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Journal of Human Growth and Development

versión impresa ISSN 0104-1282versión On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.34 no.1 Santo André ene. 2024  Epub 20-Ene-2025

https://doi.org/10.36311/jhgd.v34.15749 

ARTIGO ORIGINAL

Avaliação do índice de massa corporal de crianças pré-escolares durante a pandemia da COVID-19

Luciane Bresciani Salaroli, participaram da análise e interpretação dos dados, redação e revisão final do artigoa 
http://orcid.org/0000-0002-1881-0306

Jerssica Renally de Araújo Silva, participaram da análise e interpretação dos dados, redação e revisão final do artigob 
http://orcid.org/0000-0001-5150-5816

Dixis Figueroa Pedraza, participaram da análise e interpretação dos dados, redação e revisão final do artigo, participou do desenho do estudo e da concepção do artigoa  b 
http://orcid.org/0000-0002-5394-828X

aPrograma de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, Espírito Santo, Brasil;

bDepartamento de Enfermagem, Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Campina Grande, Paraíba, Brasil


Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

A pandemia da COVID-19 trouxe prejuízos socioeconômicos, comportamentais e clínicos, com maiores impactos nas crianças e nas famílias de vulnerabilidade social. Conhecer a relação entre a pandemia da COVID-19 e o estado nutricional das crianças é de importância crítica para a tomada de decisão sobre medidas que possam ser implementadas para proteger a saúde e o estado nutricional da população infantil. Estudos com esse foco ainda são necessários. O estado nutricional da criança constitui não apenas um importante indicador de saúde, mas também de resiliência contra processos de desestabilização como o ocasionado pela pandemia da COVID-19.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Foram analisadas 126 crianças aos 4 anos de idade examinando-se repercussões da pandemia da COVID-19 na vida materno-infantil. As médias de Índice de Massa Corporal/Idade (Escore-Z) das crianças foram comparadas segundo características das crianças e maternas por meio de regressão linear múltipla hierarquizado. Os achados mostraram que crianças não amamentadas na primeira hora de vida e que consumiam biscoito recheado, doces ou guloseimas regularmente tinham maiores médias do desfecho. Em relação às características maternas, resultados semelhantes foram encontrados nas crianças de mães com sobrepeso/obesidade, que não completaram o ensino médio, com dificuldade para cuidar da criança e que manifestaram problemas de saúde mental ocasionados pela pandemia da COVID-19.

O que essas descobertas significam?

As evidências científicas disponibilizadas mostraram que o estado nutricional das crianças foi influenciado por repercussões da pandemia da COVID-19 na saúde mental das suas mães. Dessa forma, intervenções de melhoria da saúde materna são indispensáveis para mitigar efeitos negativos da pandemia e proteger o estado nutricional da criança.

Palavras-Chave: COVID-19; criança; índice de massa corporal; nutrição; saúde mental

Resumo

Introdução

a pandemia da COVID-19 trouxe prejuízos socioeconômicos, comportamentais e clínicos que podem comprometer o estado nutricional das crianças, sendo essenciais estudos sobre a temática.

Objetivo

avaliar o Índice de Massa Corporal de crianças pré-escolares durante a pandemia da COVID-19.

Método

os dados deste estudo provêm de uma coorte de crianças criada para investigar prospectivamente fatores determinantes do crescimento e desenvolvimento no período do nascimento até os mil dias de vida em um município do interior da Paraíba, Brasil. Para este estudo, foram coletados dados das crianças aos 4 anos de idade examinando-se repercussões da pandemia da COVID-19 na vida materno-infantil. Incluíram-se dados sobre as crianças (características biológicas, condições de saúde, consumo alimentar, tempo de tela, comportamentos durante a pandemia da COVID-19, satisfação com a vida escolar e domiciliar) e suas mães (sobrepeso/obesidade, características sociodemográficas, cuidado da criança, atitudes e práticas relacionadas à pandemia da COVID-19), comparando-se as médias de Índice de Massa Corporal/Idade (Escore-Z) por meio de regressão linear múltipla hierarquizado.

Resultados

não amamentação na primeira hora de vida (p = 0,046) e consumo regular de biscoito recheado, doces ou guloseimas (p = 0,042) foram as características das crianças que representaram maiores médias do desfecho. Também apresentaram maiores médias as crianças de mães diagnosticadas com sobrepeso/obesidade (p = 0,034), que não completaram o ensino médio (p = 0,042), que tinham dificuldade de cuidar da criança e orientá-la em aspectos de saúde (p = 0,010), bem como aquelas cujas mães tiveram a necessidade de atendimento psicológico (p = 0,047) e de usar medicamentos para saúde mental (p = 0,036) durante a pandemia da COVID-19.

Conclusão

a saúde mental materna (atendimento psicológico e uso de medicamentos) durante a pandemia da COVID-19 repercutiu no estado nutricional da criança.

Palavras-Chave: COVID-19; criança; índice de massa corporal; nutrição; saúde mental

Destaques

O Índice de Massa Corporal das crianças esteve relacionado com a necessidade das suas mães de atendimento psicológico e de uso de medicamentos para a saúde mental durante a pandemia da COVID-19, concomitante a outros fatores maternos como o sobrepeso/obesidade, o nível de escolaridade inferior e a dificuldade para cuidar da criança.

A melhoria da saúde mental das mães em decorrência de repercussões da pandemia da COVID-19 deve ser encorajada para minimizar os efeitos negativos da pandemia na saúde materna e no estado nutricional dos seus filhos.

Palavras-Chave: COVID-19; criança; índice de massa corporal; nutrição; saúde mental

Authors summary

Why was this study done?

The COVID-19 pandemic brought socioeconomic, behavioral and clinical losses, with greater impacts on socially vulnerable children and families. Knowing the relation between the COVID-19 pandemic and the nutritional status of children is of critical importance for decision-making on arrangements that can be implemented to protect the health and nutritional status of the child population. Studies with this focus are still needed. The child’s nutritional status is not only an important indicator of health, but also of resilience against destabilization processes such as caused by the COVID-19 pandemic.

What did the researchers do and find?

126 children aged 4 years old were analyzed, examining the repercussions of the COVID-19 pandemic on maternal and child life. Body Mass Index-for-age averages (Z-Score) of children were compared according to child and maternal characteristics using hierarchical multiple linear regression. The findings showed that children who were not breastfed in the first hour of life and who ate filled cookies, sweets or candies regularly had higher outcome means. Regarding maternal characteristics, similar results were found in children of mothers who were overweight/obese, who didn’t complete high school, had difficulty caring for the child and who expressed mental health problems caused by the COVID-19 pandemic.

What do these findings mean?

The scientific evidence available showed that the nutritional status of children was influenced by repercussions of the COVID-19 pandemic on their mothers’ mental health. Therefore, interventions to improve maternal health are essential to mitigate the negative effects of the pandemic and protect the child’s nutritional status.

Key words: COVID-19; child; body mass index; nutrition; mental health

Abstract

Introduction

the COVID-19 pandemic has brought socioeconomic, behavioral and clinical losses that can compromise the nutritional status of children, and studies on the subject are essential.

Objective

to assess the Body Mass Index of preschool children during the COVID-19 pandemic.

Methods

the data in this study comes from a cohort of children created to prospectively investigate determinants of growth and development in the period from birth to 1,000 days of life in a municipality in the interior of Paraíba, Brazil. For this study, data were collected from children at 4 years of age examining repercussions of the COVID-19 pandemic on maternal and child life. Data on the children (biological characteristics, health conditions, food consumption, screen time, behaviors during the COVID-19 pandemic, satisfaction with school and home life) and their mothers (overweight/obesity, sociodemographic characteristics, childcare, attitudes and practices related to the COVID-19 pandemic) were included, and the Body Mass Index-for-age average (Z-score) was compared using hierarchical multiple linear regression.

Results

not breastfeeding in the first hour of life (p = 0.046) and regular consumption of filled cookies, sweets or candies (p = 0.042) were the characteristics of the children that represented the highest means of the outcome. Children whose mothers were diagnosed as overweight/obese (p = 0.034), who had not completed high school (p = 0.042), who had difficulty caring for the child and guiding them in health aspects (p = 0.010), as well as those whose mothers needed psychological care (p = 0.047) and mental health medication (p = 0.036) during the COVID-19 pandemic, also had higher mean scores.

Conclusion

maternal mental health (psychological care and use of medication) during the COVID-19 pandemic had an impact on the child’s nutritional status.

Key words: COVID-19; child; body mass index; nutrition; mental health

Highlights

The children’s Body Mass Index was related to their mothers’ need for psychological care and the use of mental health medications during the COVID-19 pandemic, concomitantly with other maternal factors such as overweight/obesity, lower education level and the difficulty in caring for the child.

Improving the mental health of mothers as a result of the repercussions of the COVID-19 pandemic should be encouraged to minimize the negative effects of the pandemic on maternal health and the nutritional status of their children.

Key words: COVID-19; child; body mass index; nutrition; mental health

INTRODUÇÃO

A pandemia da COVID-19 se apresentou como um dos maiores desafios sanitários em todo o mundo, sobretudo em países de média e baixa renda como o Brasil que se tornou o epicentro da mesma1. A doença representou uma situação humanitária global crítica cujo curso, gravidade e consequências na dinâmica sanitária, econômica, social, política e cultural da população tornaram prioridade a necessidade de conter a infecção de novos indivíduos e reduzir a sobrecarga social da doença e sua mortalidade1,2. Assim, medidas de isolamento social foram adotadas em muitos países, contudo, com mudanças na vida das pessoas e da sociedade em geral1-3.

No Brasil, medidas progressivas de distanciamento social incluíram a conscientização da população para permanecer em casa, o fechamento de escolas, universidades e locais de trabalho, a suspensão de alguns tipos de comércio, a proibição de eventos de massa e de aglomerações, a restrição de viagens e transportes públicos, o acesso limitado a locais de recreação e a proibição da circulação nas ruas, exceto para a compra de alimentos e medicamentos ou a busca de assistência à saúde. Alguns indicadores sugerem que houve reduções importantes na circulação das pessoas em parques e para fins de recreação, em atividades de comércio e em estações de transporte. No estado da Paraíba, atos do poder público decretaram medidas de distanciamento social relacionadas à realização de eventos, na área de educação e na circulação das pessoas4.

Apesar das evidências científicas sugerirem que as medidas de distanciamento social da população, associadas ao isolamento de casos e a quarentena dos contatos combinado, impactaram positivamente a expansão da epidemia4, reconhece-se, também, a possibilidade de prejuízos no acesso aos bens e serviços essenciais, com potenciais repercussões socioeconômicas, comportamentais e clínicas, em especial entre famílias de vulnerabilidade social3-5. O distanciamento social pode resultar em redução da renda e instabilidade econômica, adoção de estilos de vida não saudáveis (diminuição da prática de atividade física, transtornos do sono, e maior consumo de alimentos não saudáveis, bebidas alcoólicas e tabaco) e aumento do estresse6-8. Adicionalmente, as oportunidades perdidas devido a interrupções nos serviços de educação, saúde, nutrição e proteção social limitaram os cuidados preventivos e o recebimento da alimentação escolar, acentuando a vulnerabilidade8-10.

Coletivamente, essas mudanças podem ter um impacto duradouro na saúde3, com aumentos acentuados no risco de adoecimento psíquico, insegurança alimentar e nutricional, todas as formas de má nutrição e morbimortalidade materno-infantil7-11. A preocupação é de tal dimensão que acredita-se em possíveis consequências intergeracionais para o crescimento e desenvolvimento infantil, impactos ao longo da vida na educação, no adoecimento por doenças crônicas e no capital humano, e o risco de perder os progressos obtidos na última década no estado nutricional da criança9,10. Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, o número de pessoas subnutridas aumentou drasticamente de 82 para 132 milhões em 2020 devido à pandemia da COVID-1912.

Enquanto temáticas como consequências socioeconômicas13,14, estilos de vida6,15, saúde mental14,16 e segurança alimentar e nutricional11,17 têm sido alvo de interesse de pesquisadores preocupados com as repercussões da COVID-19, estudos com foco no estado nutricional não têm merecido a devida atenção6,9,10,14. Por configurar um importante indicador de saúde18 e de resiliência contra processos de desestabilização, como o ocasionado pela pandemia da COVID-19 em que a resiliência individual e comunitária emergiu como principal recurso de defesa7, conhecer a relação entre a COVID-19 e o estado nutricional é de importância crítica para a tomada de decisão sobre medidas que possam proteger a população pós-COVID-19 e mitigar efeitos negativos da doença.

Adicionalmente, as pesquisas sobre os efeitos da COVID-19 na vida e nos comportamentos de saúde das crianças ainda são limitadas3,6. As famílias com crianças podem ser mais impactadas pela COVID-19, com consequências de maior magnitude na renda, na segurança alimentar e nos níveis de pobreza19,20. Evidências sugerem que o afastamento das crianças da escola e mudanças na rotina, a separação dos entes queridos e amigos, e a piora financeira da família podem causar mudanças no comportamento e nos estilos de vida, com resultados desfavoráveis na qualidade do sono, no estado nutricional e na saúde em geral6,21-23. O isolamento social, afastamento da vida escolar e maior permanência em casa têm-se relacionado ao aumento de comportamentos sedentários, diminuição da atividade física e consumo de alimentos de alta densidade energética, com impactos nos índices de excesso de peso das crianças21,22.

Assim, o objetivo é avaliar o Índice de Massa Corporal (IMC) de crianças pré-escolares durante a pandemia da COVID-19.

MÉTODO

Desenho de estudo

Os dados deste estudo provêm de coorte de crianças criada para investigar prospectivamente fatores determinantes do crescimento e desenvolvimento no período do nascimento até os mil dias de vida24. Foram elegíveis para participar da pesquisa crianças nascidas em 2018 no Hospital Geral de Mamanguape e residentes no município de Mamanguape, Paraíba, sede do referido hospital, distante em cerca de 60 km da cidade de João Pessoa, capital do Estado. Do total de 335 crianças elegíveis para o estudo, 95 foram excluídas (mãe de idade inferior aos 18 anos, má-formação congênita, gemelaridade, referenciadas para Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, óbito neonatal, nascimento antes da 37a semana de gestação, peso ao nascer inferior a 2500g) e 35 mães não aceitaram participar da pesquisa. Do total de crianças que iniciaram o estudo (n = 205), 61 foram perdidas no seguimento e 144 foram avaliadas no sexto mês de vida. Inicialmente, a coorte pretendia avaliações ao nascimento, no 1º, 2º, 6º mês e aos mil dias de vida das crianças. Contudo, o acompanhamento aos dois anos de idade das crianças teve que ser interrompido como consequência da instalação da pandemia da COVID-19.

Para dar continuidade à coorte, o projeto de referência anterior24 foi reformulado com o propósito de examinar implicações da pandemia da COVID-19 no crescimento e desenvolvimento das crianças. Os dados foram coletados nas cinco escolas municipais do município de Mamanguape com ensino pré-escolar, nas quais, no geral, as crianças nascidas no município estudam entre os 4 e 6 anos de idade. A coleta foi em agosto de 2022, quando as crianças da coorte tinham 4 anos de idade.

Coleta de dados

Para a coleta de dados, foram utilizados questionários estruturados. O primeiro deles, visou à coleta de informações referentes às crianças. O segundo questionário referiu-se a características maternas. No primeiro questionário foram incluídas perguntas direcionadas às crianças, além daquelas destinadas às mães. O estudo versa sobre o IMC das crianças da coorte, analisando sua relação com dados sobre as crianças (características biológicas, condições de saúde, consumo alimentar, tempo de tela, comportamentos durante a pandemia da COVID-19, satisfação com a vida escolar e domiciliar) e suas mães (IMC, características sociodemográficas, cuidado da criança, atitudes e práticas relacionadas à pandemia da COVID-19).

O questionário aplicado às mães para a obtenção dos dados continha informações sobre o sexo, raça (autorreferida), problemas de saúde ao nascimento, internação hospitalar por 24 horas ou mais desde o nascimento e imunização com a vacina pentavalente. Dados acerca da vacinação da criança foram obtidos da Caderneta de Saúde da Criança.

No segundo bloco, o questionário abordou a amamentação na primeira hora de vida, o consumo alimentar e o tempo de tela da criança. Para o consumo alimentar, utilizou-se o Formulário de Marcadores de Consumo Alimentar, seguindo as orientações do Ministério da Saúde do Brasil para a obtenção de marcadores de consumo alimentar na atenção básica25. O formulário compreende questões relacionadas ao dia anterior da coleta, incluindo comportamentos alimentares de risco para o desenvolvimento de obesidade infantil. Foram realizadas três aplicações, duas para dias escolares (segunda a sexta) e uma para um dia do final de semana. Considerou-se consumo regular quando a ingestão alimentar foi relatada em dois ou três dias. Utilizaram-se dois marcadores de alimentação saudável (consumo de frutas e consumo de verduras e/ou legumes) e dois de alimentação não saudável (consumo de hambúrguer e/ou embutidos e consumo de biscoito recheado, doces ou guloseimas). Adicionalmente, foi solicitado às mães relatar quanto tempo a criança gastou no último mês assistindo televisão, usando computador, jogando videogame e usando celular/tablete em um dia normal da semana e em um dia normal do final de semana26. Para calcular o tempo total de tela recreativa em um dia, foram somados os minutos utilizados para cada uma das atividades mencionadas e determinada a média dos dois momentos de referência (segunda a sexta e final de semana). Para categorização, considerou-se o uso de tela de até uma hora por dia ou mais, com base nas diretrizes da atividade física, comportamento sedentário e sono para crianças com menos de 5 anos de idade da Organização Mundial da Saúde27.

O terceiro bloco do questionário fazia referência aos comportamentos da criança durante a pandemia da COVID-19, incluindo aspectos sobre cuidados gerais de saúde. Perguntou-se se o isolamento social, o uso de máscara e a rotina de lavar as mãos foram práticas comuns durante a pandemia.

Às crianças foi perguntado sobre sua satisfação com a vida escolar e familiar (se gostava de estar na escola, das atividades da escola, de estar em casa e das coisas que faz em casa, assim como se sentia querido pela família). Além disso, junto a essas perguntas perguntou-se à mãe se a criança já tinha apresentado alguma rejeição à escola.

O segundo questionário respondido pelas mães coletou dados sociodemográficos (idade, escolaridade), do cuidado da criança (facilidade para cuidar da criança e orientá-la em aspectos de saúde, fazer atividades e brincar com a criança) e sobre atitudes e práticas relacionadas à pandemia da COVID-19. Em relação ao período pandêmico, as mães deviam relatar como foi a convivência com a criança, a adaptação ao ensino remoto, o quanto preocupou-se com a doença, e a necessidade de atendimento psicológico e do uso de medicamentos para saúde mental. Além disso, foram questionadas se tomaram a vacina e se contraíram a doença.

As medições corporais das crianças e suas mães foram realizadas por antropometristas previamente treinados obedecendo técnicas padronizadas28. O peso foi mensurado utilizando-se balança eletrônica digital do tipo plataforma com capacidade para 150 kg e graduação em 100 g (Tanita UM-080®). A estatura foi aferida usando estadiômetro (WCS®) com escala em milímetros. Todas as medidas foram realizadas duas vezes com o indivíduo descalço, em pé e usando peças leves. A média das duas medidas foi usada para fins de registro.

O IMC das mães foi calculado pela razão entre o peso (kg) e a estatura (metros) ao quadrado, classificando-as em sobrepeso/obesidade quando ≥ 2529. Nas crianças, os Escores-Z de IMC-para-idade (IMC/I) foram calculados com o uso do software WHO Anthro v.3, considerando como referência a população do Multicentre Growth Reference Study28.

Análise de dados

As variáveis independentes do perfil das crianças utilizadas nas análises foram: sexo (masculino, feminino), raça (branca, outras), problemas de saúde ao nascimento (não, sim), internação hospitalar por 24 horas ou mais desde o nascimento (não, sim), imunização com a vacina pentavalente (esquema completo, esquema incompleto), triagem para NES (não, sim), amamentação na primeira hora de vida (sim, não), consumo de frutas (regular, irregular), consumo de verduras e/ou legumes (regular, irregular), consumo de hambúrguer e/ou embutidos (irregular, regular), consumo de biscoito recheado, doces ou guloseimas (irregular, regular), tempo de tela recreativa (≤ 60 minutos, > 60 minutos), rotina de usar máscara durante a pandemia da COVID-19 (sim , não), rotina de lavar as mãos durante a pandemia da COVID-19 (sim, não), isolamento social durante a pandemia da COVID-19 (sim, não), gosta de estar em casa (sim, não), gosta das coisas que faz em casa (sim, não), sente-se querida pela família (sim, não), gosta de estar na escola (sim, não), gosta das atividades da escola (sim, não), rejeição à escola (não, sim).

Para a distribuição segundo características maternas se consideraram: IMC (adequado, sobrepeso/obesidade), idade (≤ 34 anos, > 34 anos), escolaridade (médio completo/superior, médio incompleto ou inferior), facilidade para cuidar da criança e orientá-la em aspectos de saúde (sim, não), rotina de fazer atividades e brincar com a criança (sim, não), convivência com a criança durante a pandemia da COVID-19 (boa, regular/ruim), dificuldade de se adaptar ao ensino remoto durante a pandemia da COVID-19 (não, sim), preocupação com a doença COVID-19 (não, sim), necessidade de atendimento psicológico durante a pandemia da COVID-19 (não, sim), necessidade de usar medicamentos para saúde mental durante a pandemia da COVID-19 (não, sim), vacinação contra a doença COVID-19 (sim ,não), diagnóstico positivo da doença COVID-19 (não, sim).

As médias de IMC/I (Escore-Z) dos pré-escolares analisaram-se de acordo com as variáveis de caracterização das crianças e suas mães. Na análise bivariada, as médias foram comparadas por meio do teste t-student. A matriz de correlação não identificou multicolinearidade entre as variáveis. Os coeficientes de correlação de Pearson foram valores absolutos inferiores a 0,7. As variáveis que apresentaram p-valor inferior a 0,2 segundo o teste t-student foram selecionadas para a análise de regressão linear múltipla com modelo hierarquizado. Adotou-se um processo de modelagem em dois blocos de variáveis, utilizando-se o método de sequência “enter”, de modo que o IMC/I foi inicialmente ajustado pelas características das crianças e, no segundo bloco, pelas características maternas. Foi estabelecido o critério de significância estatística p < 0,05. As análises foram conduzidas no pacote estatístico Stata versão 11.0.

Aspectos éticos

O trabalho foi conduzido sob as diretrizes da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. As mães das crianças assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido como condição prévia para participar do estudo após esclarecidas sobre os objetivos, procedimentos e vantagens da sua participação. Os projetos de pesquisa foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba (CAAE 81216417.0.0000.5187, Parecer 2.447.509 e CAAE 53281421.8.0000.5187, Parecer 5.137.768).

RESULTADOS

Participaram do estudo 126 crianças pré-escolares cuja distribuição segundo características próprias está disponível na tabela 1. Como se observa, a internação hospitalar por 24 horas ou mais desde o nascimento (38,9%) foi a condição de saúde negativa mais comuns. Com relação à alimentação, o consumo regular de frutas foi de 73,2%, enquanto de verduras e/ou legumes 41,1%. Para os marcadores de alimentação não saudável, o consumo regular de biscoito recheado, doces ou guloseimas (56,3%) foi superior ao de hambúrguer e/ou embutidos (43,7%). No que diz respeito ao tempo de tela recreativa, em 86,5% das crianças foi acima de 60 minutos. Durante a pandemia da COVID-19, 82,5% das crianças usaram máscara na sua rotina, 78,6% tinham costume de lavar as mãos e 63,5% ficaram em isolamento social sempre/quase sempre que recomendado. Para as variáveis de satisfação com a vida domiciliar e escolar, em todos os aspectos a satisfação foi superior a 70%, exceto nos quesitos gostar de estar em casa (47,4%) e não rejeição à escola (61,9%).

Tabela 1 : Índice de Massa Corporal/Idade (escore-Z) de pré-escolares segundo características das crianças. Mamanguape, PB, 2022. 

Variáveis Índice de Massa Corporal/Idade (0,150±1,245)
n % Média Desvio Padrão p- valor
Características biológicas
Sexo 0,412
Feminino 66 52,4 0,127 1,288
Masculino 60 47,6 0,176 1,206
Raça 0,255
Branca 38 30,2 0,039 1,032
Outras 88 69,8 0,199 1,329
Condições de saúde
Problemas de saúde ao nascimento 0,078
Não 112 88,9 0,206 1,258
Sim 14 11,1 -0,294 1,065
Internação hospitalar por 24 horas ou mais desde o nascimento 0,473
Não 77 61,1 0,144 1,246
Sim 49 38,9 0,160 1,256
Imunização com a vacina pentavalente 0,103
Esquema completo 113 89,7 0,198 1,215
Esquema incompleto 13 10,3 -0,264 1,248
Consumo alimentar e tempo de tela
Amamentação na primeira hora de vida 0,046
Sim 105 83,3 -0,223 1,229
Não 21 16,7 0,252 1,285
Consumo de frutas 0,214
Regular 82 73,2 0,232 1,303
Irregular 30 26,8 0,003 1,192
Consumo de verduras e/ou legumes 0,245
Regular 46 41,1 0,246 1,064
Irregular 66 58,9 0,107 1,405
Consumo de hambúrguer e/ou embutidos 0,143
Irregular 63 56,3 0,030 1,290
Regular 49 43,7 0,290 1,251
Consumo de biscoito recheado, doces ou guloseimas 0,042
Irregular 49 43,7 -0,034 0,968
Regular 63 56,3 0,439 1,455
Tempo de tela recreativa (minutos) 0,366
≤ 60 17 13,5 0,126 1,551
> 60 109 86,5 0,164 1,198
Comportamentos durante a pandemia da COVID-19
Rotina de usar máscara 0,088
Sim 104 82,5 0,081 1,190
Não 22 17,5 0,477 1,459
Rotina de lavar as mãos 0,290
Sim 99 78,6 0,118 1,257
Não 27 21,4 0,269 1,212
Isolamento social sempre/quase sempre que recomendado 0,409
Sim 80 63,5 0,131 1,179
Não 46 36,5 0,184 1,364
Satisfação com a vida domiciliar e escolar
Gosta de estar em casa 0,348
Sim 46 47,4 0,020 1,122
Não 51 52,6 0,113 1,218
Gosta das coisas que faz em casa 0,239
Sim 68 70,1 0,014 1,142
Não 29 29,9 0,198 1,239
Sente-se querida pela família 0,257
Sim 80 82,5 0,105 1,216
Não 17 17,5 -0,100 0,926
Gosta de estar na escola 0,347
Sim 70 72,2 0,098 1,157
Não 27 27,8 -0,007 1,215
Gosta das atividades da escola 0,454
Sim 72 74,2 0,060 1,141
Não 25 25,8 0,092 1,266
Rejeição à escola 0,455
Não 78 61,9 0,141 1,205
Sim 48 38,1 0,166 1,320

p-valor: valor de significância estatística segundo o Teste t.

Na caracterização das mães, observam-se proporções de sobrepeso/obesidade, idade superior a 34 anos e ensino médio incompleto ou inferior de 66,7%, 34,1% e 57,9%, respectivamente. A maioria das mães respondeu de forma positiva as perguntas relacionadas ao cuidado da criança, enquanto a convivência com a criança durante a pandemia da COVID-19 foi regular/ruim em 38,1% dos casos. As repercussões da pandemia foram visíveis, desde a necessidade de usar medicamentos para saúde mental (13,5%) até a preocupação com a doença (72,0%). Das 126 mães, 96,0% relataram ter-se vacinado contra a doença e 19,0% tê-la contraído (tabela 2).

Tabela 2 : Índice de Massa Corporal/Idade (escore-Z) de pré-escolares segundo características maternas. Mamanguape, PB, 2022. 

Variáveis Índice de Massa Corporal/Idade (0,150±1,245)
n % Média Desvio Padrão p-valor
Antropométrica
Índice de Massa Corporal materno (Kg/m2) 0,034
Adequado 42 33,3 -0,110 1,096
Sobrepeso/obesidade (≥ 25) 84 66,7 0,382 1,299
Sociodemográficas
Idade (anos) 0,404
≤ 34 83 65,9 0,131 1,182
> 34 43 34,1 0,188 1,370
Escolaridade 0,042
Médio completo/superior 53 42,1 -0,010 1,283
Médio incompleto ou inferior 73 57,9 0,377 1,199
Cuidado da criança
Facilidade para cuidar da criança e orientá-la em aspectos de saúde 0,010
Sim 102 81,0 0,030 1,142
Não 24 19,0 0,659 1,536
Rotina de fazer atividades e brincar com a criança 0,210
Sim 118 93,7 0,117 1,233
Não 8 6,3 0,450 1,394
Atitudes e práticas relacionados à pandemia da COVID-19
Convivência com a criança 0,363
Boa 78 61,9 0,101 1,206
Regular/ruim 48 38,1 0,181 1,317
Dificuldade de se adaptar ao ensino remoto 0,322
Não 60 55,6 0,127 1,337
Sim 48 44,4 0,243 1,234
Preocupação com a doença 0,421
Não 35 27,8 0,115 1,356
Sim 91 72,2 0,164 1,207
Necessidade de atendimento psicológico 0,047
Não 64 50,8 -0,020 1,229
Sim 62 49,2 0,298 1,251
Necessidade de usar medicamentos para saúde mental 0,036
Não 109 86,5 0,072 1,227
Sim 17 13,5 0,632 1,292
Vacinação contra a doença 0,079
Sim 121 96,0 0,183 1,243
Não 5 4,0 -0,468 1,107
Diagnóstico positivo da doença 0,374
Não 102 81,0 0,133 1,215
Sim 24 19,0 0,224 1,388

p-valor: valor de significância estatística segundo o Teste t.

A não amamentação na primeira hora de vida (p = 0,046) e o consumo regular de biscoito recheado, doces ou guloseimas (p = 0,042) foram as características das crianças que representaram maiores médias de IMC/I (tabela 1). Também apresentaram maiores médias de IMC/I as crianças de mães com sobrepeso/obesidade (p = 0,034), que não completaram o ensino médio (p = 0,042), que expressaram sentir dificuldade de cuidar da criança e orientá-la em aspectos de saúde (p = 0,010), bem como aquelas cujas mães tiveram a necessidade de atendimento psicológico (p = 0,047) e de usar medicamentos para saúde mental (p = 0,036) durante a pandemia da COVID-19 (tabela 2).

Após o ajuste, foram confirmadas as diferenças nas médias de IMC/I das crianças registradas por meio das análises bivariadas. A não amamentada na primeira hora de vida apesar de não ter mostrado diferença significativa no modelo 1 (ajustado pelas características das crianças), ganhou significância estatística no modelo 2. Õ poder de explicação do modelo foi de 31,3% (tabela 3).

Tabela 3 : Regressão linear múltipla hierarquizado do Índice de Massa Corporal/Idade (escore-Z) de pré-escolares segundo características das crianças e maternas. Mamanguape, PB, 2022. 

Variáveis Modelo 1 β Modelo 2 β R2 (%)
Índice de Massa Corporal/Idade (escore-Z) 31,3
Características das crianças
Problemas de saúde ao nascimento -0,234 -0,212
Esquema de vacinação da vacina pentavalente incompleto -0,198 -0,186
Não amamentada na primeira hora de vida 0,346 0,352*
Consumo regular de hambúrguer e/ou embutidos 0,196 0,216
Consumo regular de biscoito recheado, doces ou guloseimas pela criança 0,353* 0,358*
Rotina de usar máscara 0,158 0,174
Características maternas
Sobrepeso/obesidade (Índice de Massa Corporal ≥ 25 Kg/m2) 0,396*
Nível de escolaridade médio incompleto ou inferior 0,289*
Dificuldade para cuidar da criança e orientá-la em aspectos de saúde 0,435*
Necessidade de atendimento psicológico durante a pandemia da COVID-19 0,273*
Necessidade de usar medicamentos para saúde mental durante a pandemia da COVID-19 0,488*
Não vacinação contra a COVID-19 -0,201

* p < 0,05; Modelo 1: características das crianças; Modelo 2: características das crianças e maternas; β: Coeficiente de Regressão; R2: Coeficiente de Determinação.

DISCUSSÃO

O objetivo do atual estudo foi analisar diferenças no IMC/I de pré-escolares que cresceram durante a pandemia da COVID-19 segundo características das crianças e suas mães. Os achados mostraram que o estado nutricional das crianças influenciou-se principalmente por fatores maternos como a presença de sobrepeso/obesidade, menor escolaridade, dificuldades no cuidado à criança e repercussões da pandemia na saúde mental.

Em todo o mundo, o surto de COVID-19 forçou a implementação de medidas de distanciamento social e a necessidade de reforçar cuidados sanitários individuais como a higienização das mãos e o uso de máscaras faciais4. Destaca-se que essas medidas são bem avaliadas por sua funcionalidade, segurança e caráter preventivo, o que justifica a boa adesão mostrada entre os participantes desse estudo, conforme reportado anteriormente30. A proporção de mulheres que disseram ter-se vacinado (96,0%), por sua vez, reforça a aceitação e adesão às medidas de contingenciamento da pandemia. O achado converge ao obtido entre moradores do Rio Grande do Sul onde a intenção de se vacinar contra COVID-19 foi de 96,0% e favorecida pela aceitação das ações de proteção individual, inclusive o distanciamento social31. Nesse espectro de dados, outro resultado importante observado foi a frequência de mulheres que auto-referiram ter contraído a doença (19,0%), que também condiz com o perfil observado na população brasileira32. Esses fatores não influenciaram as médias de IMC/I das crianças do presente estudo.

Outros aspectos da vida que também sofreram mudanças com a pandemia da COVID-19 e as restrições para o seu controle foram a situação social, a rotina, os comportamentos de saúde e o bem-estar emocional. Prejuízos e preocupações financeiras, insegurança alimentar e nutricional, sedentarismo, alimentação não saudável e estresse foram circunstâncias realçadas na pandemia por COVID-19 que podem aumentar o risco do ganho de peso nas crianças. Associados à pandemia, as repercussões desses fatores no peso não são restritas e isoladas, mas influenciadas mutuamente e pelos hábitos dos pais.

Esse escopo de conhecimento resultante de revisões da literatura6,11,13-17,23,33-35 torna-se visível nos resultados desse estudo especialmente na variedade de problemas relatados em quantidades expressivas das mães como necessidade de usar medicamentos para a saúde mental (13,5%) e de atendimento psicológico (49,2%), dificuldade de conviver com a criança (38,1%) e de se adaptar ao ensino remoto (44,4%), e preocupação com a doença (72,2%), com ênfase nas repercussões na saúde mental que influenciaram o IMC/I das crianças. O estresse e a ansiedade dos pais causados pela COVID-19 pode prejudicar o apoio aos filhos e muitas vezes ser passado para as crianças, aumentando o risco de obesidade infantil33. Considerar atenção especial às mães é pertinente, pois as mulheres destacam-se por terem sido mais afetadas emocionalmente durante a pandemia16.

A associação da saúde mental das mães com o excesso de peso nos filhos tem sido sugerida na literatura, nomeadamente a presença de depressão. Os mecanismos descritos para essa relação reforçam o papel das práticas parentais que afetam os comportamentos das crianças relacionados à prática de atividade física, alimentação e uso de tela36,37. No Brasil, estudos recentes também têm reportado resultados semelhantes38,39. Em um estudo desenvolvido com crianças atendidas em um ambulatório de endocrinologia pediátrica localizada no município de Fortaleza, Ceará, pesquisadores mostraram uma relação bidirecional entre a depressão das mães e a obesidade dos filhos38. Por sua vez, dados de uma coorte retrospectiva de crianças de um hospital do estado de Minas Gerais revelaram associação da depressão materna com um indicador composto de saúde e cuidados maternos incluindo informações sobre IMC, aleitamento materno, vacinação, profilaxia de anemia ferropriva, adoecimentos e acidentes39.

A dificuldade da mãe para prestar cuidado à criança (p = 0,010) e menor escolaridade (p = 0,042) também contribuíram com maiores médias de IMC/I. Isso pode ser explicado com base na importância da interação dos pais com a prole e do nível educacional dos mesmos na manutenção do peso da criança, conforme ressaltado no Chile em um estudo cujos resultados foram semelhantes aos observados em nossa pesquisa36. As interações pais-filhos podem afetar o comportamento das crianças como as escolhas alimentares e as relacionadas à atividade física que são pilares fundamentais do peso saudável. Por outro lado, o nível escolar está diretamente relacionado ao nível socioeconômico, cuja influência no peso é inquestionável40.

Com relação às características das crianças, evidenciou-se que a não amamentação na primeira hora de vida (p = 0,046) e o consumo de biscoito recheado, doces ou guloseimas de forma regular (p = 0,042) resultaram em maiores médias de IMC/I, refletindo a importância da alimentação no estado nutricional da criança15,41. As diferenças no IMC/I das crianças segundo a amamentação logo após o parto reflete a importância do aleitamento materno para o crescimento e desenvolvimento da criança e mostra-se plausível ao sustentar analogia com o maior risco de excesso de peso corporal no segundo ano de vida na ausência de amamentação exclusiva, segundo estudo desenvolvido em Joinville, Santa Catarina42. Apesar disso, outro estudo não encontrou associação entre amamentação na primeira hora de vida e o sobrepeso/obesidade em crianças de 2 a 6 anos de idade43. Por sua vez, o consumo de alimentos industrializados é uma das características determinantes da obesidade e está cada vez mais presente na alimentação da população brasileira, iniciando-se desde a infância41. A alimentação saudável, por outro lado, reduz o risco de sobrepeso e obesidade em crianças, como mostrado no Chile40. Durante a pandemia comportamentos prejudiciais à saúde foram exacerbados como maior consumo de alimentos não saudáveis e menor de alimentos saudáveis3,6,15,22.

Finalmente, evidenciou-se que crianças de mães com sobrepeso/obesidade tiveram maior IMC/I do que aquelas cujas mães apresentaram peso adequado. Na mesma linha, outros estudos mostraram que morar com mães com sobrepeso foi associado à obesidade infantil43,44. De fato, para alguns pesquisadores, essa associação pode ser explicada pela suscetibilidade da criança à obesidade condicionada à genética que determina sobremaneira o balanço energético43. Contudo, na visão de outros pesquisadores a determinação do excesso de peso da criança pela mesma condição na mãe modela-se pela influência de fatores sociais e comportamentais, nomeadamente os hábitos alimentares e de atividade física, além dos determinantes biológicos44.

O fechamento das escolas influenciou de maneira importante os estilos de vida das crianças com aumento do sedentarismo, tempo de tela e consumo de alimentos pouco nutritivos, fatores que propiciam o ganho de peso em excesso6,21,22,34,35,40. Essa situação é comparada ao período de férias quando há um aumento do peso das crianças em relação ao ano letivo, uma vez que o ambiente escolar favorece comportamentos mais saudáveis22,34. Dessa forma, defende-se que as repercussões do isolamento social no peso seja mais acentuado nas crianças do que nos adultos. Além do ambiente, maiores necessidades energéticas e exigências da atividade física, bem como menos autonomia, torna as crianças mais suscetíveis às consequências da pandemia6,34,35,40. Nesse sentido, os achados do presente estudo revelaram o papel da saúde mental das mães durante a pandemia no IMC/I das crianças, tornando-se um conhecimento relevante que reforça como as crianças são influenciadas por estímulos familiares40.

CONCLUSÃO

A média do IMC/I das crianças foram significativamente maiores quando suas mães estavam com sobrepeso/obesidade, tinham menor nível de escolaridade e apresentavam dificuldade de cuidar da criança. Além disso, crianças que não foram amamentadas na primeira hora de vida e que consumiam biscoito recheado, doces ou guloseimas de forma regular também contribuíram com maiores valores de IMC/I. Examinando-se as repercussões da pandemia da COVID-19 na vida materno-infantil, ressalta-se que a saúde mental materna durante a pandemia da COVID-19 repercutiu no estado nutricional da criança.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes) edital 05/2023.

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Recebido: Maio de 2023; Aceito: Dezembro de 2023; Publicado: Março de 2024

Autor correspondente: dixisfigueroa@gmail.com

Conflitos de interesse:

Os autores declaram não ter conflitos de interesse com relação à autoria e publicação deste artigo.

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