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Barbaroi

versão impressa ISSN 0104-6578

Barbaroi  no.38 Santa Cruz do Sul jun. 2013

 

ARTIGOS

 

Intervenções terapêuticas em pessoas com Síndrome de Asperger: revisão da literatura

 

Therapeutic interventions in people with Asperger's Syndrome: a literature review

 

 

Marília Consolini TeodoroI; Karin A. CasariniII; Fabio Scorsolini-CominIII

IUniversidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) - Minas Gerais - Brasil
IIUniversidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) - Minas Gerais - Brasil
IIIUniversidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) - Minas Gerais - Brasil

 

 


RESUMO

Este estudo teve por objetivo apresentar uma revisão da literatura científica nacional acerca da Síndrome de Asperger (SA), com ênfase nas intervenções terapêuticas desenvolvidas no contexto brasileiro. Foram recuperados dez artigos nas bases LILACS, SciELO e PePSIC, no período de 2001 a 2011. A maior parte dos estudos é de caráter empírico. As intervenções são predominantemente apresentadas pela Fonoaudiologia, devido às características que a pessoa apresenta referentes aos prejuízos na interação e nas habilidades de comunicação. Desse modo geral, constatou-se que as intervenções terapêuticas aplicadas em pessoas com SA têm efeitos positivos e acarretam mudanças de comportamento e melhor qualidade de vida, além de ser observado que o trabalho terapêutico associado à intervenção com a família tende a garantir maiores benefícios a ambos.

Palavras-chave: Síndrome de Asperger. Intervenção terapêutica. Família.


ABSTRACT

This study aimed at reviewing of a Brazilian scientific literature about the Asperger's Syndrome (AS), with emphasis on therapeutic interventions developed in the Brazilian context. Ten articles published between 2001 and 2011 were recovered at LILACS, SciELO and PePSIC. Most of these studies are empirical. Interventions are predominantly made by Speech-Language Therapy, due to the characteristics that the bearer has related to losses in interaction and communication skills. Overall, it was found that the therapeutic interventions applied to patients with AS have positive effects and cause changes in behavior and improved the quality life, and can be observed that the therapeutic work associated with the intervention in the family tends to ensure greater benefits to both.

Keywords: Asperger's Syndrome. Therapeutic intervention. Family.


 

 

Introdução

A Síndrome de Asperger é classificada como um dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID), juntamente com o transtorno autista, a Síndrome de Rett, o transtorno desintegrativo da infância e o transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação (TGD - SOE) (CID-10, 1993). Os TGDs formam um grupo de transtornos caracterizados por interação e habilidades de comunicação prejudicadas e padrões de comportamento e interesses limitados, com tendência a serem repetitivos e estereotipados (MERCADANTE; VAN DER GAAG; SCHWARTZMAN, 2006).

Historicamente, a definição e a classificação da Síndrome de Asperger têm grande relação com o autismo, sendo necessário conhecimento prévio acerca do mesmo para uma compreensão completa. O adjetivo autista foi utilizado no meio psiquiátrico por Plouller, em 1906, quando estudava pacientes com esquizofrenia, porém, a difusão do termo autismo devese a Bleuler, em 1911, que o definiu como a perda de contato com a realidade devido às dificuldades nas relações interpessoais, mas originalmente como um transtorno básico da esquizofrenia (SALLE; SUKIENNIK; SALLE; ONÓFRIO; ZUCHI, 2002).

Em 1943, um trabalho de Leo Kanner, intitulado "Alterações autísticas do contato afetivo" diferenciava o autismo de outras psicoses da infância. Ao estudar algumas crianças americanas com problemas no desenvolvimento, o autor escreveu sobre os comportamentos repetitivos, o desejo de manter a invariância e a dificuldade dessas crianças para se relacionarem com pessoas e com situações novas (SALLE et al., 2002). Em 1944, o pediatra austríaco Hans Asperger, que desconhecia a descrição de Kanner acerca do autismo, estudou quatro crianças com dificuldade na interação em grupo, dando o nome de psicopatia autística à condição que descreveu a partir de sua pesquisa (KLIN, 2006).

A aproximação diagnóstica entre os quadros clínicos descritos por Kanner e Asperger foi realizada na década de 1970. No entanto, a pesquisa de Asperger tornou-se amplamente conhecida em decorrência da sua tradução para a língua inglesa (TAMANAHA et al., 2008). Em 1981, Wing publicou uma série de casos descrevendo sintomas similares (KLIN, 2006), apresentando a noção de autismo como um aspecto sintomatológico, com uma ideia de que ele não é uma entidade única, já que engloba um grande número de patologias diferentes, descrevendo, assim, o continuum autístico de Wing (ASSUMPÇÃO JR., 2002).

O conhecimento crescente dos estudos de Wing, por meio de sua tradução para outros idiomas, possibilitou uma repercussão mundial do estudo de Asperger. De acordo com Tamanaha et al. (2008), "foi proposto o uso do termo Síndrome de Asperger em detrimento à Psicopatia Autística e a classificação desta síndrome como pertencente ao 'continuum autista', com a descrição dos prejuízos específicos nas áreas da comunicação, imaginação e socialização" (p. 297-298). A proposição de novos modelos de compreensão trouxe avanços na área, representados por definições nosológicas mais detalhadas e por especificações nas terapêuticas (MERCADANTE et al., 2006). Klin (2006) destaca o fato de que tais transtornos parecem estar mais associados, etiologicamente, a fatores genéticos, mas que a família de pessoas diagnosticadas pode influenciar no grau de vulnerabilidade e rigidez social apresentado pelos mesmos.

Apesar do crescente conhecimento acerca da Síndrome de Asperger, a mesma não tinha reconhecimento oficial antes da publicação da CID-10 (Classificação Estatística de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10ª revisão) e do DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 4ª edição), que são as duas principais classificações de transtornos mentais (KLIN, 2006; MECCA et al., 2011; SALLE et al., 2002). Como afirmam Tamanaha et al. (2008), na revisão dos critérios diagnósticos utilizados no DSM-IV Tr foi proposta a classificação do Autismo Infantil e da Síndrome de Asperger como subcategorias dos Transtornos Globais do Desenvolvimento.

No entanto, há controvérsias ligadas, principalmente, às definições da Síndrome de Asperger (SA) e do Autismo. Segundo Tamanaha et al. (2008), o percurso para uma compreensão cada vez maior dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) e de suas etiologias implica empenho por parte dos pesquisadores e estudiosos na área, em função das dúvidas ainda existentes. Considera-se que o conhecimento crescente e a determinação de distinções pode tornar mais fácil o estabelecimento de tratamentos com bons resultados. De acordo com Mercadante et al. (2006), os estudos das funções básicas nos três domínios do TID (domínio social, da comunicação e do comportamento) têm sido feitos por neurocientistas, que têm decodificado em suas possíveis origens muitos dos sintomas apresentados.

A Síndrome de Asperger e o Autismo ainda apresentam controvérsias ligadas à determinação etiológica, não tendo sido estabelecidos claramente fatores que poderiam responder pelo surgimento de uma ou de outro. Ambos apresentam seus principais sintomas relacionados a dificuldades nas áreas de interação social, da linguagem e do repertório comportamental, especialmente das habilidades sociais. A principal diferença, apontada entre ambas as patologias, refere-se ao fato de a SA não incluir deficiência de linguagem e do desenvolvimento cognitivo (ASSUMPÇÃO JR., 2002; CAMPOS, 2002; KLIN, 2006; MATAS; GONÇALVES; MAGLIARO, 2009).

Uma das características mais destacadas das pessoas diagnosticadas com SA relacionase à presença de um interesse voltado para seres inanimados, como objetos duros, mecânicos e eletrônicos, em detrimento do interesse pelas pessoas (CID-10; KLIN, 2006; CAMARGOS JR. et al., 2002). As pessoas com SA encontram-se geralmente isoladas, mas isso não se deve a um alto grau de inibição na presença de outras pessoas. Essa característica é corroborada pela abordagem do outro, marcada pela presença de gestos comunicativos anormais, de forma excêntrica e, muitas vezes, inadequada. É comum também, segundo Klin (2006) e Camargos Jr. (2002), a não compreensão do valor do contexto interacional afetivo que envolve uma demonstração de insensibilidade ou desconsideração em relação aos sentimentos, intenções e expressões emocionais das demais pessoas. Há dificuldades na compreensão de metáforas e informações não literais emitidas pelos outros, através do tom de voz ou respostas indiretas.

Klin (2006) refere que muitos estudos sobre os tratamentos utilizados com as pessoas com SA demonstram que suas características e talentos podem, muitas vezes, ser utilizados para obtenção de emprego. O autor enfatiza que a presença dessas capacidades pode favorecer o aumento dos esforços para redução dos sintomas e para a sofisticação das habilidades. Assim, pode-se trabalhar para que a pessoa com SA desenvolva alguns aspectos que possam melhorar sua comunicação social, como o treino da compreensão não literal de conversas, do contato visual durante uma interação social e treino de solução de problemas comuns. Além disso, o desenvolvimento de intervenções conjuntas com a família parece auxiliar na promoção de ganhos comportamentais (AMORIM, 2008; CAMARGOS JR., 2002; RODRIGUES, 2010; RODRIGUES; ASSUMPÇÃO JR., 2011).

Posto isso, o objetivo deste artigo foi realizar uma revisão da literatura científica nacional acerca do tema Síndrome de Asperger, com ênfase nas intervenções terapêuticas utilizadas.

 

Método

Tipo de estudo

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura científica. Esse tipo de estudo objetiva, por meio de uma metodologia sistemática de busca, seleção e análise, descrever a produção científica acerca de uma temática, destacando o estado da arte e apresentando as possibilidades de futuras investigações. Trata-se de uma leitura crítica da literatura científica, na qual são identificados e selecionados estudos com rigor e método científico, com o propósito de analisá-los criticamente para que se possa delinear um perfil dos trabalhos publicados, contribuindo para a discussão acerca dos resultados de pesquisa e para o desenvolvimento de estudos futuros. Possui tanto uma dimensão de categorização, de caráter descritivo, como uma faceta de análise crítica, ou seja, que ultrapassa a simples explicitação daquilo que já se produziu, possibilitando uma leitura atenta da realidade que aponta lacunas e necessidades de investigação ainda não suficientemente contempladas pelos pesquisadores, tanto no contexto nacional como internacional. Estudos de revisão integrativa são importantes formas de se promover diálogo entre diferentes áreas do conhecimento, de modo a potencializar investigações futuras (CRESWELL, 2010; TRZESNIAK; KOLLER, 2009).

Critérios de inclusão e exclusão

Foram incluídos apenas artigos publicados em periódicos indexados, com data de publicação entre 2001 e 2011 e escritos em Língua Portuguesa. Esses critérios visaram recuperar apenas a produção mais recente e veiculada no contexto nacional, a fim de mapear de que modo a produção brasileira sobre Síndrome de Asperger tem se desenvolvido. A seleção apenas de artigos indexados visou cotejar produções que passam, necessariamente, por um processo de avaliação por pares, com rigoroso controle de qualidade. A adoção desse critério baseou-se em outras revisões, com semelhante grau de rigor, que indicaram a necessidade de se tomar esse cuidado como balizador de uma condição de produção em dado período (SCORSOLINI-COMIN, 2012). A seleção de artigos publicados entre 2001 e 2011 visou abarcar apenas publicações recentes, a fim de traçar um retrato mais fiel da produção contemporânea, bem como apontar possíveis lacunas e aberturas para novos estudos. Não foram feitas restrições em relação ao tipo de delineamento metodológico (estudos teóricos, empíricos, de revisão, estudos de caso ou outros), nem em relação às abordagens teóricas ou às áreas nas quais as pesquisas foram desenvolvidas.

Foram excluídos trabalhos como monografias, teses, dissertações, notícias, resenhas, cartas, livros e capítulos de livros, e também foram desconsiderados os artigos que não se relacionavam com o tema.

Bases indexadoras utilizadas

As bases utilizadas foram SciELO, LILACS e PePSIC. A base SciELO (Scientific Eletronic Library Online) é um modelo de publicação eletrônica de periódicos científicos que busca responder às necessidades de comunicação científica nos países em desenvolvimento, principalmente na América Latina e Caribe, disponibilizando na Internet, os textos completos dos artigos de mais de 290 revistas científicas. LILACS (Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) é um índice bibliográfico publicado nos países da América Latina e Caribe, com uma literatura voltada para a área das ciências da saúde, incluindo outros trabalhos além de artigos, como teses, relatórios, monografias e livros. PePSIC (Portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia), a partir da publicação de revistas científicas em espaço aberto, contribui para que os conhecimentos psicológicos e científicos dos países da América Latina recebam visibilidade. Atualmente, publica títulos de 11 países, mas originalmente foi lançado para publicar apenas revistas de Psicologia do Brasil.

Procedimento

Os artigos foram encontrados por meio de buscas nas bases indexadoras. O levantamento bibliográfico ocorreu em dezembro de 2011. Os unitermos utilizados foram "Asperger", "família" e "criança", bem como a combinação dessas palavras a partir do operador booleano "and". Todos os registros encontrados foram submetidos aos critérios de inclusão e exclusão. Posteriormente, uma nova seleção foi realizada pela leitura dos títulos e resumos dos artigos selecionados. Foram recuperados e analisados na íntegra apenas os artigos que passaram por essa análise de conteúdo, constituindo o corpus do estudo. Estes foram analisados quanto às seguintes informações: tipo de estudo, objetivos e principais resultados.

 

Resultados e Discussão

A Tabela 1 apresenta os dados referentes à quantidade de artigos encontrados, selecionados e recuperados, em cada uma das três bases indexadoras utilizadas na busca.

Os dez artigos recuperados no total foram identificados na Tabela 2 em termos das principais informações de cada estudo.

Os principais objetivos dos estudos recuperados estão sumarizados na Tabela 3.

Por fim, a Tabela 4 sumariza os principais resultados de cada um dos artigos recuperados.

A análise da Tabela 3, referente aos objetivos dos artigos revisados, e da Tabela 4, referente aos resultados indicados, permitiu constatar que sete dos dez artigos selecionados incluíram alguma prática terapêutica fonoaudiológica. A presença da terapia fonoaudiológica na maior parte dos artigos pode ser vista como consequência dos prejuízos na interação social e nas habilidades de comunicação, apresentadas pelas pessoas com SA. Três artigos não fizeram referências a terapias fonoaudiológicas, apresentando a descrição de intervenções vinculadas à área psicológica. O artigo 1 foca a atuação do psicólogo frente à síndrome.

O artigo 5, a partir de um estudo de caso de um paciente adulto, apresenta as intervenções psicológicas que têm se mostrado eficazes. Segundo Borges e Shinohara (2007), os pacientes com SA podem sofrer mais com as suas diferenças do que os pacientes com Autismo pelo fato de que possuem mais consciência. Isso parece dirigir o foco das intervenções clínicas para o treino de habilidades sociais, tendo nas terapias cognitivocomportamentais e nas intervenções em grupo os melhores resultados.

O terceiro artigo sem relação com a terapia fonoaudiológica (MONTARDO; PASSERINO, 2010) trata da possível intervenção por parte dos próprios pais de pessoas diagnosticadas com a síndrome a partir da chamada "socialização on-line". Esta atuaria indiretamente no desenvolvimento sociocognitivo das pessoas com SA por permitir a troca de informações e afeto entre as famílias, acesso a casos, e indicações de profissionais e modos de comportamento, o que consequentemente afetaria de forma positiva essas pessoas. Como afirmam Montardo e Passerino (2010), a partir de uma constatação de algo incomum nos filhos, por parte principalmente das mães, tem-se o início de um processo que envolve visitas constantes a médicos, psicólogos e terapeutas, até se obter um diagnóstico. E durante esse processo, são comuns os sentimentos de solidão, insegurança e frustração da família. Nesse aspecto, percebe-se a utilidade das ferramentas de socialização on-line, pois nota-se "a necessidade de compartilhamento de angústias, medos, e também, de seus acertos" (MONTARDO; PASSERINO, 2010, p. 924).

Muitos pais, ao receberem o diagnóstico, podem reagir com negação, raiva e expectativa exacerbada de cura. Por meio da troca de experiências, do conhecimento crescente acerca da síndrome, e do recebimento de apoio emocional, pontos encontrados no espaço on-line de blogs de pais de filhos diagnosticados com SA, pode-se fazer com que o sentimento de culpa, negação e angústia sejam superados, que haja ainda um alívio no sentimento de solidão e uma maior aceitação do filho com as suas limitações (MONTARDO; PASSERINO, 2010). Nesse aspecto, percebe-se que os próprios pais atuam na intervenção e no tratamento, a partir do modo como passam a entender e tratar os filhos, favorecendo um bom desenvolvimento comportamental e social.

Ao tratar da descoberta do diagnóstico no filho e as consequentes dificuldades e dúvidas enfrentadas, pode-se destacar uma relação entre os artigos 3 e 4. Este último aborda, além de uma pesquisa acerca da história de vida de adolescentes com SA e autismo, o valor da orientação à família, a qual se encontra, no momento, confusa e desorganizada. Segundo Bagarollo e Panhoca (2011), as dificuldades pelas quais a família e o grupo social do sujeito com TID passam, como também é dissertado no artigo 3, iniciam-se a partir do aparecimento dos sintomas e quando é dado o diagnóstico, e podem continuar por toda a vida, o que é uma consequência negativa para a pessoa com TID. Os autores enfatizam a importância do papel dos profissionais, principalmente do pediatra e do fonoaudiólogo, pois são os primeiros a serem procurados pelos pais quando estes percebem algo diferente no filho. Sendo assim, tornam-se referências, e precisam orientar e direcionar a família, ajudando-a a encontrar os caminhos mais eficazes para promover um bom desenvolvimento dos filhos. Bagarollo e Panhoca (2010) afirmam que diante da presença constante de dificuldades quanto à inserção social, inclusão escolar e ainda quanto à passagem pelas fases da vida, as orientações para os familiares, realizadas pelos profissionais responsáveis pelo cuidado, tornam-se importantes. O estímulo para uma inter-relação entre profissionais e familiares pode oferecer maior tranquilidade aos últimos, auxiliando na promoção de um desenvolvimento satisfatório das pessoas com SA (BAGAROLLO; PANHOCA, 2010).

Em relação ao tipo de estudo, a prevalência foi de estudos empíricos, com um total de oito artigos. Os dois artigos que não se classificaram como empíricos são os artigos 1 e 5, sendo uma revisão de literatura e um estudo de caso, respectivamente. A prevalência desses estudos empíricos, dentre os quais apenas um não envolve a Fonoaudiologia, pode relacionarse com a necessidade de pesquisas experimentais para a obtenção de um maior conhecimento acerca das diferenças entre os diagnósticos que compõem o grupo dos TID. Considera-se que essas informações possam contribuir para o planejamento e para a análise das intervenções terapêuticas que visem ao tratamento das pessoas diagnosticadas com a síndrome. Como afirmam Dias et al. (2009), devem ser conduzidos mais estudos para se buscar as causas do transtorno e para auxiliar na caracterização do desempenho dessas pessoas em relação à linguagem, pontos que permitirão o desenvolvimento de estratégias terapêuticas mais específicas.

Na análise acerca das temáticas gerais dos artigos, percebe-se que todos, sem exceção, envolvem, além do tema Síndrome de Asperger, o Autismo, seja nas pesquisas empíricas ou não. Esse fato pode ser explicado pela relação existente entre os dois diagnósticos e pelas dificuldades para a diferenciação de ambos. Permite-se, assim, que ambos sejam presentes nos estudos que envolvem intervenções terapêuticas.

Todos os artigos recuperados propunham alternativas de intervenção a partir do método e dos procedimentos de pesquisa utilizados, demonstrando ainda resultados efetivos.

Porém, Lopes-Herrera e Almeida (2008) destacam que para o desenvolvimento científico da área necessita-se cada vez mais de trabalhos que vão além do apontamento de características e dificuldades das pessoas com SA através das pesquisas, e que se proponham, sobretudo, a desenvolver esses pontos para que os sujeitos sejam avaliados em relação ao seu próprio desempenho, verificando-se o quão efetivo foi para o sujeito o método utilizado no estudo, e não em relação a um desenvolvimento normal que sirva de referência.

Em termos das práticas terapêuticas fonoaudiológicas, que aparecem em sete dos dez artigos recuperados, notam-se provas da eficiência dessa prática para o tratamento de pessoas com SA. Os artigos 7, 8 e 9 focam a eficiência dessa terapia para com as pessoas diagnosticadas com SA. O artigo 8 relata estudo avaliando crianças com SA em terapia fonoaudiológica em relação à atribuição de estados mentais em seus discursos, e demonstra em seus resultados que, a partir da intervenção, houve "ampliação do vocabulário e extensão frasal desses indivíduos, o que aponta para a eficácia e importância da terapia fonoaudiológica para crianças pertencentes a esse quadro" (RODRIGUES; TAMANAHA; PERISSINOTO, 2011, p. 28).

O artigo 9 pode, por meio de um questionário respondido por mães ao longo de um tempo de intervenção fonoaudiológica com crianças com SA, indicar que houve modificações evolutivas nas habilidades de comunicação e no comportamento dos sujeitos. O artigo 7, que realizou uma pesquisa de avaliação da intervenção fonoaudiológica em pessoas com Autismo e SA, também constatou a ocorrência das mudanças comportamentais nos mesmos. Tais estudos indicam uma evolução no desenvolvimento, adquirida por meio da terapia fonoaudiológica. Os artigos 7 e 9 ainda se aproximam porque ambos tratam, além dos bons resultados com a aplicação da terapia fonoaudiológica, da eficácia da mesma quando há uma associação entre a intervenção direta e a indireta, tornando possível uma maior evolução em relação à intervenção apenas indireta.

Com a intervenção terapêutica, quando direta e indireta, ou seja, quando, além da ação entre fonoaudiólogo e paciente há também uma orientação dedicada à escola e à família, percebe-se que o processo evolutivo é mais rápido e extenso (TAMANAHA; PERISSINOTO, 2011). Como foi relatado, o artigo 9 usou de um questionário referente aos comportamentos da pessoa com a síndrome durante o processo da terapia; ambos artigos mostraram que os sujeitos foram divididos em grupos, aleatoriamente, e em cada grupo foi utilizado um tipo de intervenção - direta e indireta, e apenas indireta. Após análise feita em cada estudo, foram apresentados resultados que descreviam uma maior evolução dos grupos que receberam intervenção direta e indireta, portanto, defendendo o uso desse tipo de intervenção como mais eficaz, em detrimento apenas à indireta.

Os artigos foram analisados também quanto à participação da família e de interlocutores nas intervenções terapêuticas fonoaudiológicas. Se analisados apenas em questão da participação familiar na intervenção, sem especificações, nota-se que a maior parte dos artigos destaca pontos positivos nos tratamentos quando há envolvimento de interlocutores na relação profissional-paciente. Porém, analisando-se as intervenções fonoaudiológicas, os artigos que dão ênfase à intervenção profissional associada a um trabalho por parte da família são os artigos 2, 7, 9 e 10. O artigo 2 buscou analisar a atenção compartilhada - direcionamento da atenção de um parceiro comunicativo com a intenção de dividir a situação do momento - em sujeitos do espectro autístico, participando pessoas com SA e autistas. A partir de momentos diferentes de brincadeira - livre, semidirigida com fonoaudiólogo, semidirigida com mãe, e imitação - foi observado que os sujeitos apresentaram a habilidade de compartilhar a atenção e tiveram mudanças positivas no comportamento a partir da interferência de um interlocutor - fonoaudiólogo e mãe. Os resultados tiveram eficácia, contudo, devido ao trabalho que foi feito pela família fora do contexto da terapia. As famílias dos envolvidos na pesquisa recebiam orientações acerca do desenvolvimento social, da linguagem, e da atenção compartilhada. Esses aspectos são importantes para que as aquisições obtidas durante o estudo sejam ampliadas também para outros contextos e relações (MENEZES; PERISSINOTO, 2008).

O artigo 10, ao estudar o uso de habilidades comunicativas verbais com sujeitos com SA em diferentes relações com um interlocutor - sessões de interação espontânea entre sujeito e interlocutor e sessões em que o interlocutor não interagia e apenas respondia o necessário - destaca como resultados positivos os referentes aos momentos de interação entre o sujeito e o interlocutor, ou seja, foram observados ótimos desempenhos e grande utilização das habilidades comunicativas verbais quando o sujeito era estimulado a isso pelo interlocutor. A ênfase dada ao aspecto familiar nesse estudo refere-se ao destaque dado pelos autores à importância de ambientes comunicativos favoráveis e estimuladores, para que seja possível dar continuidade aos trabalhos estruturados feitos com os sujeitos durante os estudos. Segundo Lopes-Herrera e Almeida (2008), o ponto mais relevante encontrado a partir do trabalho feito foi a constatação de que o interlocutor fornece suporte e apoio para a comunicação de indivíduos com a SA. O trabalho fonoaudiológico feito com os sujeitos, associado a um trabalho na família que forneça contextos influenciadores do uso de habilidades comunicativas verbais, tende a colaborar com os avanços e trazer maiores benefícios às pessoas com a síndrome.

Os artigos 7 e 9, na defesa à eficácia da intervenção direta e indireta, concomitantemente focam a participação da família e de interlocutores no processo terapêutico. Como afirmam Tamanaha e Perissinoto (2011), também é tarefa do atendimento fonoaudiológico o cuidado em relação aos pais, proporcionando-lhes informações, compreendendo-os e convidando-os a participar como agentes do processo da terapia. A intervenção tem mais resultados quando há esse engajamento familiar, fundamental para o sucesso do tratamento. Os resultados obtidos com as pesquisas desses artigos provam, assim, a necessidade da intervenção direta aliada à indireta, como já foi discutido, e também demonstram que o objetivo principal com isso é "garantir a assistência aos pais e a ampliação dos contextos sociais e de comunicação das crianças pertencentes ao espectro autístico" (TAMANAHA; PERISSINOTO; CHIARI, 2008, p. 169).

Uma questão relevante, apesar de não estar presente em muitos dos artigos, foi a necessidade de dedicação especial que deve ser dada a cada caso na intervenção. Cada pessoa com SA apresenta características e dificuldades específicas. Portanto, as intervenções devem ser aplicadas na medida em que o profissional conheça a sua história, suas vivências e seus interesses. Outro ponto que apareceu em poucos estudos foi a questão do trabalho de socialização que precisa ser feito em alguns ambientes que, como afirma Souza (2004), é essencial para evitar o preconceito e a discriminação que atingem esse grupo de indivíduos, já que pode proporcionar uma prevenção primária através de associações com as escolas e pessoas afins. As dificuldades em relação à inclusão dessas pessoas na sociedade é algo muito presente, principalmente em lugares que deveriam trabalhar para mudar isso, como as escolas. Como foi relatado no artigo 4, as escolas são espaços que promovem a oportunidade para as crianças com SA conviverem com outras, além de vivenciarem situações envolvendo a linguagem e a cultura, por isso a importância de serem inseridas no ambiente escolar desde cedo; porém, encontram-se muitas vezes a falta de receptividade e de qualificação de professores, e a incapacidade de estruturação do sistema educacional, que deveria ser o grande aliado para a inserção dessas pessoas na sociedade (BAGAROLLO; PANHOCA, 2011). O artigo 1 faz ainda uma crítica notável no sentido das dificuldades para a socialização desse grupo, e que reflete a realidade de grande parte da nossa sociedade, afirmando que "deixar esses indivíduos viverem no seu mundo particular é muito cômodo e parece ser uma maneira de negar responsabilidade para com esses seres humanos e suas famílias angustiadas, necessitadas de esperança" (SOUZA, 2004, p. 29-30).

A partir da análise desses estudos, pode-se considerar importante que as pesquisas na área da Síndrome de Asperger se dirijam mais às especificidades de cada caso, para que sejam buscadas novas alternativas de intervenção. Como sugerido por Lopes-Herrera e Almeida (2008), os estudos e as pesquisas poderiam ser reproduzidos em populações apenas de pessoas com SA, para serem analisados sem comparações com outros diagnósticos do grupo dos TGD, favorecendo um conhecimento mais específico; e ainda, que fossem reproduzidos em outras situações e em outros contextos significativos, saindo da esfera da clínica profissional, como na escola e na família, envolvendo variados interlocutores, para serem estudadas as eficácias de intervenção em tais ambientes.

Estudos realizados em ambientes preparados para as pessoas com SA podem obscurecer o modo como são incluídas em ambientes escolares, por exemplo. Quais as limitações desses ambientes coletivos de educação? Quais as especificidades de uma criança com SA participando de um processo de educação regular? De que modo esses ambientes podem ser preparados e discutidos visando a um processo inclusivo de qualidade e que respeite as limitações e potencialidades dos sujeitos envolvidos? Essas são algumas das questões que emergiram a partir dessa revisão e que podem deflagrar a necessidade de estudos futuros que desenvolvam tais possibilidades de investigação. Além disso, os estudos aqui discutidos apresentam a necessidade de que as famílias sejam ouvidas, mas que também sejam investigadas, a fim de que se conheçam as formas de adaptação existentes, os sentimentos dos familiares e dos cuidadores, bem como sejam elaboradas propostas de intervenção em ambientes familiares, aproximando a prática clínica do cotidiano de crianças e de jovens com SA.

 

Considerações finais

Ao final deste estudo, as suas limitações referem-se a dois pontos específicos, sendo um deles os critérios de inclusão, que permitiam apenas artigos em português, e as abordagens de artigos encontrados, observando-se que a maioria não tratava especificamente do tema Síndrome de Asperger, envolvendo, em geral, outros diagnósticos, o que limitava a quantidade de informações de alguns estudos para o desenvolvimento da presente revisão. A SA não é uma temática frequentemente evocada pela Psicologia, lacuna esta preenchida pela Fonoaudiologia, por exemplo. O olhar clínico voltado a pessoas com SA é predominante na literatura científica, em detrimento de discussões acerca da inclusão social, por exemplo. Em que pese a necessidade de maiores estudos e conhecimentos acerca das causas da SA, bem como de delineamentos para intervenções clínicas, há que se considerar que a literatura tem buscado discutir tais questões. No entanto, outros olhares e perspectivas podem ser trazidos à baila, notadamente a partir do diálogo multiprofissional, recuperando conhecimentos de áreas como a Psicologia, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional, Serviço Social, Enfermagem, Pedagogia e Medicina.

Destaca-se que o tema desta revisão precisa ser difundido para que possibilite um conhecimento maior acerca do mesmo, atuando assim, indiretamente, na inclusão social de pessoas diagnosticadas com essa síndrome. Outra possibilidade é a de discutir a importância do meio no tratamento e no desenvolvimento de pessoas com SA. Algumas perspectivas mais contemporâneas na Psicologia do Desenvolvimento têm sugerido fortemente a necessidade de compreender o modo como as práticas culturais e discursivas construídas em torno da deficiência podem contribuir para uma compreensão menos estereotipada das pessoas com necessidades especiais, priorizando um olhar que rompa a tendência de medicalização do corpo (como apregoado nas intervenções exclusivamente focadas no diagnóstico e nos aspectos físicos envolvidos) e considere os elementos culturais que promovem o desenvolvimento. De que modo os discursos em torno da SA podem afetar o tratamento e a inclusão dessas crianças em ambientes educacionais, por exemplo? Mais do que uma lacuna na produção, tais considerações são balizas para as próximas investigações, quer sejam na Psicologia ou em áreas afins.

Nesse mesmo sentido, sugere-se a necessidade de que investigações desenvolvidas no âmbito da Psicologia possam dialogar com os estudos produzidos, por exemplo, pela Fonoaudiologia, em um diálogo multidisciplinar que abarque diferentes saberes e práticas de intervenção. Desse modo, compreender os elementos envolvidos no diagnóstico, nas intervenções e também nas práticas educativas que promovem uma constante discussão sobre a inclusão de pessoas com SA é algo premente na formação de profissionais de saúde e de educação que se dediquem à temática, quer seja no ensino, na pesquisa ou na intervenção. Por fim, há que se primar por um olhar para além das limitações. Um olhar que discuta a inclusão dessas pessoas deve, portanto, recuperar as capacidades e potencialidades das mesmas, bem como de que modo tais características podem ser fomentadas em intervenções que considerem as pessoas com SA como sujeitos capazes de trilhar diferentes percursos desenvolvimentais.

 

Referências

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Data de recebimento: 07/02/2012
Data de aceite: 02/06/2013

 

 

Sobre os autores:
Marília Consolini Teodoro é graduanda do curso de Psicologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Endereço Eletrônico: marilia.cteodoro@hotmail.com.
Karin A. Casarini é docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Doutora em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Pesquisadora do PROSA (Laboratório de Investigações sobre Práticas Dialógicas e Relacionamentos Interpessoais - CNPq). Endereço Eletrônico: kacasarini@yahoo.com.br.
Fabio Scorsolini-Comin é docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Doutor em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Líder do PROSA (Laboratório de Investigações sobre Práticas Dialógicas e Relacionamentos Interpessoais - CNPq). Endereço Eletrônico: scorsolini_usp@yahoo.com.br.