Introdução
O presente estudo tem por objetivo apresentar uma proposta tutorial de uso do livro infantil “Ernesto”, de Blandina Franco e José Carlos Lollo (2016), como recurso complementar no processo de avaliação psicológica em crianças com deman da de investigação de aspectos socioemocionais. Observouse uma lacuna no campo da Avaliação Psicológica Infantil (API) sobre a inserção deste recurso na prática, verificada pela escassez deste assunto na literatura da área (MansurAlves et al., 2021; Lins et al., 2018). De uma forma mais ampla, propõese dar visibilidade ao livro literário como proposta lúdica na clínica com crianças e como fonte de coleta de dados do mundo vivencial in fantil na prática psicológica. Com isso, esperase instrumentalizar profissionais de Psicologia para o uso deste recurso.
Para dar início à discussão, o Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2022a), segundo Resolução CFP nº 31/2022, define Avaliação Psicológica (AP) como um processo ético, técnico e científico, em que, por meio da utilização de instrumentos e técnicas reconhecidas pela literatura científica (fontes fun damentais) ou, a depender do contexto, por meio de recursos auxiliares (fontes complementares), são investigados fenômenos e processos psicológicos a fim de formular uma resposta à demanda. A soli citação pode surgir a partir do próprio avaliando ou por terceiros, como frequentemente ocorre no caso da API em que os responsáveis, professores ou cuidadores são os solicitantes. Ainda, tem por objetivo, auxiliar na tomada de decisões, a partir das informações obtidas, podendo ser de natureza individual, grupal ou institucional. A resolução, também, estabelece a proteção aos direitos humanos e a necessidade de seguir os princípios previstos no Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP, 2005). O Conselho estabelece que
[...] dependendo dos objetivos da avaliação psico lógica, a compreensão poderá abranger aspectos psicológicos de naturezas distintas. É impor tante notar que a qualidade do conhecimento alcançado depende da escolha de instrumentos/estratégias que maximizem a qualidade do processo de Avaliação Psicológica, além de sustentações teóricas que qualifiquem méto dos e processos. Portanto, a testagem compõe a avaliação psicológica, e esta, por ser mais abrangente, poderá fornecer respostas mais amplas sobre um conjunto de informações do indivíduo avaliado. (CFP, 2022b, p. 13)
Dessa forma, com o intuito de realizar uma avaliação psicológica e levantar os dados exigidos, a psicóloga deve seguir algumas etapas. Primeira mente, durante a entrevista inicial, devese elaborar o objetivo da avaliação, tendo em vista a demanda recebida e a caracterização do objeto de estudo (in divíduo, grupo ou organização). Nesta etapa, é pos sível estabelecer a metodologia a ser utilizada e, em seguida, é realizada a coleta de dados. Vale ressaltar, a importância de não focar em apenas uma técnica ou instrumento, mas utilizar diferentes meios, a fim de abranger o objetivo estabelecido. Realiza-se, então, a integralização dos dados e desenvolve-se uma hipótese inicial, na qual se pode identificar a necessidade de utilizar outros recursos avaliativos.
A partir desse feito, é elaborada uma síntese conclusiva do processo avaliativo, estabelecida uma proposta de intervenção e uma metodologia é esco lhida para a devolutiva dos resultados, respeitando os princípios éticos como mencionado anterior mente. Por fim, deve-se elaborar um documento, de acordo com as diretrizes estabelecidas na Resolução nº 31/2022, resultante da avaliação a ser entregue à pessoa, ao grupo ou à instituição que realizou a demanda (CFP, 2022a). Na API, essa última etapa é realizada durante uma entrevista devolutiva, sendo, legalmente, destinada aos responsáveis, mas é importante também que o avaliando tenha ciência do resultado e das orientações a serem seguidas, devendo-se adequar a linguagem à criança (Roza et al., 2022).
A AP pode ser realizada em diversos contextos como na psicologia organizacional, do trânsito, para a realização de cirurgias e procedimentos (bariátrica, laqueadura e outras), contexto jurídico, etc. Neste estudo, temos por foco o processo ava liativo na infância, que surge a partir de algumas demandas, entre elas buscar um diagnóstico, compreender uma problemática ou prevenir con dições futuras que podem aparecer ao longo do desenvolvimento (Borges & Baptista, 2018).
Ainda, vale ressaltar a necessidade de se fazer contínuos estudos acerca desse contexto, tendo em vista a crescente demanda por esse serviço psicológico e a complexidade que esse atendimento exige. A exemplo disso, na Cartilha de Avaliação Psicológica (CFP, 2022b) não há nenhum tópico que cite as particularidades encontradas na API. Torna-se necessário, então, ao profissional que irá realizar a avaliação, ter conhecimento dos estágios de desenvolvimento desde a primeira infância, além de observar os aspectos físicos, motores, cognitivos, emocionais e sociais, da linguagem, da identidade e as suas relações familiares que circundam a forma ção subjetiva da criança (Borges & Baptista, 2018).
O processo da AP deve seguir as diretrizes es tabelecidas na Resolução CFP nº 31/2022; ainda, para além dessas etapas, para a realização da API, a psicóloga deve considerar alguns elementos espe cíficos, como apontados por Roza et al. (2022). Pri meiramente, o atendimento deve ter a autorização de um responsável legal e apenas o estritamente necessário deve ser comunicado a eles, de modo a se respeitar o sigilo e a confidencialidade daqueles que são atendidos (CFP, 2005). Outro elemento essencial é ter conhecimento das etapas do desen volvimento infantil e das psicopatologias infantis: “[...] é elementar entender quais comportamentos são esperados para cada idade, a fim de ser capaz de distinguir o nível de desenvolvimento da criança atendida e conseguir detectar quais são as suas al terações, as suas potencialidades e os seus déficits” (Roza et al., 2022, p. 350).
O contexto infantil deve ser observado a partir das relações que entrelaçam a criança com o seu mundo vivencial, como no ambiente escolar e fa miliar. Tendo isso em vista, é de suma importância realizar entrevistas com familiares, cuidadores e professores e ter contato com outros profissionais que fazem acompanhamento com a criança. O caráter preventivo da API é outro elemento que deve ser pensado ao realizar um atendimento, pois é a partir da avaliação que é possível identificar comportamentos que podem dificultar a qualidade de vida da criança futuramente (Roza et al., 2022).
Diferentemente da avaliação psicológica em adultos, com as crianças, o atendimento é mediado por um terceiro, por seus responsáveis legais, pois o avaliado pode não ter ciência da necessidade de acompanhamento. Além disso, ao realizar a avaliação deve se atentar ao setting avaliativo, ou seja, o espaço deve ser preparado a fim de receber crianças, por meio da disponibilização de jogos, lápis de cor, papel, massa de modelar, brinquedos, entre outros (Borges & Baptista, 2018). Vale ressaltar a importância de se atentar às etapas que constituem o processo de AP, a entrevista inicial e devolutiva. Por fim, é imprescindível a entrada do profissional no universo infantil, a fim de conseguir trabalhar com a criança “é preciso querer olhar pela pers pectiva infantil e ter disponibilidade interna para estar realmente acessível à criança durante todo o processo” (Roza et al., 2022, p. 373).
Tendo em vista as etapas e especificidades da Avaliação Psicológica Infantil (API), e ainda segundo as diretrizes estabelecidas na Resolução nº 31/2022, ao realizar uma AP utilizam-se métodos, técnicas e instrumentos psicológicos reconhecidos pela literatura científica, que podem ser testes psico lógicos aprovados pelo CFP, entrevistas psicológicas e anamnese e/ou registros de observação de com portamentos, as chamadas fontes fundamentais. No entanto, dependendo da situação, pode recorrer aos recursos auxiliares, denominados fontes comple mentares, sendo elas técnicas e instrumentos não psicológicos que possuem embasamento científico, respeitam o Código de Ética e as legislações da pro fissão e, também, documentos técnicos de equipes multiprofissionais (CFP, 2022a). Ainda que o laudo psicológico se ampare nas fontes fundamentais, as fontes complementares podem ser utilizadas como auxílio na verificação da hipótese diagnóstica e na devolutiva sobre o processo.
Podemos, a partir disso, pensar no uso da li teratura infantil como recurso complementar no processo de Avaliação Psicológica. Os meios lúdicos podem se destacar através das narrativas como uma forma de conexão entre a realidade objetiva e o mundo simbólico, sensibilizando a criança em suas próprias vivências. É válido ressaltar que não há confusão entre o real do mundo e o surrealismo dos contos, uma vez que a criança concebe que as nar rativas apenas se articulam à sua realidade psíquica. Sendo assim, pensar nesse uso da literatura infantil é pensar também na contribuição com a expressão emocional e conflitiva do indivíduo através de uma linguagem acessível à criança (Oliveira et al., 2023).
No ambiente clínico, o livro pode ser utilizado de modo terapêutico através de uma contação de histórias ou pela leitura compartilhada. Assim, com o apoio das narrativas, podese ampliar o repertório da criança, experimentando situações lúdicas que favorecem o enfrentamento da realidade externa e subjetiva. A relação das narrativas com as hipó teses diagnosticadas da API vem acompanhada da compreensão de que o seu uso é parte do processo avaliativo e, por isso, considerado como uma fonte complementar. Sempre que possível, a avaliação deve ser realizada de maneira interdisciplinar, atentandose à pluralidade de contribuições do uso da literatura e sem deixarse cair em limitações e déficits provenientes de diagnósticos fechados (Oliveira et al., 2023).
No contexto psicopedagógico e clínico infantil, queixas relativas à falta de regulação socioemocio nal têm se mostrado frequentes (Silva & Rodrigues, 2014; Fava et al., 2023). Ao mesmo tempo, partin do do pressuposto de que o encaminhamento ao atendimento de Avaliação Psicológica Infantil é recorrentemente realizado a partir de relatos esco lares, é preciso contextualizar este processo e suas funções na busca de um encaminhamento para a demanda inicial.
A definição do constructo socioemocional é am pla e abrange um conjunto de habilidades e compe tências que engloba tanto as relações interpessoais quanto a relação do indivíduo com suas próprias emoções. Os elementos que compõem tal conceito tendem a variar consideravelmente na literatura científica e, a depender da área de atuação e objetivo da pesquisa, pode aparecer associado ao conceito dos aspectos emocional ou social, ou, ainda, se apresentar como “habilidades socioemocionais”, “competências socioemocionais” e “desenvolvimento socioemocional” (Marin et al., 2017).
O Collaborative for Academic, Social and Emotional Learning (CASEL), pioneiro no uso do ter mo “Aprendizagem Socioemocional”, divide tal conceito em cinco categorias: autoconhecimento, autorregulação, consciência social, habilidades de relacionamento e tomada de decisões responsá veis (CASEL, 2018). No Brasil, o Projeto Semente, desenvolvido pelo grupo Semente Educação, adota as mesmas diretrizes para o desenvolvimento das habilidades socioemocionais. A Bateria Semente de Avaliação de Habilidades Socioemocionais é a primeira no país a incorporar todos os conteúdos propostos pelo CASEL e tem demonstrado sucesso em sua aplicação no contexto brasileiro (Damásio, 2017). Portanto, a utilização do sistema criado pelo CASEL para definir o socioemocional é relevante, visto que é empregado como base pelo Ministério da Educação nas proposições de práticas baseada nos pressupostos da Base Nacional Comum Cur ricular (2021).
Considerando a amplitude do conceito e o ob jetivo do presente estudo, é importante estabelecer os principais tópicos pertinentes à API aplicáveis a contextos psicoterápicos e escolares. Com base no material selecionado para esse estudo e nas proposi ções do CASEL, delimitouse o termo “socioemocio nal” abordando os seguintes tópicos: autoestima e autopercepção (autoconhecimento); agressividade, depressão, estresse e ansiedade (autorregulação); capacidade de ajustar o comportamento frente ao contexto social (consciência social); e dificuldade em fazer vínculos sociais (habilidades de relacio namento).
Embora seja comum utilizar o termo apren dizagem ao se tratar do socioemocional (CASEL, 2018; Laboratório de Inteligência da Vida, n.d.; OCDE, 2015; Escola da Inteligência, 2023), nesse estudo, o foco é ampliar essa abordagem. Desse modo, esperase compreender as manifestações sociais e emocionais, mobilizando modos de sentir, ser e estar e não a adequação e o ajustamento aos padrões através do desenvolvimento de compe tências socioemocionais. Essa escolha se baseia na necessidade de enfrentar conflitos decorrentes da dificuldade em gerir emoções, relacionar-se, tomar decisões responsáveis entre outras áreas.
Mediante o exposto, esta pesquisa visa apresen tar uma proposta de uso do livro infantil “Ernesto” como recurso no processo de Avaliação Psicológica Infantil, para dessa forma, auxiliar nas investiga ções dos aspectos socioemocionais e seus possíveis desdobramentos.
Método
Material
“Ernesto” é um livro classificado como ficção e está inserido no grupo de literatura infantil e in fantojuvenil. Foi originalmente publicado em 2016, pela Companhia das Letrinhas, sendo de autoria de Blandina Franco e José Carlos Lollo. Segundo a pá gina virtual da editora, o livro, que tem 40 páginas, é indicado para crianças de 4 a 5 anos, no entanto, na descrição do livro virtual (Kindle), a faixa etária é de 3 a 6 anos. O livro fez parte do Programa Na cional de Livros e Material Didático 2018 (PNLD Literário, 2018), na categoria 4, que abrange os Anos Iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 3º ano), no tema “Descoberta de si/família, amigos e escola” e no gênero “livros de imagens e livros de histórias em quadrinhos”, destacase que aqui a faixa etária é de 6 a 8 anos e que se pode consultar o material do professor sobre como abordar o livro em contextos escolares (Garimpo Miúdo, 2016).
Ernesto é apresentado reiteradamente como um sujeito vítima de exclusão com destaque para a palavra vítima. A editora anuncia o livro a par tir do seguinte texto: “O Ernesto é vítima de um verdadeiro dissequemedisse. Alguns acham que ele não é muito simpático, outros acham que ele se veste mal. E, no meio desses boatos todos, Ernesto acaba ficando sozinho, só porque ninguém consegue entendêlo” (Companhia das Letras, 2022).
No site, o trecho abaixo completa o anterior: Às vezes as pessoas dizem coisas sobre as outras sem nem saber direito o que estão dizendo. É o que acontece na vida do Ernesto: ninguém gosta dele, só porque ele não é igual a todo mundo.
Nesta história você vai ver o que faz dele tão diferente e pensar: será que ele merece mesmo toda essa solidão? (Companhia das Letras, 2022) Na contracapa do livro é possível ler a descrição convidativa para o livro:
Dizem que este livro é esquisito, que ele tem a capa feia e que é melhor você não ler. Dizem que essa história é mentirosa, e que seu protagonista não é grande coisa. Eu não li ainda, mas todo mundo está falando coisas deste livro, então não vou ler e acho melhor você ficar longe dele também. O que você acha? (Franco & Lollo, 2016)
É preciso destacar os adjetivos que caracterizam o personagem: vítima, (não) simpático, se veste mal, sozinho, (não é) grande coisa, (não é igual) diferente. É válido dizer que até mesmo a contracapa do livro dá indicações de que o conteúdo pode ser incômodo, “esquisito” e que é melhor não ler. Mas inferese que a estratégia de dizer “não faça” foi usada para convidar à leitura.
Na capa, o nome do personagem se destaca em letras bastão na cor vermelho. O personagem aparece abaixo, mas apenas metade do seu “corpo”. Nessa ilustração, Ernesto é um borrão roxo que não aparece inteiro na capa, com um centro preto que pode ser identificado como sua cabeça – e olhos brancos esbugalhados e um enorme nariz laranja. O livro tem poucos elementos na composição das ilustrações e o fundo da capa é em um tom bege, fator que destaca o personagem e o título. Possui narrador onipresente, assim, o personagem Ernesto não fala, mas se expressa por meio do corpo e das expressões faciais.
Diante das considerações acerca da relevância do uso da literatura infantil na API, destacase a necessidade de escolher adequadamente o momento de uso deste recurso. O manejo dos aspectos socioe mocionais demanda que o espaço clínico e o vínculo entre profissional e criança já estejam estruturados e bem estabelecidos (Roza et al., 2022), por se tratar de um livro com conteúdo muito sensível. Este tu torial dividese em três momentos: a préleitura, a leitura propriamente dita e a pósleitura.
Procedimento
O tutorial foi composto pela articulação das áreas de psicologia, pedagogia e literatura a partir do livro “Ernesto”. Por isso, a abordagem tem as seguintes etapas: 1) leitura investigativa do livro; 2) análise conjunta de textos verbais e não ver bais; 3) produção de lista de adjetivos relativos ao personagem; 4) exploração de recursos dialógicos do livro, como perguntas, interação autorleitor e conteúdo implícito; 5) divisão do processo avaliativo em préleitura, leitura e pósleitura; 6) elaboração de categorias de análise; 7) montagem do tutorial.
Foi realizada uma revisão extensiva da literatura para identificar os principais domínios de compor tamento socioemocional infantil relevantes para a avaliação psicológica conforme abordado ante riormente. Esses domínios foram utilizados como base para a elaboração dos itens do tutorial e para a elaboração de três categorias de abordagem rela cionados aos domínios cognitivos de compreensão textual e leitura. Cada item foi formulado de forma clara e objetiva, mas considera respostas subjetivas da criança, que deverão ser avaliadas no contexto e com base nas habilidades e competências socioe mocionais exploradas.
As categorias foram estabelecidas procurando abarcar aspectos sociais, culturais, afetivos, peda gógicos e cognitivos emergentes durante a API. Nesse sentido, todos os aspectos relacionamse às habilidades leitoras, partindo de pressupostos como as etapas de préleitura, leitura e pósleitura, propostas por Solé (2014). Destacase que nessa perspectiva, por se tratar de um processo dinâmico e interativo, é preciso motivar a participação ativa dos leitores na construção do significado, recuperando conhecimentos prévios, mobilizando a compreensão contextualizada e promovendo o envolvimento emocional. Além disso, as contribuições de Ferreiro e Teberosky (1999) são essenciais para avançar na compreensão da construção de sentidos, das fases de desenvolvimento e da interação social. Ainda, recorremos à Salvia et al. (2009) que tratam mais especificamente da avaliação de habilidades de leituras no contexto da educação especial e dos testes diagnósticos relacionados à leitura, dentre as quais as formas de compreensão literal, inferencial, auditiva, crítica, lexical e afetiva.
A abordagem considera as categorias de I) definição (D), na qual se avaliam aspectos mais objetivos e explícitos; II) exploração (E), em que se avança sobre como a criança explora o conteúdo, se concorda ou discorda, e como ela se posiciona diante do exposto; III) identificação (I), através da qual é possível avaliar como a criança relaciona suas próprias características e conhecimentos de mundo com as apresentadas em “Ernesto”; e, por fim, IV) outros recursos (OR), em que se sugere a exploração de imagens, analisando a linguagem não verbal e os elementos que podem estar implícitos ou ficar subentendidos na narrativa. Indica-se ainda, quando necessário ação sugerida (A). Destacase que as categorias podem ser apresentadas em ordens diversas, baseadas nos percursos leitores mais comuns, mas na abordagem, podem também ser reorganizadas.
Resultados
A pré-leitura foca na manipulação do livro e no preparo para a interação.
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a) Interação com o material
A: Mostrar o livro e permitir que a criança o manuseie, em caso de negativa, explicar sobre o material e sua função.
D: Você sabe o que é isso? Você quer ler, gostaria que lêssemos juntos ou quer que eu leia?
E: Ele é pesado ou leve? Você gosta desse papel? Pode me contar o que você sabe sobre livros e se já leu algum?
I: Tem algum livro que você já leu e que gostou muito? Você gosta do que vê nesse livro?
OR: Sobre o que você acha que é essa história?
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b) Investigação da capa
A: Pedir que a criança leia ou ler o nome do livro e dos autores para ela. Apontar para o texto, quando for preciso.
D: Você sabe onde está o título do livro? Sabe de quem são esses nomes aqui?
E: Você conhece alguma dessas letras?
I: Tem alguma dessas letras no seu nome?
OR: Como você acha que é o Ernesto? O que parece isso aqui? E isso aqui, o que é isso? Você consegue me dizer o nome das cores que estamos vendo?
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c) Leitura do resumo da história na contracapa
A: Virar o livro junto com a criança e mostrar.
I: Você sabe porque tem um texto aqui nessa parte? Quer que eu leia pra você? Quer ler junto comigo? Você quer ler?
E: Você ficou com vontade de ler a história?
Na leitura propriamente dita, o livro passa a ser explorado como um recurso literário e linguístico. É preciso destacar que a criança pode não ser capaz de fazer a leitura, sugerindo-se a leitura compartilhada, considerada aqui como a leitura feita verbalmente pelo adulto, mas com contribuições da criança a partir dos elementos não verbais (Oliveira et al., 2023). Os tópicos a seguir fazem menção a uma pa lavra que represente a temática da página. Aqueles que não estiverem representados por meio de uma figura (como porta no exemplo a), estão represen tados por meio do texto verbal.
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a) Página 3 Porta
D: O que é isso? Ela está aberta ou fechada?
E: Quem será que abriu a porta? O que será que tem lá dentro?
I: Você já consegue abrir as portas sozinho? Quando é necessário fechar a porta? Há portas que você gosta de deixar abertas?
OR: Você acha que o Ernesto está entrando ou saindo?
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b) Páginas 4-5 – Calado: “Dizem que o Ernesto é muito calado. Que ele tem a língua enrolada e não sabe falar direto com as pessoas” (Franco & Lollo, 2016, pp. 45) Este trecho é uma refe rência ao livro, mas não será apresentado nos próximos exemplos.
D: O que é ser calado?
E: Você acha que o Ernesto é assim? Por quê? Como é ser calado?
I: O que essa característica tem a ver com você? Você é como o Ernesto? Já teve momentos calados? Como se sentiu? Como você se sente quando precisa ficar calado? Você conhece pessoas que ficam caladas? Pode me falar sobre como se sente com elas?
A: Apontar para o braço.
OR: O que indica essa mão dele levantada? O que você acha que a expressão dele quer dizer? Como será que ele está se sentindo?
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c) Páginas 6-7 – Feio
D: O que é ser feio? Sabe qual é o contrário de ser feio?
E: Você acha que ele é feio e tem a cara torta? Por quê? Como é ser feio?
A: Apontar para o espelho e destacar sua pre sença, perguntando o que ele está segurando e qual a sua função.
I: Como você se sente olhando o Ernesto agora? Em que momentos você se olha no espelho? Como você se sente? Já chamou alguém de feio? OR: Explorar a palavra MEDO. Por que as pessoas têm medo do Ernesto?
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d) Páginas 8-9 – Diferente
D: Você sabe o que significa diferente? Se não é diferente, é o que?
E: Você acha que ele é diferente mesmo? Por quê? Como é ser diferente? Ele é diferente de que(m)?
I: Você já se sentiu diferente também? Pode me contar alguma situação em que se sentiu diferente? Como você se sentiu?
OR: Como você acha que o Ernesto está se sen tindo? Por que você acha que ele se sente assim? Como você percebeu que ele se sente assim? O que parece ser isso nas costas dele?
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e) Páginas 1011 Burro
D: Você já ouviu essa palavra ‘burro’? O que ela quer dizer? Já ouviu alguém falar essa palavra?
E: Você acha que ele é burro? Por quê? Como é ser burro?
I: Você já se sentiu burro? Em que situação isso aconteceu? Alguém já te chamou de burro? OR: Dá para saber se o Ernesto é burro só olhan do pra ele? Quem será que é esse outro perso nagem que apareceu? O que você acha dele? O que será que ele está falando pro Ernesto?
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f) Páginas 12-13 – Bobo
D: O que bobo quer dizer? Tem algo no Ernesto que faça ele parecer bobo? O quê?
E: Você acha que ele é bobo? Por quê?
I: Alguém já te chamou de bobo? Você já se sentiu bobo em alguma situação? Você já viu alguém sendo bobo? Já chamou alguém de bobo?
OR: Explorar a palavra AGRADAR. Como você acha que o Ernesto está se sentindo? Por que você acha isso? Explorar a CAIXA. O que será que tem dentro daquela caixa? Será que o Ernes to a ganhou ou vai dar para alguém? Se a caixa fosse pra você, o que você gostaria que tivesse dentro?
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g) Páginas 1415 Esquisito
D: Muitas vezes nos sentimos “esquisitos”, você sabe o que significa essa palavra?
E: Você acha o Ernesto “esquisito”? Por quê? O que significa dizer que alguém é esquisito? É a mesma coisa ser esquisito e estar esquisito?
I: Você lembra alguma situação que se sentiu esquisito?
OR: Quem é esse personagem ao lado do Ernesto? O que eles estão fazendo? Como você acha que o Ernesto está se sentindo?
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h) Páginas 16-17 – Egoísta
D: Você já ouviu a palavra egoísta? Você sabe o que é ser egoísta?
E: Você acha que o Ernesto fez alguma coisa que faça ele parecer egoísta? Por que você acha que o chamaram assim?
I: Você já foi chamado de egoísta? Conhece alguém que já foi chamado assim? O que acon teceu para que essa palavra fosse usada?
OR: O que ele está fazendo? Por que será que ele está de costas?
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i) Páginas 18-19 – Todo Mundo
D: Quem você acha que é todo mundo nessa história?
E: Você se lembra de alguma coisa que falaram pra ele?
A: Explorar a memória sobre os termos que caracterizam Ernesto nas páginas anteriores.
I: Que coisas falam sobre você na escola? E em casa? Disseram que o Ernesto é bobo, calado, esquisito, egoísta, feio, diferente e burro, você conhece alguém assim? E alguém já falou algo assim sobre você? Vamos tentar escrever as coisas que já falaram sobre você que você (não) gostou?
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j) Páginas 19-20 – Sozinho e Triste
D: Você sabe o que significa ficar triste? E ficar sozinho, como se fica sozinho?
E: Dá pra perceber que o Ernesto ficou triste? Ele ficou sozinho onde? Por que você acha que o Ernesto vive sozinho e triste?
I: Em que situações você costuma se sentir triste? Você prefere ficar sozinho ou com alguém quando está triste? Alguém costuma ficar com você quando se sente assim? Quando você está sozinho, o que costuma fazer? Como se sente? OR: Explorar a PORTA, a repetição “MUITO, MUITO” e as gotículas. Para onde essa porta pode estar levando o Ernesto? Ele está entrando ou saindo de algum lugar? O que são esses riscos azuis?
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k) Páginas 2223 Fim
D: Como está se sentindo com o fim da história?
E: Onde será que o Ernesto está? O que aconte ceu com a porta nessa parte da história?
I: Se essa porta fosse aqui, para onde você gos taria que ela fosse? Como você iria? Sozinho ou levaria alguém? Quem?
OR: Explorar a ampliação da quantidade de go tículas, podese inclusive comparar visualmente as duas páginas.
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l) Páginas 24-25 – Pergunta: “Não gostou do final da história?” (Franco & Lollo, 2016, p. 25).
D: Aguardar a resposta da criança ao questio namento do texto.
E: Explorar a resposta. O que Ernesto está fazen do? Para onde ele está indo? Como você acha que o Ernesto está se sentindo nesse momento?
I: Você já se sentiu como o Ernesto está agora? Quando você está assim, você faz a mesma coisa que o Ernesto está fazendo? Ou, que coisas você faz?
OR: Explorar as expressões faciais do Ernesto. Falar sobre a janela e a chuva.
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m) Páginas 26-27
OR: Explorar os objetos próximos ao Ernesto e na mão dele, em seguida, a janela (que se repetirá nas páginas seguintes).
D: O que você vê?
E: E agora, o que o Ernesto está fazendo? Olhe o rosto de Ernesto, como você acha que ele está se sentindo?
I: Você conhece esses objetos que estão na ima gem? Qual deles você já viu? Onde?
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n) Páginas 28-29 – Culpa
D: O que significa uma história acabar assim? Como acabou essa história? Você sabe o que é culpa?
E: O que o Ernesto está fazendo? Como você acha que ele está se sentindo? Você acha que alguém tem culpa por a história acabar desse jeito?
I: Se você fosse o Ernesto, gostaria que a história acabasse assim? Você já sentiu culpa em alguma situação?
OR: Explorar a mudança dos objetos em relação às páginas anteriores.
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o) Páginas 3031 Final triste
D: Lembra o que falamos sobre ser triste antes? O que é um final triste?
E: Para onde o Ernesto está olhando? O que você consegue me dizer sobre ele?
I: Você gostaria de ficar sabendo desse final? Se você pudesse mudar o fim da história, como seria?
OR: Explorar os elementos do ambiente e a po sição do Ernesto.
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p) Páginas 3233 História inteira
I: Você concorda que a história inteira dele é triste? O que fez a história ser triste?
OR: Fazer uma recapitulação da história: No começo ele parecia triste?
A: Retornar às páginas iniciais para comparar expressões.
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q) Páginas 34-37 – “E você?” (Franco & Lollo, 2016, p. 35).
A: Observe que nesse momento são explora dos dois conjuntos de páginas. Pode-se fazer o movimento de folhear diversas vezes para a comparação sugerida.
D: Aguardar a resposta da criança ao questio namento do texto.
E: O que você nota de diferente entre essas duas páginas (34-35 e 36-37)? Por que você acha que as páginas mudam de cor? O que o Ernesto está fazendo em cada cena? E como ele está se sentindo? Como você percebeu isso?
I: Você já teve os mesmos sentimentos que o Er nesto? Consegue nomear esses sentimentos? Se você estivesse como ele, o que gostaria de ouvir?
Com quem você gostaria de estar? OR: O que você diria para o Ernesto?
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r) Página 38-39 – Sobre os autores
OR: Quem você acha que são essas pessoas no canto da porta? Elas estão indo fazer o quê? Como você acha que elas estão se sentindo?
A: Fazer a leitura do texto sobre os autores. Investigar qualquer termo que a criança possa não conhecer e dar abertura para que ela fale sobre os que ela apresentar interesse.
D: Você sabe o que é um autor? Por que será que eles escreveram essa história?
E: Tem fotos suas que podem dizer sobre quem você é?
I: Você faz alguma dessas coisas que os autores do livro fazem? Se você tivesse escrito ou ilus trado esse livro, o que gostaria que tivessem escrito sobre você? O que dizem sobre você?
O momento pós-leitura permite que se avance sobre aspectos que emergem do contato com a obra. É possível que a criança continue manipulando o material, retornando e avançando sobre as páginas, de tal modo que se pode recorrer a estes movimen tos para propor intervenções. Diante disso, suge rimos algumas perguntas norteadoras que podem ser utilizadas de acordo com o perfil do avaliando, podendo ainda ser ajustadas para produzir material para a avaliação.
Mensagem: Vamos escrever uma mensagem para o Ernesto? O que você acha de enviar uma carta, email, WhatsApp etc para ele? O que você escreveria?
Desenho: Você acha que esse desenho foi feito pelo Ernesto ou foi alguém que desenhou ele? Você consegue desenhar o Ernesto?
Desenhos comparativos ou tabela de palavras: Trabalhar com desenhos “como eu me vejo” X “como dizem que eu sou”?
Lista: Vamos escrever algumas palavras sobre o que dizem de você? Quais você gosta e quais você não gosta?
Análise: O que você achou do final do livro? Como você gostaria de terminar o livro? Você gostaria de ler esse livro com alguém? Com quem?
Diante do uso de questionário aberto é preciso estabelecer mecanismos de análise baseados priori tariamente na abordagem teórica do avaliador. No entanto, alguns recursos podem facilitar esse proce dimento: 1) transcrição e organização das respostas mais relevantes em categorias a gravação pode ser necessária, devendo ser observadas as normativas éticas; 2) estabelecer categorias de resposta para o avaliando, tais como sentimentos comuns; relações interpessoais etc; 3) diante do conteúdo, avalie a consistência e as discrepâncias nas respostas, senti mentos e experiências relatadas pelo avaliando, tais como: ele consegue relatar experiências de tristeza, suas ou dos outros, quando o tema é abordado? É capaz de dar sentido ao nome dos sentimentos? Consegue identificar e reproduzir expressões faciais simbólicas e outros sinais?
Os resultados apresentados derivam do estudo extensivo da obra em consonância com as contri buições de teóricos do letramento e alfabetização e da avaliação de competências linguísticas, conforme apresentado. Ainda, a testagem foi realizada em diferentes situações individuais e grupais, com sujeitos de diferentes contextos e idades, possibi litando a formulação de perguntas e a atenção a elementos de modo mais amplo. Ainda que estru turado, o uso deste livro na API não precisa e não deve ser excessivamente rígido, mas adaptarse à demanda, de modo a garantir um espaço lúdico, aprazível e confortável para o avaliando, ajustandose o vocabulário e as perguntas, de modo a acessar não apenas o universo subjetivo, mas coletar dados objetivos como conhecimento de mundo, reconhe cimento de emoções, compreensão e conhecimento linguístico e fonológico e percepção visual.
Discussão
Candido (1999) destaca que uma característi ca da literatura, dentre outras, é a capacidade de atuar como força transformadora do sujeito. As narrativas literárias, segundo Parente e Belmino (2016), conectam a realidade objetiva com o mundo simbólico. Neste sentido, permite que a criança, por exemplo, reconheça nas histórias os problemas e conflitos vividos, auxiliando-a a compreender o mundo em que está inserida. Em relação aos livros infantis, podese destacar diversos benefícios, como a expressão de emoções intensas e frequentemente contraditórias, através de uma linguagem acessível à criança que perpassa a fantasia, a imaginação e o brincar (Parente & Belmino, 2016).
Tendo em vista as etapas específicas da Avalia ção Psicológica Infantil, apontadas por Roza et al. (2022): orientações éticas, conhecimento sobre o desenvolvimento infantil e psicopatologia da in fância, entendimento da criança em seu contexto, caráter preventivo, implicação da criança no pro cesso de AP, setting avaliativo, fontes fundamentais e complementares de informação, entrevista inicial, entrevista devolutiva e entrada no universo infantil; o uso da literatura infantil neste cenário não possui um objetivo diagnóstico e, sim, mostrase um meio de coleta de informações que podem ser utilizadas para complementar o processo avaliativo. Sendo assim, através de narrativas verbais e escritas, há a possibilidade de se atentar para habilidades inter subjetivas e comunicacionais e ao desenvolvimento da autonomia da criança. Ademais, para analisado res concernentes à alfabetização e ao letramento, também cria a oportunidade de investigação no que diz respeito às faculdades cognitivas (Oliveira et al., 2023).
Dessa forma, dentre as possíveis aplicações da literatura infantil na API, podemos apontar: a habilidade de leitura da criança, a discussão de de terminadas temáticas com a mesma, a análise das percepções em relação às atitudes dos personagens e à história do livro, questionamentos acerca da identificação com o livro, dentre outros (Roza et al., 2022). Ainda, Roza et al. (2022) destacam o uso das narrativas literárias enquanto recurso terapêutico, podendo auxiliar na obtenção de informações so bre questões socioemocionais como, por exemplo, reações emocionais e percepções de si, do outro e do ambiente.
Quanto às categorias utilizadas pela CASEL (2020) para contextualizar os aspectos socioemo cionais e usados neste trabalho com o mesmo fim, faz-se necessária uma análise mais aprofundada de tais categorias, a aplicação delas em diferentes casos e as problemáticas envolvendo sua conceitu ação. Portanto, como mencionado anteriormente, estas são: o autoconhecimento, a autorregulação, a consciência social e a habilidade de relacionamento. O autoconhecimento é definido como a habilidade de entender suas próprias emoções, valores e com portamentos, colaborando assim com a compreensão dos mesmos aspectos em seus pares (Oliveira, 2023). Alguns dos modos de desenvolver tais habilidades envolvem a capacidade de identificar seus próprios sentimentos, demonstrar honestidade e integridade e desenvolver interesses e um senso de propósito (CASEL, 2020). Autorregulação diz respeito à ca pacidade de gerenciar suas emoções e comporta mentos (Oliveira, 2023), identificando e utilizando estratégias de manejo de estresse e demonstrando iniciativa, autodisciplina e autogestão. A consci ência social consiste das habilidades empáticas, sendo demonstrada pela capacidade de tomar as perspectivas dos outros, reconhecer seus pontos fortes e identificar normas sociais (CASEL, 2020). A habilidade de relacionamento se resume pela habilidade de criar e manter relações saudáveis (Oli veira, 2023), demonstrada pela comunicação eficaz, o trabalho em equipe e a resolução de conflitos de forma construtiva (CASEL, 2020). Vale destacar que a tomada de decisão responsável é a quinta catego ria socioemocional definida por CASEL (2020), no entanto, para os objetivos desta pesquisa optamos por não incluíla.
Sendo assim, é possível perceber que essa defi nição de socioemocional é permeada pelo contexto social e cultural que está inserida, visto que alguns quesitos, por exemplo, a identificação de normas sociais, são completamente variáveis em diferentes populações. A escolha dessa definição de socioe mocional também diz respeito ao uso do termo no presente trabalho, visto que não existe um consenso quanto à utilização do conceito e há uma amplitude de sentidos dados a essa palavra (Marin et al., 2017; Oliveira, 2023).
Além disso, é reconhecida a problemática envolvendo a ideia de socioemocional, que se relaciona muitas vezes com a perspectiva de que existe um jeito adequado, ideal e esperado de se sentir e portar (Oliveira, 2023). Em alguns contextos o uso de “desenvolvimento socioemocional” pressupõe, erroneamente, que existe um nível máximo abso luto de competência socioemocional ao qual se deve almejar, ideia essa que não se relaciona com a proposta deste artigo.
Para a construção do tutorial, apresentado no tópico anterior pelas autoras, utilizamos dos seguintes conceitos: as especificidades da API (Roza et al., 2022), as aplicações da literatura infantil neste cenário (Oliveira, et al., 2023) e a definição do cons tructo socioemocional (Marin et al., 2017; CASEL, 2020). Ademais, mediante os conceitos apontados acima, vale ressaltar que a construção deste mate rial não foi pensada como forma de testagem e que esta proposta ainda carece de experiência prática documentada de aplicação. Para tal feito, foi divi dido em suas três categorias: a pré-leitura, a leitura propriamente dita e a pósleitura. Categorias estas que, para a investigação de demandas socioemocio nais, utilizaram-se da análise dos aspectos verbais, como o texto escrito, os elementos não verbais e os aspectos criativos do universo infantil, investigando a partir destes a interpretação e a compreensão da criança diante da leitura.
Considerações
Este trabalho buscou mostrar a relação entre a literatura infantil e a prática de avaliação psico lógica, realizada pelo profissional de Psicologia, através de uma sugestão de aplicação com um livro específico, o “Ernesto” (Franco & Lollo, 2016). O referencial teórico utilizado para este estudo foi a partir da perspectiva de CASEL (2020) sobre o constructo socioemocional, pois, como foi susten tado, tornase um importante motivo de busca para avaliações infantis. Articulase também com a área da Psicopedagogia, em função da proposta ter o po tencial de ser ampliada à investigação de problemas de aprendizagem e sua relação com componentes emocionais (Bartholomeu et al., 2006; Fonseca, 2016; Dias et al., 2022). E, ainda, para a avaliação dos aspectos linguísticos, das concepções de processos de leitura; estágios de desenvolvimento (Solé, 2014; Ferreiro & Teberosky, 1999) e aplicações destes conceitos à avaliação (Salvia, et al., 2009), de modo que se buscou ampliar o repertório de recursos avaliativos do profissional.
Apesar de oferecer uma sugestão de prática no formato de tutorial, com perguntas direcionadas, este não se esgota nos itens apresentados. Pelo contrário, incentivase que outros questionamentos sejam feitos à criança. É interessante ressaltar que, como sugestão, o tutorial deve ser percebido pelo profissional como incompleto e não ser seguido à risca, pois isso levaria a um engessamento da prática. Entendese que o livro infantil permite a abertura ao diálogo e que o profissional deve estar atento aos novos elementos, para além daqueles presentes no tutorial, que a criança pode perceber em cada página, tanto das ilustrações como do texto em si. Recomendase observar as reações emocionais e as relações que ela estabelece com suas vivências, idealizações, identificações e oposições. Por isso, o livro “Ernesto” é apenas um exemplo de como o recurso literário pode ser rico para explorar os diferentes aspectos que compõem o socioemo cional, podendose estender essa proposta a outros materiais literários.
Este trabalho foi escrito como parte de uma investigação de um grupo de pesquisa na Universi dade Federal Fluminense, campus Rio das Ostras, e tem sido alvo de prétestes em crianças que buscam por avaliação psicológica. Ressaltase que o uso deste recurso deve ser entendido como uma técnica intensa de investigação, mas respeitando os limites emocionais colocados pela criança, como pontos mais sensíveis sentidos por ela. Também é mister destacar que não é o objetivo desta pesquisa elabo rar uma análise e interpretação padronizada, como são os testes psicológicos (Damásio & Borsa, 2017). De todo modo, ainda como estratégia investigativa, carece de dados empíricos que possam trazer um conhecimento mais estruturado nesta área, o que é o objetivo deste grupo futuramente.