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Nova Perspectiva Sistêmica

versão impressa ISSN 0104-7841versão On-line ISSN 2594-4363

Nova perspect. sist. vol.28 no.64 São Paulo ago. 2019

https://doi.org/10.21452/2594-43632019v28n64a06 

ARTIGOS

 

Intervenção psicossocial com adolescentes que cometeram ofensa sexual e suas famílias: o grupo multifamiliar

 

Psychosocial intervention with juvenile sexual offenders and their families: the multifamilial group

 

 

Andrea Schettino TavaresI, Neulabihan Mesquita e Silva MontenegroII

I Universidade de Brasília – UnB, Brasília/DF, Brasil.

II Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES/DF), Brasília/DF, Brasil.

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta um relato de experiência sobre uma intervenção psicossocial, de Grupo Multifamiliar (GM), junto a adolescentes que cometeram ofensa sexual. Práticas como esta são uma maneira de garantir proteção às vítimas e diminuição da probabilidade de reincidência. É necessário que haja responsabilização jurídica e atendimento psicossocial para os autores de violência, conforme prevê o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Participaram da intervenção 10 famílias, que se encontraram durante sete sessões, totalizando 21 horas de intervenção grupal. Discutiu-se os seguintes temas: proteção, sexualidade, abuso sexual é crime, transgeracionalidade, autoestima e projeto de namoro e de futuro. O GM oferece aos adolescentes e suas famílias o contexto e os instrumentos para a ampliação do espaço de conversação, orientação parental, reflexão, acolhimento do sofrimento de todos e promoção da saúde. Isto porque enfoca as potencialidades; valoriza os vínculos afetivos, papéis filiais e parentais; e reconhece o momento de busca de autonomia do adolescente e a consequente necessidade de aceitação dessa fase do desenvolvimento por parte dos pais (ou cuidadores que exercem esse papel). Após o término do GM, avaliou-se a necessidade de adolescentes serem encaminhados para a rede de proteção, em relação às vulnerabilidades presentes.

Palavras-chave: Adolescentes; Ofensa sexual; Intervenção psicossocial; Grupo multifamiliar.


ABSTRACT

This article presents an experience report about a psychosocial intervention called Multifamilial Group (MG), with juvenile sexual offenders. Practices such as this are a way to ensure protection to victims and decrease the likelihood of recidivism. It is necessary that there be legal accountability and psychosocial care for the perpetrators of violence, according to the Brazilian National Plan to Combat Sexual Violence against Children and Adolescents. Ten families participated in the intervention, meeting for seven sessions, totaling 21 hours of group intervention. The following topics were discussed: protection, sexuality, sexual offense is a crime, transgenerationality, self-esteem and plan of dating and future. The MG offers to participating adolescents and their families the context and the instruments to expand the space for conversation, parental guidance, reflection, acceptance of the suffering of all and promotion of health. This is so due to a focus on potentialities; appreciation of the affective bonds, filial and parental roles; and recognition of the moment to seek autonomy of the adolescent and the consequent need for acceptance of this phase of development by parents (or caregivers who play this role). After the MG, the needs for adolescents to be referred to the protection network were assessed.

Key Words: Juvenile Sexual Offender; Sexual Offense; Psychosocial Intervention; Multifamilial Group.


 

 

Este artigo apresenta um relato de experiência sobre adolescentes que cometeram ofensa sexual e participaram de uma intervenção psicossocial, de Grupo Multifamiliar (GM). Os atendimentos ocorreram em uma Unidade de Saúde no Programa de Pesquisa, Assistência e Vigilância à Violência (PAV). Com isso, pretende-se contribuir no oferecimento de um método de atendimento ao adolescente envolvido em tal contexto que considere a existência de uma intensa interdependência dos vínculos familiares nesta fase de desenvolvimento (Andolfi & Mascellani, 2012). Ademais, é preciso a adoção de um método que considere o quão significativa é a influência da dinâmica familiar na subjetividade de adolescentes que cometeram atos sexuais ofensivos.

A ofensa sexual é um tema complexo e multideterminado (Ward & Beech, 2016), sendo necessário ser discutida no âmbito da saúde pública (Marshall, 2001; Costa, Barros, Marreco, & Chaves, 2015; Costa, Junqueira, Meneses, Stroher, & Moura, 2012; Costa, Junqueira, Meneses, & Stroher, 2013; Sandvik, Nesset, Berg, & Søndenaa, 2017). Compreende-se a ofensa sexual, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (2002), como um comportamento que permite gratificação sexual de quem comete a violência, podendo ter ou não contato físico, coerção e sedução (de diversas formas: ameaças, intimidação psicológica e indução de vontade). No caso de crianças e adolescentes vítimas, observa-se relação desigual de desenvolvimento psicossexual entre vítima e ofensor, envolvendo uma relação hierarquizada de poder (Platt, Back, Hauschild, & Guedert, 2018; Ryan, 2012). Considerando que todas as vítimas dos adolescentes participantes eram menores de 18 anos, pode-se definir ofensa sexual a partir daquela apresentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei n. 8079/1990), em seu artigo 241-D: “aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso”, podendo facilitar ou induzir o acesso à criança a materiais contendo cena de sexo explícito ou pornográfica com o fim de com ela praticar ato libidinoso ou induzi-la a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita.

Estudos apontam que entre adultos e adolescentes que cometeram ofensas sexuais, um terço delas foi cometida por adolescentes (Forensic Psychology Practice, 2006). Nesse sentido, Oliver (2007) ressalta que a intervenção precoce é necessária e que a sociedade precisa educar os adolescentes e alertar sobre os prejuízos e consequências da ofensa sexual contra crianças e adolescentes, sendo necessário acompanhamento para o autor da violência e para a família. A fim de evitar a reincidência – visto que pesquisas apresentam que há maior probabilidade de um adulto cometer ofensa sexual, caso tenha começado na adolescência e não tenha sido responsabilizado (Seto, 2008; Seto, Babchishin, Pullman, & McPhail, 2015) – é necessário que haja interrupção do ciclo da violência, de preferência na primeira ofensa cometida, com responsabilização jurídica e atendimento psicossocial ao autor da violência.

Ao cometer um ato infracional enquanto adolescente, espera-se que este passe pelo processo de responsabilização no sistema judiciário, indicação de alguma medida socioeducativa, se for o caso, e encaminhamento para atendimento psicossocial, conforme o Art. 112 do ECA (Lei n. 8079/90), que o entende como pessoa em desenvolvimento e que ainda necessita de proteção. Esta proteção pode ser garantida por meio da aplicação de alguma medida protetiva (Art. 101). O adolescente precisa compreender que a ofensa sexual é uma violação de direitos de um terceiro, e que seu ato ofensivo foi uma violência também de caráter social. Há necessidade de uma resposta social sob a forma socioeducativa. Por outro lado, compreende-se que a ofensa sexual também pode ser vista como um comportamento que revela rompimento de limites nas relações interpessoais, utilizando uma pessoa (a criança) que ainda requer ser protegida pelo próprio adolescente.

Ressalta-se que impunidade é diferente de inimputabilidade; o adolescente deve ser protegido e será responsabilizado, mas com o foco maior na educação do que na punição (Saraiva, 2017). Com relação à responsabilização jurídica, as medidas socioeducativas preconizadas no ECA (Lei n. 8079/90) são: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade, internação em estabelecimento educacional provisória e propriamente dita. O adolescente deve ser atendido de forma integrada pelos órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social. A medida que será aplicada ao adolescente deve considerar a sua capacidade de cumpri-la, bem como as circunstâncias e a gravidade do ato. Nesse sentido, os três princípios da Doutrina de Proteção Integral – implementada pelo ECA – devem ser seguidos: crianças e adolescentes são considerados como sujeitos de direitos, eles são prioridade e devem ser compreendidos como pessoas em desenvolvimento.

Além da responsabilização jurídica, o adolescente que cometeu ofensa sexual ainda precisa de proteção e precisa receber atendimento que possibilite a compreensão dos danos causados com a violência cometida, conforme ressalta o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes (2013). Nesse sentido, é necessário que ocorra o atendimento psicossocial (pode-se dizer uma responsabilização psicológica), uma vez que somente a responsabilização jurídica não alcança aspectos reflexivos que permitam ao adolescente compreender o dano ocasionado à vítima e o sofrimento dela. Como forma de interromper o ciclo da violência, evitar a reincidência e proteger as vítimas (prioridade das ações apontadas neste documento), é preciso garantir estas duas dimensões: responsabilização jurídica e atendimento psicossocial.

Para a visão sistêmica, ao cometer um ato infracional, o adolescente está comunicando a existência de conflitos de ordem psíquica e emocional, sendo que este ato é visto como sintoma. O sintoma é compreendido por Minuchin, Nichols e Lee (2009) como a existência de algo considerado reprovável jurídica e socialmente e que há um membro da família que se “dispõe” a mostrar esse ato reprovável. O sintoma apresenta significados referentes ao contexto familiar que indicam necessidade de mudança nas relações (Andolfi, Angelo, & Nichilo, 1989; Garcia-Moreno & Watts, 2011; Minuchin et al., 2009; Oliveira, 2014; Sandvik et al., 2017). Esta indicação, muitas vezes, se apresenta sob a forma de uma conduta extrema, uma ação com efeito comunicacional bastante incisivo, uma passagem ao ato – acting out – de acordo com Marty (2012) e Said, Junqueira e Costa (2016), como é o caso da ofensa sexual cometida por adolescentes.

Há necessidade de se compreender que os adolescentes estão em processo de desenvolvimento e que a responsabilização jurídica deve ocorrer de forma ainda mais concomitante com o restabelecimento da proteção, com atendimentos psicossociais que levem em consideração sua história de vida e possíveis vitimizações e violações de direitos, em diferentes contextos e as características do ato ofensivo ocorrido (Marshall, 2001; Marshall, Marshall, & Ware, 2009; Sandvik et al., 2017). Estudos internacionais sobre ofensa sexual realizados por Barbaree e Marshall (2008), Marshall e Marshall (2000), e Sandvik et al. (2017) elucidam que a vitimização na infância, somada a outros aspectos – como contexto familiar sem proteção, punições físicas, pobre comunicação, indefinição de papéis (Domingues, 2016; Worley, Church, & Clemmons, 2012) – contribui para um contexto de vulnerabilidade, com desproteção, favorável para que o comportamento sexual ofensivo ocorra (Gree & Masson, 2002; Finkelhor, 1984; Finkelhor, Ormrod, Turner, & Holt, 2009; Finkelhor, Turner, Hamby, & Ormrod, 2011).

A adolescência é considerada uma fase do desenvolvimento do ciclo de vida em que ocorrem transformações mais intensas – físicas, biológicas, emocionais, psicológicas e relacionais (Andolfi & Mascellani, 2012; Penso, Conceição, Costa, & Carreteiro, 2012; Worling & Langton, 2017). A pessoa passa por um processo de subjetivação, diferenciação e individuação, a fim de delimitar sua identidade (Fontenele & Miranda, 2017). É um momento ensaístico, de experienciar para se constituir subjetivamente, sendo um processo único para cada adolescente, inserido em um contexto sócio-histórico-cultural – fala-se então em adolescências. (Carreteiro, 2010). Ao mesmo tempo há necessidade de espaço para que a autonomia e a diferenciação dos pais (ou do cuidador que exerce esse papel) tenham lugar, embora os adolescentes ainda tenham a especificidade de precisar de orientação e proteção da família. Tanto o adolescente como o cometimento do ato infracional precisam ser considerados neste contexto de desenvolvimento, visto que ele é um ser integral com múltiplas características e o ato cometido não é isolado, mas está inserido em um contexto permeado por diversos fatores que possibilitaram sua ocorrência.

A dinâmica familiar participa, no caso da ocorrência da ofensa sexual intrafamiliar, quando expressa uma organização com múltiplas carências de hierarquias, autoridade e, principalmente, o exercício da parentalidade (Minuchin et al., 2009). Considerando o contexto em que se encontram essas famílias, há presença de fatores como: inversão de papéis entre os membros da família; a falta de supervisão parental; o alcoolismo; a violência doméstica; as fronteiras rígidas (membros com pouco contato com os contextos exteriores); a manutenção da homeostase da família, por meio do segredo (o que os faz resolver o problema entre os membros da família), a transgeracionalidade, em que comportamentos se perpetuam ao longo das gerações (Domingues & Costa, 2016). Está se falando aqui de organização familiar que contém elementos para o surgimento de acting out independentemente da classe socioeconômica a que pertença a família. Conceição et al. (2016) apresentaram um estudo qualitativo contendo vários casos nos quais havia famílias com baixa e alta renda familiar, nas quais esses elementos dinâmicos estavam presentes, concorrendo para o surgimento de muitas e diferentes violências. A presença da violência sexual na família não é hegemônica de determinada classe social.

Nesta direção, sobre o oferecimento de atendimento psicoterapêutico, Marshall (2006) e Worling e Langton (2017) ressaltam que a intervenção com adolescentes que cometeram ofensa sexual possibilita mudanças de comportamento e melhores resultados caso o atendimento ocorra juntamente com as famílias. A intervenção com a família é vista como um meio para evitar a reincidência, ocasionando um maior comprometimento e engajamento do adolescente com este processo. Ainda é possível trabalhar o monitoramento e o pertencimento ao grupo familiar, a comunicação, a existência de crenças que impedem as mudanças, e também as estratégias e mecanismos para lidar com a questão da violência (Costa et al., 2013; Costa, Penso, & Conceição, 2015b; Worley et al., 2012).

Considerando a dimensão de complexidade da ofensa sexual cometida por adolescentes, o pensamento sistêmico (Esteves Vasconcellos, 2018) permite que se compreenda os fenômenos a partir da complexidade, da instabilidade e da intersubjetividade, por meio da perspectiva de interelação. São pressupostos emergentes que sucedem os pressupostos tradicionais (simplicidade, estabilidade e objetividade). De forma sucinta, a complexidade enfoca a contextualização do fenômeno e suas relações, articulando-as e ampliando o foco de análise. Fala-se então de uma causalidade recursiva. A instabilidade pressupõe a uma imprevisibilidade e incontrolabilidade dos fenômenos, permitindo que saltos qualitativos ocorram a partir de uma crise para uma nova forma de funcionamento. O conceito de intersubjetividade diz respeito à objetividade entre parênteses, uma construção social entre observador e observado (Esteves Vasconcellos, 2018). Trata-se de reconhecimento de que a ofensa sexual identifica um problema que abrange um sistema em crise (a família) e sistemas em crise (o ambiente sociocomunitário) (Boscolo, Cecchin, Hoffman, & Penn, 1993). Esta compreensão de interdependência entre um microssistema e um macrossistema, por meio de um método de intervenção de Grupo Multifamiliar, sustenta um trabalho com questões relacionadas à ofensa sexual, em um grupo que atende várias famílias ao mesmo tempo dentro de um programa na rede de saúde pública (Boscolo et al., 1993; Costa et al., 2015b).

O GM tem como base a Psicologia Comunitária, a Terapia Familiar, o Sociodrama e a Terapia de Redes. A Psicologia Comunitária se baseia na intervenção em que saberes científicos e saberes populares são igualmente importantes e enfatiza o conjunto do grupo. Na Terapia Familiar o foco está nas relações, interações e diálogos entre os membros da família. O Sociodrama ressalta que o grupo é o protagonista, enfocando, na relação grupal, representação de papéis sociais integrados, cuja dramatização em grupo permite efeitos terapêuticos. A Terapia de Redes pontua a importância de fortalecer a rede de pertencimento das famílias, quem fornece apoio e as trocas de experiências (Costa et al., 2015b).

O GM desenvolveu-se seguindo o procedimento de uma sessão de Psicodrama. O Psicodrama é uma abordagem terapêutica de ação, amplamente divulgada e adotada no Brasil, que se organiza por conter três momentos distintos durante o atendimento: aquecimento, dramatização e compartilhamento. A partir de uma adaptação estabeleceu-se para o GM: aquecimento, discussão do tema e conclusão com um ritual de finalização, como preconizado por Lax e Lussardi (1997) e Andolfi (2018). O aquecimento ocorre com a presença de todos os participantes do GM. Na etapa da discussão ocorre uma divisão em subgrupos por idade (por exemplo, crianças, adolescentes e adultos) para facilitar a conversação.

A experiência do GM iniciou-se com famílias atendidas em contexto comunitário de baixa renda. Posteriormente, foi adaptada para os contextos de violência. É um espaço de escuta clínica e conversação transformadora, bem como uma intervenção psicossocial com possibilidades terapêuticas. O atendimento é adaptado para o contexto das famílias participantes que comparecem ao atendimento: um contexto sem demanda, em que de forma geral os casos são encaminhados pela justiça com denúncia de ofensa sexual ou por áreas da saúde, educação e afins, com suspeita de ofensa sexual.

O GM compreende cerca de sete encontros de três horas cada, com uma média de dez famílias, e é conduzido por uma equipe interdisciplinar composta por psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, e estudantes destas disciplinas. As sessões acontecem quinzenalmente, intercaladas com encontros de supervisão. Cada encontro é realizado com uma temática específica, a partir de um planejamento prévio, conforme descrito no Manual do Grupo Multifamiliar (Costa, Almeida, Ribeiro, & Penso, 2009; Costa et al., 2015b). As atividades realizadas em cada etapa e em cada encontro não são fixas. Há liberdade da equipe para adequá-las de acordo com os participantes do grupo e o tema do dia. Importante ressaltar que, após a intervenção do GM, é necessário realizar uma avaliação dos objetivos alcançados, para que se analise a necessidade de atendimentos individuais com cada família, bem como encaminhamentos para outras instâncias da rede de proteção e atendimento.

Pode-se dizer que no GM há promoção da saúde – processo que busca trabalhar a autonomia e capacitação das pessoas de uma comunidade para se envolverem com a melhora da qualidade de vida e saúde – (Czernesia & Freitas, 2009): são as pessoas que compõem a comunidade que participam do grupo com uma situação específica de vivência de ofensa sexual e desenvolvem recursos em grupo para lidar com os problemas, estabelecendo apoio entre eles. O GM possibilita que a potência dos participantes seja estimulada, fornecendo recursos e permitindo o desenvolvimento das capacidades de cada um, crianças, adolescentes e adultos, onde todos têm voz, devem ser ouvidos e respeitados.

No contexto de adolescentes que cometeram ofensa sexual intrafamiliar, o adolescente, a vítima e os responsáveis (a família) participam do grupo de forma integrada. Com isso se tem uma noção muito mais acurada de como se dão as relações que constroem as condições de vulnerabilização de adolescentes e crianças (Costa, 2011; Costa et al., 2009; Costa et al., 2015b). Ressalta-se que neste contexto em que se encontram essas famílias, entende-se por família a configuração de membros que se unem por vínculos afetivos (Costa et al., 2013; Minuchin, 1982; Pelisoli, Teodoro, Dell’Aglio, & Dalbosco, 2007). A perspectiva de atuação sistêmica e integrada está de acordo com a literatura internacional (Henggeler et al., 2009; Swenson, Schaeffer, Henggeler, Faldowski, & Mayhew, 2010), que considera que todos os membros da família participam da formação do sintoma familiar. Sendo assim, todos devem participar também de sua transformação. Com relação à literatura nacional, Pincolini e Hutz (2014) reconhecem a atuação da intervenção psicossocial com este público como uma fonte de conhecimento recente e atualizado.

O elenco dos temas propostos e adotados no GM foi construído com base na experiência e nas pesquisas realizadas com este público, e em associação primeiramente com o Setor Psicossocial de Vara de Família do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), e posteriormente com o NEPAV/SES/GDF (Núcleo de Atenção à Violência da Secretaria de Saúde do Governo do Distrito Federal). Os temas refletem as situações que são simultaneamente temas de interesse da Psicologia, das Ciências Sociais e da Justiça, ressaltando a complexidade da questão (Costa, 2011). Dessa forma, os temas: proteção, sexualidade, violência, transgeracionalidade e projeto de namoro são temáticas que norteiam os atendimentos voltados para esse público. Trata-se também de uma necessidade que esses temas sejam refletidos, por se constituir em um contexto de adolescentes que cometeram ofensa sexual intrafamiliar, cuja dinâmica familiar é permeada de falta de comunicação e orientação sobre sexualidade (Costa et al., 2015b; Domingues & Costa, 2016). Ainda cabe assinalar que o paradigma de se juntarem famílias inicialmente desconhecidas tem respaldo em Laquer (1983), que indica que essa condição facilita o interesse das famílias pelas formas de soluções encontradas pelas outras famílias ao longo do desenvolvimento do problema. Por outro lado, quando se inicia o GM, as famílias já têm algumas horas de contato com a equipe de atendimento, pois já passaram pela fase de acolhimento e entrevista.

Trabalhar com adolescentes que cometeram ofensa sexual, na perspectiva do GM, é possibilitar que estes criem estratégias para seguirem em frente e compreendam que cometeram um ato reprovável jurídica e socialmente, mas que a vida dele, e da família, seguem (Wolff, Oliveira, Marra, & Costa, 2016). É possível refletir sobre as potencialidades dos participantes do grupo e o desenvolvimento da autonomia para o enfrentamento dos problemas. Com os familiares é possível refletir a responsabilidade deles no processo de desenvolvimento dos adolescentes, que ainda precisam de proteção, fornecendo orientação e instrução sobre como falar de sexualidade e conversar com os filhos. E as famílias ajudam umas às outras com as experiências e soluções que encontraram (Costa et al., 2015b). Ressalta-se a importância da interdisciplinaridade do GM, possibilitando promoção da saúde de forma ampliada e sistêmica, por meio da integração da rede de proteção. Nesse sentido, o objetivo deste estudo é apresentar um relato experiência sobre o atendimento de Grupo Multifamiliar realizado com adolescentes que cometeram ofensa sexual e suas famílias.

 

Método

Contexto

Os atendimentos foram realizados em uma instituição vinculada à área da saúde que atua oferecendo atendimento psicossocial a adolescentes que cometeram ofensa sexual e suas famílias. O atendimento ocorreu dentro do Programa de Pesquisa, Assistência e Vigilância à Violência (PAV) que faz parte da rede de proteção às crianças em situação de violência sexual e aos adolescentes autores da violência. Os participantes foram encaminhados para o programa pelo Ministério Público (MP) e pelo Conselho Tutelar (CT), entre outras instituições da rede de proteção, por exemplo, Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), Centro de Atenção Psicossocial Infanto Juvenil (CAPsi), PAVs, sendo que a maior parte foi encaminhada pelo MP, com responsabilização jurídica e medida socioeducativa já definida.

 

Participantes

Ao longo do grupo, os participantes do GM foram 10 adolescentes que cometeram ofensa sexual, com idade entre 12 e 18 anos incompletos, juntamente com os familiares convidados para a intervenção (pais, cuidadores que exercem esse papel, irmãos, avós, pares e pessoas próximas ao adolescente). Compareceram, ao longo de todo o processo do GM, 26 familiares. Nem todas as famílias compareceram a todos os encontros e houve variação de alguns familiares que foram em cada encontro.

 

Recursos humanos e materiais

A equipe foi composta por cinco psicólogos, dois assistentes sociais, três estudantes de pós-graduação em Psicologia, duas residentes de Enfermagem e de Psicologia. Ainda fizeram parte da equipe dois professores supervisores de universidade pública, com a qual o programa mantém parceria de pesquisa.

Foram utilizadas três salas de atendimento com cadeiras e materiais diversos (papel, canetas, revistas, cola, brinquedos, sucata, material retirado da internet como vídeos), a depender da atividade a ser realizada em cada dia. As atividades foram baseadas nos jogos de Yozo (1996) e adaptadas pela equipe.

 

Procedimentos

Conforme descrito por Costa et al. (2015b), um protocolo de atendimento deve ser seguido para a realização da intervenção. As seguintes etapas devem ser observadas: (a) treinamento da equipe; (b) entrevistas de acolhimento; (c) supervisão dos casos e definição dos componentes do grupo; (d) atendimentos em grupo com temáticas específicas (proteção, sexualidade, abuso sexual é crime, transgeracionalidade, autoestima e projeto de namoro e de futuro) intercalados com supervisão; (e) avaliação final do grupo e encaminhamentos dos participantes (caso necessário).

Dessa forma, primeiro houve treinamento dos integrantes da equipe para a condução do GM, e isto significou leitura prévia de textos já publicados nos quais a metodologia é descrita. A segunda etapa foi constituída por entrevistas de acolhimento que foram realizadas com a presença de cada adolescente e seus familiares. Nesta entrevista, com duração de uma a duas horas, o tempo foi organizado de modo que os profissionais pudessem estar em um momento somente com o adolescente, em outro somente com os familiares, e finalmente com a presença de todos sendo observados em sua interação. Esse momento da entrevista proporcionou a compreensão da situação da ofensa sexual e a existência de vulnerabilidades relacionadas à história de vida do adolescente, às relações com os pares, às condições das relações da família, ao pertencimento, à rede de apoio, à frequência escolar e à participação em outras atividades (Cotter, Drake, & Yung, 2016).

Concluída a etapa das entrevistas, foram realizadas reuniões de supervisão para que todos da equipe pudessem compartilhar as informações de cada adolescente e sua interação familiar. Nessas reuniões foi feita uma avaliação para aplicação do critério de inclusão: estar em relação direta com a família, com os vínculos familiares preservados. Os adolescentes que não cumpriram o critério de inclusão grupal foram encaminhados para atendimento em outras unidades da rede de proteção. Definidos os integrantes do grupo, planejou-se as atividades de cada encontro. Com o planejamento elaborado, realizou-se o GM. Os atendimentos foram intercalados com supervisão da equipe discutindo sobre o atendimento realizado e propondo as modificações necessárias para o encontro seguinte. Ao final do GM, a equipe se reuniu para avaliar a intervenção e a vulnerabilidade ainda existente em cada adolescente e na família. Foram feitos encaminhamentos para a rede de proteção e atendimentos finais para cada família, com foco na necessidade de cada família e adolescente, em relação a algum aspecto que ainda precisasse ser transformado.

 

Relato da experiência do GM

Etapa aquecimento – Deste encontro participaram nove famílias. O grupo teve início com a atividade do barbante (cordão de notícias), em que todos – participantes e equipe – se apresentaram e falaram sobre sua expectativa em relação ao grupo à medida que enrolavam o barbante no dedo, sendo este o tempo estipulado para cada um falar (até acabar de enrolar o barbante). Em seguida, os profissionais apresentaram a proposta dos atendimentos do GM, os objetivos e esclareceram as dúvidas que surgiram. Na sequência, foi realizada a técnica da Escultura com cada família (Andolfi, 1981). O objetivo foi avaliar suas dinâmicas relacionais. Cada adolescente organizou sua Escultura Familiar, posicionando o lugar no qual ele e os demais familiares ficariam.

Os membros da família na Escultura poderiam estar presentes ou não no grupo, podendo ser escolhidos outros participantes do grupo, ou profissionais da equipe, para representarem os familiares que o adolescente escolhesse colocar na Escultura. Em seguida cada Escultura foi fotografada com o celular. Foi oferecida a oportunidade para que o adolescente e cada membro da família pudessem realizar mudanças na foto se desejassem, com a realização de uma nova Escultura, e de uma nova foto.

Concluídas todas as Esculturas, foi realizada a dinâmica do “gato e rato”. Para a realização da atividade, um dos profissionais começou representando o gato e um participante se voluntariou para ser o rato. Os demais membros, em roda, representaram o papel de barreira para proteger o rato do gato. O gato tentava pegar o rato, que estava no centro da roda, utilizando diversas estratégias. A atividade foi repetida para que outros participantes pudessem vivenciar o papel de gato e de rato. Após a dinâmica, conversou-se sobre a experiência, e os participantes destacaram alguns aspectos: as diversas estratégias que os gatos utilizaram para tentar pegar os ratos (pedir por favor, seduzir, empurrar, chamar o rato, barganhar com as pessoas da barreira); que a barreira de proteção em torno dos adolescentes é frágil e vulnerável; que a barreira é a representação da família, e esta ficou com a confiança abalada após a descoberta da violência e, com isso, a família aumentou a vigilância sobre o adolescente. Os representantes do rato disseram que sentiram medo de o gato conseguir alcançá-los e, ao mesmo tempo, protegidos – quando a roda de pessoas (barreira de proteção) conseguiu proteger o rato do gato, envolvendo o rato.

Etapa discussão – Nesse momento, o grupo foi separado em três subgrupos – dos adultos (pais, mãe, ou cuidadores que exercem esse papel, avós, padrastos, tios), dos adolescentes e das crianças. Os profissionais também se subdividiram nos subgrupos. Cada subgrupo dirigiu-se a uma sala distinta. O subgrupo dos adultos trabalhou com a atividade do “guarda-chuva de proteção”. Foi desenhado um guarda-chuva e escrito na base (condições que precisavam para proteger): amor, caráter, carinho, confiança lealdade; dentro colocaram (quem deve proteger): pais, família, esposo(a), profissionais, justiça, saúde, escola, Conselho Tutelar, assistente social, amigos; e no topo colocaram Deus/Jesus. Houve uma reflexão sobre como proteger, como ter a responsabilidade de cuidar e a diferença de punir. Em seguida, realizou-se a confecção de uma carta coletiva para os filhos. Nesta carta os adultos colocaram a forma como exerciam a proteção, a intenção de acertar, no entanto, algumas vezes não sabiam como proceder, que não eram perfeitos e, no final, expressaram o sentimento de amor pelos filhos. Os profissionais deram a tarefa aos adultos de organizar momentos prazerosos e lúdicos com os filhos, com o objetivo de ressignificar a relação cuidador e adolescente.

O subgrupo das crianças conversou sobre o que seriam situações de risco e de proteção para crianças e adolescentes. A conversa foi mediada pela confecção de um cartaz com imagens retiradas de revistas pelas crianças que representavam desproteção e proteção. Em seguida se conversou sobre o que pode ser feito pelas crianças quando elas identificam que estão em situações de risco. As próprias crianças elencaram várias estratégias: dizer não, correr, gritar, chutar, chamar os pais ou alguém que possa socorrer/ajudar no momento (por exemplo, tio, avô, avó, irmão). Foi conversado também sobre a importância de manter o diálogo com a família. As crianças receberam material para construírem uma “carteirinha da proteção”, na qual cada uma desenhou uma foto de si mesma, preencheu seu nome e o contato de até três pessoas para quem elas pudessem pedir ajuda. Nessa carteirinha também foram registrados vários telefones importantes de órgãos que compõem a rede de proteção. As crianças receberam um broche escrito “criança protegida” para levarem para casa.

No subgrupo dos adolescentes estavam presentes sete adolescentes que cometeram ofensa sexual e um familiar adolescente que foi acompanhar a família. A conversa nesse subgrupo teve início com uma reflexão sobre as percepções dos adolescentes com relação à atividade “gato e rato”. Os adolescentes falaram sobre a importância da união para conseguir defender o rato do gato. Seguiu-se a discussão com uma reflexão sobre o conceito de proteção, falaram exemplos de situações de quando se sentem protegidos e quando se sentem desprotegidos. Discutiu-se também sobre escolhas que os pais fazem para os filhos e decisões que os filhos já têm condições de tomar. Foi conversado sobre autoridade dos pais, proteção, desproteção, autonomia e tomada de decisões. E também que estratégias os adolescentes podem adotar para buscar proteção e orientação. Neste momento chegaram mais adolescentes para participar do grupo. Para concluir este momento, confeccionaram um cartaz com a seguinte frase: “Nós adolescentes aprendemos com os nossos erros e estamos aprendendo a filtrar as coisas boas e ruins. O respeito é uma via de mão dupla. Nós ainda precisamos de proteção”. Todos leram juntos.

Etapa conclusão – Todos os subgrupos voltaram para a mesma sala. Cada subgrupo apresentou o que foi feito: os adultos leram as cartas, os adolescentes leram a frase, as crianças apresentaram o cartaz e gritaram “criança protegida”. Finalizou-se com o ritual: em roda com as crianças no centro, adolescentes em volta delas e adultos em volta de todos, foi feita uma reflexão final pontuando o papel dos pais (responsáveis), dos adolescentes e das crianças nessa rede de proteção. Os adultos devem proteger as crianças e os adolescentes. Ao final, cada um disse o que havia significado o encontro.

Etapa aquecimento – Estavam presentes oito famílias. Na etapa aquecimento, foi feito o cordão de notícias, com apresentação de cada um e as notícias da semana (esta mesma atividade iniciou os encontros seguintes). Em seguida, foi realizada a Escultura das famílias que não compareceram ao primeiro encontro.

Etapa discussão – Na sequência, foi feita uma brincadeira de buscar “algo gostoso” (chocolates foram espalhados pela sala de atendimento). Quando os três chocolates foram encontrados, os profissionais orientaram que os participantes poderiam ficar com o chocolate, mas só poderiam comê-lo no final do grupo. Em seguida, dividiu-se em subgrupos de acordo com as faixas etárias. No subgrupo dos adultos a conversa foi em torno da sexualidade: o que aprenderam em suas vidas, como iniciaram a vida sexual, com quem conversavam sobre este tema, como entendiam o que estava acontecendo com a sexualidade dos filhos, e como poderiam conversar e orientar os adolescentes. As conversas se centraram inicialmente na reflexão sobre a própria vivência da sexualidade, e depois como poderiam conversar com os adolescentes e crianças sobre sexualidade, orientar, proteger e tirar dúvidas.

No subgrupo das crianças foi feito o contorno de um corpo de menina e de um corpo de menino em uma folha de papel pardo. Foram desenhadas as partes do corpo e também as partes íntimas. Uma das crianças virou o papel pelo avesso e desenhou as nádegas na parte de trás, ressaltando que era uma das partes íntimas. Conversou-se sobre o que significava parte íntima, identificando-as no desenho, e o que deveriam fazer caso alguém quisesse tocá-las. Algumas das falas que as crianças trouxeram: Não! Para! Não pode! ou correr, gritar socorro e pedir ajuda para polícia, para o Conselho Tutelar, pais, professores. Conversou-se também sobre autocuidado e mudanças corporais (como é o corpo de criança e como é o corpo de adolescente). Em seguida, foi realizada uma brincadeira do “pode e não pode”: a profissional apontava o local do corpo e perguntava se aquele local poderia ou não ser tocado, diferenciando carinho de violência e salientando a proteção das partes íntimas e quem poderia tocar.

No subgrupo dos adolescentes havia oito participantes. Iniciou-se perguntando o que acharam da atividade de procurar o chocolate. Falaram sobre trabalho em equipe e ter de esperar para comer o chocolate (às vezes se deve esperar para fazer algo de que se gosta). Em seguida, foi realizada a brincadeira de “guiar”. Os adolescentes dividiram-se em duplas: um adolescente da dupla foi vendado (não conseguia enxergar) e o outro o guiava pelo corredor. Depois houve a troca dos papéis de quem estava vendado e de quem estava guiando. Após, houve um momento de reflexão sobre o que acharam da atividade, o que sentiram, como foi para cada um estar no papel de guiar e ser guiado. Falaram sobre ter confiança, escutar as orientações e que guiar é mais fácil que ser guiado (está enxergando; quando está vendado tem que confiar na fala do outro para não esbarrar nas coisas). Aprofundou-se um pouco na conversa relacionada à confiança: como os pais poderiam confiar mais nos adolescentes, como os adolescentes poderiam se mostrar confiáveis e também confiar nos pais.

A atividade seguinte foi a caixinha com perguntas, como se fosse “batata quente”. Pediu-se para os adolescentes escolherem músicas relacionadas com sexualidade. Os adolescentes demoraram para decidir, buscando pela internet em celulares, mas optaram por música funk, que ficou tocando enquanto foi solicitado que os adolescentes escrevessem dúvidas, curiosidades, questões relacionadas com a sexualidade. Levaram um tempo para escrever, disseram que não sabiam, pareciam estar com dificuldade, mas escreveram algumas questões. Essas perguntas, juntamente com outras preparadas previamente pela equipe, foram colocadas na caixa, que ficou passando em roda, até a música pausar e parar em algum adolescente, que lia a pergunta e respondia o que achava. Perguntas sorteadas: (a) Quem tem mais interesse sexual, meninas ou meninos? (b) É errado ver pornografia? (c) O que é masturbação a dois? É normal? (d) Virgindade tem a mesma importância para meninos e meninas? (e) É errado dois meninos transarem? (f) É errado ter pensamentos/fantasias sexuais? (g) Meninos e meninas sentem as mesmas sensações quando se masturbam? (h) Por que existe o sexo? (pergunta feita pelos adolescentes) (i) Quando a menina diz não para o sexo, o que fazer? (j) Tem idade para começar a ter relação sexual? (k) Um amigo perguntou, e se eu só transar com meninos? (pergunta feita pelos adolescentes). As perguntas e respostas foram discutidas em grupo. Por fim, conversou-se que teriam que apresentar algo no grupo geral, quando se reunissem todos os participantes, sobre o que foi conversado no grupo dos adolescentes. Em princípio, os adolescentes disseram que não gostavam de se apresentar frente aos adultos. Um dos adolescentes ressaltou que não queria nem podia falar desse assunto (sexualidade) na frente dos pais, que não podiam saber, parecia estar com medo. A equipe relembrou que não era para falar de tudo que conversaram, mas fazer um resumo, e que o subgrupo dos adultos também estava discutindo sobre esse assunto. Foram elaboradas algumas frases e, ao final, decidiram por: “A sexualidade faz parte da adolescência e tem limites”.

Etapa conclusão – Cada subgrupo apresentou sua produção e como ritual houve uma reflexão de que era preciso conversar sobre sexualidade. Houve muitas falas e discussões sobre o tema, parecendo que as famílias ficaram bem envolvidas com a temática do dia.

Etapa aquecimento – Estavam presentes oito famílias. Iniciou-se com o cordão de notícias e apresentação de um profissional, um servidor do Sistema Socioeducativo que possui graduação em Direito, e que foi convidado para falar sobre a responsabilização jurídica do adolescente que cometeu ato infracional de natureza sexual contra criança. Foi realizada a Escultura de uma das famílias que ainda não havia feito esta atividade. Em seguida os profissionais fizeram um resumo sobre o que foi trabalhado no encontro sobre sexualidade (o propósito foi fazer um fechamento, pois a equipe avaliou que no encontro anterior as famílias haviam se envolvido muito com o tema e não houvera uma conclusão).

Etapa discussão – Em seguida, o convidado iniciou sua apresentação, abordando os seguintes pontos: violência sexual, crime e ato infracional, responsabilização, aplicação de medidas socioeducativas e suas particularidades, circuito do julgamento. As crianças permanecerem nos primeiros 30 minutos, sendo, em seguida, encaminhadas para outra sala, onde foi realizado o subgrupo de crianças.

Os adultos e adolescentes continuaram o diálogo com o convidado, enquanto as crianças participaram das seguintes atividades: primeiro, um teatro com fantoches contando a história da Chapeuzinho Vermelho. Discutiu-se sobre a história com as crianças, sobre quem havia protegido, quem havia representado o risco para a personagem e como ela se protegera. A segunda atividade foi a brincadeira “enquanto seu lobo não vem…”, em que uma criança representou o lobo e as outras pensavam em formas de se proteger das tentativas de aproximação do lobo. As frases de proteção que foram ditas: “abuso sexual é crime! abuso sexual é violência”, “eu vou pedir ajuda para minha mãe”, “vou chamar a polícia”, “sai para lá, aqui não!

Com a finalização da apresentação do convidado, os adultos e adolescentes se dividiram em dois subgrupos. No subgrupo dos adultos foi conversado sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a ofensa presumida, a notificação e responsabilização da violência, bem como as angústias da denúncia, do ato infracional, das medidas socioeducativas. Para concluir este momento, foi elaborado um termo de compromisso em que os adultos escreveram “eu me comprometo a...” para os filhos. A ideia foi o compromisso dos pais (responsáveis) a continuarem protegendo os filhos adolescentes. No subgrupo dos adolescentes foi conversado sobre como se sentiram ouvindo tudo aquilo, se tinham alguma dúvida, como os pais poderiam ajudar, como poderia ser trilhada a confiança entre pais e filhos. Depois foi escrito um termo de compromisso em que os adolescentes fizeram um pedido para os pais com os seguintes aspectos: sentimento de que os pais não confiam neles, não vai adiantar nada falar sobre isso no grupo, pois no grupo eles falam de um jeito, mas em casa é diferente; e os adolescentes estão dispostos a mudar.

Etapa conclusão – Na etapa conclusão, as crianças apresentaram o teatro, os adultos e os adolescentes leram seus respectivos termos de compromisso. Como ritual, cada um relatou o que aprendeu nesse dia.

Estes dois encontros foram reservados para a construção do Genograma de cada família, com o objetivo de compreender e apontar para a família como é a dinâmica familiar, as relações entre os membros, a comunicação, os padrões que se repetem e as violências que perpassam as gerações. Neste quarto encontro (primeiro do Genograma) foi realizado o Genograma com cada família. Foi combinado previamente com cada família o horário que deveriam comparecer (algumas às 8 horas e outras às 10 horas, o GM funciona pela manhã). Cada dupla de profissionais fez o Genograma de duas famílias. No quinto encontro (segundo do Genograma) iniciou-se a etapa aquecimento com o cordão de notícias e cada um falando com qual animal se identificava e o motivo dessa escolha. As famílias que não compareceram ao quarto encontro fizeram o Genograma com alguns profissionais, e as famílias que já tinham o Genograma pronto ficaram na mesma sala para aprofundar a compreensão das informações já obtidas. Com estas famílias, percebeu-se a necessidade, naquele momento, pela conversa que estava acontecendo entre eles, de que os adolescentes queriam fazer um pedido para os pais. Então foi elaborada uma brincadeira: cada adolescente podia fazer um pedido. O responsável pelo adolescente falava sim ou não para o pedido, e o grupo de pais deveria elaborar argumentos para sustentar essa resposta. Cada um dos adolescentes fez o pedido. Em seguida, inverteram-se os papéis. Os pais fizeram os mesmos pedidos dos filhos e os filhos responderam como se fossem os pais.

Para a etapa de conclusão, todas as famílias se reuniram na mesma sala. Cada família apresentou seu Genograma e cada membro falou o que aprendeu com a percepção da dinâmica de sua própria família. Para finalizar, em roda, os pais (responsáveis) desejaram coisas boas a cada um dos filhos presentes.

Estavam presentes quatro famílias. A etapa aquecimento iniciou com automassagem (para aquecer o corpo). Em seguida realizou-se o cordão de notícias e cada um apontou três qualidades próprias.

O grupo dividiu-se em subgrupos para a etapa discussão. Os adultos conversaram sobre os sentimentos, o autocuidado, a importância de estar bem para cuidar do outro, cuidar dos filhos e a relação dos sentimentos com a autoestima (com o auxílio da metáfora do filtro e da esponja). Confeccionaram um ímã com desenho e/ou frase para lembrarem-se de se cuidar. As crianças refletiram seus sentimentos e emoções com auxílio do “baralho das emoções” e mímicas. Uma criança representou como ficava quando sentia determinado sentimento (amor, raiva, tristeza, medo, vergonha) e as outras crianças tentaram adivinhar qual era o sentimento. Foi conversado sobre os sentimentos e em quais situações os sentiam. A brincadeira se repetiu algumas vezes, variando entre as crianças e os sentimentos.

Os adolescentes trabalharam identificando os sentimentos e emoções representados em rostos recortados de revistas. Cada um escolheu duas imagens e falou sobre o sentimento representado na expressão dos rostos. De forma geral, todos os adolescentes apresentaram dificuldade em nomear, identificar e falar sobre o sentimento e expressões na figura das revistas. Apareceram termos como raiva, alegria, tristeza, medo, adrenalina, concentração, felicidade, ódio. Foi feita uma reflexão sobre como lidavam com esses sentimentos e sensações na própria vida, com quem falavam sobre o que sentiam, em quais situações sentiam essas emoções e quais estratégias poderiam adotar para enfrentar o que sentiam de agora para frente. Foi conversado sobre o significado de autoestima e concretizada a reflexão por meio da metáfora do filtro e da esponja. Qual a função do filtro e da esponja? Como filtrar os sentimentos ruins? Como melhorar a autoestima? Segundo os adolescentes: do filtro sai o produto bom e o que fica no filtro não serve, melhor jogar fora, fazer adubo ou reciclar; e a esponja limpa, mas a sujeira fica nela. O que ficou dentro do filtro: ódio, pensamentos ruins, mágoas, discórdia, críticas, coisas ruins, problemas da vida. O que ficou fora do filtro: felicidade, alegria, paz, bondade, elogios, inteligência, coisas boas, esperança. Depois, refletiram que os adultos podem ajudar fazendo elogios.

Na etapa conclusão, cada subgrupo apresentou o que foi produzido. Em seguida, foi passada uma caixinha (com espelho dentro) com a frase: “Olhe para a pessoa mais importante do mundo... e diga algo de positivo que ela precisa ouvir hoje”. Cada um falou algo positivo para si mesmo. Por fim, foi feito o ritual: todos falaram juntos “eu me amo, me respeito e me faço respeitar”.

Neste último encontro, estavam presentes sete famílias. Iniciou-se a etapa aquecimento com o cordão de notícias. Depois, cada um deveria dizer uma vontade e o que deveria ser feito para alcançar essa vontade. Alguns adolescentes falaram sobre a vontade de jogar futebol e videogame, ressaltaram que, para isso se realizar, tinham que esperar acabar o grupo, ou ir para a escola e depois jogar. Outros falaram sobre querer dormir e fazer nada; da mesma forma ressaltaram que tinham que esperar acabar o grupo para irem para casa. Após o cordão, foi realizada a dinâmica do “Faça assim”, em que cada participante fazia um gesto que deveria ser repetido por todos (como forma de aquecimento corporal).

Na etapa discussão, não houve divisão em subgrupos. Cada família caminhou pela linha do tempo (havia uma fita crepe colada no chão), com os marcos temporais: hoje, após uma semana, após 15 dias e final do ano. Cada família seguia na linha do tempo apoiada por uma dupla de profissionais que enfatizou aspectos específicos de cada uma, que foram discutidos anteriormente em equipe (como, por exemplo: necessidade de perdão da vítima, diferenciação do papel de adulto e criança, quem ainda precisa ser cuidado, negociações entre pais e adolescentes, comunicação e diálogo, pertencimento, amizades, conversar sobre sexualidade, orientação). Os pontos principais que cada família apresentou ao longo da linha do tempo foram: aprovação do namoro por parte dos pais (responsáveis), possibilidade de os adolescentes serem reprovados na escola, realização de estágio no ano seguinte e identificação da importância do apoio familiar das conversas e dos passeios em família.

Por fim, na etapa conclusão, todos estavam em círculo e falaram o que aprenderam com o grupo. Os adultos agradeceram o trabalho do grupo e da equipe, falaram da importância da família, do perdão e da proteção. Os adolescentes mencionaram: a importância da família, a necessidade de os pais confiarem neles, a importância para a criação de um espaço na família para cada um de seus membros discernir certo/errado, pedir ajuda, bem como as leis que dispõem sobre o abuso sexual atualmente. As crianças falaram que abuso sexual é crime, aprenderam a dizer não ao abuso sexual, aprenderam sobre o corpo e partes íntimas. Ao final, cada adolescente recebeu um certificado por ter participado do GM e um porta-retrato contendo as fotos das Esculturas realizadas no primeiro encontro.

 

Discussão

Devido à complexidade do tema, pela dificuldade de adentrar as questões da ofensa sexual e o sofrimento gerado aos adolescentes e suas famílias, observou-se que o aspecto lúdico dos atendimentos, por meio da utilização de recursos metafóricos e psicodramáticos, facilitou o contato com uma temática tão mobilizadora (Wolff et al., 2016). Essas técnicas possibilitam um manejo sem confrontação, acusação ou punição, permitindo acolhimento, compreensão, proteção e responsabilização psicológica.

Além do cometimento da ofensa sexual – que traz sofrimento ao adolescente e aos familiares –, durante o desenvolvimento do grupo surgem várias questões da ordem dos conflitos interparentais e conjugais. O desenho da intervenção grupal permite que ocorram interações e comunicações intrafamiliares ou entre as famílias, trazendo a dimensão de aprendizagem de uns com outros, identificando seus próprios problemas em outras famílias e observando as estratégias de enfrentamento que as famílias relatam (Costa et al., 2015b).

Na intervenção descrita participaram dez famílias ao longo dos encontros. Em quase todos os encontros havia oito famílias, não sendo possível correlacionar o tema do dia com a adesão ou não dos participantes, até porque eles não sabiam previamente qual seria o tema discutido antes do encontro. Considera-se que houve boa adesão ao grupo e a partir do segundo encontro as famílias se mantiveram nos atendimentos, com algumas faltando a um dos encontros. O fato de terem sido encaminhadas pela justiça foi importante para comparecerem ao grupo, mas não determinante, visto que algumas famílias foram a praticamente todos os atendimentos, mesmo com o adolescente não tendo sido denunciado – neste caso encaminhado pelo Conselho Tutelar ou outro PAV.

Foram 21 horas de atendimento grupal, constituindo-se em uma oportunidade de se dar atenção a outros temas além da ofensa sexual, no que diz respeito aos adolescentes deste grupo: o abandono afetivo, a terceirização da educação por parte dos pais, a maternagem fluida e escorregadia e as dificuldades no exercício dos papéis materno e paterno. Além disso, foi possível avançar na compreensão dos adultos de que estes adolescentes ainda necessitam de cuidados e proteção, de serem reconhecidos como seres ainda em desenvolvimento (Costa, Junqueira, Ribeiro, & Meneses, 2011; Oliver, 2007; Worley et al., 2012).

Observou-se que os encontros propiciaram reflexões e espaço de fala para essas famílias, compreendendo a situação de violência como violência – ao ser enfatizado pelos profissionais e por outros participantes das famílias que o que aconteceu foi violência e a consequente problematização do ato –, compreendendo o contexto, os sentimentos e pedidos de ajuda de cada membro (Oliver, 2007; Worley et al., 2012). As crianças e os adolescentes precisam da proteção dos pais – ou de quem exerce essa função. Os pais têm responsabilidade no cuidado de seus filhos. É importante dar voz às crianças e adolescentes para que eles mesmos comuniquem essa demanda de forma clara e firme para seus pais. Os adolescentes ainda precisam da autoridade e orientação dos responsáveis, mas também necessitam de respeito, escuta e de terem seus pedidos negociados (Andolfi & Mascellani, 2012; Sandvik et al., 2017). O GM se mostrou adequado para intervir com adolescentes que cometeram ofensa sexual, possibilitando reflexões, aprendizados e compreensão da experiência da ofensa, e planejando estratégias para o prosseguimento das relações familiares – com os membros da família extensa e com a comunidade (Costa et al., 2011, 2012, 2013, 2015b). No GM, trabalhou-se a autonomia do adolescente, partindo de um fortalecimento de seus recursos psíquicos, desenvolvendo sua potência para mudança, subjetividade e sentimento de pertencimento.

Considerando, de forma mais específica, o desenvolvimento das ações no subgrupo dos adolescentes, observou-se que ficaram mais calados e quando solicitados a responder, o faziam de forma monossilábica. No geral, em todos os encontros ocorreu esse padrão de expressão no início dos atendimentos, com comportamentos mais tímidos, sendo que, aos poucos, se mostraram mais à vontade do meio para o final do tempo grupal. Conforme apontado por Costa et al. (2009, 2015b), ressalta-se, para uma discussão com qualidade, a importância de um bom aquecimento, planejamento e preparo da equipe – sendo assim necessário intercalar supervisões com atendimentos. As supervisões proporcionam as adaptações na intervenção ao longo de todo o oferecimento das sessões. A equipe de profissionais tem o papel de provocar e oportunizar mudanças pós-grupo.

A respeito da etapa final do trabalho, observa-se que o GM é um espaço de intervenção psicossocial e não tem o objetivo de abarcar todas as questões familiares. Cada encontro possue objetivo e foco definidos, os quais devem ser atingidos visando ao objetivo macro do grupo – proteção e formação de novos aprendizados, sendo necessária uma avaliação ao final do grupo para possíveis encaminhamentos para a rede de proteção, devido à necessidade de se atender às demandas familiares que ainda precisam de acompanhamento nos diferentes níveis de atenção, bem como verificar as vulnerabilidades e os riscos presentes nessas famílias, principalmente na vida do adolescente que cometeu ofensa sexual (Costa et al., 2012).

O GM busca ainda inspiração no apontamento de Finkelhor et al. (2009) com relação aos aspectos que merecem atenção mais detalhada sobre as vulnerabilidades de adolescentes que cometeram ofensa sexual. As vulnerabilidades são de ordem: pessoal, familiar, sexual e social. No que diz respeito ao aspecto pessoal, deve-se pesar a quantidade de ofensas sexuais cometidas, a presença/ausência de fantasias sexuais na vida do adolescente. No aspecto familiar, é preciso levar em conta a existência ou não de responsáveis protetores, presença/ausência de supervisão parental, qualidade da relação e do vínculo com os adultos cuidadores do adolescente. Em relação ao aspecto sexual, deve-se observar a idade da vítima, diferença de idade entre a vítima e o adolescente, e a qualidade da relação entre eles. O aspecto social contempla a permanência ou não do adolescente em contexto escolar, seu pertencimento a grupos de pares e inserção sociocomunitária (Cotter et al., 2016; Finkelhor et al., 2011). Após o término do GM, foram realizadas reuniões com o intuito de responder a estes aspectos levantados por Finkelhor et al. (2009), com relação a cada adolescente, de modo que se pudesse avaliar a necessidade de encaminhamentos para a rede de proteção em atendimento em saúde e/ou social. Definiu-se que todos os adolescentes necessitavam de, pelo menos, mais um atendimento – cada um com um motivo específico, a depender da avaliação feita – e alguns pais/familiares precisavam de acompanhamento em outras instituições da rede de proteção.

A promoção da saúde, de forma sucinta, age intersetorial e interdisciplinarmente, considerando as políticas públicas, o ambiente, a ação comunitária, o desenvolvimento de habilidades pessoais e a reorientação dos serviços de saúde (Czernesia & Freitas, 2009). Nesse sentido, o GM é visto enquanto método de intervenção adequado para atendimentos no âmbito da saúde pública, inseridos no contexto dos órgãos públicos (Costa et al., 2011). Ressalta-se sua importância por ser uma forma de ação que garante atendimento ao adolescente que foi autor de violência, conforme propõe o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual (2013), sendo que a intervenção ocorre com o adolescente e sua família, permitindo mudanças nas relações e na compreensão do ato cometido (Marshall, 2006).

 

Considerações finais

A intervenção psicossocial com o adolescente que cometeu ofensa sexual deve considerar o contexto desse adolescente, sua condição de desenvolvimento, bem como o ato cometido com responsabilização jurídica e atendimento psicossocial, garantindo proteção. Para isso, o sistema judiciário, socioeducativo e da saúde devem dialogar em prol de propiciar benefícios para uma responsabilização e atendimentos de qualidade. Interromper a violência é a prioridade, entretanto, somente a atuação do sistema judiciário não abarca todos os aspectos envolvidos no processo de cometimento de uma ofensa sexual. É necessário que haja atendimento na saúde, garantia de proteção e compreensão dos danos causados pela ofensa cometida (para o adolescente, para a vítima e para a família como um todo).

Nesse sentido, ressalta-se que o GM é um método de intervenção psicossocial que cuida para que a família se envolva no processo de compreensão da violência, considerando que o adolescente está em desenvolvimento, precisa da autoridade dos cuidadores e o ambiente familiar é permeado de diversas violências que contribuem com a forma de comunicação (passagem ao ato) dele. Tudo isso importa para que mudanças ocorram no ambiente familiar e permitam aprendizados dos membros da família, pensando em como retomar a vida cotidiana após o cometimento do ato ofensivo, pois é possível seguir em frente e necessário compreender o que aconteceu a partir de uma reflexão.

Vale ressaltar que os passos para realização do GM, descritos por Costa et al. (2015b), devem ser seguidos a fim de garantir uma intervenção que alcance os objetivos propostos com qualidade. É importante que haja treinamentos dos profissionais para uma melhor coesão e integração da equipe. Dessa forma, o manejo e a condução do grupo poderão acontecer de forma fluida e coerente com os temas que estão sendo trabalhados e aspectos que surgem durante os encontros.

As limitações do GM dizem respeito à necessidade de que, em alguns casos, o adolescente e as famílias precisam de mais atendimentos. Por isso surge a importância de acolher essas demandas, por meio de um olhar e escuta clínicos sensíveis às particularidades das famílias e singularidades dos adolescentes, com o intuito de avaliar as situações em que o GM foi suficiente, ou, ainda, a necessidade de encaminhamento para outras unidades da rede de proteção após o término da intervenção grupal. É fundamental também disponibilidade e disposição de muitos profissionais, devido à flexibilidade adequada para a execução dos subgrupos – o que muitas vezes é uma dificuldade, considerando o contexto da saúde pública – e a complexidade do tema da ofensa sexual. A articulação entre diferentes instituições da rede de proteção e responsabilização constitui outra limitação e dificuldade, pois elas precisam se comunicar e atuar em uma direção: proteção e garantia de direitos das crianças e dos adolescentes. É importante que as intervenções e pesquisas realizadas com esse público sejam mais divulgadas para que haja um alcance amplo de profissionais que se interessam pelo tema e que almejam conhecer métodos que têm se mostrado potentes no atendimento ao público adolescente que cometeu ofensa sexual, e ainda para que compreendam a importância do atendimento em conjunto com a família.

 

 

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Recebido em: 10/04/2019
Aprovado em: 10/06/2019

 

 

I Andrea Schettino Tavares (https://orcid.org/0000-0002-4582-0526) é psicóloga, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília (PSICC/PCL/IP/UnB). Brasília, DF, Brasil. E-mail: andreaschettino9@gmail.com

II Neulabihan Mesquita e Silva Montenegro (https://orcid.org/0000-0003-0754-1611) é psicóloga, especialista em psicoterapia cognitivo comportamental; especialista em desenvolvimento humano, educação e inclusão escolar. PAV Jasmim, Núcleo de Prevenção e Assistência às Situações de Violência – NUPAV/SRSCE, Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES/DF), Brasília, DF, Brasil. E-mail: nepsicol@yahoo.com.br

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