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Journal of Human Growth and Development

versión impresa ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.20 no.3 São Paulo  2010

 

PESQUISA ORIGINAL ORIGINAL RESEARCH

 

Valor de predição da ultrassonografia cerebral em recém-nascidos pré-termo para alteração de desenvolvimento neuropsicomotor aos 12 meses de idade corrigida

 

The predictive value of neonatal brain ultrasound in premature babies for impaired neurodevelopment with a corrected age of 12 months

 

 

Roxana Desterro e Silva da CunhaI; Fernando Lamy FilhoII; Antonio Augusto Moura da SilvaIII; Zeni Carvalho LamyIV

IUniversidade Federal do Maranhão. Hospital Universitário Materno-Infantil
IIHospital Universitário - Unidade Materno Infantil
IIIDepartamento de Saúde Pública da Universidade Federal do Maranhão. E-mail: aasilva@elo.com.br
IVZeni Carvalho Lamy. Doutorado em Saúde da Criança e da Mulher - Fundação Oswaldo Cruz, Fiocruz, Brasil. Hospital Universitário-Unidade Materno Infantil

Correspondência para

 

 


RESUMO

OBJETIVO: verificar o valor preditivo da ultrassonografia transfontanelar em recém-nascidos prematuros na determinação das alterações do desenvolvimento neuropsicomotor.
MÉTODO: coorte prospectivo. Foram estudados 99 recém-nascidos prematuros com peso de nascimento menor ou igual a 1800 gramas e idade gestacional abaixo de 37 semanas que fizeram ultrassom transfontanelar no período neonatal durante internação em UTI. Para avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor utilizou-se o Teste de Denver II. Na análise bivariada utilizou-se o teste do qui-quadrado e na análise multivariada, regressão logística onde foram detectadas associações entre características sócio-econômicas e a variável resposta. Finalmente foi realizada análise para avaliação de valores preditivos positivos e negativos.
RESULTADOS: população composta de crianças com 12 meses de idade corrigida, com média de peso de nascimento de 1320 gramas e idade gestacional média de 31 semanas e 3 dias. Alterações ultra-sonográficas estiveram presentes em 49,4% das crianças. Dos testes realizados, 34,3% tiveram resultados desfavoráveis. Dos fatores de risco para alteração de desenvolvimento, alterações ultra-sonográficas cerebrais e renda familiar mostram-se estatisticamente significantes. O valor preditivo positivo dos exames ultra-sonográficos transfontanelares para alterações de desenvolvimento neuropsicomotor, foi de 51,02 % e o negativo, 82%. Acrescentando-se a variável renda familiar às alterações ultra-sonográficas transfontanelares, o valor preditivo positivo aumentou para 90% e o negativo reduziu-se para 71,91%.
CONCLUSÃO: acredita-se que o acréscimo à análise da variável renda familiar é boa alternativa para aumentar a capacidade de predizer o desenvolvimento de prematuros com alterações ultra-sonográficas transfontanelares.

Palavras-chave: prematuro; desenvolvimento neuropsicomotor; teste de Denver II; ultrasson transfontanelar.


ABSTRACT

OBJECTIVE: verify the predictive value of transfontanellar ultrasonic exams in premature babies on determination of altered neural psychomotor development.
METHOD: prospective cohort.: Ninety-nine premature infants with birth weights of 1800 g or less and gestational ages of less than 37 weeks who had had neonatal transfontanellar ultrasound scans when they were in intensive care were studied. The Denver II test was used to assess neurodevelopment. The chi-square test and logistic regression were used in the bivariate and multivariate analyses, respectively, and revealed associations between the socioeconomic characteristics and dependent variable. Lastly, an analysis was carried out to determine positive and negative predictive values.
RESULTS: the population consisted of children with a corrected age of 12 months, average birth weight of 1320 g and average gestational age of 31 weeks and 3 days. Ultrasound abnormalities were detected in 49.4% of the children. Of the tests carried out, 34.3% yielded unfavorable results. Among the risk factors for delayed development, abnormal ultrasound results and family income were statistically significant. The positive and negative predictive values of the transfontanellar ultrasound scans for altered neurodevelopment were 51,02 % and 82 %, respectively. When the variable "family income" was used together with "altered ultrasound results", the positive predictive value increased to 90% and the negative predictive value fell to 71.91%.
CONCLUSION: inclusion of "family income" is an effective way of increasing the predictive value of abnormal transfontanellar ultrasound results for altered neurodevelopment in premature infants.

Key words: premature; neurodevelopment; Denver II test; transfontanellar ultrasound.


 

 

INTRODUÇÃO

As anormalidades cerebrais mais frequentes em recém-nascidos prematuros são a Hemorragia Peri-intraventricular (HPIV), a Leucomálacia Periventricular (LPV) e Hidrocefalia pós-hemorrágica1,2,3. A Ultra-sonografia Transfontanelar (USTF), além de sua capacidade de diagnosticar tais patologias, pode associar a lesão cerebral ao acometimento neurológico posterior, sendo de extrema valia para estimar o prognóstico desses bebês4,5,6,7.

Em geral, sabe-se que a maioria das crianças com HPIV grau III e grau IV e Leucomalácia periventricular, apresentam piores sequelas neurológicas em longo prazo.8 Aqueles com hemorragia grau I e II geralmente apresentam prognóstico favorável, porém 10% ainda podem apresentar sequelas neurológicas graves. Além disso, dos recém-nascidos com HPIV, 30% evoluem para óbito no período neonatal9,10.

Para avaliação e observação do desenvolvimento dessas crianças são utilizados vários testes de desenvolvimento. Os mais utilizados são o Teste seletivo de desenvolvimento motor de Milani-Comparetti, Teste seletivo de desenvolvimento de Denver (atualmente utilizado o Denver II, modificado por Frankenburg et al.11, Testes de função motora, Programas de desenvolvimento de Gesell e Escala de desenvolvimento infantil de Bayley12. Segundo Tecklin12 e Halpern et al.13, dentre esses, o Teste de Denver II é um dos mais utilizados, pois além de gozar de boa reputação dentre os profissionais de saúde, é de treinamento e administração fáceis e pontuação feita rapidamente, sendo utilizado para avaliação também de prematuros14,15.

As alterações neurológicas importantes da injúria cerebral no recém-nascido são paralisia cerebral e déficits cognitivos. A precocidade do diagnóstico de tais alterações possibilita intervenções que podem minimizar danos no desenvolvimento neuropsicomotor dessas crianças5.

A hipótese de que USTF normal é um bom preditor de desenvolvimento normal é confirmada na literatura por vários autores16,17,18. Porém, os prognósticos de médio e longo prazos feitos através de exames ultrassonográficos realizados no período neonatal mostram valores preditivos positivos baixos em vários trabalhos, provavelmente expressando a presença de uma enorme gama de fatores intervenientes no processo de desenvolvimento dessas crianças após a alta4,19,20. Por outro lado, em alguns casos, alterações na USTF são citadas como preditoras de desenvolvimento alterado em prematuros egressos de UTI Neonatal (UTIN)21-23.

Diante disso, alguns autores propuseram o acréscimo de variáveis de fácil obtenção ao resultado do USTF, ainda no período de internação, como forma de otimizar sua capacidade de predição de déficits de desenvolvimento em diferentes idades nos egressos de UTIN.Porém, nenhuma das variáveis utilizadas por esses autores é de fácil utilização à beira do leito e, não raro, envolve a manipulação de um bebê prematuro possivelmente instável4,24,25.

As variáveis socioeconômicas familiares, por sua vez, estão diretamente ligadas ao desenvolvimento do recém-nascido no período pós-alta e podem prescindir da necessidade de manipulação do paciente26-30.

Assim, o objetivo é verificar o valor da ultrassonografia transfontanelar, associada à variáveis socioeconômicas, na predição de alterações do desenvolvimento neuropsicomotor em recém-nascidos prematuros com idade corrigida de um ano.

 

MÉTODO

Estudo de coorte prospectivo com recém-nascidos prematuros com peso de nascimento abaixo de 1800g, egressos da UTI-Neonatal do Hospital Universitário de São Luís, no período de abril a dezembro de 2005. Os pacientes foram acompanhados até um ano de idade corrigida (variação de 11 meses a 13 meses) no ambulatório de seguimento de egressos de UTIN do mesmo hospital, quando foi aplicado o teste de Denver II11 para avaliação do desenvolvimento motor e cognitivo. A aplicação do teste foi realizada uma só vez, sempre pelo mesmo profissional, com formação em terapia ocupacional, devidamente treinado.

População estudada

Os critérios para inclusão no estudo foram: peso de nascimento < 1800g idade gestacional (IG) ao nascimento menor que 37 semanas estimada pelo exame New Ballard31, ter sido internado na UTIN e ter exame utrassonográfico transfontanelar realizado durante a internação. O método de New Ballard foi utilizado devido ao fato de a maioria das mães de nosso estudo não terem tido uma avaliação ultrassonográfica até 20 semanas de gestação (padrão ouro)32 e a informação sobre a data da última menstruação também ser de baixa confiabilidade.

Não foram incluídos os casos de síndromes genéticas, malformações importantes e infecções congênitas.

A população foi selecionada a partir do livro de registros de ultrassonografia da UTI Neonatal, onde constam resultados de USTF de recém-nascidos no período pré-estabelecido.

De acordo com os dados do Setor de Estatística do HUUFMA, no período estudado (correspondente a 6 meses), nasceram um total de 3021 nascidos vivos, sendo que 215 tiveram peso ao nascimento menor ou igual a 1800g e idade gestacional menor que 37 semanas. Dessa população, 186 fizeram USTF na internação em UTI-Neonatal. Trinta recém-nascidos foram a óbito. Vinte e duas crianças com idade gestacional corrigida de 1 ano não atendiam aos critérios de inclusão do estudo. O "n" da pesquisa foi de 134 e as perdas totalizaram 35. A população final contou com recrutamento de 99 crianças.

Cerca de 26% dos pacientes foram excluídos do trabalho. Isto se deveu ao grande número de pacientes que residem no interior, alguns em povoados, com informação de endereço incompleta ou errada, sem telefones e com nível socioeconômico baixo, o que dificultou o contato ou a vinda para São Luís. Mensagens através de emissoras de rádio também foram usadas nas tentativas de localização das crianças. Esse tipo de mídia ainda é o mais utilizado na comunicação em povoados menos desenvolvidos do estado. Apesar do percentual elevado, os indivíduos perdidos tinham características semelhantes quanto à renda familiar (p=0,07); sexo (p=0,81); Apgar do 1º min. (p=0,08), peso de nascimento (p=0,12), RN PIG (p=0,19), uso de ventilação mecânica (p=0,06); presença de infecção bacteriana (0,09) e resultado de ultrassonografia transfontanelar (p=0,12).

A única variável que mostrou diferença entre o grupo de perda e o estudado foi a idade gestacional de nascimento (p=0,015). As médias de IG foram de 32 sem. e 5 dias ± 2 sem. e 4 dias, para o grupo de perdas e de 31 sem. e 3 dias ± 2 sem. e 3 dias, para o grupo incluído, o que se encontra dentro do erro esperado para o método de estimação da IG (New Ballard).

Variáveis estudadas

As variáveis independentes e/ou de controle de confundimento coletadas foram: Sociodemográficas e econômicas ligadas aos pais - Escolaridade (pai e mãe); Idade da mãe; Situação conjugal; Renda familiar; Trabalho externo e Trabalho qualificado (de acordo com os Critérios de Ocupação de Bronfman)33. Obstétricas - Paridade; Pré-natal; Tipo de parto; e Problemas na gestação (hipertensão, infecção, gemelaridade, uso de medidas abortivas). Variáveis ligadas à internação - Doença de Membranas Hialinas (DMH); Ventilação mecânica; Infecção/sepse; Hipoglicemia; Transfusão; Apneia; Displasia broncopulmonar (DBP) e Alta com amamentação exclusiva. Características dos recém-nascidos - Peso de nascimento (PN); Idade gestacional- (definida apenas pelo exame de New Ballard); Sexo; Apgar do 1º minuto; Apgar do 5 º min.; Local de nascimento (nascido ou não no hospital do estudo) e Relação IG/PN- (Adequado para a idade gestacional (AIG) ou Pequeno para a idade gestacional (PIG), definidos pela curva de Battaglia, Lubchenco34.

Variáveis relativas ao exame de Ultrassonografia transfontanelar - exame alterado (Sim/Não, considerando como alterado qualquer classificação diferente da normalidade e levando-se em consideração o pior resultado durante a internação), e classificação de Papile/Gomela e critérios de Jones8, adaptado de Pierrat et al.35 e de de Vries et al.36 (que caracterizam a lesão cerebral descrevendo sua localização e extensão do comprometimento sendo importante para o diagnóstico e prognóstico da criança)8.

O exame foi feito pelo mesmo observador, com formação em Ultrassonografia, sendo utilizado transdutor de 5 MHz.

A variável resposta utilizada foi o Teste de Denver II (suspeito de alteração/normal).

O Teste de Denver foi projetado para refletir o desenvolvimento de uma vasta extensão de habilidades heterogêneas. Os dados são representados de acordo com a idade, similar à curva de crescimento físico. Identifica as crianças que não estão agindo de acordo com a sua idade, por quaisquer razões11,37.

Consiste em 125 itens em forma de teste que dividem o desenvolvimento em 4 áreas: pessoal-social (que diz respeito à socialização); motricidade fina (coordenação olho-mão, manipulação de pequenos objetos), linguagem (audição, produção de som, compreensão e uso da linguagem) e motricidade ampla (sentar, caminhar, pular e movimentos musculares amplos e gerais). O teste é realizado pela observação do examinador sobre a criança e através de perguntas respondidas pelos pais12,38,39.

Apesar de ser considerado um teste de triagem o Teste de Denver II é bastante utilizado para avaliação do desenvolvimento infantil, visto que apresenta uma normalização cuidadosa38,40. Alguns trabalhos têm mostrado alterações de desenvolvimento quando utilizado o Teste de Dever como ferramenta de análise de crianças com alterações com lesões ultrassonográficas cerebrais41,42.

Todos os pais ou responsáveis pelas crianças participantes do trabalho foram convidados a assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. O protocolo de estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética da Instituição, através do Parecer Consubstanciado nº 036/06, bem como pela direção do hospital.

Tamanho amostral

Calculou-se um mínimo de 47 recém-nascidos em cada grupo (com e sem USTF alterado), considerando-se uma relação grupo estudo/controle = 1/1, assumindo-se um poder de 80%; probabilidade de erro tipo I de 5% e intervalo de confiança de 95%. Dessa forma foi possível detectar um risco relativo significante de 2,643.

Análise Estatística

Em uma primeira fase, foram realizadas análises bivariadas com cada uma das variáveis independentes e a variável resposta, usando-se o teste do qui-quadrado. Foram, então, selecionadas aquelas com p-valor menor que 0,2. Em seguida as variáveis foram divididas em grupos, segundo sua capacidade explanatória do evento resposta, em distais (Escolaridade (pai e mãe); Idade da mãe; Situação conjugal; Renda familiar; Trabalho externo e Trabalho qualificado); intermediárias (Paridade; Pré-natal; Tipo de parto; e Problemas na gestação; Peso de nascimento; Idade gestacional; Sexo; Apgar do 1º e do 5º minutos; Local de nascimento e Relação IG/PN) e proximais (Doença de Membranas Hialinas; Ventilação mecânica; Infecção/sepse; Hipoglicemia; Transfusão; Apnéia; DBP e Exame Transfontanelar Alterado). Foram, então, realizadas análises multivariadas (regressões logísticas) com os diversos grupos de variáveis (distais, intermediárias e proximais). As variáveis que se associaram nos três modelos (p < 0,05) compuseram o modelo final de análise, possibilitando a identificação daquela mais fortemente ligada ao evento resposta.

Foi realizada, então, análise para a avaliação de valores preditivos positivo e negativo do resultado do USTF. Em seguida, foi acrescentada a variável selecionada no modelo de regressão logística e repetida a análise de valores preditivos.

 

RESULTADOS

Foram avaliadas 99 crianças com um ano de idade gestacional corrigida, egressas de UTI-Neonatal.

As principais características de nascimento dos bebês são relacionadas na tabela 1. A média de peso foi de 1320,6 g + 318,2 g enquanto a idade gestacional média foi de 31 semanas e 3 dias + 3 semanas e 2 dias.

 

 

Na tabela 2, apresentam-se os resultados das características maternas onde se evidencia que 61% das mães esteve na faixa etária entre 21 e 34 anos de idade sendo encontrada a média de idade de 24,13 anos. Apenas 5,1% possuem nível superior. A maioria das entrevistadas relatou rendimentos pouco maiores ou iguais a um salário mínimo (cento e vinte dólares americanos). A alteração ultrassonográfica mais frequente foi a LPV (38,3%), totalizando 49 exames ultrassonográficos anormais. Os casos de hemorragia intraventricular totalizaram 21 (20,2%).

 

 

Em uma primeira etapa, foi realizada análise de predição do resultado do USTF em relação a alterações do exame de Denver II com um ano de idade que mostrou especificidade alta, baixa sensibilidade e capacidades de predição (VPP e VPN) baixas (tabela 3). Procedeu-se, então, análise multivariada com vários grupos de variáveis (distais, intermediárias e proximais), selecionando aquelas que participaram do modelo final de análise. No modelo final foram incluídas as variáveis renda, escolaridade e idade maternas, e resultado de USTF. Renda e USTF se associaram fortemente como risco para suspeita de alteração do teste de Denver com um ano de idade. A escolaridade materna (< 12 anos), surpreendentemente, associou-se como fator de proteção (tabela 4). Nenhuma outra variável em nenhum dos três modelos se associou com teste de Denver II suspeito.

 

 

Um modelo de regressão logística foi realizado com as duas variáveis que se associaram como risco (renda baixa e USTF alterado). Essas duas variáveis confirmaram suas associações para teste de Denver II suspeito, com um ano de idade. A primeira mostrou risco aumentado em três vezes e meia (p = 0,026) e a segunda um risco mais de cinco vezes maior (p = 0,001) (tabela 5).

Foi realizada, então, uma nova análise preditiva acrescentando-se a variável renda ao USTF. Observou-se um aumento expressivo do valor preditivo positivo (de 51,02 para 90%) e da especificidade em mais de trinta pontos percentuais. Porém, houve queda do valor preditivo negativo de oito pontos percentuais (de 82 para 71,91) e da sensibilidade (73,53 para 26,47) (Tabela 6).

 

 

DISCUSSÃO

O exame de USTF alterado apresentou níveis apenas razoáveis de valor preditivo positivo (51,02%) e valor preditivo negativo (82%). LeFlore44 evidenciou limitações do exame de USTF em predizer as alterações neurocomportamentais futuras em recém-nascidos de alto risco, definindo-o como fraco preditor de prognóstico subsequente. Mello et al.45 encontraram baixa sensibilidade e alta especificidade. Consideraram os valores preditivos positivo e negativo encontrados satisfatórios. De Vries18 na Holanda em 2004, avaliando a capacidade do USTF em predizer desenvolvimento de paralisia cerebral em uma população de prematuros abaixo de 36 semanas de idade gestacional, encontrou especificidade alta tanto para o 1º grupo com idade gestacional mais baixa (< 32 semanas) quanto para o 2º grupo com idade gestacional entre 33 e 36 semanas. A sensibilidade mostrou-se um pouco mais baixa. Os valores preditivos positivos e negativos no primeiro grupo foram respectivamente 48% e 99%.

O acréscimo da variável renda à análise de predição de atrasos no desenvolvimento de crianças de um ano de idade, prematuras, egressas de UTIN, possibilitou um aumento importante do VPP. A escolha da variável renda (< 120 dólares americanos) se deu devido à análise multivariada na qual foram identificadas as variáveis que mais se associaram ao exame de Denver II suspeito para alterações com um ano de idade.

A categoria renda familiar menor que um salário mínimo da época (correspondendo a 120 dólares americanos da época) foi a que mostrou maior associação como risco. A baixa idade materna não mostrou associação e a baixa escolaridade associou-se como fator de proteção. Diante disso optou-se por incluir apenas a renda familiar na análise preditiva.

A queda da sensibilidade na segunda análise de predição não prejudica o resultado final do teste uma vez que o objetivo deste não era o diagnóstico e sim o de fornecer uma ferramenta capaz de prever resultados neurológicos ruins diante de um teste positivo (VPP).

A literatura propõe, em outros trabalhos4,17,21-25, a inclusão de diversas variáveis que, em conjunto com o resultado da USTF, comporiam algoritmos utilizados para melhorar a capacidade de predição de atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor em fases mais avançadas da vida dessas crianças. Pierrat et al.24 propõem o uso de combinação de respostas evocadas somatossensoriais em exame neurológico do nervo tibial posterior e ultrassom craniano conseguindo com isso que a sensibilidade passasse de 95.6% para 91.3% e a especificidade de 68.5% para 81.2%. Fowlie et al.25, utilizam o escore de CRIB > 4 associado à hemorragia intracraniana grau 3 ou 4 para atingir um VPP de 60% para alterações de desenvolvimento, diagnosticadas segundo critérios desenvolvidos pelos próprios autores.

Mello et al.4, por sua vez, propõem a utilização de avaliação neurológica de Dubowitz et al.46 durante a internação com melhora do VPP de 69,2 para 80% quando comparada ao uso exclusivo da ultrassonografia. Ainda nessa linha, Robel-Tillig et al.17 sugerem que o melhor desempenho do USTF em predizer déficits futuros de desenvolvimento (segundo avaliação neurológica desenvolvida pelos próprios autores) se dá quando se utiliza o exame em recém-nascidos com idade gestacional corrigida menor que 33 semanas. Outros autores associam desenvolvimento alterado com a gravidade da lesão detectada no ultrassom20,22.

Porém, nenhum deles construiu esses algoritmos utilizando uma variável de caráter socioeconômico como a renda familiar que, além de ser de fácil obtenção, não pressupõe maior manipulação do bebê e nem tampouco um maior custo para a unidade hospitalar. O uso dessa variável como fator de risco dentro de um algoritmo se baseia no fato de que algumas características dos ambientes domiciliares de caráter demográfico, como o número de crianças na casa ou número de cômodos, além de variáveis socioeconômicas como renda familiar ou escolaridade da mãe podem ter grande influência no desenvolvimento de crianças na primeira infância26,27,28,47.

A baixa escolaridade associou-se como fator de proteção ao Denver suspeito, ao contrário de vários trabalhos que mostram ser este um fator de risco para atrasos no desenvolvimento. Essa condição poderia afetar a aquisição e o desenvolvimento da linguagem das crianças de uma maneira geral e influenciaria na capacidade de adquirir bens materiais e no equilíbrio emocional da família.26,27,48,49 Uma possível explicação para esse resultado seria a possibilidade de que algumas mães com maior escolaridade pudessem estar mais inseridas no mercado de trabalho, sendo obrigadas a deixar seus filhos em casa ou em outros ambientes com pouca estimulação, o que poderia reforçar uma tendência ao atraso no desenvolvimento em uma criança nascida prematuramente.

A idade materna não se associou, apesar de alguns trabalhos mostram que mães muito jovens representam fator de risco para o atraso no desenvolvimento infantil26,27,28.

O pequeno tamanho da amostra e a quantidade de perdas, principalmente de bebês do interior do estado, podem ter modificado alguns resultados. Porém, acredita-se que o viés gerado agiu no sentido de subestimar algumas associações. A colinearidade de algumas variáveis como renda e escolaridade pode ter dificultado a estimativa do efeito individual desses elementos.

Assim conclui-se que a utilização de variáveis socioeconômicas (renda familiar) em combinação com variáveis relativas a exames complementares (USTF) pode contribuir para a melhor definição de um grupo de crianças de maior risco para alterações do desenvolvimento.

 

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Correspondência para:
Roxana Desterro e Silva da Cunha
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E-mail: roxanacunha@elo.com.br; roxanacunha@hotmail.com

Recebido em 02/02/10
Modificado em 06/07/10
Aceito em 12/08/10

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