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Journal of Human Growth and Development
versión impresa ISSN 0104-1282versión On-line ISSN 2175-3598
J. Hum. Growth Dev. vol.33 no.1 Santo André enero/abr. 2023 Epub 06-Dic-2024
https://doi.org/10.36311/jhgd.v33.13332
ARTIGO ORIGINAL
Perfil epidemiológico de adolescentes vivendo com HIV/AIDS no Espírito Santo, Brasil: um estudo transversal
aUniversidade Federal do Espírito Santo.
bUniversidade Federal do Espírito Santo.
cSecretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo.
dUniversidade Federal do Espírito Santo.
Introdução
A epidemia da AIDS passou por diversas transformações e, nos últimos anos, observa-se aumento de casos de HIV/AIDS entre adolescentes e jovens. Assim, é fundamental conhecer essa população para embasar cientificamente as ações em saúde.
Objetivo
analisar o perfil epidemiológico de adolescentes que vivem com HIV/AIDS no Estado do Espírito Santo, Brasil.
Método
estudo descritivo, seccional, no qual foram analisadas notificações de HIV/AIDS entre adolescentes de 13 a 19 anos, entre 2010 e 2020.
Resultados
foram encontrados 523 adolescentes vivendo com HIV/AIDS no período analisado (média de 47 casos/ano). Prevaleceu os adolescentes do sexo masculino (68,8%), com mais de 16 anos (média=18,0 anos), de raça/cor parda (54,6%), residentes na região metropolitana, próxima a capital. Foi observado que a escolaridade do sexo feminino é menor, estando 47,2% delas no ensino fundamental, enquanto 45,0% dos rapazes já estão no ensino médio. Em grande parte dos casos a infecção ocorreu via sexual, sendo, entre os homens, através de relações homossexuais (55,0%) e entre as mulheres por meio de relações heterossexuais (82,2%). A carga viral de HIV foi detectável em quase totalidade (84,8%) dos casos e 11 (6,8%) destes adolescentes evoluíram para óbito.
Conclusão
O perfil epidemiológico dos casos de HIV e AIDS, entre os adolescentes, no Estado do Espírito Santo, demonstra maior frequência de casos no sexo masculino, na faixa etária de 16 a 19 anos, com ensino médio incompleto, que adquiriram HIV por via sexual desprotegida, em relações homossexuais. Destaca-se a alta porcentagem de jovens com carga viral detectável e os óbitos em decorrência de complicações da AIDS.
Palavras-Chave: Adolescente; HIV; síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS); perfil de saúde
Introduction
The AIDS epidemic has undergone several transformations, and, in recent years, there has been an increase in cases of HIV/AIDS among adolescents and young people. Thus, it is essential to know this population to base health actions scientifically.
Objective
This study aims to analyze the epidemiological profile of adolescents living with HIV/AIDS in Espírito Santo, Brazil.
Methods
A descriptive, sectional study in which notifications of HIV/AIDS among adolescents aged 13 to 19 between 2010 and 2020 were analyzed.
Results
523 adolescents with HIV/AIDS were found in the analyzed period (an average of 47 cases/year). There was a predominance of male adolescents (68.8%), older than 16 years (mean=18.0 years), of mixed race/colour (54.6%), living in the metropolitan region near the capital. It was observed that the schooling of females is lower, with 47.2% of them in elementary school, while 45.0% of the boys are in high school. In most cases, the infection occurred via sexual intercourse, among men, through homosexual relations (55.0%), and among women, through heterosexual relations (82.2%). The HIV viral load was detectable in almost all (84.8%) cases, and 11 (6.8%) of these adolescents died.
Conclusion
The epidemiological profile of HIV and AIDS cases among adolescents in Espírito Santo shows a higher frequency of cases in males aged 16 to 19 years, with incomplete high school education, who acquired HIV through unprotected sex in homosexual relationships. We highlight the high percentage of young people with detectable viral loads and deaths due to complications of AIDS.
Key words: Adolescent; HIV; acquired immunodeficiency syndrome (AIDS); health profile
Síntese dos autores
Por que este estudo foi feito?
A partir da tendência de juvenilização da população infectada pelo HIV/AIDS, este estudo foi proposto para analisar o perfil epidemiológico de adolescentes que vivem com HIV/AIDS no Estado do Espírito Santo - Brasil, a fim de subsidiar ações e políticas de prevenção e tratamento do HIV/AIDS.
O que os pesquisadores fizeram e encontraram?
Os pesquisadores encontraram prevalência de notificações em indivíduos do sexo masculino, entre 16 e 19 anos de idade, que cursavam ensino médio. A principal via de infecção foi a sexual, sendo mais frequente, no sexo feminino, a relação heterossexual e, no sexo masculino, a relação homossexual. Destaca-se que grande parte dos adolescentes apresentavam carga viral detectável e foram notificados 11 óbitos devido às complicações da AIDS.
O que essas descobertas significam?
O grande número de adolescentes com carga viral detectável sinaliza graves problemas de saúde pública, como o diagnóstico tardio e a falta de adesão à terapia antirretroviral (TARV). Como consequência, observou-se a morte prematura de 11 adolescentes. Percebe-se, portanto, a necessidade do planejamento e execução de ações que objetivem a redução dos novos contágios entre os adolescentes, assim como, medidas que busquem detecção precoce dos casos, melhora no acesso e adesão ao tratamento antirretroviral.
INTRODUÇÃO
A dinâmica de contínua transformação da epidemia da AIDS, diversificando o perfil de pessoas que são infectadas pelo HIV, impulsiona a realização de novos estudos a fim de conhecer quem são os indivíduos vulneráveis à infecção e quem, atualmente, vive com HIV. Dessa forma, busca-se subsidiar ações e políticas públicas voltadas para o enfrentamento desse grave problema de saúde pública1 - 3 . Em geral, os estudos priorizam a investigação entre adultos2 , contrapondo ao novo cenário que se apresenta, pois, entre as gestantes há um crescimento das notificações de HIV e estes casos merecem especial atenção devido ao risco de transmissão vertical do vírus HIV4 , 5 .
No Brasil, a epidemia de HIV/AIDS é considerada estável em nível nacional. A prevalência de HIV na população em geral é de 0,4%. Apesar do decréscimo progressivo no número de casos notificados desde 2012, a situação ainda exige controle, principalmente no que se refere ao diagnóstico e acompanhamento da população mais jovem6 . Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2020 foram diagnosticados 32.701 novos casos de HIV e 29.917 casos de AIDS, com uma taxa de detecção de 14,1/100 mil habitantes. Na faixa etária de 10 a 19 anos, o número de casos foi de 824 novos casos de HIV e 332 casos de AIDS4 .
Ademais, o avanço nas tecnologias diagnósticas e terapêuticas que, em conjunto, tiveram impacto sobre a morbimortalidade de crianças e adolescentes, possibilitou que as crianças, infectadas via transmissão vertical na década passada, estejam hoje na adolescência realizando o tratamento; assim como, os casos novos de adolescentes infectados por HIV por outras vias de transmissão4 , 7 - 10 . Portanto, observa-se uma tendência de juvenilização da população infectada e esta população precisa ser incluída nos estudos de investigação epidemiológica2 , 3 , 8 - 10 .
Considerando a relevância e a magnitude do HIV/AIDS na juventude, o objetivo é analisar o perfil epidemiológico de adolescentes com notificação de casos de HIV/AIDS no Estado do Espírito Santo, Brasil.
MÉTODO
Local e período do estudo
Os dados coletados referem-se aos residentes do Estado do Espírito Santo, no período de 2010 a 2020.
População do estudo e critérios de elegibilidade
Adolescentes que vivem com HIV/AIDS na faixa etária de 13 a 19 anos, ambos os sexos, que residam no Estado do Espírito Santo.
Coleta de dados
Foram analisadas as notificações de HIV/AIDS registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), no Sistema de Informação de Exames Laboratoriais (SISCEL), no Sistema de Controle Logístico de Medicamentos (SISCLOM) e no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM).
Análise dos dados
As variáveis do estudo foram agrupadas em: sociodemográficas (faixa etária, sexo, raça/cor, escolaridade, município de residência), epidemiológicas (provável modo de transmissão) e clínica/laboratorial (data do diagnóstico, categoria de exposição, exames de carga viral e ano do óbito). Foi realizada análise descritiva, incluindo distribuição de frequências para variáveis qualitativas e cálculo de média para variáveis quantitativas. Para os métodos de análise espacial foram utilizados o mapeamento simples de eventos de saúde; a análise exploratória foi utilizada para descrever padrões de distribuição geográfica.
RESULTADOS
Entre 2010 e 2020, no Estado do Espírito Santo, foram notificados 523 casos de HIV/AIDS entre adolescentes de 13 a 19 anos de idade, perfazendo uma média de 47 casos por ano. Foi observado maior ocorrência dos casos no sexo masculino (68,8%), estes são mais velhos (média=18,0 anos) e poucos deles (4,2%) estão na faixa etária de 13 a 15 anos. A raça/cor parda predominou em ambos os sexos. A escolaridade das meninas é menor, estando 47,2% delas no ensino fundamental, enquanto 45% dos meninos já estão no ensino médio.
Entre a categoria de exposição também podem ser observadas diferenças entre os sexos, onde a maior parte das adolescentes do sexo feminino identifica-se como heterossexual (82,2%) e no sexo masculino predominam os que se reconhecem como homossexuais (55,0%).
Na tabela 1 apresenta-se a distribuição de adolescentes notificados, segundo características sociodemográficas e categoria de exposição.
Tabela 1 : Distribuição dos casos de HIV/AIDS (n=523) por sexo, segundo faixa etária, raça/cor, escolaridade e categoria de exposição, no período de 2010 a 2020, no Estado do Espírito Santo – Brasil
Variáveis | Sexo | |
---|---|---|
Feminino (%) | Masculino (%) | |
Faixa etária | ||
13 a 15 anos | 26 (16,0) | 15 (4,2) |
16 a 18 anos | 89 (54,6) | 174 (48,3) |
19 anos | 48 (29,4) | 171 (47,5) |
Raça/cor | ||
Branca | 25 (15,3) | 88 (24,4) |
Preta | 24 (14,7) | 42 (11,7) |
Parda | 89 (54,6) | 156 (43,3) |
Outros | 2 (1,2) | 4 (1,1) |
Ignorado | 23 (14,1) | 70 (19,4) |
Escolaridade | ||
Fundamental | 77 (47,2) | 74 (20,6) |
Médio | 43 (26,4) | 162 (45,0) |
Superior | 1 (0,6) | 33 (9,2) |
Ignorado | 42 (25,8) | 91 (25,3) |
Categoria de exposição | ||
Homossexual | 1 (0,6) | 198 (55,0) |
Bissexual | 1 (0,6) | 42 (11,7) |
Heterossexual | 134 (82,2) | 52 (14,4) |
Transmissão vertical | 8 (4,9) | 7 (1,9) |
Ignorado | 19 (11,7) | 61 (16,9) |
Total | 163 (31,2) | 360 (68,8) |
Fonte: SINAN/SISCEL/SISCLOM.
Os dados coletados demonstram tendência de crescimento linear nos casos de HIV, principalmente a partir de 2011, apesar de entre 2019 e 2020 ter havido uma queda brusca. Os casos de AIDS variaram entre 8 (2010) e 22 casos (nos anos 2011 e 2014), com tendência de decréscimo ( figura 1 ). Dos 161 casos de AIDS analisados nessa pesquisa, 6,8% (n=11) evoluíram para óbito.

Fonte: SINAN/SISCEL/SISCLOM/SIM.
Figura 1 : Ano de diagnóstico dos casos de HIV (n=354) e AIDS (n=161) em adolescentes (13 a 19 anos) e número de óbitos, período de 2010 a 2020, no Estado do Espírito Santo – Brasil
Na figura 2 , pode-se visualizar a distribuição geográfica dos casos de HIV/AIDS por municípios de residência, no período de 2010 a 2020, no Estado do Espírito Santo. Os casos de HIV/AIDS ocorrem em todas as regiões do Estado do Espírito Santo, estando mais concentrado na região litoral, principalmente próximo a capital do estado, nos municípios de Vila Velha (19,9%), Serra (15,9%), Vitória (14,0%) e Cariacica (12,0%).

Fonte: SINAN/SISCEL/SISCLOM.
Figura 2 : Distribuição geográfica dos casos de HIV/AIDS (n=523) por municípios de residência, no período de 2010 a 2020, no Estado do Espírito Santo – Brasil
Em relação a via de transmissão, os adolescentes mais novos, menores de 15 anos, contraíram o vírus HIV via transmissão vertical (36,4%). Por outro lado, acima dos 16 anos a transmissão sexual ocorreu em mais de 90% dos casos. No exame de carga viral o HIV foi detectável em 100% dos casos de transmissão vertical e em quase 80% dos casos de transmissão sexual. Observa-se grande número de casos em que o tipo de transmissão foi ignorado ( tabela 2 ).
Tabela 2 : Distribuição dos casos de AIDS (n=164) por via de transmissão, de acordo com faixa etária e carga viral, no período de 2010 a 2020, no Estado do Espírito Santo – Brasil
Variáveis | Tipo de transmissão | ||
---|---|---|---|
Vertical (%) | Sexual (%) | Ignorado (%) | |
Faixa etária | |||
13 a 15 anos | 4 (36,4) | 10 (9,6) | 4 (8,2) |
16 a 19 anos | 7 (63,6) | 94 (90,4) | 45 (91,8) |
Carga viral | |||
Detectável | 11 (100,0) | 81 (77,9) | 36 (73,5) |
Indetectável | 0 | 13 (12,5) | 10 (20,4) |
Ignorado | 0 | 10 (9,6) | 3 (6,1) |
Total | 11 (6,7) | 104 (63,4) | 49 (29,9) |
Fonte: SINAN/SISCEL/SISCLOM.
DISCUSSÃO
No período de 2010 a 2020, no Estado do Espírito Santo, observou-se maior frequência dos casos de HIV/AIDS em adolescentes do sexo masculino, com mais de 16 anos, da raça/cor parda, que cursavam o ensino médio. A via de infecção mais frequente foi a sexual, na relação homossexual. A carga viral de HIV destes adolescentes foi detectável em quase totalidade dos casos e onze desses jovens evoluíram para o óbito, devido a complicações da AIDS.
No Brasil, também foi observada essa tendência de incremento na taxa de detecção de AIDS na faixa etária de 15 a 19 anos no sexo masculino (29%), entre os anos 2010 e 2020. Esta faixa etária foi a única a apresentar aumento nas taxas de detecção entre os indivíduos do sexo masculino e, em 2020, apresentou taxa de detecção maior que às do sexo feminino4 . Este perfil epidemiológico também foi encontrado em outros trabalhos e a principal via de transmissão do HIV, entre os adolescentes com mais de 16 anos, foi a relação sexual desprotegida1 , 4 , 7 , 8 , 11 , 12 .
Uma das explicações, encontrada na literatura, é o fato de os adolescentes mais velhos tenderem a ter maior número de parceiros/as, sucessivos/as ou simultâneos/as, de se envolverem em relacionamentos instáveis, onde as relações sexuais nem sempre são protegidas3 , 7 , 12 . Como elementos adicionais, pode-se considerar, o desconhecimento e a descrença no uso do preservativo3 , 7 ; reconhecer-se invulnerável, mesmo após relações sexuais desprotegidas3 , 12 ; e, a inconsistência entre discurso e prática de prevenção do HIV/AIDS3 , 12 - 16 .
Em relação à categoria de exposição, observou-se o predomínio da categoria homossexual entre os homens e heterossexual entre as mulheres, corroborando com outros estudos1 , 4 , 12 . As primeiras representações sociais da AIDS, onde o vírus HIV era específico ao “grupo de risco” homossexual, profissionais do sexo e tantos outros associados à ausência de práticas de sexo seguro, têm levado homens e mulheres heterossexuais a terem menor percepção que sua orientação sexual não lhes conferem proteção contra o HIV13 , 15 , 16 .
No tocante a raça/cor autodeclarada, nesse estudo, houve predomínio da raça/cor parda. Esta variável “raça/cor” é relevante para traçar o perfil epidemiológico, não sendo significativa na relação com a prática sexual segura17. Em relação à escolaridade, observaram-se neste estudo, diferenças nas proporções de casos segundo sexo: os casos notificados com AIDS no sexo masculino apresentaram grau de instrução mais elevado que os casos no sexo feminino. Dados semelhantes ao perfil nacional dos casos notificados em 2020, onde 41,1% dos adolescentes do sexo masculino tinham ensino médio completo, enquanto no sexo feminino esse mesmo grupo representou 26,5%4.
O nível de escolaridade tem grande relevância para aqueles adolescentes que vivem com HIV/AIDS, pois, aqueles com maior escolaridade, buscam mais informações sobre a doença e aderem melhor ao tratamento antirretroviral18. Ressalta-se que a proporção de notificações sem informação de escolaridade permanece elevada em ambos os sexos: 25,8% entre as mulheres e 25,3% entre os homens; e esta lacuna prejudica a interpretação dos dados.
A distribuição espacial do HIV/AIDS, entre adolescentes, evidenciou que as maiores taxas de prevalência se concentraram na região metropolitana dos grandes centros urbanos. A tendência de convergência nos grandes centros urbanos, provavelmente, ocorre devido a estes lugares apresentarem melhor resolubilidade no setor da saúde e sediar grande parte dos Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) e Serviços de Atendimentos Especializados (SAE), além da localização espacial estratégica, que favorece o deslocamento desses jovens em busca do serviço12 .
Ao analisar o número de casos de HIV e de AIDS no período de 2010 a 2020, foi observada queda acentuada nos anos 2019 e 2020. Segundo o Ministério da Saúde, essa diminuição dos casos de AIDS, em quase todo o país, pode estar relacionada à subnotificação de casos, em virtude da sobrecarga dos serviços de saúde durante a pandemia da COVID-194 .
Apesar da AIDS estar na Lista Nacional de Notificação Compulsória desde 1986, a notificação dos casos de infecção pelo HIV passou a ser obrigatória apenas em 201419 , e, por este motivo, observou-se, neste estudo, o aumento expressivo de casos de HIV a partir de então. A tendência de aumento dos casos de HIV até 2019, vista neste estudo, é uma característica peculiar desta faixa etária12 . De acordo com os dados do Ministério da Saúde (2021), houve aumento de 29,0% dos casos de HIV na faixa etária de 15 a 29 anos4 . Por outro lado, os casos de AIDS, entre 2010 e 2020, apresentaram estabilidade com tendência de decréscimo, provavelmente devido aos benefícios da Terapia Antirretroviral (TARV).
Outro dado observado neste estudo foi o alto percentual de carga viral detectável entre os adolescentes, independentemente da via de infecção. Estes resultados sugerem que os adolescentes não estão aderindo ao tratamento recomendado, que, de acordo com o protocolo nacional, deve ser iniciada precocemente, mesmo em indivíduos assintomáticos20 . A partir desses dados, percebe-se que os 523 adolescentes do estudo não estavam ingerindo corretamente os antirretrovirais, pois estes medicamentos reduzem a carga viral de HIV no sangue circulante, a qual passa ser indetectável20 .
De acordo com a literatura, a baixa adesão entre os adolescentes está associada a vários motivos, como: esquemas de tratamento complexos e com efeitos colaterais; rigidez dos horários; alterações nas rotinas diárias; receio de que outras pessoas descubram o diagnóstico; ocorrência recente de eventos estressantes; diagnóstico de depressão; atitudes oposicionistas e de revolta frente a uma revelação de diagnóstico inadequada ou o desconhecimento do diagnóstico2 , 21 - 26 . Sem o devido acompanhamento clínico/laboratorial/medicamentoso, o sistema imunológico fica comprometido e susceptível às doenças oportunistas, que pode levar o adolescente ao óbito20 .
Neste estudo, 11 (6,8%) dos adolescentes notificados como caso de AIDS evoluíram para o óbito. A mortalidade em decorrência da AIDS em adolescentes está relacionada com a fragilidade em diagnosticar precocemente os casos de infecção, bem como monitorar o estado de saúde dessa faixa etária7 . É imprescindível acompanhar como está sendo realizado o tratamento antirretroviral, monitorando a imunidade e a efetividade da medicação; para isso é necessário o acesso à medicação e aos serviços de saúde20 .
Cabe enfatizar que no Brasil a distribuição dos antirretrovirais é gratuita9 . Contudo, mais que ter acesso à medicação, é importante que sejam construídos vínculos entre profissionais, adolescentes e famílias para obter segurança e comprometimento no tratamento continuado a fim de garantir melhor qualidade de vida para estes adolescentes7 .
Por fim, como limitações deste estudo, aponta-se a utilização de base de dados secundária, que não permitiu um contato direto com os adolescentes, além disso, houve também a presença de dados faltantes ou incompletos, que dificultaram a interpretação de alguns resultados encontrados. Ressalta-se, também, que o levantamento de dados em período da pandemia de COVID-19 pode ter repercutido na diminuição de casos notificados de HIV/AIDS4 .
O ponto forte deste levantamento, foi o número elevado de carga viral detectável, que aponta falhas nos serviços de saúde. Os resultados demonstram a importância da elaboração de uma política pública a fim de melhorar o acesso dos adolescentes aos serviços, possibilitando assim o diagnóstico de HIV mais precoce, uma melhor adesão e controle dos parâmetros clínicos desses jovens.
CONCLUSÃO
O perfil epidemiológico dos casos de HIV e AIDS, entre os adolescentes, no Estado do Espírito Santo, demonstra predomínio dos casos no sexo masculino, na faixa etária de 16 a 19 anos, com ensino médio incompleto, que adquiriram HIV por via sexual desprotegida, em relações homossexuais. Ressalta-se o alto percentual de adolescentes com carga viral detectável e a ocorrência de óbitos decorrentes de complicações da AIDS.
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Financiamento: este trabalho foi realizado com recursos próprios.
Recebido: Junho de 2022; Aceito: Janeiro de 2023; Publicado: Março de 2023