SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.41 issue126Neuropsychological performance of socioeconomically vulnerable studentsPsychoeducational intervention for university students: Effects on quality of life author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

article

Indicators

Share


Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.41 no.126 São Paulo Sept./Dec. 2024  Epub Dec 16, 2024

https://doi.org/10.51207/2179-4057.20240048 

ARTIGO ORIGINAL

Experiências de educadoras na alfabetização fônica de escolares com deficiência intelectual

Experiences of educators in phonic literacy of student with intellectual disabilities

Lais Alves Porto1 

Sâmela Mota Regis de Souza2 

Gisele de Lima3 

Wleydson Henrique Lourenço de Souza4 

Angélica Galindo Carneiro Rosal5 

1Lais Alves Porto – Mestranda em Letras Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Salvador, BA, Brasil

2Sâmela Mota Regis de Souza – Pósgraduada em Linguagem, Faculdade Novo Horizonte (FNH), Salvador, BA, Brasil

3Gisele de Lima – Graduação, Centro Universitário São Miguel (UNISÃOMIGUEL), Recife, PE, Brasil

4Wleydson Henrique Lourenço de Souza – Graduação, Centro Universitário São Miguel (UNISÃOMIGUEL), Recife, PE, Brasil

5Angélica Galindo Carneiro Rosal – Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE, Brasil


Resumo

Introdução:

Pessoas com deficiência intelectual apresentam dificuldades na comunicação, linguagem, esquema corporal e funções executivas, devido às lacunas no seu desenvolvimento. Tais dificuldades trazem grandes impactos no processo de aprendizagem escolar, especialmente no período de alfabetização. Desse modo, o professor necessita de conhecimentos específicos e práticas inclusivas que possibilitem o progresso no desempenho escolar e contemplem habilidades preditoras para o sucesso na alfabetização.

Objetivo:

Desvelar a atuação prática de educadoras sobre a alfabetização fônica de escolares com deficiência intelectual.

Método:

Trata-se de uma pesquisa de caráter qualitativo, na qual participaram 17 educadoras de uma escola municipal pública da cidade de SalvadorBA. As participantes foram entrevistadas por meio de uma entrevista semiestruturada individual. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra, sendo realizados registros em diário de campo.

Resultados:

A análise de conteúdo das falas das educadoras, possibilitou a identificação de três categorias temáticas: 1. Jornada de trabalho do professor; 2. Consciência fonológica para a alfabetização; 3. Atuação prática na alfabetização de escolares com deficiência intelectual.

Considerações:

As educadoras demonstraram ter experiência e conhecimento na alfabetização fônica de escolares com deficiência intelectual. Suas práticas são pautadas na estimulação de habilidades de consciência fonológica, de forma lúdica e diversificada. Nota-se a importância do investimento na formação continuada do professor, especialmente alinhando os saberes da saúde e educação para uma prática baseada em evidências.

Unitermos Deficiência Intelectual; Alfabetização; Professor; Leitura

Summary

Introduction:

People with intellectual disabilities have difficulties in communication, language, body scheme and executive functions, due to gaps in their development. Such difficulties bring great impacts on the school learning process, especially in the literacy period. Thus, the teacher needs specific knowledge and inclusive practices that enable progress in school performance and include predictive skills for success in literacy.

Purpose:

To reveal the practical work of educators on the phonic literacy of students with intellectual disabilities.

Methods:

This is a qualitative research, in which 17 educators from a public municipal school in the city of Salvador-BA-Brazil participated. The participants were interviewed through an individual semi-structured interview. All interviews were recorded and transcribed in full, with records being made in a field diary.

Results:

The content analysis of the educators’ statements enabled the identification of three thematic categories: 1. Teacher’s workday; 2. Phonological awareness for literacy; 3. Practical action in the literacy of students with intellectual disabilities.

Considerations:

The educators demonstrated to have experience and knowledge in the phonic literacy of students with intellectual disabilities. Its practices are based on the stimulation of phonological awareness skills, in a playful and diversified way. It is noted the importance of investing in continuing education for teachers, especially aligning knowledge of health and education for an evidence-based practice.

Keywords Intellectual Disability; Literacy; Teacher; Reading

Introdução

De acordo com o Decreto de nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999 (Brasil, 1999), a deficiência intelectual (DI) apresenta manifestação antes dos 18 anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: comunicação; cuidado pessoal; habilidades sociais; utilização dos recursos da comunidade; saúde e segurança; habilidades acadêmicas; lazer; e trabalho (Voos, 2019)

A deficiência intelectual não é uma doença, mas sim uma limitação atribuída a alguns sujeitos, que em sua grande maioria, apresentam o funcionamento cognitivo que não corresponde à idade esperada, ou seja, está muito abaixo dos padrões de normalidade (Leite, 2022). Porém, a DI não é um impedimento para que os sujeitos possam ter um desenvolvimento de forma satisfatória através do contexto educacional em contribuição com as das salas de AEE (Brites, 2019).

Na criação da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, são assegurados todos os direitos juridicamente da pessoa com deficiência no Brasil (Brasil, 2015). Isso representa uma conquista importante para efetivação da inclusão escolar da pessoa com deficiência.

Nesta perspectiva, o Atendimento Educacional Especializado (AEE) às pessoas com deficiência deve acontecer, preferencialmente, na rede regular de ensino, corroborando com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva que orienta que estados e municípios transformem seus sistemas educacionais, de modo que se tornem mais inclusivos (Brasil, 2015).

Sendo assim, é possível assegurar que é dever do Estado a capacitação dos profissionais para o sucesso da inclusão escolar, não impedindo a busca constante de novos aprendizados (Maciel, 2019). Desse modo, os professores que atuam com crianças na Educação Inclusiva devem também conhecer o desenvolvimento neurocognitivo e as práticas de um modelo inclusivo, necessitando de uma formação pedagógica que seja mais dinâmica, multidisciplinar e científica (Moreira, 2019).

Esses saberes apoiados no conhecimento acerca da Neuroeducação, alinhando os princípios da Educação e das Neurociências, podem contribuir para o processo educativo e a solução de problemas relacionados a aprendizagem escolar. Os docentes necessitam de qualificação em suas práticas, por meio de formações contínuas e investimentos em sua formação inicial (Brandão & Caliatto, 2020).

Os estudos devem ser conduzidos com base em tais princípios, de modo planejado, capacitando os docentes para respeitar às necessidades individuais de cada aluno, pensando no desenvolvimento de habilidades sociais e linguísticas, bem como competências de leitura, escrita e matemática (Moreira, 2019).

A pessoa com DI necessita desenvolver habilidades acadêmicas para o sucesso no aprendizado da leitura e escrita. Dentre as principais competências, destaca-se a consciência fonológica, que é a habilidade de refletir e manipular intencionalmente os sons das palavras (Rosal et al., 2020; Morais, 2019a).

O papel da consciência fonológica sobre a aprendizagem da leitura é amplamente referenciado na literatura, assim como a importância da realização de atividades de consciência fonológica como forma de estimulação para o processo de alfabetização (Capovilla & Capovilla, 2000; Barrera & Maluf, 2003; Hermann & Sisla, 2019).

Apesar de vários estudos já evidenciarem o valor da instrução explícita da consciência fonológica, ainda é um desafio para o sistema educacional brasileiro a utilização sistemática das habilidades metafonológicas no período de alfabetização (método fônico), como preconiza a nova Política Nacional de Alfabetização (PNA) (Brasil, 2019).

A PNA instituída para fomentar programas e ações baseadas em evidências científicas com o intuito de combater o analfabetismo absoluto e funcional. A política deve ser vista não como solução, mas como uma possibilidade de padronizar e direcionar o processo de alfabetização, este que depende de vários fatores educacionais, sociais, econômicos e políticos (Marinho & Bochembuzio, 2021).

Com base no exposto, considera-se válido conhecer as atuais práticas docentes de alfabetização, especialmente com crianças com deficiência intelectual, as quais exigem uma demanda específica do educador. Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo desvelar a atuação prática de educadoras sobre a alfabetização fônica de escolares com deficiência intelectual.

Método

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Todas as etapas atenderam a resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS/MS), sob o parecer nº 3.929.169.

Trata-se de um estudo de caráter qualitativo, de natureza exploratória/descritiva e transversal. O estudo foi desenvolvido em uma escola municipal pública na cidade de Salvador-BA.

Os sujeitos da pesquisa foram 17 educadoras que atuavam com escolares com deficiência intelectual. A fim de ocultar os nomes próprios, as participantes foram denominadas de P (participantes). Como critérios de inclusão, foi estabelecido que tivessem nível superior (graduação ou licenciatura) na área de educação; e com mais de três anos de atuação na instituição. Como critérios de exclusão, foram adotados a não assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), aquelas que não atuam com alunos com deficiência intelectual e com tempo inferior a três anos de atuação na instituição.

A pesquisa ocorreu no período de outubro a dezembro de 2021. Inicialmente, as participantes foram informadas sobre a pesquisa, os objetivos, critérios de inclusão/exclusão e o procedimento para a realização da entrevista semiestruturada, e as que concordaram em participar como voluntárias assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Desta forma, as educadoras que aceitaram participar da pesquisa, compartilharam suas vivências referentes à atuação com escolares com deficiência intelectual por meio de uma entrevista semiestruturada individual, contendo coleta de dados pessoais, usando como base as seguintes perguntas norteadoras: 1. O que você entende por consciência fonológica/método fônico? 2. Qual a importância da consciência fonológica/método fônico para a área da educação? 3. Quais os profissionais podem utilizar na prática a consciência fonológica? 4. Como você utiliza a consciência fonológica para alfabetização de escolares com deficiência intelectual? 5. Quais as principais dificuldades encontradas na alfabetização de escolares com deficiência intelectual?

As entrevistas foram previamente acordadas com as educadoras, sendo realizadas em uma sala na instituição, o mais silenciosa possível, com duração de 30 minutos a 1 hora. Os pesquisadores fizeram todos os registros em diário de campo. As entrevistas foram gravadas, posteriormente transcritas na íntegra e analisadas por meio da análise de conteúdo na modalidade temática proposta por Bardin (Bardin, 2011).

Tal análise consiste em um conjunto de técnica de análise qualitativa de comunicações, visando obter, por meio de procedimentos sistemáticos de descrição do conteúdo das mensagens, de modo a permitir a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção das mensagens, agrupando-as em categorias temáticas.

A análise de conteúdo (Bardin, 2011) é organizada em três fases: 1) Pré-análise: compreende a leitura inicial do material elaborado a partir da transcrição das educadoras e sistematização das ideias iniciais; 2) Exploração de materiais: consiste na análise, classificação e agregação das informações em categorias temáticas; e 3) Tratamento dos resultados, inferência e interpretação: sendo realizada a justaposição das diversas categorias, ressaltando os aspectos considerados semelhantes e os que foram concebidos como diferentes.

Resultados

Caracterização dos participantes

Participaram da pesquisa 17 educadoras, do sexo feminino, na faixa etária de 39 a 68 anos de idade, todas com mais de 15 anos de formação no curso de Pedagogia. Duas das demais participantes possuem outras formações acadêmicas, sendo, respectivamente: Letras e Psicologia.

Todas as participantes possuem especialização ou aperfeiçoamento; dentre as especializações cursadas, destacam-se: Psicopedagogia, Educação Especial, Educação Inclusiva e Diversidade, Gestão de Pessoas e Neuropsicologia.

As educadoras apresentam mais de oito anos atuando com escolares com deficiência intelectual. As entrevistadas também referem participação em formações continuadas através de palestras, cursos, encontros com a fonoaudióloga da instituição em que atuam, estudos de caso e formações ofertadas pela Secretaria Municipal da Educação do Salvador (SMED).

Análise de conteúdo

A análise de conteúdo das falas das educadoras, possibilitou a identificação de três categorias temáticas: 1. Jornada de trabalho do professor; 2. Consciência fonológica para a alfabetização; 3. Atuação prática na alfabetização de escolares com deficiência intelectual. A seguir, alguns recortes de fala que ilustram as temáticas:

1 – Jornada de trabalho do professor

Algumas participantes possuem jornada de trabalho dupla, atuando em outros locais:

  • P1- “(...) em uma escola municipal.”

  • P2- “(...) sou psicóloga e tenho consultório particular.”

  • P3- “(...) trabalho em uma escola estadual”

  • P4- “(...) associação dos amigos dos autistas”

  • P5 – “(...) sala de Atendimento Educacional Especial. Escola regular.”

Deve-se levar em conta que a jornada de trabalho do professor inclui, além do tempo de ensino, as atividades extraclasses. Tais demandas profissionais podem refletir em prejuízos na prática pedagógica, devido a grandes sobrecargas laborais.

2 – Consciência fonológica para a alfabetização

As educadoras demonstraram ter conhecimento sobre a definição de consciência fonológica:

  • P7- “Consiste em introduzir o indivíduo no sistema de sons da fala e distinguir o som dos fonemas.”

  • P2- “A capacidade para reconhecer e manipular os sons de uma língua.”

  • P3- “Capacidade de perceber que a linguagem é formada por palavras, estas por sílabas e as sílabas por fonemas.”

  • P11- “Consciência de que as palavras são formadas por sons. É a manipulação auditiva e oral dos sons.”

Além de ser um consenso, o conhecimento acerca da temática, as participantes também estabelecem a importância da consciência fonológica para o aprendizado da leitura e escrita:

  • P15- “(...) Para compreensão e formação de palavras, ou seja, perceber o som das letras na formação de sílabas, palavras e frases.”

  • P2- “(...) Para saber lidar com as estruturas sonoras da fala e trabalhar seus componentes estruturais.”

  • P16- “(...) Para que o aluno consiga desenvolver a base alfabética e em seguida possa aprender a ler e escrever.”

  • P3- “(...) Ela é utilizada na aquisição do letramento e do processo de aprendizagem da habilidade de ler e escrever.”

  • P14- “(...) Para o aprendizado da leitura pela decodificação grafo-fonêmica.”

Apesar do conhecimento sobre o tema, as profissionais, em alguns momentos, apontam as limitações em suas formações acadêmicas:

  • P11- “(...) de suma importância porque não fomos formados com vistas a essa consciência, deixando uma lacuna muito importante no momento da alfabetização. Terminamos confundindo fonética e fonologia.”

  • P13- “(...) podemos atuar da educação infantil ao 5º ano, período para que o educando aprenda a ler e escrever, e fazer uso satisfatório da sua língua natal. Sinto a necessidade de estudar mais a respeito do assunto, para aperfeiçoar meu trabalho.”

3. Atuação prática na alfabetização de escolares com deficiência intelectual

As participantes apontam alguns desafios no trabalho com a consciência fonológica com escolares com deficiência intelectual, especialmente as dificuldades com habilidades cognitivas de memória, concentração e atenção.

  • P15- “(...) O aluno com deficiência intelectual apresenta grandes limitações para processar e reter as informações, logo, seu tempo assimilação e compreensão dos conceitos são imensuráveis.”

  • P16- “(...)Comprometimento na fala e dificuldade de memorização são para mim. Os principais entraves no desenvolvimento da consciência fonológica nas pessoas com deficiência.”

  • P13- “(...)A dificuldade de concentração, a atenção dos mesmos, indisposição, dentre outros.”

  • P14- “(...) O déficit em atenção, noção espacial e da memória episódica.”

  • P17- “(...) Apresentar dificuldade para “focar” atenção, demorar a memorizar, dificuldade de comunicar de alguns, dificuldade motora, limitação na compreensão de conceitos abstratos.”

Com relação à prática pedagógica direcionada a esse público, as educadoras destacam a realização de abordagens lúdicas, diversificadas, explorando as habilidades de consciência fonológica.

  • P11- “(...) Através de jogos rimados, músicas, atividades seguindo do simples ao mais elaborado: consciência de palavras, silabas, sons, entre outros.”

  • P15- “(...) fazendo uso de músicas para cantar e exercitar a pronúncia das palavras, pequenos textos com rimas, trabalhando o próprio nome, nomeando objetos e leitura de imagens.”

  • P12- “(...) Através de atividades lúdicas com: rimas. Jogos de consciência fonológica, de associação, poemas, etc.”

  • P16- “(...) Através de atividades de aliteração, rima, formação e separação de silabas, contar os sons de cada palavra, identificar e diferenciar os sons das vogais e dos consoantes, etc.”

Discussão

Os professores possuem uma demanda de trabalho exaustiva, muitas vezes lecionam em vários lugares, como relatam as participantes do presente estudo. Dentre as principais dificuldades enfrentadas pelos professores da educação básica, um estudo (Krug et al., 2019) destaca baixos salários, as condições de trabalho difíceis/precárias, falta de experiência profissional, dentre outros.

Vale ressaltar que as participantes do estudo também destacaram limitações em sua formação acadêmica, o que corrobora com a literatura (Uzêda & Barbosa, 2020), que aponta as dificuldades dos docentes desde a graduação, não sendo proporcionados conteúdos básicos, que são só vivenciados na prática de sala de aula. Dessa forma, os docentes sentem-se despreparados para acolher as demandas específicas de seus alunos, essa sensação de despreparo parece alcançar proporção ainda maior quando eles se encontram diante do desafio de ensinar um estudante público-alvo da Educação Especial.

O docente necessita de um processo formativo inicial e continuado com maiores investimentos na educação e nos profissionais, contribuindo para minimizar as práticas pedagógicas excludentes, tendo em vista que a inclusão requer não somente a inserção do aluno com deficiência em sala de aula, mas uma educação na qual são respeitadas as diferenças e peculiaridades de cada indivíduo, buscando assegurar para todos os estudantes o direito de aprender (Lima & Santos, 2020).

Fica evidente a necessidade de se trabalhar os saberes específicos demandados para uma atuação profissional qualificada e eficaz, bem como o reconhecimento das peculiaridades e diversidade do processo de aprendizagem. De modo que possa planejar práticas pedagógicas, promovendo a adaptação do currículo escolar, isto é, modificar objetivos, formas de mediação pedagógica, metodologias, recursos didáticos, tempo de ensino e aprendizagem ou instrumentos de avaliação, quando necessário, tornam-se fatores importantíssimos na formação docente (Lima & Santos, 2020).

Dentre os desafios da prática docente, destaca-se a alfabetização de escolares com deficiência intelectual. No presente estudo foi possível perceber as principais dificuldades com habilidades cognitivas de memória, concentração e atenção. Em encontro com a literatura (Castex & From, 2019), que destaca que as características cognitivas limitam, significativamente, o domínio de habilidades acadêmicas, sendo importante a utilização de um currículo funcional, direcionado às especificidades de cada indivíduo.

Para o aprendizado da leitura e escrita, as crianças com DI necessitam de investimentos em habilidades sensoriais e de motricidade, como também oferecer situações em que o aluno possa participar, utilizar materiais concretos, apresentar experiências da vida cotidiana, e incentivar a escrita e a leitura como função social (fazer pequenas redações, como escrever bilhetes, desenvolver trabalhos com o nome do aluno), trabalhar com a cultura popular, dentre outros (Castex & From, 2019).

O processo de leitura e da escrita dos alunos com DI exige que o professor utilize várias práticas pedagógicas, para facilitar o registro na memória do aluno. Portanto, é essencial que tais estratégias sejam desenvolvidas de diferentes maneiras, de forma que o ensino proporcione ao aluno melhor interação, participação e desenvolvimento em atividades propostas, possibilitando-lhe o acesso ao conhecimento (Rosa, 2021).

Crianças com DI podem apresentar certas dificuldades para aprender, dentre elas, destacam-se a autoverificação e autorregulação, que implicam na aptidão de montar estratégias e de dar passos necessários para resolver problemas ou completar tarefas. No âmbito escolar, estes sujeitos podem apresentar fraco desempenho em uma área específica, como na leitura e matemática, além da pouca coordenação fina que implicará tanto na sua escrita como também na capacidade de desenvolver ações do cotidiano, dominar e controlar o corpo e realizar movimentos minuciosos (Lima & Sobreira, 2019).

Apesar de todas as dificuldades mencionadas para o processo de alfabetização, as educadoras entendem e destacam a importância do ensino da consciência fonológica para o aprendizado da leitura e escrita. Em consonância com a literatura (Barrera & Maluf, 2003; Rosal et al., 2020), que refere que a consciência fonológica é essencial para o processo de alfabetização.

Sendo assim, métodos fônicos, que defendem a apropriação do código alfabético pela criança, acreditando que a alfabetização passa pelo desenvolvimento da consciência fonológica e pela descoberta das correspondências grafemas-fonemas, parecem ser bastante indicados para uma alfabetização adequada (Ferreira, et al., 2021).

Neste sentido, houve uma reformulação nas políticas de alfabetização, como a Política Nacional de Alfabetização (PNA), estabelecida pelo Decreto n.º 9.765, de 11 de abril de 2019, que deixa claro e definido que não defende nenhum método de ensino, mas evidencia a importância das neurociências e ações baseadas em evidências (Brasil, 2019). No Brasil, o método fônico não é a metodologia regente, porém possui evidências científicas de sua importância para aprendizagem eficaz da leitura e escrita.

Sabe-se que o método fônico é referência de ensino em outros países, mas no Brasil é muito pouco utilizado pelo fato da alfabetização ter uma série limite para ser concluída, de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) porém não é cumprida (Brasil, 2019).

Atualmente, existe uma discussão teórica sobre os pontos apresentados pela PNA, dentre eles destacam-se o uso da instrução fônica. Para alguns autores (Morais, 2019b; Mortatti, 2019), o método fônico é limitado, apresentando atividades repetitivas, descontextualizadas, dificultando a construção de palavras e frases, assim como, a compreensão da leitura e produção textual, que são necessárias para o processo de alfabetização.

Por outro lado, com base nas descobertas das neurociências, existem comprovações científicas de que a instrução fônica é eficaz para a aquisição das habilidades cognitivo-linguísticas, contribuindo diretamente no processo de alfabetização (Pontes et al., 2020; Neves, 2021). Apesar da discussão teórica sobre a instrução fônica presente na política, ressalta-se a relevância de ensinar a correspondência entre o som e as letras, bem como, partir do mais simples para o mais complexo na aprendizagem da linguagem escrita (Grisa et al., 2022).

Destarte, nota-se a importância do investimento em políticas educacionais, que priorizem a inserção de equipes multiprofissionais nas escolas, com a participação do fonoaudiólogo educacional. Vale destacar a atuação do fonoaudiólogo educacional, que prioriza a promoção da educação. Atuando na educação especial e/ou inclusiva, buscando sensibilizar e capacitar educandos, educadores e familiares para a utilização de estratégias comunicativas que possam favorecer a universalização do acesso ao ambiente escolar, o aprendizado e a inclusão escolar e social (Seno & Capellini, 2019).

O fonoaudiólogo educacional pode dar apoio tanto na aprendizagem de crianças com DI, corroborando com o desenvolvimento integral e garantindo o direito de aprendizagem desses sujeitos, como, também, poderá dar um maior suporte aos educadores acerca de suas práticas pedagógicas, capacitando e orientando nas suas demandas relacionadas ao desenvolvimento da aprendizagem escolar desse alunado.

Considerações

Conclui-se que as educadoras demonstraram ter experiência e conhecimento na alfabetização fônica de escolares com deficiência intelectual. Suas práticas são pautadas na estimulação de habilidades de consciência fonológica, de forma lúdica e diversificada.

Nota-se a importância do investimento na formação inicial e continuada do professor, especialmente alinhando os saberes da saúde e educação para uma prática baseada em evidências.

Desse modo, vale ressaltar os inúmeros benefícios de uma equipe multidisciplinar no âmbito escolar, contemplando o fonoaudiólogo educacional, que vai ajudar diretamente a consolidar a aprendizagem dos escolares.

Referências

Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. Edições 70. [ Links ]

Barrera, S. D., & Maluf, M. R. (2003). Consciência metalingüística e alfabetização: um estudo com crianças da primeira série do ensino fundamental. Psicologia: Reflexão e Crítica, 16(3), 491-502. https://doi.org/10.1590/s0102-79722003000300008Links ]

Brandão, A. S., & Caliatto, S. G. (2019). Contribuições da neuroeducação para a prática pedagógica. Revista Exitus, 9(3), 521-547. [ Links ]

Brasil. Decreto Nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. (1999). Regulamenta a Lei Nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. Presidência da República. [ Links ]

Brasil. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. (2015). Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Presidência da República. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htmLinks ]

Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Alfabetização. (2019). Política Nacional de Alfabetização (PNA). Ministério da Educação. http://portal.mec.gov.br/images/banners/caderno_pna_final.pdfLinks ]

Brites, C. (2019). Deficiência intelectual entre mitos e verdade. Neuro saber. https://neurosaber.com.brintelectual-edesenvolvimental-did/Links ]

Capovilla, A. G. S., & Capovilla, F. C. (2000). Problemas de leitura e escrita: como identificar, prevenir e remediar numa abordagem fônica. Memnon. [ Links ]

Castex, L., & From, D. A. (2019). Alfabetização para pessoas com deficiência intelectual. Revista Vitrine, 7(1), 93-105. [ Links ]

Ferreira, L. M. S., Bandini, C. S. M., & Bandini, H. H. M. (2021). Treinamento de consciência fonológica para pessoas com necessidade educacionais especiais no Brasil: uma revisão sistemática. Revista Educação Especial, 34, 1-22. [ Links ]

Grisa, G., Biscaia, A., Biazuz, J., Marimon, G. A., & Nunes, M. S. (2022). Neurociência e alfabetização: Noções Fundamentais. IFRS. https://dspace.ifrs.edu.br/bitstream/handle/123456789/502/123456789502.pdf?sequence=3&isAllowed=yLinks ]

Hermann, A. D. R., & Sisla, H. C. (2019). A consciência fonológica no processo de alfabetização em pesquisas recentes. Leitura: Teoria & Prática, 37(76), 27-40. https://doi.org/10.34112/2317-0972a2019v37n76p27-40Links ]

Krug, H. N., Krug, R. R., Krug, M. R., Krug, M. M., & Telles, C. (2019). As dificuldades pedagógicas em diversas fases da carreira de professores de educação física na educação básica. Horizontes – Revista De Educação, 7(13), 223-246. [ Links ]

Leite, M. M. F. (2022). A deficiência intelectual: história e estigmatização imposta as pessoas ao longo dos tempos. Revista Ibero-Americana De Humanidades, Ciências e Educação, 8(1), 748-760. https://doi.org/10.51891/rease.v8i1.3866Links ]

Lima, M. F. T., & Sobreira, M. D. P. (2019). Dificuldades de Aprendizagem da Criança com Deficiência Intelectual. ID on line Revista de Psicologia, 13(48), 294-311. https://doi.org/10.14295/idonline.v13i48.2286Links ]

Lima, P. G., & Santos, J. M. O. (2020). A formação de professores e a educação inclusiva: discussão acerca do tema. Docent Discunt, 1(1), 63-70. [ Links ]

Maciel, C. S. F. S. (2019). Uma Avaliação da Lei nº 13.415/17 a partir da Legística e das Metas do PNE. Educação & Realidade, 44(3), e84925. https://doi.org/10.1590/2175-623684925Links ]

Marinho, A. C. B., & Bochembuzio, C. M. L. (2021). Alfabetização e Letramento: um olhar crítico sobre o Método Fônico. Revista EletrôNica da Educação, 4(2), 82-101. http://www.revista.fundacaojau.edu.br:8078/journal/index.php/revista_educacao/article/view/294Links ]

Morais, A. (2019a). Consciência fonológica na educação infantil e no ciclo de alfabetização. Autêntica Editora. [ Links ]

Morais, A. (2019b). Análise Crítica da PNA (política nacional de alfabetização) imposta pelo MEC através do decreto em 2019. Revista Brasileira de Alfabetização, 1(10), 66-75. [ Links ]

Moreira, J. D. (2019). A contribuição da neurociência na formação inicial e continuada do professor: uma revisão na literatura. [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal do Pampa]. https://dspace.unipampa.edu.br/bitstream/riu/5080/1/JAQUELINE%20MOREIRA.pdfLinks ]

Mortatti, M. R. L. (2019). Brasil, 2091: notas sobre a “política nacional de alfabetização”. Olhares Revista de Departamento de EducaçãoUNIFESP, 7(3), 17-51. https://periodicos.unifesp.br/index.php/olhares/article/view/9980/7190Links ]

Neves, O. M. (2021). Implicações das Neurociências na aprendizagem na leitura na pré-escola. [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Tecnológica Federal do Paraná]. https://repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/27041/1/neurocienciasaprendizagemleiturapreescola.pdfLinks ]

Pontes, N. N., Batista, A. T., & Pires, T. F. J. (2020). Importância do método fônico para o ensino e aprendizagem da habilidade leitora: Uma revisão de integrativa da literatura. Editora Realize. http://www.editorarealize.com.br/editora/anais/conedu/2020/TRABALHO_EV140_MD1_SA8_ID6061_01092020072259.pdfLinks ]

Rosa, G. M. (2021). Alfabetização de alunos com deficiência intelectual no ensino comum: um estudo sobre as práticas pedagógicas. [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal de Santa Maria]. [ Links ]

Rosal, A. G. C., Cordeiro, A. A. A., Roazzi, A., & Queiroga, B. A. M. (2020). Desempenho cognitivo-linguístico de escolares no ciclo de alfabetização no contexto da escola pública: rastreio universal. Revista CEFAC, 22(3), e9919. http://scielo.br/j/rcefac/a/sKGgCbHqz4qgwF3StCyVkTx/lang=pt&format=pdfLinks ]

Seno, M. P., & Capellini, S. A. (2019). Nível de informação dos professores da educação especial sobre a fonoaudiologia educacional. Revista Psicopedagogia, 36(111), 293-304. https://www.revistapsicopedagogia.com.br/detalhes/610/nivel-de-informacao-dos-professores–da–educacao–especial–sobre–a-fonoaudiologia-educacionalLinks ]

Uzêda, S. Q., & Barbosa, R. S. (2020). Pedagogia da UFBA e a atuação docente na perspectiva inclusiva. Revista Exitus, 10, e020095. [ Links ]

Voos, S. M. A. (2019). Educação inclusiva e deficiência Intelectual: reflexões necessárias. Revista Gepesvida, 1(9), 37-46. http://www.icepsc.com.br/ojs/index.php/gepesvida/article/view/332/166Links ]

Recebido: 10 de Setembro de 2023; Aceito: 20 de Junho de 2024

Correspondência Wleydson Henrique Lourenço de Souza, Rua Coronel Dario Ferraz de Sa, 04, ap-203,BL-A – Barra de Jangada – Jaboatão dos Guararapes, PE, Brasil – CEP 50070-135. E-mail: whenriisouza@gmail.com

Trabalho realizado em uma escola municipal pública da cidade de Salvador, BA, Brasil.

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.