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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.53 no.2 São Paulo Apr./June 2019

 

EDITORIAL

 

Feminino, outras reflexões

 

 

Marina Massi

Editora

Correspondência

 

 

Marina Massi

O número com o tema Feminino, outras reflexões se impôs ao planejamento editorial que havíamos feito, contemplando o tema Palavra e verdade, que daria continuidade ao abordado nos três últimos números lançados.

Por tradição, a Revista Brasileira de Psicanálise publica todos os keynote papers dos congressos internacionais da Associação Psicanalítica Internacional (ipa). Nesse caso, notamos que os artigos do congresso tinham relação com os textos de duas psicanalistas convidadas pela RBP, Jacqueline Rose e Adrienne Harris, que tratam da questão de gênero e do movimento #MeToo margeando a questão do feminino.

Descobrimos que o número sobre o feminino estava praticamente pronto e poderia, pela primeira vez, ser disponibilizado de modo digital para todos os colegas de língua portuguesa que fossem ao congresso em Londres, no mês de julho. Assim, mudamos o cronograma, e este número sobre o feminino vai a Londres. Todos os inscritos no congresso da IPA receberão este número em versão digital antes de chegarem ao evento. Essa é uma forma de a revista se fazer presente e colaborar com os colegas brasileiros e de outros países de língua portuguesa.

 

Dos bastidores do número ao tema Feminino, outras reflexões

A problemática do feminino é um tema polêmico na teoria freudiana. A realidade histórica vem exigindo da psicanálise que repense o seu aporte teórico para se aproximar dos acontecimentos que a clínica, a cultura e o social vêm sinalizando, a partir de mudanças que desafiam o cotidiano dos analistas ocidentais.

O movimento feminista, o movimento de gênero LGBTTQ+ (Martins, 2019), o movimento #MeToo e os avanços da reprodução assistida interpelam as ciências humanas, a medicina e a psicanálise sobre as vertiginosas mudanças em curso, sejam elas psíquicas, corporais, culturais ou sociais, com o respectivo impacto psíquico que, passo a passo, observamos adentrar os nossos consultórios, as instituições públicas de saúde mental ou o que passamos a denominar psicanálise a céu aberto (Khouri & Leite Netto, 2016).

As diversas abordagens psicanalíticas de atendimento clínico - em instituições, a céu aberto, em grupos, em família e casal, com adolescentes, com crianças, família-bebê, e individual - vêm investigando, psicanaliticamente, as novas configurações parentais (Ribeiro, 2016), as questões de gênero, a identidade, a identidade sexual, as diferenças sexuais e a relação masculino-feminino. Podemos dizer que há muita pesquisa no campo da psicanálise, motivo pelo qual abrimos um espaço na RBP para projetos com novas abordagens psicanalíticas e pesquisas, de modo que possam ser conhecidos e divulgados em nossa comunidade científica.

Em momentos de torção de eixos paradigmáticos ou de corte epistemológico de saberes, devemos reconhecer que o esforço da psicanálise em romper preconceitos quanto ao seu modus operandi, procurando aprofundar o estudo do seu método e da sua formação de analistas, bem como incluir novos enquadres e técnicas clínicas, de fato nos prepara e nos instrumentaliza de maneira mais sólida para a investigação e a compreensão das diferentes dinâmicas de sofrimento, que o mal-estar na cultura insiste em denunciar. Como ressalta o psicanalista Fernando Urribarri,

o enquadre, com o aprofundamento da compreensão de sua função metodológica (à la Laplanche), torna-se um operador clínico central e abre-se a variações funcionais antes interditadas pela dogmática. O que importa, no novo modelo, é o enquadre interno do analista, conforme proposto por Green, e não mais sua redução a um conceito material (conjunto de regras). (2012, p. 57)

É importante salientar que a psicanálise, enquanto campo de conhecimento da psique humana, tem como função ética e social fazer face às mudanças e aos sofrimentos que uma nova era apresenta. Dizendo de outro modo, precisa-se de escuta, observação, investigação, reflexão e teorização para contribuir com as indagações, as angústias e os sofrimentos que a humanidade nos traz, de forma universal ou singular.

A psicanálise esteve na vanguarda, pela primeira vez, quando Freud ousou falar da importância da sexualidade humana antes que a própria cultura e a ciência pudessem formalizar algum tipo de reflexão mais organizada e com sentido sobre o tema. Outras vezes, porém, somos interpelados pelas vanguardas culturais e sociais a dar a nossa contribuição e repensar os nossos conceitos em função do que já está acontecendo em muitas sociedades no mundo. São desafios que exigem coragem intelectual, liberdade de pensamento e ética dos psicanalistas para ir além do que nos apresentam a cultura e o social.

Aos habituais leitores da RBP e aos nossos colegas de outros países de língua portuguesa, desejamos a todos uma boa leitura!

 

Referências

Khouri, M. G. & Leite Netto, O. F. (2016). Psicanálise a céu aberto. Jornal de Psicanálise, 49(91),91-96.         [ Links ]

Martins, E. S. T. (2019, 28 de junho). LGBTq+ Etcetera: da Consolação à República. Observatório Psicanalítico, 110. Recuperado em 2 jul. 2019, de www.febrapsi.org/publicacoes/observatorio/observatorio-psicanalitico-1102019/.         [ Links ]

Ribeiro, M. F. R. (2016). Reflexões sobre conjugabilidade e parentalidade: um caleidoscópio de constituições familiares. Jornal de Psicanálise, 49(91),97-109.         [ Links ]

Urribarri, F. (2012). O pensamento clínico contemporâneo: uma visão histórica das mudanças no trabalho do analista. Revista Brasileira de Psicanálise, 46(3),47-64.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Marina Massi
marinamassieditora@rbp.org.br

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