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Revista Brasileira de Psicanálise
Print version ISSN 0486-641X
Rev. bras. psicanál vol.53 no.2 São Paulo Apr./June 2019
OUTRAS PALAVRAS
Ficção, confissão e captura na estilística perversa: agressividade e destrutividade no Saint Genet de J.-P. Sartre
Fiction, confession, and capture in perverse stylistics: aggression and destructivity in Sartre's Saint-Genet
Ficción, confesión y captura en la estilística perversa: agresividad y destructividad en el Saint-Genet de J.-P. Sartre
Fiction, confession et capture dans un style pervers: agressivité et destructivité chez le Saint-Genet de J.-P. Sartre
Roberto Barberena Graña
Membro titular em função didática da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre (SBPdePA). Doutor em literatura brasileira pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pós-doutor em história das ideias psicanalíticas e filosóficas pela Universidade de Paris 7. Professor do Instituto Contemporâneo de Porto Alegre
RESUMO
O autor detém-se numa particularidade da escrita de Jean Genet, conforme a perspectiva crítica orientada por Sartre em sua abordagem psicanalítico-existencial da biografia do autor em cotejo com a obra literária que ele produziu, para distinguir em seu texto o que é de natureza agressiva, destrutiva ou odiosa, indicando os tempos, usos e destinos de cada impulso/afeto, na medida em que são instrumentalizados literariamente a fim de que o romancista aceda ao seu propósito maior: o de enredar o leitor na teia de seus enunciados pervertizantes e desdi-ferenciadores, que vão compor o artificio a que o autor do presente estudo propõe denominar dispositivo estilístico de captura.
Palavras-chave: ficção, confissão, agressividade, destrutividade, estilística perversa, dispositivo de captura, erotização do ódio, psicanálise existencial
ABSTRACT
The author of this article considers a particular aspect of Jean Genet's writing, as investigated critically by Sartre in his analysis of Genet's psychoanalytical- existential biography and literary work. In this article, what is aggressive, destructive, and odious in Genet's writing is distinguished, indicating the times, usages, and destinies of each impulse/affection, which are literarily instrumentalized. It is considered that the novelist accedes to these instruments in order to further his greater purpose: to entangle the reader in a web of perverting and dedifferentiating statements, which compose what the author of this article proposes to call a "stylistic device of capture."
Keywords: fiction, confession, aggression, destructiveness, perverse stylistics, capture device, hate eroticization, existential psychoanalysis
RESUMEN
El autor se detiene en una particularidad de la escritura de Jean Genet, acorde con la perspectiva crítica orientada por Sartre en su enfoque psicoanalítico - existencial de la biografía del autor en cotejo con la obra literaria que él produjo, para distinguir en su texto lo que es de naturaleza agresiva, destructiva u odiosa, señalando los tiempos, usos y destinos de cada impulso/afecto, en la medida en que son instrumentalizados literariamente para que el novelista alcance su propósito mayor: el de enredar a su lector en la red de enunciados pervertizantes y desdiferenciadores, que componen lo que el autor propone denominar "dispositivo estilístico de captura".
Palabras clave: ficción, confesión, agresividad, destructividad, estilística perversa, dispositivo de captura, erotización del odio, psicoanálisis existencial
RÉSUMÉ
L'auteur se penche sur une particularité de l'écriture de Jean Genet, selon la perspective critique adoptée par Sartre dans son approche psychanalytique-existentielle de la biographie de l'auteur en comparaison avec l'oeuvre littéraire qu'il a produite, afin de distinguer dans son texte ce qui est de nature agressive, destructive ou haineuse, indiquant les époques, les utilisations et les destinations de chaque impulsion / affection, dans la mesure où elles sont instrumentalisées littérairement pour que le romancier puisse accéder à son but majeur: prendre son lecteur dans le réseau des énoncés pervertisseurs et différenciateurs qui composent ce que l'auteur propose d'appeler "dispositif stylistique de capture".
Mots-clés: fiction, confession, agression, destructivité, stylistique perverse, dispositif de capture, érotisation de la haine, psychanalyse existentielle
Retornar a Sartre?
Em 1975, na entrevista que realizou com Sartre por ocasião de seu aniversário e que apareceu em Le Nouvel Observateur (edições de 23 e 30 de junho e 7 de julho), sendo depois publicada em Situations x com o título de "Autoportrait à soixante-dix ans", Michel Contat atualizava Sartre sobre um vaticínio de Roland Barthes, que sempre o teve como o seu grande mestre (à semelhança de Gilles Deleuze): "Em brevíssimo tempo, e naturalmente, a obra do filósofo e romancista seria redescoberta!". Sartre, que por então já não ligava para muita coisa, respondeu-lhe algo como: "Ah! Eu espero" (1976, p. 155). Em 2013, Annie Cohen-Solal, sua principal biógrafa, publicou Une renaissance sartrienne, pela Gallimard, em que reúne entrevistas feitas com intelectuais, professores, artistas e políticos em diferentes países do mundo - no Brasil, com Gilberto Gil, que em 2005 era o ministro da Cultura. Gil se diz ali um sartria-no a seu modo, na "simultaneidade", demonstrando ter familiaridade com um conceito criado por Sartre. Nessa ocasião, Cohen-Solal mostrou-se maravilhada por encontrar-se com um Brasil tão entusiasticamente sartriano.
Diante de tal redescoberta de Sartre, profetizada por Barthes nos anos 1970 e pessoalmente confirmada por Cohen-Solal, e diante da conclusão reportada pelo Grupo de Estudos Sartrianos, que se reúne anualmente na Sorbonne no dia 21 de junho (dia do nascimento do filósofo), de que Sartre é hoje, sem dúvida alguma, o escritor-filósofo mais estudado e mais citado de seu tempo, uma pergunta imediatamente se impõe ao pensador transdisciplinar da psicanálise: poderá o pensar psicanalítico contemporâneo permanecer indiferente a esse autor, quando suas ideias não cessam de fazer trabalhar as maiores inteligências dos grandes centros de pensamento nos quatro cantos do mundo?
No quadro de uma psicanálise que se recicla desconstrutivamente atualizando premissas fenomenológicas e autossupera-se integrando a sua antítese - depois do crepúsculo da metafísica (a fortiori da metapsicologia) e do naufrágio do estruturalismo -, o filósofo francês, que tão substancialmente influenciou o pensamento de Jacques Lacan e que concebeu, em 1943, uma psicanálise existencial - a qual se propunha corrigir alguns extravios do pensamento freudiano pelos caminhos do energeticismo, do idealismo, do pansexualismo e da complexologia -, parece ter muito a dizer aos analistas do século XXI.
Saint Genet: comédien et martyr
Publicado em 1952, este livro é um dos mais densos, complexos e profundos estudos sobre a vida e a obra do voleur, traître et pervers1 que impressionou a crítica ao converter em literatura os detritos e dejetos existenciais que uma infância ofendida fez transbordar pelos esgotos infectos por onde a sua vida se vertia, sem nenhuma justificativa, destino, nobreza ou razão. Antes desse ensaio, Sartre aplicara pela primeira vez o método da psicanálise existencial em 1947, ao analisar a vida e a obra de Charles Baudelaire, demonstrando como elas se interpenetravam e se explicavam, num estudo histórico longitudinal em que a experiência vivida é certamente mais explorada do que a obra poética, o que não deixou de desgostar uma parte significativa da crítica. À psicanálise de Jean Genet se seguirá a volumosa análise de Gustave Flaubert, escrita durante 15 anos e publicada apenas no início da década de 1970. Embora nessas três análises Sartre esteja voltado prioritariamente para os eventos traumáticos que formaram (deformaram!?) o homem e engendraram os seus padecimentos, o grande desafio parece ter sido o de esclarecer os meios pelos quais esses sujeitos sofrentes, esses sobreviventes das intempéries da existência, foram capazes de usar seu corpo e sua alma torturados e macerados para condir o fino tecido com o qual confeccionaram suas obras.
O estudo psicanalítico-biográfico-literário sobre Jean Genet distinguere dos outros dois a priori por se tratar aqui de um "analisando" vivo. Genet, com quem Sartre teve a oportunidade de conviver (há quem o aponte como o seu salvador, na medida em que descobriu os seus escritos, reconheceu-lhes o real valor e fê-los editar) e a cuja obra dedicou uma atenção especial, por considerá-la única - embora aparentada com a de Sade, em seus cerimoniais de destruição, com a de Baudelaire, por compartilhar uma perspectiva sata-nista, e com a de Gide,2 a quem se assemelha na busca de ascese/purificação (malgrado um exalte o corpo e o outro o dilapide) -, inaugura uma vertente extremista e anti-humanista do existencialismo, em que o asco à existência, à humanidade, ao Bem, ao corpo, ao outro e ao eu conduz a náusea sartriana às suas formas mais radicais, abjetas e nefastas de expressão. A escrita de Genet é antípoda da concepção canônica do Belo e avessa a qualquer propósito humanista ou edificante. Para Jean Genet, só é belo o que não existe. Isso implica que, em seu próprio ato de realização, a literatura opõe-se à beleza.
O que não cessa de não se (in)escrever, o traumático
Lacan (1975) relaciona o necessário, no sentido filosófico do conceito, com o registro simbólico (a law and order que reitera, a cada passo do sujeito humano sobre a terra, os limites normativos do possível, do razoável e do proibido), e formaliza-o como o que não cessa de se escrever. O traumático, o impossível, o senseless que ele relaciona com o real do sexo, em sua potencialidade traumática, e com a relação sexual, em sua efetiva impossibilidade, designa-se como o que não cessa de não se escrever, o que é da ordem do real, o que retorna sempre na condição de improcessável - estando assim indicado o campo do traumático em sentido lato. Será isso (o traumático) passível de passar à escrita? Em caso afirmativo, que qualidade assumirá essa escrita? E ainda: poderá a forma assumida por essa escrita eventual levar a alguma via de resolução sublimatória, sinthomatica, perlaborativa, que faça o que não cessa de não se escrever cessar de não se escrever, isto é, passar ao contingente?
Quando o livro de Sartre é publicado, em 1952, é imediatamente saudado pelo escritor Georges Bataille como uma obra-prima inquestionável. Fiel ao seu título, o filósofo encaminhará sua longa narrativa, de 690 páginas, como um estudo de crítica literário-filosófica (fartamente ilustrado por excertos dos livros de Genet), mas também como uma hipótese interpretativa psicanalítico-existencial - fundamentada histórico-biograficamente - sobre as origens de uma intencionalidade implícita que atravessa a obra de Genet: a santificação.
Apresentarei a minha resenha dessa narrativa referindo-me a ela como a segunda psicanálise existencial realizada por Sartre (a primeira, conforme dito, foi a de Baudelaire). Dessa vez será a análise de um conviva, de um contemporâneo vivo, de um colaborador de Les Temps Modernes, análise que, obviamente, não foi realizada no divã de Sartre, porque Sartre não tinha divã, nem contou com a presença de um paciente, porque Genet nunca se submeteu a ser paciente de ninguém. Talvez ele possa, mesmo, ser saudado como o mais frio e cruel entre os cruéis - por alusão ao livro de Deleuze (1967) sobre Sacher-Masoch -, o menos confiável de todos os traidores, o mais tenebroso de todos os carrascos, algoz impiedoso de si e dos outros, de qualquer outro que dele se acerque esperando encontrar nele algo diferente do Mal, incluindo o seu leitor.
Sartre faz nascer a sua narrativa de uma recordação da infância de Genet à qual se refere como um acontecimento sagrado. Ele diz que, em seus primeiros anos, Genet foi o personagem central de um drama litúrgico: ali conheceu o paraíso e ali o perdeu, sendo portanto uma criança que experimentou cedo em sua vida a queda, a humilhação e a vergonha. Ele era ainda um menino, e não obstante foi violentamente expulso da infância. Em meio a seus sonhos, memórias, mitos e devaneios, Sartre supõe poder localizar esse acontecimento entre os 10 e os 12 anos de idade. Genet já era, então, mais que uma criança, mas as coisas começam bem antes, conforme veremos. De qualquer modo, "sua vida se divide em duas partes heterogêneas: antes e depois do drama sagrado" (Sartre, 1952/1996, p. 9). Como um instante é tempo suficiente para nascer, para morrer, para matar, para gozar, para suicidar-se ou fazer-se matar, ou ainda para conhecer seu destino num simples "lance de dados",
Genet carrega em seu coração um velho instante que não perdeu nada da sua virulência, vazio infinitesimal e sagrado, que termina uma morte e começa uma horrível metamorfose. Eis aqui o argumento desse drama litúrgico: uma criança morre de vergonha; em seu lugar nasce um bandido; o bandido será assombrado pela criança. Seria preciso falar de ressurreição, evocar os velhos ritos iniciáticos do xamanismo e das sociedades secretas, se Genet não se recusasse categoricamente a ser um ressuscitado. Houve morte; é tudo. E Genet não é mais que um morto; se ele parece viver ainda é dessas existências larvares que certos povos emprestam aos seus defuntos nos túmulos. (p. 10)
Ao longo de sua vida, essa vida comparável à que se atribui imaginária, religiosa ou ficcionalmente aos mortos, Genet não cessará mais de morrer. Ele não desejará parar de morrer. Reencenará para o resto de sua existência o desastre que o vitimou, supostamente em um intento repetido e repetidamente frustrado de superá-lo. Se alguma vez, entretanto, lhe fosse interpretado que ele assim se exaure em renovadas tentativas de retornar à vida, de sentir-se novamente vivo entre os vivos, sua arrogância, seu sarcasmo e seu rancor retaliativo jamais lhe permitiriam concordar com o sentido atribuído ao seu comportamento pelo intérprete. Cadáver adiado, morto-vivo, zumbi: é nesse lugar e nessa condição que ele melhor se instala para amaldiçoar os vivos e vilipendiar os mortos. Humilhar, fraudar, profanar, trair, urdir a destruição moral e a degradação física do outro, do qual ele mal se distingue em sua ferocidade satânico-dionisíaca - ora carrasco, ora supliciado; busca expulsar de si mesmo o desastre da destruição de sua inocência e a monstruosidade por ele engendrada. Para conhecer Genet, diz Sartre, é necessário reconstruir, através das suas representações e narrativas míticas, o acontecimento original ao qual, afirma o filósofo, ele se remete sempre e reproduz compulsivamente nos rituais perversos e na temática e estilo de suas obras: romances, roteiros e peças de teatro. É importante salientar que o acontecimento original tem aqui o sentido de uma situação traumática, tal como a psicanálise a concebe, e a escolha original de Genet é o modo como psiquicamente se organiza para lidar com o trauma, que teve para ele o sentido de uma morte. Se a descoberta do evento traumático e da defesa empregada para administrá-lo (a escolha da patologia) é considerada por Sartre como central nas suas psicanálises - o que se constata na leitura dos três textos -, pouca coisa ou nada as distingue do método psicanalítico, do procedimento standard conforme Sartre o conheceu - exceção feita à ênfase recorrente, nas análises freudianas, ao núcleo sexual do problema do paciente, o que em Sartre se complexifica sensivelmente por disseminar-se na feição geral que a existência assume, traduzindo-se a escolha em todos os atos, e em cada ato dizendo da totalidade do sujeito, daquilo que se essencializa no seu modo de ser ou, como diria Lacan, no seu singular estilo de gozar.
Chegamos logo à descrição de Sartre daquele que considera ter sido o acontecimento original, a partir do qual a metamorfose se processará:
Genet tem 7 anos. A assistência pública o confiou a uns camponeses do Morvan. Disperso na natureza, ele vive em "uma doce confusão com o mundo". Ele se acaricia na grama, na água, ele brinca; através de sua deserta transparência passa todo o campo [la campagne]. Em suma, é um inocente. Essa inocência lhe vem dos outros; tudo nos vem dos outros, mesmo a inocência. As pessoas grandes não se cansam de recensear seus bens; isso se chama olhar. A criança está no lote ... sabe disso pelo olhar deles, e sua felicidade consiste em fazer parte do inventário. Ser é pertencer a alguém. (pp. 13-14)
Certamente a descrição que se segue é de base romântico-naturalista (rousseauniana), pois uma criança de 7 anos cujo conhecimento do mundo alterna abandonos e recolhimentos a internatos tem sua inocência e sua capacidade de confiar e amar comprometidas desde muito cedo, como nos foi demonstrado por Winnicott em seus notáveis escritos sobre a deprivation3 e suas relações etiológicas com o desenvolvimento das modalidades transgressivas (sociopatias e perversões). O amor primitivo e impiedoso (ruthless love) - que é agressivo (não destrutivo) nas suas formas inicias de expressão, pois é life force (impulso vital) -, na forma mais pura e bruta, deverá ser contido, compreendido e correspondido para tornar-se a permanente fonte de vida do self individual. Do contrário, o que era a princípio amor impiedoso ou agressão primária converte-se em destruição antissocial. Isso acontece quando aos impulsos agressivos associam-se sobretudo ideias destrutivas e impulsos vingativos como resposta a importantes falhas no cuidado oferecido ao infans pelo ambiente humano.
Como sabemos, porém, Sartre tinha um conhecimento limitado da obra de Sigmund Freud (que não estava ainda totalmente disponível) e com frequência confundia seus conceitos com os de outros autores, como Adler e Jung. Obviamente ele não ouvira falar ainda em Winnicott, que só seria apresentado aos franceses no início dos anos 1960 por Lacan. Se a psicanálise sartriana de Genet alcançou profundidade e ousadia incomparáveis, já que nenhum escrito psicanalítico sobre o autor - e talvez sobre o tema - se igualou a este até hoje, ela se introduzirá com uma clara intenção de comover. Vejamos:
Bom como uma boa terra, fiel como um ancinho, como uma pá, puro como o leite, Genet cresce piedosamente. É um bom sujeito, uma criança respeitosa e suave, mais frágil e mais baixo que seus camaradas, mas mais inteligente; ele se mantém, sem esforço, como o cabeça da classe. Ademais é sério, reflexivo, nada falastrão; em suma, é sábio como uma imagem. Esse Bem é simples: ter pais aos quais se adora, fazer os deveres sob o seu olhar e à noite rezar; mais tarde, tornar-se, por sua vez, proprietário e trabalhar duro, fazendo economia. Trabalho, família, pátria, honradez, propriedade: tal é a sua concepção do Bem, ela é gravada para sempre em seu coração. Mais tarde poderá roubar, mendigar, mentir, prostituir-se, mas não mudará. O padre diz que ele tem uma natureza religiosa. (p. 14)
Espanta-nos essa descrição notavelmente ingênua da infância, na qual o próprio Sartre não acredita,4 mas que literariamente dramatiza para poder depois melhor contrastar o menino santo com o adolescente delinquente e com o adulto perverso, produzindo - também em seu texto - esse efeito chocante, enojante e absorvente que marcava o estilo do voleur, num leitor que, concluída a leitura do livro, não saberá firmar um juízo de valor sobre Jean Genet e sua obra.
No entanto, é ainda nesse capítulo introdutório que Sartre nos apresenta a face obscura, negativa e renegada de tão insólita inclinação natural para a generosidade e a religiosidade. Sendo adotado por camponeses, Genet apercebe-se vagamente, nebulosamente - como em geral as crianças "conhecem" os seus começos -, que algo não encaixa, não condiz com a linguagem, com os valores e com os hábitos praticados e recomendados a ele pelos pais adotivos:
Inocente em geral, ele pressente que é suspeito em particular. Obrigam-no, erradamente, a usar uma linguagem que não é a sua, que pertence apenas aos filhos legítimos. Genet não tem mãe nem herança: como seria ele inocente? Por sua simples existência ele perturba a ordem natural e a ordem social. Entre a espécie e ele uma instituição humana se interpôs, com seu registro e sua burocracia. É um filho falso. Sem dúvida ele nasceu de uma mulher, mas essa origem não foi retida pela memória social; para todos e, por consequência, para si mesmo, ele apareceu um belo dia sem que os flancos conhecidos5 o tenham levado; é um produto sintético. (p. 15)
Esse permanente contraste, essa chocante alternância entre duas versões, duas atitudes, duas intenções, que ao fim se resumem numa só, o engendrar do Mal, dará forma ao modo de estar-no-mundo genetiano, em todos os lugares, relações e realizações. Seu anti-humanismo o faz repudiar os negros, os pobres e os judeus; durante os anos de domínio alemão na França, Genet transitava pela Alemanha com um entusiasmo de turista. Sua inumanidade estaria "justificada" por não haver conhecido os bons sentimentos e os belos gestos. Ele nunca entenderá por que não teve pai e por que a mãe o abandonou sendo ainda um bebê; ele sabe, algo obscuramente, como as crianças sempre sabem, "que pertence por direito às administrações e aos laboratórios; nada há de surpreendente que ele sinta, mais tarde, afinidades eletivas com as colônias penitenciárias e com as prisões" (p. 15), escreve Sartre.
Quando começa a roubar na casa dos pais, e logo na vizinhança - como acontece amiúde com as crianças que sofreram privações em etapas iniciais da vida e posteriormente foram acolhidas por pais adotivos, que em regra são movidos por boas intenções -, conduta infantil que surge como uma provocação, mas que tem o sentido de um teste, de uma tentativa de certificar-se da estabilidade e confiabilidade do novo ambiente, como demonstra Winnicott, é surpreendido pelos adultos, detido pela polícia e, novamente, entregue às autoridades, que o encaminham para o reformatório. Essa foi, com certeza, a escola que ele mais efetivamente frequentou. Quando era solto, circulava pela Europa, vivendo de prostituição, roubos, contrabando e subempregos, e praticando pequenos crimes, que o levavam mais uma vez para a prisão. Ali, nessa "academia" do Mal, ele começou a escrever a sua obra. Sartre a descobriu, maravilhou-se ao lê-la e arranjou-lhe um editor.
O que podemos, portanto, constatar através da história de Genet narrada por Sartre, que oferece simultaneamente ao leitor uma hipótese interpretativa para a sua compreensão, é a ocorrência de uma primeira situação traumática, o abandono por parte da mãe, seguida por um período em que o cuidado que o menino recebe assume uma forma mecânica e burocrática (a vida no reformatório) e, posteriormente, por um segundo acontecimento traumático, o "retraumatismo", que se configura no outro abandono sofrido, agora pelos pais adotivos, o qual consolida aquilo a que Sartre se refere como a sua escolha original. Uma vez que, para Sartre, nós não somos simples torrões de argila, não basta dizer que somos o que foi moldado pelos outros como uma estatueta do nosso ser ou do nosso eu. Indo além da sua concepção inicial de liberdade, em que responsabiliza integralmente o sujeito pela totalidade dos acontecimentos de sua existência, Sartre considera agora a parte do Outro na construção do destino, mas propõe que o importante não é o que outros fizeram de nós, mas o que fomos capazes de fazer com o que foi feito de nós anteriormente (com as sínteses passivas, conforme Edmund Husserl). Colocado prematuramente na situação de ter de decidir o seu destino - ele poderia ter decidido suicidar-se; seria também uma escolha -, o pequeno Genet escolhe viver. Ao decidir viver, contra tudo e todos, diz: "Serei o ladrão". Sartre confessa admirar o infantil sujeito dessa escolha, porque na idade em que Genet se escolheu a maior parte de nós limita-se a fazer palhaçadas para agradar os outros: "Uma vontade tão feroz de sobreviver, uma coragem tão pura, uma confiança tão louca em meio ao desespero darão seu fruto; dessa resolução absurda nascerá, 20 anos mais tarde, o poeta Jean Genet" (p. 63).
The erotic form of hatred
Nos três primeiros livros do Saint Genet de Sartre, nós nos deparamos, reiteradamente, com descrições pluriperspectívicas de um mesmo cenário e de uma mesma ação, ou seja, com a repetição nua e crua, aquela que Freud (1920/1973) relacionou com a pulsão de morte - e não com a repetição produtora de heterogeneidade/diferença de Deleuze (1968/2011) -, o que é frequentemente apontado como uma característica da escrita transgressiva, ou da escrita que se limita à ressonância perversa de um trauma, como propõe Masud Khan (1978/1991), sendo também essa a razão pela qual chegamos a fatigar-nos ao longo da leitura continuada das obras de um Marquês de Sade, ou de um Sacher-Masoch, por exemplo.6 Embora suas análises do uso peculiar feito por Genet dos instrumentos, da natureza e da linguagem - que encontramos no capítulo intitulado "Caim" - sejam brilhantes, Sartre acaba sendo, de tanto em tanto, também encerrado nesse circuito repetitivo insanável e insuperável, ao qual a estilística perversa induz/seduz. Isso se exemplifica na descrição e redescrição de situações similares nas quais o que constatamos sempre é uma corroboração da proposição de Stoller (1986/2018) de que a perversão espetaculiza repetida e exaustivamente a forma erótica do ódio. Para Stoller, a construção do cenário e da ação perversos representa uma tentativa reiterada e fracassada de resolução da situação traumática a que o perverso foi na infância submetido, a qual ele busca agora superar invertendo os papéis abusador/abusado da cena original, ou seja, tornando-se ativo na cena/ação à qual foi passivamente submetido anteriormente. Dessa vez, ele será o algoz, o outro será a vítima. Como o motor dessa encenação compulsiva é, porém, desconhecido, e os afetos aí envolvidos são negados e dissociados das imagens que a estetização perversa reinvoca, a erotização do ódio triunfa sem operar transformação alguma em nenhum momento da ação dra(trau)mática, que tem como desfecho um gozo miserável/mortífero - que é sempre o do Outro - e fixa um roteiro em que a loucura e a náusea se alternam, engendrando os cerimoniais da destruição.
O dispositivo de captura
No quarto livro do Saint Genet, em que Sartre se ocupa do que denomina terceira metamorfose, aquela que produz o escritor, e particularmente em seu terceiro capítulo, intitulado "As belas-letras como um assassinato", chegamos, a meu ver, ao mais belo e monumental (adjetivo utilizado por Bataille) dos ensaios que compõem essa obra. Sartre desvela, nesse capítulo, alguns artifícios da escrita genetiana que são utilizados pelo autor a fim de "tragar" o leitor para dentro de seu texto, levando-o a buscar dentro de si memórias de abjeções e crimes que jamais cometeu, partindo do princípio de que o que é humano não é estranho aos humanos e de que algo dos horrores que ele narra, em algum sonho ou devaneio, também habitou a alma do leitor. É justamente esse tipo de captura a contragosto o que produz no leitor de Genet o maior desconforto:
Para substituir com mais segurança seu próprio Eu pelo do leitor, ele se narra na primeira pessoa. Ora, qualquer que seja o escritor, quando a frase começa com um eu [je], uma confusão se estabelece na minha mente entre esse Eu [Je] e o meu. Sem dúvida, se eu visse o meu interlocutor, se visse as palavras saírem de seus lábios, remeteria o que ele diz à sua pessoa. Mas eu estou só, no meu quarto, e se em alguma parte uma voz pronuncia as palavras que eu leio, essa é minha voz; ao ler eu falo no fundo da minha garganta e me sinto falar. Nesse momento não há mais que um homem nesse quarto para dizer "eu": sou eu mesmo. Preso na armadilha: como é preciso, para compreender a frase, que refira o eu a uma subjetividade, é à minha que o refiro. (Sartre, 1952/1996, p. 553)
Eis o leitor confundido com o autor, tornado cúmplice, convertido em bandido. Dotado pelo escritor de um passado imaginário, em tudo reprovável, o leitor torna-se inseguro acerca da própria honestidade e honradez. Parece entrar em contato com o conteúdo de seus piores pesadelos, e logo não sabe mais se se trata de sonho ou memória. Nessa altura, aflito com o que experimenta na condição de um odioso duplo, ele pergunta-se: "O que mais terei feito?".
Por isso, Sartre sustenta que Genet espera e usa a repugnância que é capaz de produzir no leitor, pois ela é o inverso da adoração, e ele se alegra que seus livros provoquem, em todas as partes do mundo, um furor impotente. O filósofo exemplifica isso dando palavras a uma possível fala de Genet reagindo à tentativa de François Mauriac (conhecido desafeto de Sartre) de maldizê-lo:
Como ele [Genet] riu ao ver os esforços dolorosos do Sr. Mauriac para vomitá-lo! Ele teria gostado, penso eu, de falar-lhe bem de perto, nesta linguagem: "A repugnância que você manifesta diante dos meus livros é um esforço mágico para rejeitar este Outro que não é mais que você mesmo. Mas quando você recorre, em desespero de causa, a seus melindres já é demasiado tarde: não se vomita a alma, e é sua alma que está podre. Posso eu saber, ao ver seu descontrole raivoso, que instintos abomináveis foram despertados nela?", (p. 556)7
O artifício de Genet para capturar o leitor é, de tanto em tanto, aparentar algum "bom" sentimento ou intenção, com os quais o leitor possa identificar-se. Compaixão, generosidade, ternura etc. são sentimentos nobres cultivados pelo homem "justo". Ele buscará, então, "preparar" o leitor, comovendo-o e conservando oculta a sua intenção de chocá-lo. Sartre exemplifica o uso dessa armadilha através de três exemplos, dos quais transcrevo apenas o primeiro:
Para preparar o juízo magnificente "Vomitar nas mãos de sua mãe é render-lhe a mais bela homenagem", eis aqui como Genet o toma: "Uma velhinha me abordou, me disse que era muito pobre e me pediu um pouco de dinheiro. A doçura de seu rosto me informou de imediato: a velha saíra da prisão. 'É uma ladra', eu me disse. Ao afastar-me dela, uma espécie de devaneio agudo ... me levou a pensar que talvez fosse minha mãe. ... Eu não sei nada sobre ela, que me abandonou no berço, mas esperei que fosse essa velha ladra. ... 'E se fosse ela?' ... Ah! Se fosse ela, eu iria cobri-la de flores, de gladíolos e de rosas, e de beijos! Eu iria chorar de ternura sobre essa face redonda e tola. 'E por quê', eu me dizia ainda, 'chorar por quê?' Minha mente precisou de algum tempo para substituir esses sinais habituais de ternura por qualquer outro gesto, mesmo pelos mais desacreditados e mais vis, que eu pudesse carregar de tanto significado como os beijos ou as lágrimas ou as flores. 'Eu me contentaria de babar sobre ela', pensava eu, transbordando de amor [a palavra gladíolo pronunciada anteriormente chamou a palavra gladiador8], de babar sobre seus cabelos ou de vomitar em suas mãos. Mas eu adoraria essa ladra que é a minha mãe", (p. 561)
Sartre qualifica o talento/estilo narrativo de Genet como uma habilidade diabólica, que se serve de qualquer meio para conduzir-nos, entre esperança, desespero, vergonha e ódio, até sua proposição final, a de enredar-nos na sua teia de aranha venenosa para gozar o triunfo de nos haver convertido à sua religião terrena, pois a terra é o reino do Diabo. O leitor tanto se sensibiliza pela compaixão que, num primeiro momento, Genet demonstra sentir pela velhinha quanto se sente desconfortavelmente surpreso de que ele a suponha uma ladra recém-saída da prisão. A doçura do seu rosto informa tratar-se deuma delinquente (a frase desce-nos quadrada). Em seguida ocorre-lhe a ideia de que essa velha ladra poderia ser a sua mãe. O leitor, embora ainda surpreso, consegue encontrar nesse juízo alguma coerência, na medida em que um ladrão como Genet não poderia esperar ter outra origem; ele busca entre os desvalidos, os segregados, os malditos a sua matriz natural. Poderia, como o fausto o fascina, supor-se filho de uma princesa ou de uma marquesa, mas seu pressentimento dirige-se a uma velha ladra. Se ela fosse sua mãe, confessamos, ele a cobriria de flores, de lágrimas e de beijos. Sartre aponta o sarcasmo embutido nessa forma caricatural e injustificável de expressão do afeto. Se efetivamente se tratar de uma mulher que abandonou o filho ao nascer, que tem como ocupação o crime e que acaba de acertar as últimas contas com a lei, que sentido poderá ter para ela ver-se subitamente coberta de flores, lágrimas e beijos por um desconhecido? Procurando dentro de si mesma, ela certamente não encontraria a menor razão para isso. Tanto o festival de flores como o mar de lágrimas mostrar-se-iam estranhos aos olhos e ao coração dessa mulher. Trata-se de uma mulher pobre, delinquente, sem amor nem compaixão. O excesso emotivo e estético dessa descrição nos soa falso, e no momento seguinte nós acompanhamos a mente maligna do autor substituindo as manifestações convenientes e comoventes de afetividade para com a sua "velha mãe adorada" pelo emporcalhamento da anciã criminosa com sua baba e seu vômito. Passar de flores e lágrimas para baba e vômito é efeito da assonância de duas palavras (gladíolo/gladiador), que desocultam o ímpeto retaliativo do autor, porque todo sentimento nobre antecipa o golpe, toda manifestação de amor é oportunista, toda ternura é prenúncio do escárnio.
A perversão de Genet, posta em palavras-atos, não deixará de evocar em nós a melancolia paranoide do grande Augusto dos Anjos.9 No poeta brasileiro (oriundo do simbolismo e do naturalismo, mas sendo já um precursor do modernismo), o ressentimento e a mágoa aparecem, porém, em primeiro plano; ele é um melancólico, autor de um único livro e morto mais jovem do que Baudelaire, aos 30 anos, de pneumonia. Em Genet, por outro lado, o que se espetaculiza é a arrogância, a ofensa, a degradação, o gozo sadomasoquista. Embora as dores possam ser, na sua origem, semelhantes, a forma de administrá-las psiquicamente e o tratamento literário dado a elas são absolutamente diferentes.
Primus inter pares malum
Para Sartre, quando está acordado Genet é mau e inimitável na sua estilística da maldade: "Genet se opõe a todo realismo e a todo naturalismo. A linguagem poética é um roubo com fratura; ele rouba as palavras e as põe a serviço de fins viciosos; artificial e falso, não tem base real alguma" (p. 567). Por isso, Sartre o insere na linhagem de Baudelaire e Mallarmé, pois "para Genet a poesia não revela nada; quando as palavras se queimam e caem em cinzas, sobra apenas o nada; é um retórico" (p. 568). Sua destreza/eficácia em esvaziar-nos dos sentimentos elevados e das convicções nobres, sem nenhuma preocupação com o nefasto efeito de suas palavras sobre o leitor, dá-nos a exata medida de seu individualismo bárbaro. Conforme Sartre, "a poesia de Genet é rigorosamente individual; nasceu e morrerá com ele, carregando seu segredo; com ela, chega ao limite do humano e ao extremo do inumano". De fato, Genet não nos dá nada. "Ao fechar o livro não saberemos mais nada sobre o cárcere, nem sobre os maus meninos, nem sobre o coração humano: tudo é falso" (p. 575). Consideremos agora, contra Sartre, a possiblidade de Genet também nos oferecer alguns pedaços da sua carne, que arranca do próprio corpo com seu stylo-scalpel, para que alimentados com eles iluminemos o kakon que intimamente nos habita, ainda que nos engasguemos com nossa própria bile e nos enojemos das nossas excreções. Assim, lê-lo requererá mais estômago e coragem do que inteligência, pois,
por sua ação de artista e de poeta que realiza enfim o irrealizável, ele obriga os outros a sustentar, em seu lugar, o falso contra o verdadeiro, o Mal contra o Bem, o Nada contra o Ser. O Mal inexpiável é o ato que obriga Outrem a fazer o Mal. Assassinato premeditado da prosa, condenação concertada do leitor, a poesia de Genet é um crime sem circunstâncias atenuantes. (p. 575)
Para o psicanalista, o conhecimento da obra de Genet é um ganho assegurado. Não obstante estejamos tão expostos às projeções massivas da sua analidade escatológica e da sua oralidade necrofágica como qualquer outro leitor, somos intrinsecamente impelidos para o "saber", em acordo com a máxima de Terêncio "Homo sum: humani nihil a me alienum puto",10 e apesar de reiteradamente Sartre qualificar Genet e seus escritos de desumanos ou de inumanos, melhor nos colocaríamos nesse momento ao lado de Nietzsche, acolhendo como humano, demasiado humano tudo aquilo que desfigura a Natureza (em que Bem e Mal inexistem) e subverte o Simbólico (em que estes juízos garantem o exercício regrado da Liberdade) para instituir ali o exercício do Mal pelo Mal, uma vez que tais atos/obras só poderiam ser agenciados pelo próprio homem. Como todos nós, Genet a princípio nada é. Ele faz-se. Inumanizá-lo, animalizá-lo, em nada esclarece o que se petrificou, após a sua morte, como a sua essência. Sartre dizia que a nossa morte é o triunfo do olhar do Outro, pois permite o estabelecimento de um juízo definitivo de outrem sobre a nossa existência. Quem - e como - poderá, porém, julgar um poeta dos infernos?
Se nosso olhar alcançasse o fundo da cratera, em permanente erupção, de onde jorra a obra de Jean Genet, encontraríamos ali um rosto sujo de menino, transido pelo desamparo, desfigurado pelo ódio, em que uma humanidade, ainda em estado germinal, sepultou para sempre os seus pequeninos restos mortais.
Referências
Anjos, A. (s.d.). Versos íntimos. In A. Anjos, Eu e outras poesias. Recuperado em 9 jun. 2019, de www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv.00054a.pdf. [ Links ]
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Winnicott, D. W (2011). Deprivation and delinquency. London: Routledge. [ Links ]
Correspondência:
Roberto Barberena Graña
R. Prof. Annes Dias, 154/1201, Centro
90020-090 Porto Alegre, RS
Tel.: 51 3286-1542
rbgranha@gmail.com
Recebido em 18/3/2019
Aceito em 2/4/2019
1 Ladrão, traidor e perverso.
2 Gide usa inclusive o versículo bíblico "si le grain ne meurt" como título de um dos seus livros autobiográficos (1924). L'imoralist (1902) e Et nunc manet in te (1947) seguem também o gênero confessional.
3 Essa palavra, que vem sendo traduzida pelo neologismo deprivação, tem o sentido de uma expropriação emocional, a perda súbita do bom cuidado/ambiente, do qual se pode desfrutar, por determinado tempo, no período inicial da vida. Os trabalhos de Winnicott sobre o tema foram reunidos e publicados postumamente como Deprivation and delinquency (2011).
4 Cerca de uma década mais tarde, ao escrever a sua autopaidografia, intitulada As palavras, ele apresentará outro quadro da infância, assemelhado ao de Lucien, personagem principal da novela l'enfance d'un chef - segundo Gerassi, um personagem autobiográfico -, que retrata o que o pequeno Jean-Paul viveu com a mãe, viúva e incestuosa, e a avó, complacente e reclusa, sob a tutela/autoridade do avô materno, o professor de alemão Charles Schweitzer.
5 Des flancs connus: refere-se às formas ou vias habituais de uma criança vir ao mundo.
6 Se há nessas repetições diferença ou não, se o que produz tais obras é a operação do sinthoma ou não, são questões certamente oportunas, que poderiam conduzir-nos a uma discussão em tudo interessante, quiçá elucidativa, mas que ultrapassa em muito os limites propostos para este escrito, por si só temerariamente ambicioso.
7 Traduzo essa passagem diretamente do francês, mas o leitor poderá encontrá-la na edição brasileira da autobiografia de Jean Genet, Diário de um ladrão (1968, pp. 30-31).
8 Glaviaux: mais propriamente, atirador de lanças ou de dardos.
9 Relembremos, a propósito, esta passagem dos seus "Versos íntimos": "Acostuma-te à lama que te espera!/ O homem, que, nesta terra miserável,/ Mora entre feras, sente inevitável/ Necessidade de também ser fera.// Toma um fósforo. Acende teu cigarro!/ O beijo, amigo, é a véspera do escarro,/ A mão que afaga é a mesma que apedreja.// Se alguém causa inda pena a tua chaga,/ Apedreja essa mão vil que te afaga,/ Escarra nessa boca que te beija!" (Anjos, s.d.).
10 "Humano sou e nada do que é humano é estranho a mim".