Introdução
A memória é uma função cognitiva e está vinculada ao aprendizado. A memória operacional, por sua vez, é um componente das funções executivas essencial para o desenvolvimento cognitivo desde os primeiros meses de vida da criança (Guardiano et al., 2017; Izquierdo, 2011). O termo foi proposto por Baddeley e Hitch em 1974, lapidando a compreensão sobre o funcionamento cognitivo e sobre o construto da memória (Baddeley, 2011).
A memória operacional é responsável por armazenar temporariamente as informações, integrando-as aos estímulos ambientais e à memória de longo prazo, sendo necessária para que se realizem atividades cognitivas complexas (Baddeley, 2011). A memória operacional é demandada na compreensão sonora e escrita, na aprendizagem e no raciocínio. Consiste, pois, num recurso fundamental para dar sentido aos eventos que ocorrem ao longo do tempo, manipulando e integrando a informação recebida anteriormente com a informação recebida agora (Baddeley, 2000).
De acordo com Izquierdo (2011) e Guardiano et al. (2017), a memória operacional possibilita a manutenção da informação que está sendo processada durante alguns segundos ou minutos. Atrasos, alterações ou déficits no desenvolvimento da memória operacional podem trazer prejuízos significativos nas atividades diárias, no desempenho escolar, na linguagem, na maturação das capacidades intelectuais gerais e nas experiências adquiridas. Isso ocorre, pois a memória operacional tem a função de selecionar, analisar, conectar, sintetizar e resgatar as informações já apreendidas fazendo a conexão com informações novas (Guardiano et al., 2017; Siquara et al., 2014).
O modelo inicial da memória operacional foi composto por três subcomponentes: um sistema executivo central, uma alça fonológica e uma alça visuoespacial. O primeiro é responsável pelo gerenciamento de informações trabalhando em conjunto com os dois outros sistemas. O segundo é um sistema de apoio para manutenção temporária de informações verbais. O terceiro está relacionado à sustentação temporária visual e espacial (Baddeley, 1986; Baddeley & Hitch, 1974).
Atualmente, o modelo proposto apresenta quatro subcomponentes: a alça fonológica, o esboço visuoespacial, o executivo central e o buffer episódico (Baddeley, 2000). A alça fonolólogica representa o subcomponente mais estudado, fornecendo informações sobre o armazenamento e a manipulação das informações verbais. Pelo fato de durar alguns segundos, foi dividido em dois subcomponentes específicos: o armazenamento fonólogico e a reverberação das informações (Baddeley, 2003). De acordo com Jarrold e Baddley (2001), o armazenamento fonólogico estoca uma quantidade limitada de informações, de modo que o seu desenvolvimento ocorre até o início da fase adulta, diminuindo com o passar dos anos. O termo span configura a capacidade que um sujeito tem de armazenar as informações, pela via auditiva ou visual, recordando-se na ordem em que foram apresentadas. O armazenamento fonológico mantém os conteúdos por um tempo para que sejam resgatados, por meio do processo de reverberação (Baddeley, 2003; Repovs & Baddeley, 2006).
O segundo subcomponente é o esboço visuoespacial, que apresenta a função de armazenar e manipular informações visuais, organizando a integração dessas informações. Tal subcomponente também se ramifica no armazenador visual e no mecanismo espacial (Baddeley, 2003; Repovs & Baddeley, 2006). O armazenador visual é responsável pela representação das características fisicas dos objetos. Já o mecanismo espacial é responsavel pelo planejamento dos movimentos e pela reativação das informações estocadas. Ambos estão relacionados com a atenção visual (Baddeley, 2003; Baddeley & Hitch, 2000; Repovs & Baddeley, 2006).
O subcomponente executivo central atua como controlador dos outros dois subcomponentes (alça fonológica e esboço visuoespacial) para armazenamento das informações. Assim, possui a capacidade de selecionar as melhores estratégias para serem empregadas de acordo com a situação e o contexto, integrando as informações de diferentes fontes. Cabe ressaltar que o subcomponente executivo central não atua como armazenador, mas como controlador atencional, relacionando-se com a consciência. Diferentes subprocessos executivos auxiliam na realização de tarefas, sendo um dos fatores principais que determinam as diferenças individuais no span da memória operacional. Esse componente é convocado quando as tarefas são mais complexas e demandam mais funções como a regulação do fluxo de informações, o processamento e a alimentação na entrada das informações para a alça fonológica e o esboço visuo-espacial (Baddeley, 2003; Repovs & Baddeley, 2006).
A fim de esclarecer algumas dúvidas acerca da memória operacional e do subcomponente executivo central, foi acrescentado o subcomponente buffer episódico (Baddeley, 2000). Esse último subcomponente representa um sistema com capacidade limitada para armazenar as informações temporariamente, agregando códigos multidimensionais, tanto visuais quanto verbais, integrando-os à memória de longo prazo. Além disso, cria novas representações cognitivas que auxiliam na resolução de um problema, conectando-se ao subcomponente executivo central e auxiliando o indivíduo a compreender e refletir sobre determinada experiência (Baddeley, 2000).
Face ao exposto, compreende-se que a memória operacional sustenta a habilidade de manter-se consciente de uma informação recebida, desenvolver uma atividade, saber manipulá-la e, a partir dela, produzir um resultado. Caracteriza-se por ser um componente essencial para a organização perceptual e para outros processos cognitivos complexos, principalmente relacionados ao aprendizado (Büttow & Figueiredo, 2019; Guardiano et al., 2017).
Cada subcomponente descrito se desenvolve, alcançando a maturidade plena somente no início da vida adulta. A investigação da memória operacional pode auxiliar na construção de novos instrumentos, capazes de avaliarem de forma precisa cada subcomponente. Os distúrbios no funcionamento da memória operacional podem estar associados aos problemas específicos de aprendizagem, tais como a dificuldade na leitura, na escrita e na resolução de problemas matemáticos, bem como, indicativos de depressão.
Para a condução de uma avaliação neuropsicológica, é preciso conhecer e analisar a qualidade das diferentes tarefas que avaliam a memória operacional e seus subcomponentes. E vista disso, o objetivo deste estudo foi realizar uma revisão de literatura sobre os instrumentos utilizados na avaliação da memória operacional em crianças.
Método
Realizou-se uma busca bibliográfica acerca dos instrumentos que avaliam a memória operacional em crianças a partir de quatro bases de dados: National Library of Medicine (PubMed), Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePsic) e Scientific Electronic Library Online (SciELO). Estas bases de dados científicos foram selecionadas pela grande expressão apresentada no meio científico, com acervo de estudos nas áreas da saúde, psicologia e neuropsicologia. Os seguintes descritores foram empregados: “working memory”, “child”, “test” e “instrument”. As bases de dados foram consultadas até o dia 30 de agosto de 2023, na ordem em que estão descritas: PubMed, PePSIC, SciELO. Considerando o elevado número de publicações científicas nas bases, optou-se por delimitar o período para os últimos oito anos. Esse recorte temporal também permitiu a análise das publicações mais atualizadas sobre a área. Os critérios de inclusão foram: a) ser estudo empírico; b) incluir na amostra crianças; c) empregar testes ou instrumentos para a avaliação da memória operacional. Foram excluídos os estudos que apareceram em mais de uma base de dados, bem como aqueles que não cumpriram os requisitos estabelecidos nos critérios de inclusão.
Resultados
Para melhor compreensão dos resultados, foi construído um fluxograma da busca nas bases de dados, com os respectivos resultados de cada etapa (Figura 1).
Diante do total de artigos encontrados (n=14), pode-se observar um elevado percentual de estudos realizados no Brasil (n=8), seguido de estudos internacionais realizados no Irã (n=1), na Itália, (n=1), na França (n=1), em Portugal (n=1) e na Austrália (n=2). As publicações que investigam a memória operacional por meio de instrumentos psicológicos, têm sido escassas (Tabela 1). Apesar disso, entende-se que estudar a memória operacional, por meio dos instrumentos psicológicos/neuropsicológicos, traz inúmeros benefícios, tanto para comunidade científica como para a população de forma geral. As pesquisas nessa área podem oferecer subsídios para os profissionais que trabalham com avaliação neuropsicológica.
Tabela 1 Artigos selecionados, tipo de delineamento e caracterização da amostra
Autores | Delineamento | Amostra |
---|---|---|
Pastura et al. (2016) | Estudo correlacional | 17 crianças com TDAH e 16 crianças saudáveis, com idades entre 7 e 10 anos. |
Guardiano et al. (2017) | Estudo comparativo | 104 crianças, das quais 67 eram do grupo controle e 37 diagnosticadas com TDAH, com idades entre 6 e 11 anos (M=8,3, DP=1,15). |
Trevisan et al. (2017) | Estudo de Validade | 408 crianças, de amostra não clínica, com idades entre 4 e 7 anos (M=5,51, DP=0,59). |
Silva et al. (2017) | Estudo comparativo | Participaram do estudo 20 meninas e 10 meninos (M=8,70). O G1 foi composto por 17 crianças e o G2 foi composto por 13 crianças. |
Chalmers e Freeman (2018) | Estudo comparativo | 132 crianças, 66 meninas e 66 meninos com idades escolar entre 8 anos e 8 meses e 11 anos e 1 mês (M=9 anos e 9 meses). |
Nicolielo-Carrilho et al. (2018) | Estudo Comparativo | 30 crianças e adolescentes de ambos os sexos, com idades entre 8 e 12 anos. |
Khoramian e Soleymani (2018) | Estudo Correlacional | 20 crianças (8 meninos e 12 meninas) com surdez pré-lingual profunda. |
Medina et al. (2018) | Estudo comparativo | 20 alunos com idade entre 9 anos e 9 anos e 11 meses (M=9,91, DP=0,18). Os participantes foram divididos em dois grupos: 10 alunos com diagnóstico de dislexia; e 10 alunos sem dificuldade de aprendizagem da leitura. |
Büttow e Figueiredo (2019) | Estudo comparativo | 40 crianças, dos quais 32 eram meninos e oito meninas, com idades entre 6 e 13 anos, e os grupos étarios com maior representatividade foram (N=21) 52,5% dos 10 aos 13 anos e (N=16) 40% dos 6 aos 9 anos. |
Sbicigo et al. (2020) | Estudo Comparativo | 54 crianças com idades entre 6 e 12 anos (M=8,94; DP=1,69). |
Aubry et al. (2021) | Estudo comparativo | 55 crianças dotadas intelectualmente (M=11,80; DP=1,36) e 55 crianças não superdotadas (M=11,89; DP=1,24). |
Jackson et al. (2021) | Estudo Comparativo | 50 crianças com disturbio de linguagem (M=6,11) e 54 crianças com desenvolvimento típico de mesma idade (M=6,10). |
Costa e Souza (2022) | Estudo correlacional | 62 díades de pais ou mães e seus filhos. Foram selecionadas crianças com desenvolvimento típico, idades entre 7 e 9 anos estudantes de duas escolas privadas, sendo 20 crianças do 2° ano e 24 do 3° ano da escola A, média de idade (M=7,68, DP= 0,71), e, da escola B, 8 crianças do 2° ano e 10 do 3° ano, média de idade (M=7,61, DP=0,61). |
D'Aurizio et al. (2023) | Estudo comparativo | 228 crianças italianas (M=7,22, DP=1,18) |
Fonte: Elaboração própria. M: Média; DP: Desvio padrão.
Quanto à distribuição das publicações selecionadas, verificou-se que 2017 e 2018 foram os anos com maior quantidade de publicações. Os estudos analisados referem-se a estudos de correlação (3), estudos comparativos (10) e estudos de validade (1). Os estudos de correlação analisaram a relação entre: linguagem e a memória operacional de crianças com implantes cocleares; o suporte oferecido por pais durante a realização da tarefa escolar e o desempenho nas funções executivas/memória de trabalho de seu filho ou filha; a ressonância magnética para aferição da espessura cortical e a memória operacional.
Os estudos comparativos buscaram identificar/avaliar a população que apresentava dificuldade na memória operacional e sua relação com a dificuldade de linguagem e aprendizagem. Por fim, no estudo de validade, a precisão da Childhood Executive Functioning Inventory (CHEXI) foi verificada por meio do alfa de Cronbach e pelo método das metades de Spearman-Brown, considerando relatos de pais e professores separadamente.
Quanto aos objetivos dos estudos selecionados, a maioria avaliou a memória operacional relacionando-a com as dificuldades de aprendizagem, linguagem ou aritmética. Quanto ao método, verificou-se que todos os estudos apresentaram abordagem quantitativa. Em relação ao delineamento, foi identificada uma carência de estudos com testes psicológicos/neuropsicológicos. Com relação à categorização do perfil sociodemográfico, as idades variaram entre 6 e 12 anos. Quanto à escolaridade, predominou o ensino fundamental incompleto, tanto nas pesquisas nacionais quanto nas internacionais. Os instrumentos utilizados nos estudos recuperados pode ser visualizados na Tabela 2.
Tabela 2 Autores e ano do artigo, instrumentos utilizados e resultados
Autores/Ano | Instrumentos | Resultados |
---|---|---|
Pastura et al. (2016) | Subteste Dígitos da Escala de Inteligência Wechsler para Crianças | Prejuízos na memória de trabalho, evidenciado pela menor pontuação na ordem inversa do subteste Dígitos, foram observados em pacientes com TDAH, em comparação com crianças saudáveis. |
Guardiano et al. (2017) | PALPA-P | Crianças com perturbação de hiperatividade com déficit de atenção apresentaram dificuldades significativamente maiores em tarefas de memória de trabalho, comparativamente às crianças sem este diagnóstico. |
Trevisan et al. (2017) | CHEXI | A análise revelou índices elevados, com alfa de Cronbach de 0,94 para CHEXI administrado aos pais, e 0,98 para os professores. O coeficiente de Spearman-Brown foi de 0,92 e 0,96 para pais e professores, respectivamente. |
Silva et al. (2017) | Teste de Desempenho Escolar e MTAF | A alteração na MTAF está relacionada com dificuldades em aritméticas. |
Chalmers e Freeman (2018) | Working Memory Power Test for Children | A capacidade de memória operacional é um fator significativo preditor de desempenho acadêmico em leitura, numeramento e ortografia. |
Nicolielo-Carrilho et al. (2018) | PROLEC, Cloze test | Crianças com dificuldades de aprendizagem apresentaram déficits na memória operacional fonológica e uso de estratégias metacognitivas. |
Khoramian e Soleymani (2018) | Subteste Dígitos da Escala de Inteligência Wechsler para Crianças | Os resultados da regressão linear e da correlação mostraram uma forte correlação entre a compreensão de obteve-se gramática e FDS (r=0,61; p=0,004), entre BDS e compreensão de gramática (r=0,161; p=0,080). |
Medina et al. (2018) | Teste de Trilhas A e B, Dígitos, Span depseudopalavras, Tarefa de memória de trabalho visuoespacial, Atenção por Cancelamento, Tarefa Go/No Go, Teste de Fluência Verbal, e Torre de Londres | Os resultados mostram que as crianças com dislexia apresentam déficit na memória de trabalho. |
Büttow e Figueiredo (2019) | Escala de Inteligência Wechsler para Crianças | A capacidade de Memória Operacional variou entre 62 e 106; a média foi de 83,63 (DP±11,34), ambas consideradas rebaixadas quando comparadas com o escore esperado para a população geral (QI Médio=100). |
Sbicigo et al. (2020) | NEUPSILIN-Inf | As crianças tiveram dificuldades na memória (memória de trabalho visuoespacial e semântica memória) e subtestes de linguagem oral e escrita. No subteste de escrita de palavras, cerca de 44% (24 crianças) apresentou desempenho prejudicado. |
Aubry et al. (2021) | Teste de Rede de Atenção | As descobertas confirmaram que intelectualmente crianças superdotadas tinham maior capacidade de memória operacional do que crianças típicas, bem como funções executivas mais eficazes. |
Jackson et al. (2021) | Dois subtestes do Teste de Memória de Trabalho Bateria para crianças | A memória de trabalho verbal emergiu como um moderador significativo do desempenho nas tarefas de Nomeação e Tarefas de reconhecimento. As crianças com distúrbio do desenvolvimento da linguagem e memória de trabalho verbal deficiente apresentaram os níveis mais baixos de precisão. |
Costa e Souza (2022) | Questionário de Suporte Parental, Tarefa de Fluência Verbal Livre, Escala Wechsler de Inteligência para Crianças, Teste dos Cinco Dígitos e Neupsilin-Inf | Discute-se a possibilidade de que a qualidade, em detrimento da frequência do suporte parental durante a realização da tarefa escolar, tenha maior impacto no funcionamento executivo das crianças. |
D'Aurizio et al. (2023) | The Brincks Game Task (BGT), Corsi Block-Tapping, Digit Span | Os grupo de mais velhos obteve melhor desempenho executivo global do que os grupos 1 e 2. A regressão linear múltipla indicou que o desempenho no teste Corsi Block-Tapping e a idade previram, significativamente, o escore M-BGT. Além disso, o teste Corsi Block-Tapping e o Digit Span previram significativamente o desempenho do CL-BGT. |
Fonte: Elaboração própria.
Discussão
O estudo de Pastura et al. (2016) teve como objetivo investigar a associação entre memória de trabalho e espessura cortical em crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). As crianças foram submetidas a ressonância magnética para aferição da espessura cortical. Os dados foram correlacionados com o desempenho da memória de trabalho usando a ordem inversa do subteste Dígitos da Escala de Inteligência Wechsler para Crianças. Os resultados evidenciaram prejuízos na memória de trabalho dos pacientes com TDAH, em função da menor pontuação na ordem inversa do subteste Dígitos.
O estudo de Guardiano et al. (2017) teve como objetivo avaliar o impacto da perturbação de hiperatividade com déficit de atenção, especificamente no domínio da memória de trabalho. Os resultados confirmaram a presença de déficits na memória de trabalho de crianças com perturbação de hiperatividade com déficit de atenção. Os instrumentos empregados foram provas de avaliação da linguagem e da afasia em português, que revelaram grande potencial na identificação de déficits específicos em crianças com esta perturbação.
O estudo de Trevisan et al. (2017) buscou traduzir, adaptar e investigar propriedades psicométricas da Childhood Executive Functioning Inventory (CHEXI) em uma amostra de crianças brasileiras. As crianças também foram avaliadas com a Escala de Maturidade Mental Colúmbia e a Escala de avaliação de sintomas de transtorno do déficit de atenção/hiperatividade e sintomas de transtorno desafiador e de oposição (SNAP-IV). A análise fatorial exploratória indicou dois fatores para a versão brasileira: funções executivas e inibição. As pontuações nas subescalas de planejamento, regulação e memória de trabalho da CHEXI explicaram de modo significativo no indicador de desatenção da SNAP-IV, enquanto a pontuação na subescala de inibição explicou no indicador de hiperatividade/impulsividade.
O estudo de Silva et al. (2017) comparou os resultados da Memória de Trabalho – Alça Fonológica (MTAF) em crianças com dificuldades específicas em aritmética. As crianças foram submetidas ao subteste de aritmética do Teste de Desempenho Escolar. Foi realizada a divisão em dois grupos, o primeiro composto por crianças com baixo desempenho em aritmética e o segundo composto por crianças com desempenho médio/superior em aritmética. Todas as crianças foram submetidas à avaliação da MTAF por meio da prova de repetição de palavras sem significado. Houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos estudados para a repetição de palavras sem significado com três e quatro sílabas, com pior desempenho das crianças com dificuldade em aritmética.
O estudo de Chalmers e Freeman (2018) teve como objetivo comparar uma avaliação de teste único, o Teste de Potência de Memória Operacional para Crianças (WMPT) com uma avaliação mais ampla, concretamente, a Avaliação Automatizada da Memória de Trabalho (AWMA), em sua capacidade de prever o desempenho acadêmico em leitura, aritmética e ortografia. Foram encontradas correlações entre as pontuações totais do WMPT e AWMA, indicando boa validade convergente do teste único e medidas multitestes. As pontuações WMPT e AWMA previram separadamente o desempenho em leitura de palavras, operações numéricas e ortografia.
No estudo de Nicolielo-Carrilho et al. (2018), o objetivo foi analisar a capacidade de empregar estratégias metacognitivas para leitura e a memória de trabalho fonológica de crianças em idade escolar com dificuldades de aprendizagem. As crianças foram divididas em dois grupos, experimental (GE) e controle (GC), sendo submetidas a avaliação da compreensão de leitura, memória de trabalho fonológica e uso de habilidades metacognitivas para leitura. Os resultados apontaram que houve diferenças estatisticamente significativas entre os grupos. Adicionalmente, foi identificada correlação positiva entre compreensão de leitura, memória de trabalho fonológica e testes metacognitivos. Em síntese, a falha na habilidade fonológica memória de trabalho e no uso de estratégias metacognitivas interfere na leitura e na compreensão.
O estudo de Khoromion e Soleymani (2018) investigou a relação entre linguagem e memória operacional em crianças com implantes cocleares. Foi empregado o subteste Dígitos Escala de Inteligência Wechlsler para Crianças – 4ª Edição. A compreensão da gramática pelos participantes foi avaliada por meio do Teste de Compreensão da Sintaxe Persa. A expressão gramatical foi avaliada através do Teste de Gramática Persa. Os resultados indicaram que a memória de trabalho afeta de forma decisiva a gramática. O aprimoramento da alça fonológica pode melhorar a gramática, especialmente sua compreensão.
O estudo de Medina et al. (2018) buscou analisar o processamento de leitura de crianças com dislexia e como as funções executivas estão implicadas neste transtorno de aprendizagem. Para avaliação da leitura, foram aplicados o Teste de Desempenho Escolar TDE e o Teste de Leitura: Compreensão de Sentenças TELCS. Para avaliação das funções executivas, foram utilizados o Teste de Trilhas A e B; o subteste Dígitos da Escala Wechsler de Inteligência para Crianças; Span de pseudopalavras do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve - Infantil; Tarefas de memória de trabalho; Tarefa Go/No Go do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve – Infantil; Teste de Fluência Verbal; e Torre de Londres. Os resultados demonstraram que as crianças com dislexia apresentam déficits na memória de trabalho. Além disso, no componente inibitório, as crianças com dislexia apresentaram um maior número de erros do que as demais crianças, assim como despenderam um tempo maior para a execução das tarefas em comparação ao grupo controle.
O estudo de Büttow e Figueiredo (2019) analisou a sensibilidade do Índice de Memória Operacional (substestes Dígitos, Aritmética e Sequência de Números e Letras) da Escala Wechsler de Inteligência para Crianças – 4ª Edição, na identificação de dificuldades em crianças e adolescentes com o diagnóstico de TDAH. Também foi utilizada a Escala de Atenção de Swanson, Nolan e Pelham - 4ª Edição (SNAP-IV) para pais/responsáveis. Os resultados apontaram que o Índice de Memória Operacional está rebaixado quando comparado com o escore esperado para a população geral e, especificamente no subteste Dígitos, observou-se menor desempenho do grupo. Em resumo, o Índice de Memória Operacional é uma variável adequada para diagnosticar e avaliar déficits de atenção e de memória em crianças e adolescentes com TDAH.
O estudo de Sbicigo et al. (2020) analisou o desempenho de crianças com transtornos de ansiedade em uma ampla gama de funções neuropsicológicas. As comparações entre os grupos foram realizadas com base na gravidade dos sintomas de ansiedade, bem como na presença de um ou mais diagnósticos de transtorno de ansiedade. O estudo encontrou maior comprometimento na memória de trabalho visuoespacial (23,1%), memória semântica (27,8%), linguagem oral (35,4%) e escrita de palavras (44,4%) em crianças ansiosas. Quanto maior o número de diagnósticos de ansiedade, pior o desempenho nas tarefas envolvendo memória, linguagem oral e escrita. A gravidade e número de diagnósticos de ansiedade foram associados a menor desempenho nos domínios de memória e linguagem na infância.
O estudo de Aubry et al. (2021) verificou diferenças na memória de trabalho entre crianças intelectualmente superdotadas e não dotadas. Crianças superdotadas tinham maior capacidade de memória operacional do que crianças típicas, bem como funções executivas mais eficazes. Contudo, as diferenças na memória de trabalho entre os grupos não foram mediadas por diferenças na atenção executiva. Tal condição sugere que as crianças superdotadas resolvem os problemas mais rapidamente na fase de processamento da tarefa de memória de trabalho, o que lhes dá mais tempo para atualizar os itens a serem lembrados.
Os estudo de Jackson et al. (2021) teve como objetivo identificar a relação entre transtorno do desenvolvimento da linguagem (TDL), habilidades de aprendizagem de palavras e a memória de trabalho verbal. Os autores observaram que crianças com TDL apresentaram desempenho comparável ao grupo com desenvolvimento típico, na tarefa de identificação, indicando um capacidade intacta de aprender as tarefas referentes ao formulário. Em contraste, as crianças com TDL tiveram um desempenho significativamente pior em Nomeação e Reconhecimento, sugerindo uma capacidade prejudicada de aprender novas formas de palavras; bem como para Descrição, sugerindo problemas para estabelecer novos significados de palavras. Esses déficits foram aparentes na codificação inicial e na recodificação; no entanto, ambos os grupos demonstraram resultados semelhantes na taxa de aprendizagem. Todas as crianças acharam as avaliações de retenção difíceis, e não houve nenhum grupo com diferença significativa. Em síntese, a memória de trabalho verbal apresentou papel moderador para o desempenho nas tarefas de nomeação e de reconhecimento, ao passo que crianças com TDL e memória de trabalho verbal deficiente apresentaram os níveis mais baixos de precisão.
O estudo de Costa e Souza (2022) buscou verificar a associação entre o suporte oferecido pelos pais na tarefa escolar e o desempenho nas funções executivas nucleares (controle inibitório, memória de trabalho e f lexibilidade cognitiva) dos filhos. Os pais responderam ao Questionário de Suporte Parental, enquanto as funções executivas das crianças foram avaliadas por meio de três instrumentos: Tarefa de Fluência Verbal Livre; subteste Dígitos da Escala Wechsler de Inteligência para Crianças – 4ª Edição; Teste dos Cinco Dígitos, subteste Span de Pseudopalavras do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve – Infantil. Os resultados das correlações indicaram correlações positivas e significativas entre o suporte parental e as funções executivas, entre organização e flexibilidade cognitiva, bem como correlação negativa entre planejamento e flexibilidade cognitiva.
O estudo de D’Aurizio et al. (2023) buscou investigar a capacidade de memória operacional espacial em crianças que frequentaram os três primeiros anos da escola primária. O instrumento empregado foi o Brick Game Task (BGT), um novo teste de memória operacional visuoespacial, inspirado em tarefas comportamentais de caminhada com nove tijolos brancos em diferentes configurações espaciais. Todas as crianças também responderam ao subteste Dígitos da Escala de Inteligência Wechsler para Crianças – 4ª Edição, ao teste Cubos de Corsi. O desempenho nos Cubos de Corsi e no subteste Dígitos previu, significativamente, o escore no BGT. Os presentes resultados evidenciaram que o novo BGT é uma tarefa sensata de memória de trabalho visuoespacial, sugerindo a sua utilização para avaliar a capacidade das crianças.
Numa análise geral dos artigos selecionados, houve falta de referência dos estudos aos dados de validação e normatização dos instrumentos que foram utilizados. Especificamente para o contexto brasileiro, apenas um artigo apresenta estudo de validação. Em resumo, não foram encontrados na presente revisão instrumentos, no Brasil, para avaliar a memória operacional que apresentem dados de validação no contexto nacional, com exceção do CHEXI.
Ressalta-se que, no levantamento realizado, foram consideradas apenas as publicações que fizeram uso de instrumentos psicológicos em crianças, o que, possivelmente, reduziu a quantidade analisada. Apesar do grande número de estudos na área da memória operacional, poucos deles fazem uso de testes psicológicos ou neuropsicológicos. O estudo da memória operacional, na avaliação neuropsicológica, mais especificamente, utilizando instrumentos psicológicos, ainda é incipiente.
Considerações
O presente artigo buscou realizar uma revisão sistemática da literatura de publicações científicas em inglês e português dos últimos oito anos, com o objetivo de identificar os principais instrumentos utilizados na avaliação da memória operacional de crianças. Por meio deste levantamento, observou-se que os artigos, em sua maioria, representam pesquisas comparativas, das quais cinco delas empregaram subtestes da Escala de Inteligência Wechsler para Crianças – 4ª Edição. Foram notadas algumas limitações nos estudos levantados que investigam a memória operacional de crianças, diante do uso de instrumentos em construção.
Foi possível identificar e descrever diferentes tarefas e instrumentos que avaliam a memória operacional em crianças. Essas tarefas apresentam variações de manejo da informação mental. Algumas tarefas recrutam a manipulação da informação, como a Digit Span, na qual a pessoa deve apenas lembrar os números e repeti-los. Algumas tarefas apresentam uma demanda de processamento maior do que outras, e isso, provavelmente, influencia os resultados. Diante disso, desenvolver tarefas que avaliem a memória operacional é interessante, contudo, é preciso analisar os dados psicométricos dessas tarefas. É notável que as tarefas apresentem formas e intensidades distintas no manejo da informação da memória operacional, o que pode influenciar na interpretação dos resultados e na atribuição do modelo cognitivo.
Os estudos que empregaram instrumentos, mostraram resultados com confiabilidade elevada. Apesar disso, segundo Cohen et al. (2014) e Pasquali (2016), além da demonstração de evidências de validade e precisão, também é necessário o investimento em estudos de normatização, para garantir que o processo de testagem possa oferecer informações mais próximas à realidade dos indivíduos que passaram pelo processo de avaliação neuropsicológica.
Os estudos também apresentaram que a memória operacional está interligada com os diagnósticos de TDAH, dificuldades de aprendizagem (leitura, escrita e aritmetica) e dislexia, transtornos de ansiedade, suporte parental e superdotação. Destaca-se a importância de validar e desenvolver novas tarefas para avaliação da memória operacional no contexto brasileiro. Compreende-se a necessidade de desenvolver medidas que sejam validadas empiricamente, proporcionando a qualidade dos dados diante a busca de evidências de validade de construto, para possibilitar a comparação entre os resultados.
Sugere-se, ainda, que pesquisas futuras se concentrem no desenvolvimento de novos delineamentos de estudos, para contribuir na avaliação e na intervenção neuropsicológica. Dessa forma, será possível avançar o conhecimento do status científico dos prejuízos da memória operacional e promover uma prática na avaliação neuropsicológica empiricamente mais eficaz. Tais pesquisas são necessárias não só como forma de ampliação do conhecimento acerca da memória operacional e da sua adequação aos modelos cognitivos, mas também para o planejamento de tratamentos individualizados que auxiliem na definição de qual intervenção é mais efetiva. Para tanto, são necessários estudos adicionais que investiguem a adequação das tarefas ao modelo de memória operacional, seus limites e potenciais.