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Revista Brasileira de Psicodrama
versão On-line ISSN 2318-0498
Rev. bras. psicodrama vol.20 no.1 São Paulo jun. 2012
Seção Temática
Psicodrama e consumo
Thematic section
Psychodrama and consumption
Pra quem quiser... pra todo mundo usar
For those who want it ... for everyone to use
Georgia VassimonI; Marcia Taques BittencourtII
I Pedagoga, psicopedagoga, psicodramatista pelo Grupo de estudos e trabalhos psicodramáticos (GETEP), orientadora familiar
II Psicóloga, psicoterapeuta de orientação jungueana, especialista em abordagens corporais, psicodramatista em formação
RESUMO
Neste artigo o leitor poderá exercitar seu olhar de observador e refletir sobre os temas Consumo e Educação a partir do relato de uma vivência psicodramática. Os espaços multidisciplinares visitados (antropologia, sociologia filosofia, psicologia, música, poesia) criam o campo para uma rede de conversações extensa e abrangente. Concluímos com o pensamento de Maturana: "O viver nos ocorre, não o fazemos".
Palavras-chave: Consumo, educação, psicodrama, sociodrama, cultura.
ABSTRACT
In this article, the reader, observing a psychodrama experience, has the opportunity to reflect about Consumption and Education. From anthropology, sociology, philosophy, psychology, music and poetry we created a field where a net of conversations can take place. To conclude, a say from Maturana: "Living happens, we do not make it".
Keywords: Consumption, education, psychodrama, sociodrama, culture.
Este artigo tem como objetivo instigar o leitor a ampliar sua reflexão sobre os temas Educação e Consumo. Portanto, não é um um produto acabado e de fácil digestão. Queremos, por meio dele, estimular a conversa, o "dançar juntos".
As palavras "Consumo" e "Educação" perpassam ambientes multidisciplinares e marcam a sociedade atual de forma decisiva. Atualmente, a educação se mostra muitas vezes delegada, pais e educadores parecem ter sido desautorizados do seu saber. Uma nova forma de educar está presente, a das mídias, que educa para o consumo e não para a cidadania. Entretanto, a educação está em todas as relações, independentemente da área do conhecimento. Se delegarmos essa tarefa, como formaremos pessoas mais autônomas, espontâneas e criativas?
VÁRIAS VOZES
Consideremos, inicialmente, as palavras proferidas pelo diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), Koichiro Matsuura, em conferência na África do Sul, que iluminam esta questão:
A educação – em todas as suas formas e em todos os níveis – não é só um fim em si, mas também um dos instrumentos mais poderosos que temos para provocar as mudanças requeridas para alcançar o desenvolvimento sustentável. Esta visão requer que nós reorientemos sistemas, políticas e práticas de ensino, a fim de dar poder a todos – mulheres e homens, jovens e velhos – para tomar decisões e agir de modo culturalmente apropriado e localmente relevante, a fim de reparar os problemas que ameaçam nosso futuro comum.
A partir dessas ideias, podemos refletir como a economia clássica, em relação ao consumo, considera fluxos circulares. Os produtores vendem seus produtos, a receita da venda volta para aqueles que foram remunerados no processo produtivo e que são também consumidores. Assim, com os recursos recebidos, esses consumidores voltam para o mercado, para consumir mais, repassando aos produtores suas rendas. E assim segue a circularidade da economia.
Outro aspecto a ser considerado nessa reflexão é o fato de a psicologia apontar os prazeres e as faltas para a nossa conversa sobre educação e consumo, aprendidas em nossas relações e encontros.
Vale aqui mencionar a arte na exposição Pedaços da Terra, no Sesc Vila Mariana, que propõe uma visita pelo universo mineral, engatilhada a uma reflexão sobre nossos padrões de consumo e o impacto que eles têm no meio de que fazemos parte. Podemos dizer que usamos pedaços da Terra em praticamente tudo o que consumimos. Como o homem produz cada vez mais coisas, nunca tantos recursos naturais foram utilizados como hoje. Assim, alguns desses pedaços que pareciam inesgotáveis começaram a ter prazo de validade.
Parte da nossa relação com o planeta é marcada por compras desnecessárias, desperdício e pouca atenção ao lixo por nós produzido. O que se traduz em um sistema linear de produção de consumo, uma vez que a Terra possui um sistema cíclico e praticamente fechado de materiais. A diferença de tempo para formar e criar os recursos naturais, em relação ao consumo despreocupado e descomprometido é a essência das questões ambientais.
A filosofia, por sua vez, pergunta: onde está a prudência? Prudentiaé ver a realidade e, com base nela, tomar a decisão certa. Tomás de Aquino, diz que "não há nenhuma virtude moral sem a prudentia", e mais: "sem a prudentia, as demais virtudes, quanto maiores fossem mais dano causariam."
Precisamos mais do que ver a realidade, precisamos nos dar conta dela, distinguir como e o que estamos fazendo. Onde foi parar esse verdadeiro sentido da prudência humana? Como diz Jean Lauand, "a prudência é a arte de dirigir bem a própria vida, de tomar a decisão certa, para que assim possamos refletir sobre nossos problemas existenciais e fazer na medida certa".
Foi assim que todas essas vozes até aqui evocadas nos inspiraram e nos aqueceram para que realizássemos um Sociodrama no Centro Cultural a fim de ampliar a nossa reflexão sobre o tema do consumo, nossa e de todos os que compareceram.
AÇÃO DO COLETIVO
O Psicodrama "é uma forma de trabalhar com grupos (e com pessoas dentro do grupo) de maneira terapêutica, pedagógica, investigativa, que tem três pontos básicos de apoio: o teatro, a psicologia e a sociologia." (Trecho extraído do texto elaborado pela comissão organizadora dos encontros no Centro Cultural de São Paulo - CCSP).
Tornou-se Psicodrama Público no Centro Cultural de São Paulo, aberto às pessoas que frequentam esse local, para quem quiser... participar. Ocorre há oito anos, na sala Adoniran Barbosa, no sentido de dar vez e voz a todos. Propiciou o surgimento de um grupo com vínculos estabelecidos, ao mesmo tempo em que a cada encontro novas pessoas surgem e se correlacionam.
Quando falamos em psicodrama, consideramos a metodologia criada por J. L. Moreno, mas colocamos foco na construção em grupo e no grupo de papéis sociais, do cidadão ativo. Destacamos a qualidade da grupalidade, que surge pela prática psicodramática, como a placenta social dos papéis de cidadão, cidadão ativo, coparticipante, responsável por si e pela produção grupal, em oposição ao individualismo vigente na nossa cultura, que gesta um cidadão passivo, um mero consumidor, no nosso caso, fruto da famigerada indústria cultural. (DAVOLI , 2006 p. 17).
Iniciamos o trabalho com uma conversa para mapear o grupo: Quem estava vindo pela primeira vez? Quem já era antigo de casa? O que trazia a todos nesse dia? As respostas foram surgindo e a conversa se ampliando. Propusemos então o tema consumo para dar rumo à conversa e, prontamente, o grupo se interessou. Depois disso, começamos.
Na proposta do psicodrama, usamos atividades iniciais de aquecimento do grupo. Atividades que estimulam o encontro entre as pessoas, um estabelecimento de vínculo inicial, a expressão mais espontânea do grupo. Para esse dia, foram utilizados dois jogos: no primeiro, as pessoas que quiseram participar se colocaram em duas filas paralelas e, a seguir, imitaram os movimentos corporais da pessoa que estava na frente da sua fila, ao som de uma música. Iam imitando, uma por vez, e caminhavam para o fim da fila, e assim sucessivamente, até que todas as pessoas passassem pela experiência de conduzir o grupo.
No segundo jogo, uma pessoa se afastava enquanto as demais escolhiam alguém que deveria fazer um movimento corporal e as demais a imitavam discretamente, numa espécie de "siga o mestre". A pessoa afastada voltava e o objetivo era adivinhar quem era o "mestre". Aqueles que não quisessem participar iam compor a plateia e eram sempre reconvidados pelo diretor a participar, caso sentissem vontade, ou fossem inspirados por algo ou alguém.
Terminado o aquecimento, formaram-se grupos que conversaram sobre consumo. Nesse momento, alguns materiais foram distribuídos: papéis, canetas coloridas, lápis, fita-crepe.
Enquanto os grupos preparavam o que iam apresentar, a diretora distribuia papeizinhos para a plateia e pedia que escrevessem o que pensavam sobre "consumo" ou algo a partir do que viram, sentiram e lhes tocou. Os papéis foram então amassados e jogados em formato de bolinhas no palco, integrando e incluindo assim aqueles que estavam "de fora", mas presentes e que também são consumidores, ajudando a construir aquela história. As bolinhas continham as seguintes mensagens: Consumo de fluido vital; Consumo: conceito que exprime uma necessidade de obter ou incorporar algo; Desejo, Vontade, Soberania do "eu"; "Eu tenho! Eu quero! Eu posso!"; Se consumir de amor... Doar-se?; Imagem; Lixo; Realização; Responsabilidade; Sustentar; Sustentabilidade; Viabilidade; Liberdade; O que "não é" consumo?
A primeira cena apresentada foi a de três jovens que chegavam a um bar. A conversa era sobre os bens de cada personagem: relógio Rolex, carro Jaguar, pediram bebida importada, celular último tipo, blá, blá, blá... Enquanto isso, três pivetes se preparam para assaltá-los, querendo todas aquelas coisas: relógios, carros, roupas, celulares,... O assalto é realizado e os assaltados vão embora cabisbaixos.
Na segunda cena, uma moça pede para a sua empregada ligar o chuveiro e deixar a água escorrer para ir aquecendo. Enquanto isso, ela assiste a um telejornal, no qual o repórter entrevista pessoas na Somália que não têm água sequer para beber. A moça telespectadora joga água no rosto e vai tomar banho.
A terceira cena trouxe uma imagem corporal. Os participantes usaram a folha desenhada: enrolaram-se nela e depois desenrolaram-se, deram as mãos e foram se soltando, como uma espiral. Falaram do prazer de realizar um trabalho em grupo com tantas ideias distintas e no qual conseguiram criar alguns consensos. Declararam que poucas vezes tinham vivido um encontro como esse.
Na quarta cena, o grupo apresentou um cartaz sobre como tinha sido fazer o trabalho juntos. No relato do grupo, os participantes falaram que muitas vezes as questões pessoais permeavam os temas e que todos conseguiram compartilhar algumas situações do cotidiano.
No final do encontro, ocorreu um compartilhar de sentires e pensares que evidenciou nas falas a contraposição entre o consumo consciente e o consumo desenfreado. Praticamente todos colocaram o primeiro como um caminho a ser percorrido e atacaram o segundo, ou seja, o "puro" consumismo. No entanto, surgiram vozes que apresentaram a questão: até que ponto não acabamos tendo um discurso idealizado, no politicamente correto, comprado da mídia, ou seja, também "consumido"?
Outras vozes enfatizaram o fato de que quando aumentamos nosso poder aquisitivo tendemos a aumentar nosso consumo, seja em joias, viagens, eletrônicos, cursos, obras de arte, roupas, seja em jantares, discos, livros, carros, ou ainda em muitos desses itens misturados.
Apareceram ainda outras vozes que levantaram algumas ideias ligadas à consciência ou ao ato político ou, ainda, ao escudo de proteção, quem consome, o que ou quem, estendendo o tema para o campo das relações afetivas, profissionais e familiares. Que ideias consumimos das nossas famílias, dos amigos, das pessoas que idealizamos, nem sempre de forma consciente. Sem nos dar conta, vamos reproduzindo modelos, para impressionar você... ou vocês?
Uma das bolinhas que chegou da plateia ficou ecoando na conversa várias vezes: o que "não é" consumo?
Acreditamos que cada um saiu dali – mesmo que apenas por um instante – com o olhar ampliado para o tema. Houve um pedido para cantarmos ao som de um violão várias músicas. Pensando em músicas esta também é inspiradora:
CONSUMADO
Tô louco pra fazer
Um rock prá você
Tô punk de gritar
Seu nome sem parar...
Primeiro eu fiz um blues
Não era tão feliz
E de um samba-canção
Até baião eu fiz...
Tentei o tchá tchá tchá
Tentei um yê yê yê
Tô louco prá fazer
Um funk prá você...
E tá consumado
Tá consumado
Tá consumado
Tá consumado...
Fiz uma chanson d'amour
Fiz um love song for you
Fiz una canzone per te
Para impressionar você...
Prá todo mundo usar
Prá todo mundo ouvir
Prá quem quiser chorar
Prá quem quiser sorrir...
Na rádio e sem jabá
Na pista e sem cair
Um samba prá você
Um rock and roll to me...
E tá consumido
Tá consumido
Tá consumido
Tá consumido...
Fiz uma chanson d'amour
Fiz um love song for you
Fiz una canzone per te
Para impressionar você...
(ARNALDO ANTNES, do álbum Saiba, BMG, 2004).
Esse encontro nos trouxe às mãos as polaridades: o consumo consciente e o consumo desenfreado. Caminhamos com perguntas reflexivas sobre esse tema: "Estamos então adjetivando as polaridades de modo que o certo seria o consumo consciente e o errado, o puro consumismo...?" Seria isso um discurso idealizado no politicamente correto?
E, ampliando nosso questionamento a partir dessa experiência, resolvemos pensar nas palavras. Como diria Maturana, "elas não são triviais, construímos nossos mundos a partir do linguagear".
A palavra consumo deriva do latim consumere e significa:
1. Gastar despender,extinguir.
2. Aniquilar, destruir.
3. Desgostar,angustiar.
4. Fazer uso de alguma coisa para a subsistência própria.
5. Empregar, usar para funcionar.
Temos de lembrar que 'educação' tem origem, para nós, não em uma única palavra, mas em duas: educere e educare, ambas latinas. Os significados, é claro, possuem um ponto em comum: dizem respeito à formação e à criação, ou mesmo instrução. Todavia, onde há divergência? Resumindo ao máximo: educere indica a 'condução a partir do exterior', enquanto educare indica a atividade de 'sustentar', 'alimentar', 'criar'. Isto é, a primeira tem a ver com a prática educacional de "comando externo", e a segunda tem a ver com a prática educacional, que aposta no 'desenvolvimento interno'. (GHIRADELLI Jr.; 2007; p. 23).
Viver e conhecer são mecanismos vitais. Conhecemos porque somos seres vivos e isso é parte dessa condição. Conhecer é condição de vida na manutenção da interação ou acoplamentos interativos com os outros indivíduos e com o meio. (RABELO, 1998, p. 8).
Apresento a seguir algumas visões sobre consumo.
Refletindo sobre algumas viéses de consumo, Claude Levi Strauss, antropólogo e também reconhecido escritor, em O cru e o cozido Mitológicas (um estudo sobre os mitos do índios Bororos), nos diz:
A cozinha é aquela atividade que converte a natureza em cultura: é a metáfora mais pertinente da cultura. O Homem atado às coisas da natureza é ele mesmo natureza. Quando a transforma através do fogo, submete a natureza imediata ao seu projeto e a transforma em cultura. E passa a depender desse projeto. Ele troca a 'vida longa' pela 'vida breve'. Logo depois, porém, as coisas cruas se transformam em cozidas e depois em forma de 'podres'. Este é para ele o triangulo culinário.
Neste processo de desenvolvimento e diversificação de culturas, o viver humano evoluiu e se transformou, mas sempre dentro deste 'triangulo culinário'.
Como cada observador vive o próprio conflito entre ilusão e realidade, o desejo de consumo passa também por esse crivo. Para o médico e biólogo (MATURANA , 2009 p. 104) a vida é cultural, pois seu ocorrer se dà "como numa rede de conversações no entrelaçamento do linguagear e do emocionar." Para Maturana o linguagear e as redes de conversações se tornaram a característica central do modo de viver de nossos ancestrais e essa historia deve ter sido fundamentada na biologia do amor. Entretanto, também somos animais segundo nossa origem evolutiva e, como tais, dependemos do amor, pois sabemos que se nos privarmos dele adoeceremos.
O amor é a emoção que constitui o domínio de condutas em que se dá a operacionalidade da aceitação do outro como legítimo outro na convivência, e é esse modo de convivência que conotamos quando falamos do social (MATURANA, 1998, p. 23)
A relação mãe-filho – com a importância do contato corporal, do acolhimento, do alimentar e do cuidar – juntamente com a cultura, segundo a teoria Moreniana, serão a Matriz de Identidade.
Assim como os animais, nossas emoções incluem a raiva, a agressão, o ódio, o desejo de possuir o que não temos, mas que o outro tem.
Mas vivemos esses domínios de ações seja como episódios transitórios, seja como alienações culturais que, como sabemos, distorcem nossa condição humana e nos levam à loucura ou à infelicidade. A agressão, a guerra, e a maldade não são parte da maneira de viver que nos define como seres humanos e que nos deu origem como humanos. (MATURANA , 2009, p. 105).
O fato é que, da mesma maneira como cultivamos o solo para produzir alimentos e criamos animais para esse mesmo fim, além de transporte e lazer, também podemos cultivar essas redes de conversações sobre a guerra, o poder, a ambição, a obediência, o controle. Dessa forma, geramos culturas que alimentam esses domínios de ações e que se constituem em uma cultura patriarcal.
Em nossa cultura, falamos em manter a paz, mas através da guerra e a dominação e do controle, tendo em vista o enriquecimento daqueles que dominam o poder. Essa, sem dúvida, se constitui em uma forma de educação que leva aos moldes que vemos hoje. Os professores nas salas de aulas têm sido agredidos, os alunos se ferem entre si. E a educação em prol da curiosidade do prazer onde está? Onde estão, segundo o modo matriztico de viver, o espaço de coexistência, de aceitação, de consenso na geração de um projeto comum?
Nesse território patriarcal, a coexistência é restringida, através da obediência, da hierarquia e do domínio da verdade. Essa forma do viver humano demanda a autonegação e também a negação do outro.
Nesse contexto, o espaço psicodramático pode propor, através de dramatizações, um espaço reflexivo, um diálogo consigo mesmo e com o outro, possibilitando uma tomada de consciência que leva em conta o si mesmo, o outro e o coletivo. Um aprender efetivamente junto e inclusivo.
Por intermédio dele, o indivíduo passa a exercer a possibilidade da autorregulação, que conta com a participação do coletivo para formar uma rede de conversação reflexiva e recursiva.
Nesse aspecto, Jeremy Rifkin também introduz sua versão sobre consumo. Ele afirma que, a partir da década de 1920, na América do Norte, para aliviar a sobreprodução nos Estados Unidos, através da propaganda e do marketing foi possível estimular, dirigir e controlar a noção da "real necessidade" da população.
A população foi e é educada a consumir a partir de uma necessidade que não é a sua, mas a do meio em que vive, de seu nicho, da sua cultura em que é parte e está imersa. E, em muitos momentos, sem as condições necessárias de se colocar em processos reflexivos, os quais, com sua rede de coordenações, pode permitir uma avaliação consciente do si mesmo, do próprio desejo e da necessidade. Para que assim possa, de fato, escolher o que quer.
Como dizia Confúcio: "Nada é o bastante para quem acha pouco o suficiente".
Como um possível fechamento para esta nossa breve conversa reflexiva por escrito, vale a pena inserir a anedota do pastor e do mercado, de Petrus Alphonsus (tradução de Luiz Jean Lauand):
Um pastor sonhou que tinha mil ovelhas. Um mercador quis comprá-las para revendê-las com lucro e queria pagar duas moedas de ouro por cabeça. Mas o pastor queria duas moedas de ouro e uma de prata por cabeça. Enquanto discutiam o preço, o sonho foi se desvanecendo. E o vendedor, dando-se conta de que tudo não passava de um sonho, mantendo os olhos ainda fechados, gritou: "Uma moeda de ouro por cabeça e você leva todas! (LAUAND, p.11).
Essa anedota é usada por Petrus Alphonsus para ilustrar a máxima:
"As riquezas deste mundo são transitórias como os sonhos de um homem que dorme e que, ao despertar, perde, irremediavelmente, tudo quanto tinha, num abrir e fechar de olhos, como se diz vulgarmente."
O psicodrama, como a anedota, traz à tona a cultura popular, o cotidiano das pessoas. Através de cenas contadas ou vividas faz refletir sobre o aqui e o agora do ser humano, sobre como e o que estamos vivendo. O que damos conta de perceber sobre o que consumimos, o que aprendemos e o que ensinamos.
A vida é transitória, cheia de "aquis" e "agoras", mas muitas de nossas histórias, anedotas e provérbios fazem sentido atemporal, porque falam de nós, seres humanos e mortais.
E, assim como na anedota, o psicodrama nos faz olhar com leveza para nossas mazelas. Podemos brincar, rir, chorar, ser curiosos de nós mesmos.
Ficaremos com muitas perguntas: o que e como queremos consumir? Que educação pregamos? De que temos nos dado conta no nosso fazer? Quais os nossos sentires? Será que em um piscar de olhos perderemos o rumo da história? Assim, essa nossa conversa poderá ainda continuar. Em nossos psicodramas mais íntimos...
Referências
FLEURY, H. Junqueira; MARRA, M. Magnabosco. Práticas grupais contemporâneas: a brasilidade do psicodrama e de outras abordagens. São Paulo, Editora Agora, 2006. [ Links ]
__________. Grupos - Intervenção sócioeducativa e método sociopsicodramatico. São Paulo, Editora Agora, 2008. [ Links ]
LAUAND, Luiz Jean. Oriente e Ocidente: Idade Media: Cultura Popular, Estudos e Traduções (provérbios, fábulas, maneiras de mesa, teatro, pregações e anedotas medievais). São Paulo, Edições Edix/DLO-FFLCHUSP, 1995. [ Links ]
__________. A Prudência a virtude da decisão certa. Tomas de Aquino.Traduções e Notas. São Paulo Editora Martins Fontes, 2005. [ Links ] Larouse Cultural . Grande Dicionário da Língua Portuguesa. Editora Nova Cultura, 1999. [ Links ]
LOURES, Rodrigo C. da Rocha. Sustentabilidade XXI: educar e inovar sob nova consciência. São Paulo, Editora Gente, 2009. [ Links ]
MATURANA, Humberto,VERDEN-ZOLLER. Amar e Brincar: fundamentos esquecidos do humano. São Paulo, Editora Palas Athena, 2004. [ Links ]
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STRAUSS, Calude Levi-. O cru e o cozido mitológicas 1. Editora Cosac&Naify, 2004. [ Links ]
Endereço para correspondência
Georgia Vassimon
Rua Dr. Paulo Vieira,17 01257-000
São Paulo, SP
Marcia Taques Bittencourt
Rua Votuporanga, 275 01256-000
São Paulo, SP
e-mail: marcia.t.bittencourt@gmail.com