados e utilizados, o uso de algoritmos e inteligência artificial para personalizar o ensino, e o impacto dessas tecnologias no desenvolvimento humano são questões que exigiram atenção redobrada da comunidade científica. À medida que o tempo avança e as tecnologias evoluem, a necessidade de estabelecer diretrizes éticas claras se torna cada vez mais premente. Garantir que as inovações sirvam ao bem-estar e ao desenvolvimento integral dos estudantes é um compromisso que o campo da Psicopedagogia deve continuar a perseguir.
Por fim, ao refletir sobre a rápida passagem do tempo e as mudanças profundas que marcaram 2024, é essencial destacar que a produção de conhecimento em Psicopedagogia acompanha o que acontece e se posiciona como um campo de conhecimento indispensável para entender como as transformações globais afetam a educação. O papel da Psicopedagogia vai além de responder às demandas imediatas; ele está na construção de uma visão que acione o potencial dos seres humanos, para um futuro que, embora imprevisível, precisa ser planejado com base em uma compreensão profunda e ética do processo de aprendizagem.
O ano que passou nos deixa a constatação de que o conhecimento psicopedagógico continuará a evoluir, guiado pela inovação, mas enraizado nos princípios de bem-estar e desenvolvimento humano. Que o próximo ano traga novas descobertas e, com elas, novas formas de construir um sistema educacional que acompanhe o ritmo das mudanças no mundo mantendo a essência humana da aprendizagem.
Dito isto, apresentamos os artigos que compõem essa edição:
Abrimos essa edição com um Artigo Especial, “Como fazer avaliação sistemática e compreensiva do desenvolvimento da linguagem do escolar surdo brasileiro”, por Fernando Capovilla, onde o autor descreve um compêndio em fase final de conclusão, a ser lançado em breve, que poderá ser importante para a educação bilíngue brasileira. O Compêndio de Avaliação da Linguagem do Escolar Surdo Brasileiro é resultado de um programa de pesquisa e desenvolvimento de 25 anos. O Programa de Avaliação do Desenvolvimento Linguístico do Aluno Surdo Brasileiro tem se dedicado a avaliar o grau de desenvolvimento da linguagem de alunos surdos do Ensino Fundamental ao Ensino Superior, e as variáveis que favorecem ou dificultam o seu desenvolvimento. O artigo explora brevemente algumas implicações teóricas para futuros desenvolvimentos teóricos e de pesquisa.
Depois, temos um Artigo Original, “Vocabulário, consciência sintática e leitura nas dificuldades de aprendizagem”, de Luana Gabriele Garcia de Souza; Hellen França Alcantara; Alexandre Lucas de Araújo Barbosa; Taís de Lima Ferreira-Mattar e Cíntia Alves Salgado-Azoni. O objetivo deste estudo foi analisar se há influência do vocabulário e consciência sintática na leitura de escolares com dificuldades de aprendizagem. Trata-se de um estudo documental retrospectivo. Foi realizada análise estatística descritiva e inferencial, por meio do Coeficiente de Correlação de Spearman e do Teste de Kruskall-Wallis. Os resultados indicaram que escolares que apresentaram nível de leitura alfabético ou ortográfico obtiveram melhor desempenho em consciência sintática. Esses achados permitem concluir que as habilidades linguísticas e metalinguísticas estão relacionadas intimamente entre si e com a leitura em escolares com dificuldades de aprendizagem.
Temos também outro Artigo Original, “Desempenho neuropsicológico de escolares em vulnerabilidade socioeconômica”, de Danielle Diniz de Paula; Flaviana Gomes da Silva; Juliana Nunes Santos; Letícia Corrêa Celeste e Luciana Mendonça Alves. O objetivo deste artigo é analisar o desempenho em tarefas neuropsicológicas de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade socioeconómica, com e sem queixa de mau desempenho acadêmico, durante a pandemia da COVID-19. Como resultado, obteve-se das avaliações que 42,9% dos participantes apresentaram queixa de mau desempenho acadêmico. Por faixa etária, houve diferença estatística em subtestes de memória, linguagem oral e escrita. Não houve efeito significativo da idade no resultado das tarefas avaliadas. Os resultados indicam que, na população estudada, os maiores prejuízos foram nas tarefas de habilidades aritméticas, linguagem oral e escrita.
Prosseguimos com outro Artigo Original, “Experiências de educadoras na alfabetização fônica de escolares com deficiência intelectual”, de Laís Alves Porto; Sâmela Mota Regis de Souza; Gisele de Lima; Wleydson Henrique Lourenço de Souza e Angélica Galindo Carneiro Rosal. Nesse estudo o objetivo foi desvelar a atuação prática de educadoras sobre a alfabetização fônica de escolares com deficiência intelectual. As participantes foram entrevistadas por meio de uma entrevista semiestruturada individual. Como resultado tem-se a análise de conteúdo das falas das educadoras. Foi possível concluir que as educadoras demonstraram ter experiência e conhecimento na alfabetização fônica de escolares com deficiência intelectual. Suas práticas são pautadas na estimulação de habilidades de consciência fonológica, de forma lúdica e diversificada. Nota-se a importância do investimento na formação continuada do professor, especialmente alinhando os saberes da saúde e educação para uma prática baseada em evidências.
Outro Artigo Original, “Intervenção psicoeducativa de estudantes universitários: efeitos na qualidade de vida”, de Adriana Assis Carvalho; Leandro do Prado Assunção; Keila Correia de Alcântara e Flávio Marques Lopes, é um estudo longitudinal quase-experimental do tipo antes e depois, realizado com os estudantes que participaram da intervenção em duas universidades públicas brasileiras. Foram utilizadas estratégias de promoção de autoconhecimento e princípios da teoria sistêmica. Este tipo de intervenção psicoeducativa mostrou-se útil na promoção de qualidade de vida dos estudantes universitários e pode ser uma prática adotada pelas Instituições de Ensino Superior.
Mais um Artigo Original, “Avaliação Psicológica: Uso do livro na investigação de aspectos socioemocionais”, de Laís Marlene Miranda Franca; Roberta Cravo de Oliveira; Raquel Donegá de Oliveira; Nayara Mesquita Ribeiro e Rebecca de Araújo. A proposta deste artigo é contribuir com o trabalho do avaliador, apresentando um tutorial sobre o uso do livro “Ernesto”, de Blandina Franco e José Carlos Lollo (2016), como fonte complementar neste processo. A literatura infantil é um recurso lúdico que possibilita acessar o mundo vivencial por meio da coleta de dados subjetivos e objetivos, tais como aspectos socioemocionais, cognitivos e comportamentais. Para apresentar essa proposta, parte-se de uma breve revisão sobre a API, avançando para o constructo socioemocional. Por fim, destaca-se a relevância de investigar procedimentos de API pertinentes às necessidades subjetivas da criança.
Nesse Artigo Original “Cadernos-diários em oficinas de jogos: um recurso para autopercepção”, por Maria Thereza Costa Coelho de Souza junto com Ana Lúcia Pétty, o objetivo do trabalho é apresentar dois Cadernos-diários, que reúnem atividades lúdicas e desafios com jogos, usados como recurso didático para acessar a autopercepção de participantes de oficinas de jogos, no contexto de um programa de intervenção para crianças com dificuldades escolares. Do ponto de vista qualitativo, foram analisados os conteúdos das respostas com base nos conceitos de tomada de consciência e funções executivas. Os resultados indicaram que a autopercepção, desencadeada pelo uso dos Cadernos-diários em intervenções com jogos, serve como ponto de partida e torna os erros observáveis, mesmo que não ocorram mudanças imediatas. Isto demonstra uma possível contribuição deste recurso para gerar melhoria na qualidade dos procedimentos e ampliação do foco nas tarefas, com benefícios para a aprendizagem e o desenvolvimento.
Encerrando a categoria de Artigo Original dessa edição, temos “O brincar e o conhecer: o lugar do sujeito”, de Bety Ribeiro Corrêa e Luciana Gageiro Coutinho. O presente artigo é decorrente de uma pesquisa de mestrado em educação realizada na Universidade Federal Fluminense. Tem como objetivo investigar a relação entre o brincar e o conhecer e suas implicações para o processo de constituição do sujeito, entendendo-os como processos imbricados: a primeira forma de conhecer se dá através do brincar, que por sua vez cria as bases para a aprendizagem formal que virá na escola. Nesse sentido, questiona em que medida a falta ou a presença do espaço do brincar, entendido como espaço favorecedor do desenvolvimento da capacidade simbólica na criança, interfere na relação do sujeito com o conhecer. Os achados da pesquisa reforçam a importância do diálogo das ciências da educação com a psicanálise e a Psicopedagogia para a compreensão do sujeito em seu processo de aprendizagem.
“Socialização parental e agressão em crianças com autismo: revisão sistemática”, de Mírian Carla Lima Carvalho; Cleonice Pereira dos Santos Camino e Lilian Kelly de Sousa Galvão é um Artigo de Revisão, cujo objetivo geral foi avaliar sistematicamente a produção bibliográfica, dos últimos 20 anos, sobre a relação entre socialização parental e os comportamentos agressivos de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). De acordo com os artigos selecionados, o comportamento agressivo não é um critério diagnóstico do TEA, mas um comportamento que pode surgir em decorrência de algumas características relacionadas ao transtorno, como déficits na comunicação, déficits sensoriais e padrões comportamentais. Acredita-se que os resultados encontrados ajudarão a planejar novas pesquisas e intervenções que incluam cuidadores e crianças com TEA.
Outro Artigo de Revisão é “Modelo de Resposta à Intervenção e a Matemática: revisão sistemática”, de Rita dos Santos de Carvalho Picinini; Simone Aparecida Capellini e Giseli Donadon Germano. O objetivo deste estudo foi realizar uma revisão sistemática sobre o uso do Modelo de Resposta à Intervenção com as dificuldades matemáticas do 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental – Anos Iniciais. Foram encontrados apenas dois estudos que examinaram os efeitos do uso do Modelo de Resposta à Intervenção para as dificuldades de matemáticas; entretanto, esses estudos demonstraram que o uso do Modelo RTI contribuiu para o sucesso do desempenho dos escolares em habilidades acadêmicas matemáticas.
“O interesse do modelo cognitivo compartilhado da relação leitura-escrita à alfabetização” é mais um Artigo de Revisão, de Wagner Ferreira Angelo; Dalva Maria Alves Godoy; Vera Wannmacher Pereira e Maria Eduarda Fernanda dos Santos de Fraga. O trabalho tem como objetivo investigativo descrever a importância do modelo cognitivo compartilhado por sua relevância à compreensão da alfabetização em acordo com as políticas educacionais brasileiras mais recentes, a saber: a Base Nacional Comum Curricular e o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada. Os resultados da análise demonstraram que há uma relação próxima entre o modelo cognitivo compartilhado e as políticas educacionais atuais, inclusive, acarretando benefícios no tocante ao ensino-aprendizagem das habilidades de ler e de escrever favoráveis à melhoria na qualidade da alfabetização, à formação docente, ao fortalecimento de conhecimentos sobre o português e ao alcance das metas das políticas educacionais previamente mencionadas.
Outro Artigo de Revisão “Instrumentos para avaliação da memória operacional infantil: uma revisão sistemática”, de Michéli da Silva Jacobi, teve como objetivo realizar uma revisão sistemática da literatura para identificar os principais instrumentos utilizados na avaliação da memória operacional em crianças. Foram recuperados, inicialmente, 76 artigos, dos quais 14 foram selecionados. Com a revisão efetuada, foi possível descrever diferentes tarefas a partir de um modelo cognitivo. Cabe ressaltar a necessidade de mais estudos nessa temática, em especial estudos psicométricos para a construção e a validação de instrumentos, bem como o refinamento sobre o entendimento da memória operacional, enriquecendo o processo de investigação nesta área.
Finalizando a categoria de Artigos de Revisão, temos “Instrumentos de avaliação da compreensão: Brasil e Portugal”, de Ana Paula Santana e Ana Paula Couceiro Figueira. O objetivo deste artigo é realizar uma revisão de literatura sobre os principais instrumentos para avaliação da compreensão da linguagem oral para crianças na língua portuguesa brasileira e europeia. As análises evidenciaram há uma carência ainda de testes de compreensão em português europeu e brasileiro. Os testes mais utilizados não são construídos para avaliar a compreensão, mas sim alguns itens dela. Desta forma, apresentam pouquíssimos subitens voltados à compreensão. O tipo de avaliação é semelhante, com provas estandardizadas e tarefas de apontar e responder oralmente. Há carência de avaliações sobre a linguagem não verbal e diferentes gëneros discursivos, assim como avaliações que envolvam metodologias diferenciadas (checklist, avaliação dinâmica, avaliação discursiva).
Na categoria de Relato de Experiência temos “Reabilitação neuropsicológica para funções executivas em um paciente com dislexia: estudo com delineamento experimental de caso único”, de Ricardo Franco de Lima; Rauni Jandé Roama Alves; Fernanda Caroline Pinto da Silva; Cíntia Alves Salgado Azoni e Sylvia Maria Ciasca. Este estudo experimental de caso único teve como objetivo investigar os efeitos de um programa de reabilitação neuropsicológica para funções executivas em um paciente com dislexia do desenvolvimento. Todas as análises estatísticas foram realizadas usando um programa desenvolvido especificamente para estudos de design experimental de caso único em neuropsicologia. Como resultado, teve-se que a intervenção afetou positivamente o controle inibitório, a memória de trabalho, o planejamento, o uso de estratégias de aprendizado e compreensão, e a compreensão de leitura. Este estudo mostra a eficácia de um programa de reabilitação neuropsicológica e indica que este tipo de intervenção pode ajudar a reduzir os déficits de funções executivas em pacientes com dislexia do desenvolvimento.
E, encerrando a edição 126, temos uma Resenha, “Uma Década de Piafex: Um Sumário do programa 10 anos após sua publicação”, de Letícia de Fátima Martins Rodrigues. O livro “Piafex: Programa de Intervenção em Autorregulação e Funções Executivas” oferece um programa abrangente e com evidências de efetividade para promover o desenvolvimento das funções executivas em crianças. Os resultados positivos observados, tanto na melhoria das capacidades cognitivas quanto na regulação do comportamento, destacam o impacto benéfico dessa intervenção. Além disso, a flexibilidade e adaptabilidade do programa para diferentes faixas etárias e contextos tornam-no uma ferramenta valiosa para profissionais da área da psicologia e da educação.
Por ora entregamos ao leitor a Edição 126 da Revista Psicopedagogia, que encerra as publicações de 2024.
Feliz 2025 a todos os leitores!