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Revista Brasileira de Psicanálise
versão impressa ISSN 0486-641X
Rev. bras. psicanál vol.45 no.2 São Paulo abr./jun. 2011
ARTIGOS
Subjetividade na teoria de Winnicott: internalidade, externalidade e o espaço transicional1
Subjectivity in Winnicott's theory: internality, externality and the transitional space
Subjetividad en la teoría de Winnicott: interioridad, exterioridad y el espacio de transición
Julia Coutinho Costa Lima
Psicoterapeuta, mestra em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, doutoranda em psicologia pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia Cognitiva da Universidade Federal de Pernambuco
RESUMO
Este estudo teve como tema as estratégias de localização da subjetividade. Seu objetivo foi o de analisar os modos de localização da vida subjetiva que foram desenvolvidos pela teoria psicanalítica de Winnicott. Para tanto, enfocou-se as ideias de internalidade e externalidade na constituição das subjetividades, bem como destacou-se a contribuição que a noção de espaço transicional trouxe para esse campo. Chegou-se, assim, à análise de algumas matrizes de entendimento para as relações entre interno e externo, e para a noção de espaço segundo a obra winnicottiana. Dentre essas, sobressaíram na discussão as noções de internalidade como privacidade; apontou-se também para a ideia constitutiva de espaço como limite e por fim, foi abordada a ideia de espaço sem limites, que estaria mais afinada com uma noção interacional de espaço, ou espaço da continuidade.
Palavras-chave: subjetividade; espaço transicional; Winnicott.
ABSTRACT
The present study aimed to discuss the strategies of localization of subjectivity. Its objective was to analyze the ways of localization of subjective life which were developed in D. Winnicott's psychoanalytic theory. To such an end, this piece focused on the ideas of internality and externality in the construction of subjectivities, as well as highlighting the contribution that the concept of transitional space brought to this field. This led to the analysis of some comprehension matrices for the relationship between internal and external, and for Winnicott's notion of space. Among these, the notions of internality as privacy were highlighted in the discussion; the constitutive idea of space as a limit was pointed out and, finally, the idea of space without limits was addressed, and would have been more attuned with an interactional concept of space, or space of continuity.
Keywords: subjectivity; transitional space; Winnicott.
RESUMEN
Este estudio tuvo como tema las estrategias de localización de la subjetividad. Su objetivo es examinar la manera de ubicación de la vida subjetiva que fueron desarrollados por la teoría psicoanalítica de D. Winnicott. Para ello, se centró en las ideas de interioridad y exterioridad en la formación de subjetividades, y destacó la contribución que el concepto de espacio de transición ha traído a este campo. Esto ha dado lugar, al análisis de algunas matrices de comprensión de las relaciones entre lo interno y externo, y la noción de espacio, según la obra winnicottiana. Entre ellas, el debate pone de relieve los conceptos de interioridad como privacidad, también se refirió a la idea del espacio como un límite y finalmente fue abordada la idea de espacio ilimitado, lo que estaría más acorde con la noción interacional de espacio, o espacio de continuidad.
Palabras clave: subjetividad; espacio de transición; Winnicott.
Com a obra de Winnicott uma solução diferente é encontrada para o problema da localização da vida subjetiva, especialmente com a introdução de sua noção de espaço potencial, uma terceira área de experimentação, uma área intermediária entre a realidade interna e a realidade compartilhada.
O objetivo deste trabalho foi o de analisar os modos de localização da vida subjetiva que foram desenvolvidos pela teoria psicanalítica de Donald Winnicott. Procuro, portanto, defender uma leitura da contribuição inovadora desse autor, que mesmo quando descreve o eu e sua dimensão de internalidade, dá destaque a sua co-constituição com o ambiente externo e termina por construir uma visão da vida subjetiva que suplanta o paradigma dualista.
Um dos pressupostos básicos de Winnicott que tornaram a sua contribuição tão original foi a importância concedida ao ambiente nos primórdios e durante toda a vida dos indivíduos. Para Winnicott a qualidade do ambiente, das trocas entre criança e adulto, surte efeitos no seu desenvolvimento e faz parte de sua constituição.
Nesse sentido, é importante notar como a própria mente é vista como invariavelmente ligada ao ambiente, pois a função que a faz nascer é justamente a de lidar com as "falhas" do ambiente. Na verdade, para Winnicott (1949/2000) a mente não pode ser entendida como uma entidade, como um fenômeno localizável no interior ou na cabeça, por exemplo. Não existe para ela um lugar óbvio. Assim como não há um lugar óbvio para a psique, ou seja, para a elaboração imaginativa das partes e funções do corpo.
Outro conceito chave para construirmos uma visão não dualista da subjetividade é a noção de ilusão. Com ela o estabelecimento do relacionamento primário com a realidade externa é visto sob um prisma de continuidade e não de antagonismo. A experiência de ilusão, marca o ponto de encontro entre as vivências pulsionais do bebê para com o objeto e a presença da mãe que tem o objeto. O fato da mãe e do bebê poderem viver juntos uma experiência é que vai dar a base para que esse bebê tenha acesso ao mundo externo. Para isso ele precisa viver a ilusão de ser o criador destes objetos externos, ter a ilusão de que a existência deles depende de sua criação.
A importância deste conceito de ilusão, no que se refere à localização subjetiva, é que ele não faz parte exclusivamente do mundo interno, mas sim da área neutra da experiência, é uma ponte para a realidade externa. Ele leva à ideia de continuidade entre o mundo interno e externo. Continuidade que, segundo Jurandir Freire Costa (2002) não aparece na descrição freudiana:
A descontinuidade freudiana entre a fantasia e a realidade partilhada não é feita de frações da experiência humana avessas umas às outras. Entre o mental e o físico, o dentro e o fora, existe uma zona livre de litígio, uma ponte móvel que os aproxima e os põe em comunicação. O fosso concebido por Freud entre o real e o imaginário, diz Winnicott, é uma hipótese psicologicamente inviável. (p. 73)
Espaço transicional
Winnicott reivindica a atenção dos psicanalistas para o que ele caracteriza como uma terceira parte da vida de um ser humano, para a qual contribuem a realidade interna e a vida externa. As formas de se descrever os sujeitos sobre um enunciado duplo - realidade interna e externa - são tidas como inadequadas e um enunciado triplo passa a ser postulado.
Reivindico aqui um estado intermediário entre a inabilidade do bebê e sua crescente habilidade em reconhecer e aceitar a realidade. Estou, portanto, estudando a substância da ilusão, aquilo que é permitido ao bebê e que, na vida adulta, é inerente à arte e à religião ... . Estou interessado na primeira possessão e na área intermediária entre o subjetivo e aquilo que é objetivamente percebido. (Winnicott, 1971/1975b, p. 15)
O espaço intermediário vai ser adotado como uma área de continuidade, que representa a união entre o mundo interno e o espaço externo, entre o eu e o não eu. Desse modo, o uso pela criança de um objeto transicional, essa primeira possessão, é também o uso de um símbolo, além de ser a primeira experiência de brincadeira. É um símbolo no sentido em que ele aproxima e afasta, expressa a união entre o bebê e a mãe, bem como sua separação.
Quando Winnicott fala da localização deste símbolo - que não é interna - torna claro que a sua concepção de espaço transicional não se referenda numa noção de espaço físico, de um espaço limitado ou uma geografia:
Este símbolo pode ser localizado. Encontra-se no lugar, no espaço e no tempo, onde e quando a mãe se acha em transição ... de ser fundida ao bebê e, alternativamente, ser experimentada como um objeto a ser percebido, de preferência a concebido. O uso de um objeto simboliza a união de duas coisas agora separadas, no ponto, no tempo, no espaço, do início de seu processo de separação". (Winnicott, 1971/1975a, p. 135)
Assim, a localização diz mais respeito à proximidade/ afastamento que o objeto passa a ter quanto ao seu uso, do que referir-se a um ponto fixo, ancorado no espaço da interioridade, como se fosse um símbolo de um objeto interno.
O valor simbólico do objeto transicional é este, de ser símbolo no intermédio entre unir e separar, estar dentro e fora. Embora possa ser interpretado por alguns como simbólico de um objeto parcial, diz Winnicott, sua importância reside mais em sua realidade, do que nesta correlação. Uma interpretação do objeto transicional nesses termos, em que se buscasse a equivalência a um mero símbolo de um objeto interno (esse sim, fonte de todo investimento), somente levaria a uma eliminação dos fatores ambientais, ou à sua consideração apenas enquanto dado projetivo. Ou seja, o objeto transicional não é um objeto interno, que seria um conceito mental, nem é um objeto externo; a sua característica fundamental consiste no paradoxo de que é o bebê que cria esse objeto, mas, ao mesmo tempo, o objeto estava lá, esperando ser criado. Ele precisa ser notado como algo que está fora do campo do eu e de seu mundo projetado, algo que resiste.
A realidade do mundo externo nem é tida apenas como uma projeção, nem tampouco seria um bloco "concreto" a influenciar diretamente moldando os sujeitos, "adequando" suas percepções. A solução winnicottiana procura juntar aquilo que se deve à influência intersubjetiva, sem renegar a dimensão intrapsíquica. Movimento que se dá por meio do conceito de uso do objeto, com a ideia de que o objeto precisa ser criado pelo indivíduo em sua onipotência primeira, embora para isso, este objeto precise de realidade, de materialidade, para ser encontrado/criado. Desse modo a criatividade e também a ação dos sujeitos não seriam elementos que surgem de um vácuo interno e se dirigem para "expressar-se" no exterior, mas surgem no movimento do sujeito no mundo, a partir desse encontro com a materialidade do mundo. Esta é uma das importantes ideias que parecem permitir uma superação da oposição entre intrapsíquico e intersubjetivo.
Localização da vida subjetiva e do eu
Quanto à localização da vida subjetiva, Winnicott faz uma crítica àqueles "internalistas", para quem o infinito se situa no centro do eu e tudo que importa é a vida interna. Também não concorda com a posição extrema oposta, expressa, por exemplo, com os behavioristas, na qual somente o comportamento objetivamente observado existe. Prefere colocar-se "entre esses dois extremos". Do seu modo, esta posição intermediária leva a uma ampliação e a uma forma original de conceber a ideia de localização da subjetividade, de um "espaço" para o psíquico. Esta ampliação tem lugar com o conceito de espaço transicional.
No entanto também podemos notar passagens em sua obra que dão margem a outras acepções de localização subjetiva e de espaço. Por exemplo uma ideia de espaço como limite, como uma qualidade posicional que separa o eu, do não eu. Aqui, o espaço da subjetividade é correlato do limite, possibilitando uma "continência", uma área limitada para a espontaneidade. Assim, com o processo de integração do eu, sua progressiva separação do "não-eu", vai se constituindo uma forma (ou um limite) para que a espontaneidade possa ter sentido e continência. O que marca também um espaço de "dentro", da internalidade. Deste ângulo, parece que a questão se resumiria ao processo de integração do eu e à aquisição de seus limites postos em uma interioridade, separando-se assim da exterioridade não-eu. Esta leitura poderia ser fomentada pelas passagens em que Winnicott discute o processo de inserção da psique no soma, como na citação seguinte:
Como um desenvolvimento adicional vem a existir o que poderia se chamar de membrana li-mitante, que até certo ponto (normalmente) é equacionada com a superfície da pele, e tem uma posição entre o "eu" e o "não-eu" do lactente. De modo que o lactente vem a ter um interior e um exterior, e um esquema corporal. Desse modo começam a ter sentido as funções de entrada e de saída; além disso, torna-se gradualmente significativo pressupor uma realidade psíquica interna ou pessoal para o lactente. (Winnicott, 1960/1983c, p. 45, grifos meus)
Uma ideia que deriva dessas considerações é a associação do eu ao que está dentro da membrana limitante e à internalidade e, consequentemente, do não-eu ao que está fora, à externalidade. Desse ângulo a preocupação central seria o traçado do percurso em que se constitui a internalidade por meio de seus limites, de sua posição e das condições que a tornem possíveis.
Um ponto fundamental nesta ideia winnicottiana da constituição do eu é o naturalismo que traz consigo. Naturalismo no sentido em que considera essa formação da psique já inserida e a partir do corpo. O "eu" aqui é um eu corporal. A psique não seria um "agregado", algo estranho e contraposto à corporeidade, mas é um de seus elementos e se desenvolve pelas experiências desse corpo no mundo. Tem-se, portanto, uma ideia de psique que não é "mentalista" ou "idealista", mas que está no corpo. Seria por meio do desenvolvimento desse psicossoma seguindo um caminho pessoal que se formaria o limite entre eu e não-eu.
O que Winnicott faz, falando do desenvolvimento do psicossoma como membrana, chegando à configuração da interioridade e da exterioridade, é aproximar a conquista do esquema corporal da localização do eu dentro e nos limites desse corpo, daí a importância da pele. Ou seja, enquanto está fazendo da subjetividade um elemento "natural" da relação do ser humano no mundo, também estaria, de certo modo, limitando esta subjetividade pessoal a um corpo individualizado. Nesse sentido, o desenvolvimento físico e psicológico seriam partes do mesmo processo. Parece que a novidade maior, do ponto de vista da estratégia de localização da subjetividade, é que o interior aqui tanto é referido ao interior do corpo físico, quanto se refere à realidade psíquica interna. Assim, tanto se consegue uma aproximação da corporeidade com o psíquico, como também, por outro lado, a subjetividade própria do indivíduo é percebida como algo radicado neste interior.
Isso não nos permitiria inferir um internalismo winnicottiano, nem uma descontinuidade entre interno-externo. Essa parece mais uma descrição do sentido fenomênico, em que o corpo é uma unidade distinta pela ação no mundo. Isto é, trata-se da importante experiência vivida por cada sujeito de se sentir integrado e personalizado, sentindo que sua personalidade está localizada no corpo. Essa é uma conquista fundamental no desenvolvimento saudável, a qual parece não estar relacionada com uma consideração da localização do eu apenas enquanto interioridade psicológica.
Internalidade em articulação com a externalidade: o espaço transicional como o "lugar em que vivemos"
Seguindo a mesma linha de raciocínio torna-se possível compreendermos a ênfase na internalidade que Winnicott dá com seu conceito de verdadeiro self. A ideia de verdadeiro self, de um potencial de vida herdado que assegura o sentimento de continuidade da existência, não implica necessariamente uma noção de que esse self central esteja localizado e contido num espaço interior. Embora quando se associe à ideia geral de que este verdadeiro self deve e precisa ser ocultado, protegido contra sua espoliação, exploração, pode ficar parecendo que se trate de algo exclusivamente da ordem interna.
Essa temática da necessidade de manter uma parte pessoal do eu longe de qualquer interferência e invasão do ambiente é bastante cara a Winnicott. Ele frequentemente afirma o valor patológico que essas invasões têm para o desenvolvimento dos sujeitos. Assim, postula a necessidade de que se defenda este potencial que é a base da espontaneidade, chegando até a formulação de um núcleo pessoal privado de comunicação com a realidade externa. Nas palavras do autor:
Sugiro que normalmente há um núcleo da personalidade que corresponde ao eu verdadeiro da personalidade split; sugiro que este núcleo nunca se comunica com o mundo dos objetos percebidos, e que a pessoa percebe que não deve nunca se comunicar com, ou ser influenciado pela realidade externa. (Winnicott, 1963/1983a, p. 170)
O que ocorre, no entanto, é que essa não comunicação tem uma função positiva: a de contribuir para o estabelecimento do sentimento de realidade e de continuidade da existência e ela coexiste com o desejo de comunicar e com o compartilhamento de tudo que pertence à experiência cultural.
Assim, chegamos a ideia de uma extrema valorização da internalidade, que, no entanto, não comporta um esgotamento em si mesma. Pois mesmo esse potencial pessoal precisa da externalidade para viver, para se sentir real. Ele só faz sentido numa relação com o ambiente. "O self verdadeiro não se torna uma realidade viva exceto como resultado do êxito repetido da mãe em responder ao gesto espontâneo" (Winnicott, 1960/1983b, p. 133). Mais ainda, Winnicott faz questão de tornar claro que este verdadeiro self não seria algo como um conteúdo intrínseco, uma "verdade" psíquica oculta. Ele está relacionado com o corpo que age, com a ação espontânea de um corpo no mundo, "o self verdadeiro provém da vitalidade dos tecidos corporais e da atuação das funções do corpo" (1960/1983b, p. 136). É isso que precisa ser mantido, continuado e que não deve ser interrompido para que se fortaleça o sentimento de ser real.
Porém, com a noção de espaço transicional o lugar da internalidade é novamente redimensionado. Ao refazermos parte do percurso winnicottiano seguindo o conceito de espaço potencial nos aproximamos de uma nova forma de conceber o espaço e a localização subjetiva, pois o que está em pauta é um espaço sem limites (para usar um termo de Madeleine Davis e Wallbridge). O que há de potencial no espaço transicional são as infinitas possibilidades de criação e a ideia de abertura que o campo da interação pode oferecer. Se a realidade externa é fixa e o "potencial herdado" da realidade interna tem uma organização até certo ponto fixa, o espaço transicional, ao contrário, possui variabilidade e abertura para criação. "O espaço potencial tem capacidade para expandir-se: sua amplitude pode ser mínima ou máxima, de acordo com o somatório das experiências reais" (Davis e Wallbridge, 1982, p. 189).
Esse espaço sem limites é uma ideia que parece estar menos baseada num correlato de espaço físico - que seria um local com profundidade, dimensões, arestas, podendo conter objetos ou estar vazio. Ao contrário, o espaço potencial é uma área hipotética que recebeu "uma forma visual como meio de conjugar certos fenômenos relacionados que têm importância teórica e prática - fenômenos que têm a ver com a experiência do viver do indivíduo" (Davis e Wallbridge, 1982, p. 182). Estaria mais afinada com uma noção interacional de espaço, ou espaço da continuidade, e assim, o espaço transicional poderia mesmo negar a ideia de espaço (como limite e separação).
O que essa área intermediária comporta são as experiências corporais, a atividade criativa, da brincadeira ou da cultura que ocorrem quando o sujeito está no mundo e o mundo está em si, quando há uso do objeto, ação criativa que precisa de oposição do ambiente. Como Winnicott explica:
Se essa área for imaginada como parte da organização do ego, teremos aqui uma parte do ego que não é um ego corporal, que não está fundada no padrão de funcionamento corporal, mas nas experiências corporais. (1971/1975a, p. 140)
Portanto, o espaço transicional é uma área do eu, que não está dentro do corpo. O eu não se restringe a sua interioridade.
Se o espaço potencial pode ser tido como local onde se "situa" algo, é apenas como uma estratégia para fazer frente à fixidez da polaridade realidade interna x externa, no sentido de valorizar o brincar e a experiência cultural na descrição dos indivíduos. Esse conceito será crucial para a descrição dos sujeitos, pois ele deixa em relevo o quanto o comportamento do ambiente faz parte do próprio desenvolvimento pessoal.
Este espaço intermediário vai além do meramente individual e do meramente externo, ou ambiental, é a área onde esses domínios se encontram e por isso é descrito como o espaço onde "experimentamos a vida", onde podemos ser criativos. O espaço transicional é, portanto, aquela área fundamental para o viver, para encontrarmos o eu. Nesse sentido, Davis e Wallbridge (1982) afirmam:
Estamos num terceiro lugar paradoxal que compartilha das características destes dois lugares ao mesmo tempo. Portanto, apesar da fronteira entre o "eu" e o "não-eu" ser de importância fundamental para se atingir a integração, a saúde e até a sanidade, o espaço potencial, "o lugar onde vivemos", transcende este limite. (p. 183)
Assim, fica possível retomarmos o problema da aquisição do psicossoma como membrana limitante e compreendermos a posição winnicottiana que descreve esse processo importantíssimo para o desenvolvimento que é a constituição dos limites entre eu e não eu, dentro e fora, que fazem parte da integração. Apesar disso não deixa de postular esta terceira área de experiência, em que esses limites não estão em pauta, ou melhor, em que a importância é podermos brincar com esses limites, a partir de tê-los estabelecidos. A importância é fazer pontes e preencher a separação com as possibilidades de criação.
Nesta abordagem há um papel destacado para o ambiente na descrição do desenvolvimento emocional individual, e de toda vida subjetiva. É assim que esta área intermediária do espaço potencial se torna o principal elemento nesta descrição, pois lá onde o comportamento do ambiente é ativo e variável, ele faz parte do desenvolvimento pessoal do indivíduo e tem que ser incluído nas análises deste último (Winnicott, 1971/1975b). A concepção de sujeito, então, exigiria algo que vai além de suas fronteiras, isto é, para sabermos ou dizermos o que é um sujeito ou como é esse indivíduo em especial, não podemos nos limitar ao espaço de sua individualidade, internalidade, mas temos que transcender esse limite e buscar o "lugar onde vivemos".
Referências
Costa, J.F. (2002). Criatividade, transgressão e ética. In C.A. Plastino, (Org.), Transgressões. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria. [ Links ]
Davis, M. & Wallbridge, D. (1982). Limite e espaço: uma introdução à obra de D.W. Winnicott. Rio de Janeiro: Imago. [ Links ]
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Correspondência:
Julia Coutinho Costa Lima
[Universidade Federal de Pernambuco]
Rua Gervásio Fioravante, 120, sala 201, Graças
52 011- 030 Recife, PE
juliacoutinholima@gmail.com
Recebido em 22/2/2011
Aceito em 25/5/2011
1 Este artigo foi escrito a partir de uma comunicação oral no XIV Colóquio Winnicott, "O psíquico, o mental e o simbólico", realizada em São Paulo, maio de 2009.