O inconsciente é o cerne fascinante da psicanálise. Freud o reconheceu no início de seu trabalho clínico, e ele e seus sucessores buscaram incessantemente compreender o que é, o que faz, como funciona e sob quais condições obtemos conhecimento dele. Em dois grandes moldes, a primeira e a segunda tópica, Freud conceituou suas experiências clínicas do inconsciente: primeiro, em oposição direta ao consciente, como o sistema Ics, no qual reside o recalcado; depois, refinado em sua teoria estrutural, como o id, no qual estão organizados, além do recalcado, tudo o que nunca se tornou consciente, bem como as porções inconscientes do ego e do superego. Ambas as concepções tentam compreender o inconsciente em si mesmo e em sua interação com o restante da psique.
É importante ter em mente que o sistema Ics e o id - assim como todos os outros conceitos metapsicológicos - são construções teóricas. Os processos inconscientes são reais, mas o Ics, como conceito metapsicológico, não é uma realidade; é apenas o nome de um grupo específico de processos com as mesmas propriedades declaradas (eles são inconscientes). Temos de nomear o que exploramos. As considerações metapsicológicas seguem as leis da lógica e da coerência, são sempre hipotéticas. Isso não as torna irrelevantes de forma alguma. O critério para o valor das concepções metapsicológicas consiste em demonstrar sua utilidade para a prática clínica (Schmidt-Hellerau, 2016).
As considerações que faço aqui se baseiam em minha reavaliação da metapsicologia em direção a uma teoria logicamente coerente, que entende o modelo freudiano da mente como baseado nos conceitos de pulsão e estrutura (Schmidt-Hellerau, 1995, 1997). As pulsões fornecem energia ao aparelho psíquico; as estruturas organizam essas energias com relação à sua regulação homeostática. As pulsões conectam as necessidades fisiológicas com as necessidades psicológicas; as estruturas (rastros de memória) representam o que são essas necessidades. As pulsões nos movem em direção ao objeto; as estruturas controlam esses movimentos, mostrando-nos onde está e o que é o objeto. Ou seja, sem as pulsões, não desejaríamos nada; sem as estruturas, não saberíamos o que desejamos. Todos os elementos de nossa experiência estão associados e representados em estruturas. É o investimento dessas estruturas com a energia pulsional que as ativa e nos dá as ideias que buscamos (Schmidt-Hellerau, 2018). Assim, minhas considerações tentarão mostrar as condições de pulsão e estrutura que distinguem os processos psíquicos conscientes dos inconscientes.
O recalque3
Em sua primeira tópica, Freud conceituou o inconsciente como o recalcado: um desejo sexual proibido é recalcado no inconsciente (sistema Ics) por motivo de autoconservação (medo de punição); mas a partir daí ele se volta continuamente para a consciência (sistema Cs), a fim de alcançar a satisfação com o objeto. “Podemos supor que o recalcado exerce uma pressão contínua na direção do consciente, de modo que essa pressão deve ser equilibrada por uma contrapressão incessante” (Freud, 1915/1957b, p. 151). A insistência aqui emana da pulsão (sexual). A pressão caracteriza a pulsão. O fato de que a contrapressão - o recalque - teria de ser pensada como nada mais do que a atividade da pulsão antagônica (autoconservação) quase não foi reconhecido na psicanálise até hoje. O próprio Freud parece, às vezes, ver essa solução simples com clareza e depois perdê-la de vista novamente.
A primeira tópica entendia o conflito como uma luta entre as pulsões sexuais e as de autoconservação (Freud, 1910/1957a), mas também como uma luta entre os sistemas Ics e Cs. A ideia de que o recalque emanava do sistema Cs era confusa em termos de distinção das funções da pulsão e da estrutura. A situação descrita é a seguinte: a excitação sexual (pulsão) proveniente do Ics desequilibra o Cs (estrutura); o Cs (mais tarde, o ego) ativa a pulsão antagônica (autoconservação), que desencadeia o recalque. Podemos dizer que as pulsões impulsionam e afastam [drive and drive away], pressionam e recalcam [press and repress]; é o princípio de prazer estabelecido nas estruturas (os sistemas ou instâncias) que começa esses processos de pulsão e recalque e os encerra quando o equilíbrio (homeostase) estabelecido nessas estruturas é restaurado. A diferenciação dessas duas funções permite revelar a lógica simples da concepção metapsicológica: “A teoria da pulsão-recalque aparece, portanto, na forma mais simples de uma teoria dualista (antagônica) da pulsão” (Schmidt- -Hellerau, 1995, p. 155).
Na verdade, Freud atribuiu o recalque à pulsão de autoconservação. Por outro lado, ele considerava improvável que as pulsões sexuais também pudessem recalcar a pulsão de autoconservação, razão pela qual sua conceituação do recalque permaneceu inconclusiva. No entanto, suas reflexões sobre o recalque sempre foram guiadas pela ideia de antagonismo das pulsões, de modo que, depois de todas as revisões de sua metapsicologia, ele novamente aponta, em 1925:
A teoria psicanalítica das pulsões sempre foi estritamente dualista e em nenhum momento deixou de reconhecer, ao lado das pulsões sexuais, outras pulsões, às quais ela de fato atribuía força suficiente para suprimir as pulsões sexuais. (Essas forças mutuamente opostas foram descritas inicialmente como pulsões sexuais e pulsões do ego. Um desenvolvimento teórico posterior as transformou em Eros e pulsão de morte ou destruição). (Freud, 1925/1961, p. 218)
No entanto, apesar dessa afirmação, a segunda teoria da pulsão, de 1920, trouxe uma dificuldade adicional. Freud havia identificado a pulsão de morte como uma pulsão destrutiva; o recalque, entretanto, não destrói a representação da pulsão sexual, apenas impede que ela se torne consciente. A simples concepção de que o recalque poderia, em princípio, ser pensado como um processo de pulsão - aqui, como uma atividade da pulsão de morte - tornou-se novamente improvável.4
Revisão da teoria das pulsões
Numa nota de rodapé inserida em 1924 em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud afirma: “A teoria das pulsões é a parte mais importante, mas ao mesmo tempo a menos completa da teoria psicanalítica” (1905/1953, p. 168). É preciso lembrar que isso foi quatro anos depois de ele ter introduzido as pulsões primárias de vida e de morte como um novo antagonismo, com a pulsão de autoconservação sendo atribuída à pulsão de vida (Eros), juntamente com a pulsão sexual como libidinal, e a agressividade/destrutividade sendo designada como representante da pulsão de morte. Freud estava ciente de que sua teoria da pulsão permanecia “inacabada” mesmo após essa revisão. E, de fato, essa derrubada de sua concepção anterior da pulsão levantou inúmeros problemas, dos quais tratei em outros trabalhos (Schmidt-Hellerau, 1995, 1997, 2005). Aqui farei apenas um breve resumo de como a primeira teoria da pulsão de Freud pode ser integrada à sua segunda teoria pulsional (Schmidt-Hellerau, 2006).
Mantemos o antagonismo das pulsões da primeira tópica e atribuímos a pulsão sexual à pulsão de vida (Eros), enquanto a pulsão de autoconservação é incorporada à pulsão de morte. Freud chegou a levar em conta essa possibilidade, mas depois a rejeitou por considerá-la contraditória. Entretanto, se definimos as pulsões de vida e de morte como primárias, podemos entender tanto a pulsão sexual quanto a de autoconservação como resultantes da atividade estruturante do objeto. Em termos de desenvolvimento, podemos então presumir: a fome do recém-nascido se faz sentir como uma tendência (possivelmente dolorosa) ou uma corrente de fome/morte, que o bebê manifesta por meio do choro; o objeto de cuidado intervém, o bebê é amamentado. Ao longo de muitas repetições da mesma sequência de eventos, os traços de memória da cena de amamentação formam estruturas, em que a pulsão de morte agora se detém, e que podem agora ser investidas e ativadas: o bebê “sabe” que está com fome. O medo inominável da morte diminui e se especifica no desejo pelo seio. Isso mostra que o que Freud chamou de pulsão de autoconservação não pode ser considerado como dado (inato), sendo mais bem conceituado como possibilitado pela parte estruturada da pulsão de morte que surge no decorrer das interações com o objeto. Com esse trabalho de estruturação, o medo original da morte é transformado na necessidade do objeto de nutrição e vivenciado agora como o medo de perder o objeto (uma primeira etapa do desenvolvimento).
Como as pulsões, por definição, podem investir diferentes objetos, de acordo com essa concepção, também deveríamos falar apenas de pulsões de conservação, para podermos distinguir melhor entre autoconservação e conservação de objetos. Pois o bebê não quer apenas ser alimentado; ele também agarra a colher e quer alimentar a mãe. E, da mesma forma, as pulsões vitais inicialmente indisciplinadas são estruturadas pelas interações com o objeto e, portanto, sexualizadas. Assim, podemos diferenciar entre o amor ao objeto e o amor-próprio (narcisismo). Basicamente, o objeto estrutura as pulsões primárias de vida e morte, a princípio ainda sem objeto, e assim estabelece as representações do self e do objeto no desejo de satisfação (sexo e sobrevivência).
A autoconservação é, portanto, restabelecida do lado da pulsão de morte, o que simultaneamente indica que a falta de estruturas dessa pulsão primária põe em risco a segurança e a sobrevivência do self e do objeto. Essa nova concepção da pulsão de morte e de conservação torna necessário esclarecer a posição da agressividade nesse modelo da psique. Aqui podemos retornar à concepção de agressividade de Freud de 1909, que atesta a cada pulsão sua capacidade de se tornar agressiva. No desenvolvimento posterior dessa concepção, fica claro que a agressividade deve ser entendida como a expressão de uma excitação quantitativamente intensificada de uma ou ambas as pulsões com relação à distância psicogeométrica do objeto (Schmidt-Hellerau, 2002, 2023). Assim, nessa concepção, a agressividade não é uma pulsão primária ou independente, nem o representante da pulsão de morte, mas apenas a expressão de um quantum maior de energia pulsional ativada, seja de uma, de outra ou de ambas as pulsões.
Energia pulsional
O conceito freudiano de energia é concebido quantitativamente e estabelece o ponto de vista econômico da metapsicologia. O fato de não podermos medir ou provar essas quantidades levou a uma grande negligência e até mesmo à rejeição dos conceitos de pulsão e energia (Holt, 1976). No entanto, pensamos, sentimos e trabalhamos constantemente com quantidades como mais, menos, suficiente e demais. Por exemplo, estamos um pouco irritados, bastante irritados ou completamente irritados; reagimos de forma divertida, alegre, exuberante ou extasiada; nos sentimos sobrecarregados, falamos sobre ter energia ou, ao contrário, não ter energia suficiente. Termos como força ou fraqueza do ego, trauma e angústia referem-se à capacidade estrutural de manter e processar quantidades. Mesmo que não possamos especificá-las, precisamos do fator quantitativo como um conceito metapsicológico.
Qualitativamente, Freud não diferenciou as energias de suas duas pulsões primárias. Mas me parece importante fazer essa diferenciação aqui. Freud chamou a energia das pulsões sexuais, e mais tarde das pulsões de vida, de libido (termo latino para desejo, anseio, luxúria). Para as pulsões de autoconservação e, posteriormente, de morte/agressivas, ele nunca encontrou um termo energético adequado, razão pela qual era difícil pensar e falar sobre seus processos de investimento. Portanto, sugeri o nome lete para a energia das pulsões de morte e conservação. Na mitologia grega, Lete é o rio do esquecimento, que leva do reino dos vivos ao reino dos mortos. Assim, o termo lete não apenas corresponde à relação com a morte reconhecida por Freud, mas também se encaixa no esquecimento de tudo o que é recalcado (esquecido, por assim dizer) e portanto contribui para o inconsciente.
A alegria e a tristeza (Damásio, 2003) apontam para diferenças qualitativas nos investimentos de energia das duas pulsões antagônicas, que podemos esboçar aproximadamente da seguinte forma: a energia das pulsões de vida/sexuais, a libido, promove prontidão, desejo, amor, vivacidade, calor, alegria, leveza, brilho, colorido, mobilidade… e chega ao extremo da mania; a energia das pulsões de morte/conservação, o lete, tende ao esquecimento, obscurecimento, desaceleração, silenciamento, vazio, fadiga, frieza, tristeza, pesar, preocupação… e, no extremo, à depressão e ao estupor catatônico.
Essa caracterização qualitativa dos dois tipos de energia pode dar ao clínico as primeiras indicações de certas tendências da pulsão e do recalque.5 Seu antagonismo corresponde ao antagonismo pulsional postulado, que, dividido, é particularmente evidente nos transtornos maníaco-depressivos. O conceito de Freud de “fusão das pulsões” (como mostrarei, uma função estrutural) parece falhar aqui: a excitação maníaca precisaria de contenção lética, enquanto o humor depressivo precisaria de iluminação libidinal. Como o conceito freudiano de energia sempre foi concebido quantitativamente, as proporções na relação de mistura seriam um fator decisivo.
Além disso, agora também para a oposição entre consciente e inconsciente em relação ao investimento das representações, podemos supor, como uma primeira aproximação, que as representações que permanecem ou são mantidas no inconsciente são predominantemente investidas com energia lética (esquecidas, por assim dizer), enquanto as representações que têm acesso ao consciente seriam predominantemente investidas com libido.
Um conceito importante na metapsicologia de Freud deve ser esclarecido aqui: o princípio de prazer. Concebido como um princípio econômico relacionado a quantidades de energia, ele encontrou sua primeira formulação no “Projeto para uma psicologia científica” como um princípio de inércia e como um princípio de constância; em A interpretação dos sonhos foi chamado de princípio de prazer/desprazer, sendo mais tarde discutido como princípio de realidade, e por fim também reconsiderado sob o nome de princípio de nirvana. Para Freud, que se refere repetidamente a Fechner, todos esses princípios têm a função de manter o equilíbrio do sistema psíquico por meio da redução da tensão. Assim, em última análise, trata-se de uma questão de regulação homeostática ou da estabilidade dinâmica da psique em determinada faixa de estados toleráveis de tensão. O fato de a redução da tensão poder ser experimentada como sensação de prazer contribuiria para esse processo regulatório como um bônus. Mas é fundamental distinguir entre princípio de prazer e sensação de prazer. O princípio de prazer freudiano é um termo metapsicológico e denota apenas a tendência presumida do aparelho psíquico de permanecer em equilíbrio. A sensação de prazer, assim postulada devido à redução da tensão, é provavelmente experimentada como uma sensação de alívio/relaxamento; o prazer puro parece ser uma qualidade experiencial específica das pulsões libidinais; e o alcance das metas das pulsões léticas produziria predominantemente uma sensação de satisfação/contentamento.
Formação de estrutura
Mas como exatamente podemos pensar a formação de representações, e portanto de estruturas, e que papel as pulsões desempenham nesse processo? Com base no pressuposto de Freud de que toda pulsão “tenta se tornar efetiva ativando ideias que estejam de acordo com suas metas” (1910/1957a, p. 213), podemos imaginar esse processo mais ou menos da seguinte forma (ver Schmidt-Hellerau, 2018):
1) A fome é uma das primeiras demandas do corpo sobre a mente em desenvolvimento do recém-nascido. Ela pode ser sentida como um pavor sem nome (Bion), um buraco negro, um abismo devorador, talvez como uma dor aniquiladora, um ataque mortal. A morte pode ainda não ser representada como uma “ideia” ou concepção, mas, para fins de elaboração teórica, podemos chamar essa ameaça existencial de representação lética original da pulsão de morte (permanentemente inconsciente, primariamente recalcada).
2) A resposta de conservação objetal da mãe agora conecta essa primeira “ideia” de morte (inanição) com a ideia lética do objeto de ajuda (amamentação) e, assim, transforma um pavor anteriormente sem nome em uma necessidade de autoconservação, uma fome que exige satisfação. A ideia de fome consiste, portanto, em duas camadas léticas que conectam o medo de morte do bebê com a resposta salvadora da mãe.
3) Mas a mãe não quer apenas alimentar e manter o bebê (lete); ela também está apaixonada por ele, sorrindo, acariciando-o, sonhando com ele etc. (libido). Esse investimento erótico-narcísico adicional - estimulado pelo potencial de seu desejo (suas mensagens enigmáticas, conforme Laplanche) - acrescenta um nível libidinal à representação lética emergente da cena de amamentação, que forma a base para o narcisismo emergente do bebê.
4) A experiência desse amor materno e de sua estimulação sensorial, por sua vez, ativa as pulsões sexuais do bebê (Green, 1993/1999) e desencadeia o desejo como uma reação erótica. Desse modo, a experiência de amamentação adquire uma segunda camada libidinal.
Assim, dentro do traço de memória da cena estática, as representações das duas pulsões antagônicas se combinam para formar uma estrutura na qual os investimentos léticos e libidinais se unem. Freud chamou o alinhamento das pulsões sexuais e de autoconservação de anáclise (apoio). Portanto, a representação de toda experiência estática contém: 1) uma primeira ideia provavelmente ainda indiferenciada do self e do objeto, uma unidade self-objeto; 2) seu investimento com energias léticas e libinais (as primeiras tendendo para o inconsciente, e as últimas permitindo uma parte conscientemente acessível); 3) o princípio regulador específico (ou de prazer) para essa estrutura particular, que corresponde à demanda predominante do corpo sobre a mente nesse momento.
As necessidades de autoconservação desempenham naturalmente o papel principal para o recém-nascido; a predominância quantitativa das pulsões e dos investimentos léticos manterá essas estruturas iniciais permanentemente no estado de inconsciência (o recalque primário do medo da morte). Além disso, o investimento lético também teria funções de manutenção e estabilização da estrutura, enquanto a participação do investimento libidinal facilitaria sua capacidade de mudança.
A tela do sonho de Bertram Lewin como estrutura do inconsciente
Nesse contexto, é interessante reler o trabalho de Bertram Lewin sobre a tela do sonho. Com base em vários exemplos, ele discorreu sobre sonhos visualmente vazios (sonhos em branco), descritos pelos sonhadores como uma massa enorme ou também como uma parede branca ou preta. De acordo com Lewin (1946, 1953), esses sonhos em branco são traços de memória do seio percebido após a sucção, que é reproduzido como achatado na tela do sonho e, a partir de então, usado como tela para a projeção visual do sonho. O sono imperturbado - por assim dizer, sem sonhos - corresponderia ao estado do bebê satisfeito após a amamentação (Lewin, 1948). Na concepção teórica da pulsão apresentada aqui, essa tela do sonho em branco seria formada pelas representações léticas (etapas 1 e 2 da formação de estrutura);6 por um lado, ela forneceria uma estrutura de sustentação para as pulsões de morte e, por outro, permitiria a visualização dos desejos libidinais dominantes do sonho (etapas 3 e 4 da formação de estrutura).
A tela do sonho, no sentido mais estrito, é um elemento visual da … estrutura metapsicológica de um sonho; ela forma o fundo ou a tela de projeção para a imagem do sonho. Ela é plana, ou praticamente plana, como a superfície da Terra, pois é geneticamente um segmento da vasta imagem do bebê do hemisfério mamário.
A classe de sonhos em branco consiste em vários subgrupos, tendo em comum a ausência ou a quase ausência de detalhes visuais e enredos formados e manifestos. Eles podem ser simples espaços em branco visualmente manifestos, ou ser compostos de várias características dos fenômenos de Isakower, ou ser misturados com impressões posteriores. Muitas vezes não podem ser descritos em termos concretos, mas apenas por meio de metáforas, e podem se assemelhar mais a sentimentos e afetos do que a imagens. (Lewin, 1953, pp. 197-198)
Lewin fala de diferentes telas do sonho, que podem ser vazias, mas também completamente brancas ou pretas, em contraste com os sonhos reais, que são coloridos. Reencontramos essa diferenciação de cores em André Green, que descreve o medo de perder o seio com as cores do luto, “preto ou branco; preto como na depressão severa, branco como nos estados de vazio” (1993/1999, p. 209); em contraste, ele caracteriza o medo da castração (sangrento) que acompanha os esforços libidinais como vermelho.
Também parece importante imaginar as estruturas formadas no início como ativas. Uma tela de cinema é estática; a tela dos sonhos de Lewin, por outro lado, trabalha com a dinâmica das forças motrizes.
A tela do sonho chegou ao meu conhecimento quando uma jovem paciente relatou o seguinte: “Eu já tinha meu sonho pronto para o senhor, mas enquanto eu estava deitada aqui, olhando para ele, ele se foi para longe de mim, rolou para longe de mim - para lá e para cá, como dois rolos”. Ela repetiu a descrição várias vezes, a meu pedido, para que eu pudesse comprovar a essência de sua experiência, ou seja, que a tela do sonho com o sonho se inclinou para trás, afastando-se dela, e depois, como um tapete ou lona, rolou para longe, com o movimento rotativo de máquinas de rolar. (Lewin, 1946, p. 420)
Diríamos que o sonho foi recalcado, que uma resistência levou o sonho de volta (para trás) ao esquecimento - os traços de memória da experiência do sonho sofreram um aumento de investimento lético. Uma primeira resposta à pergunta sobre o que torna uma representação ou imaginação inconsciente, tanto no sentido descritivo quanto no dinâmico, estaria portanto, quantitativamente, na proporção de seu investimento: se os investimentos léticos predominam numa mistura de pulsões, então essa representação se torna ou permanece inconsciente; se as energias libidinais predominam, então ela pode ser pré-consciente ou se tornar consciente. Ao mesmo tempo, o exemplo de Lewin parece mostrar que, nessa rolagem da tela, a impressão do sonho permanece no inconsciente.
A psicanálise pressupõe que, no início do desenvolvimento, não há diferenciação (ou não o suficiente) entre sujeito e objeto. As observações de Freud sobre as identificações primárias e secundárias indicam que, no decorrer do desenvolvimento, as propriedades e funções do objeto são metabolizadas, por assim dizer, e integradas à representação do self. O que parece permanecer, entretanto, mesmo após a formação bem-sucedida de representações separadas do self e do objeto, é - digamos - uma impressão inconsciente do objeto no self e do self na representação do objeto. Com um investimento suficiente do objeto primário (materno), o self se sente, por assim dizer, apoiado e seguro (lete), bem como amado e admirado (libido) - ou insuficientemente investido, em perigo (lete), e sem valor (libido). Esses são sentimentos básicos, que muitas vezes só podem ser reconstruídos, e que podem se apegar ao self como uma sombra, mesmo depois de reiterada perlaboração. Da mesma forma, a ideia do objeto contém essa referência ao self, a experiência primordial de uma interação bem-sucedida, prejudicada ou fracassada entre o self e o objeto, na qual as tendências libidinais ou léticas podem predominar. Em essência, então, um objeto permanece potencialmente “voltado para” ou “afastado” [“turned toward” or “turned away”], exatamente como o self o experimentou - a forma primordial da qual ele surgiu.
O lado escuro da Lua
As considerações apresentadas aqui em detalhes mostram como podemos imaginar a função das pulsões na construção de estruturas mentais. Dessa forma, as estruturas são, por assim dizer, os traços de memória da atividade pulsional anterior. Elas são otimamente funcionais quando seus investimentos com energias léticas e libidinais (“mistura de pulsões”) estão num “equilíbrio” dinamicamente estável.7 Em outras palavras, a atividade pulsional forma a estrutura, e a atividade estrutural, doravante, regula e controla a atividade pulsional. Ao mesmo tempo, isso também significa que uma representação consciente (na medida em que não é maníaca) sempre tem uma contrapartida inconsciente. Ou seja, as representações são como a Lua, cuja parte de trás, escura, é invisível; só vemos sua parte consciente, a da frente.8
E o que é verdade para cada representação individual, as microestruturas da mente, também seria verdade para sua ligação em fantasias e complexos imaginativos: eles se tornam conscientes para nós em seu lado frontal libidinal ou libidinalmente impregnado, enquanto são acompanhados e mantidos em seu lado posterior como que por um sonho acordado inconsciente, lético. Essa concepção também é coerente com a teoria estrutural de Freud de 1923, que se deve à sua percepção clínica do funcionamento do ego. Sua segunda tópica apresenta as macroestruturas de id, ego e superego, todas com partes dinamicamente inconscientes. Assim, as macroestruturas de id, ego e superego também são como luas, perceptíveis para nós apenas em sua porção consciente, ou seja, libidinal ou libidinalmente impregnada.
Quantitativamente, então, poderíamos dizer: o consciente e o inconsciente são uma questão de mistura de pulsões, ou de proporção das energias libidinais e léticas. O analista normalmente trabalha dentro de um amplo espectro de concepções de conservação do self e do objeto, bem como de amor pelo self e pelo objeto, que são conscientes ou acessíveis à percepção quando o investimento libidinal predomina. As ideias que são inconscientes no sentido dinâmico receberão um investimento libidinal na análise por meio da análise do recalque, o que permite que se tornem conscientes.
Qualitativamente, um aspecto interessante se acrescenta agora: se as pulsões se tornam efetivas ativando ideias que estão de acordo com suas metas (Freud, 1910/1957a), então isso também deve se aplicar à mistura de pulsões, à combinação de pulsão e recalque, como nas formações de compromisso. Mas isso significa que as porções de energia libidinal e lética determinam não apenas o grau de consciência ou inconsciência, mas também seu conteúdo, sua representação, por meio da qual a concepção original de uma pulsão pode ser alterada, deslocada, obscurecida, distorcida, eclipsada ou levada ao desaparecimento por sua antagonista, e seu afeto, diminuído, modificado ou transformado em medo (Freud, 1915/1957b). Freud reconheceu isso em suas reflexões sobre o recalque:
Não podemos estabelecer nenhuma regra geral quanto ao grau de distorção e distanciamento necessário para que a resistência por parte do consciente seja removida. Um delicado equilíbrio acontece aqui, cujo jogo está oculto para nós; seu modo de operação, no entanto, nos permite inferir que é uma questão de interromper quando o investimento do inconsciente atinge certa intensidade - uma intensidade além da qual o inconsciente irromperia para obter satisfação. O recalque age, portanto, de maneira altamente individual. Cada derivado do recalcado pode ter sua própria vicissitude especial; um pouco mais ou um pouco menos de distorção altera todo o resultado. (1915/1957b, p. 150)
Aqui Freud descreve duas condições sob as quais uma representação pode se tornar consciente ou permanecer inconsciente: a intensidade do investimento (quantitativa) e a distorção da representação (qualitativa). Os sonhos nos mostram com especial clareza que essas distorções ocorrem com os mecanismos de condensação e deslocamento das energias pulsionais e com a simbolização que surge no processo. Podemos supor que a interação dinâmica das associações libidinais e léticas às vezes conduz a uma direção, às vezes a outra, e nesse caso podem se dar “formas extremas de expressão” - evidência de seu “desenvolvimento desinibido na fantasia” (p. 149). Por exemplo, um desejo onírico oral-sexual, a felação, pode aparecer leticamente como um cachorro-quente, após o que tanto o quente quanto o cachorro podem desencadear suas próprias cadeias associativas, que obscurecem ainda mais o desejo oral-sexual original.
A convicção de Freud de que todo sonho é sobredeterminado e que nunca podemos analisá-lo em sua totalidade talvez seja especialmente verdadeira em relação ao seu reverso lético. Embora interpretemos suas partes conscientes e libidinais de muitas maneiras, grande parte de seu reverso lético inconsciente pode permanecer sempre oculto para nós. Assim como a frente libidinal, podemos pensar o reverso lético como uma rede de associações inconscientes que emanam de cada elemento ou descendem do desejo de uma pulsão, proliferando “como que no escuro” (p. 149). E assim como o sonho, o reverso de todas as representações conscientes e cadeias de fantasias teria de ser pensado como impulsionado e mantido por uma rede de imagens léticas, que, como as libidinais, pressionariam por satisfação. O fato de as associações libidinais e léticas lutarem por suas próprias metas antagônicas e ainda assim permanecerem na dinâmica de dependência mútua poderia ser entendido como a base de toda a criatividade.
Na escuridão do lético
Até agora, relacionamos a questão de uma representação ser consciente ou inconsciente à predominância da pulsão. Dissemos: o inconsciente é predominantemente lético; o consciente é predominantemente libidinal. Mas o amplo espectro de ideias conscientes que giram em torno de temas de conservação do self e do objeto, como preocupação, cuidados e alimentação, doença e morte, fantasias de salvação e perdição etc., mostra que as ideias léticas determinam em muito nossa experiência cotidiana consciente. A proporção da mistura de pulsões pode ser aferida, por exemplo, na escolha de um restaurante ou na consideração de um cardápio - se segue predominantemente critérios de saúde (frutas, verduras, produtos integrais) ou se é guiada por aspectos gourmet (foie gras, caviar, cream cheese), sendo que um elemento não precisa excluir o outro (sushi), mas pode indicar uma tendência a conservar o existente ou a explorar e conquistar o novo, o exótico ou o especial.
Se, no entanto, as estruturas falharem em sua função de misturar as pulsões e acontecer uma divisão ou separação dos processos de pulsão libidinal dos processos de pulsão lética, então nos encontraremos na área extrema da doença maníaco-depressiva. As duas pulsões antagônicas perseguiriam suas próprias ideias sem controle, atingindo uma intensidade quantitativa que elevaria até mesmo as pulsões léticas, que normalmente tendem ao inconsciente, acima do limiar da consciência. O que é, por assim dizer, impensável no âmbito dos processos psíquicos normais surge com intensidade avassaladora na doença bipolar. Estamos bastante familiarizados com a experiência do episódio maníaco (por mais extremo que seja): euforia, excitação alegre, prontidão, autoavaliação elevada, tagarelice etc., ou seja, os estados de exuberância libidinal são sempre conscientes. Em contrapartida, a depressão grave parece mergulhar a pessoa numa área da experiência psíquica normalmente inacessível para nós. O depressivo é, digamos assim, banido para o lado escuro da Lua.
Perto das trevas é o título do relato de William Styron (1990/1992) sobre sua experiência de depressão grave. Com detalhes impressionantes, ele descreve o que vivenciou: seu pensamento tornou-se obscuro, ele não conseguia reunir a concentração necessária para manter o trabalho diário e perdeu toda esperança de que as coisas pudessem melhorar. Uma sensação de atemporalidade ou estagnação no momento, a ponto de causar estupor, pânico e ansiedade, alternados com sentimentos de entorpecimento; a restrição de sua voz o levou ao silêncio, ao desespero e a uma sensação de total abandono. A escuridão engoliu tudo, até mesmo a lembrança de dias melhores. Claramente, estamos aqui num reino além da autoconservação garantida, também evidenciado na descrição de Styron de uma sensação de sufocamento ou afogamento, de distúrbios alimentares, medos hipocondríacos, fadiga física e falta de energia, incapacidade de dormir e sonhar,9 e uma resultante exaustão permanente. Ter aterrissado e estar preso no lado escuro da Lua significa estar à mercê de uma dor feroz e perene, dirigida para o interior, nas áreas marginais à morte. Essa experiência é qualitativamente diferente dos estados normais de luto e depressão: “A dor da depressão grave é inimaginável para aqueles que não a sofreram, e ela mata em muitos casos porque sua angústia não pode mais ser suportada” (Styron, 1990/1992, p. 33).10
Styron explica que o humor depressivo normal deve ser categoricamente diferenciado dos estados de depressão maior. O primeiro pode indicar que as representações vivenciadas no luto, na angústia e na culpa emanam de representações predominantemente léticas, mas ainda com investimento libidinal (por exemplo, um objeto de amor perdido). A depressão severa, por outro lado, parece dizer respeito a um estado desprovido de qualquer investimento libidinal (ausência de sonhos, de valor): a intensidade avassaladora da energia lética (sem influência libidinal atenuante), uma pulsão de morte pura que mata porque seu tormento é insuportável (Schmidt-Hellerau, 2023). Isso significaria então que, embora as pulsões léticas em combinação com as libidinais tendam ao esquecimento e ao inconsciente, seu aumento de intensidade (o aspecto quantitativo num processo de alimentação) poderia, ao cruzar determinado limiar, trazer sua qualidade à tona: a escuridão na parte de trás da Lua.11
Considerações finais
Na revisão de sua teoria estrutural em 1923, Freud distingue entre ideias descritivamente e dinamicamente inconscientes: as primeiras são conscientes assim que recebem atenção adicional (libido); as últimas requerem os processos de perlaboração e o levantamento do recalque (lete). A perlaboração e a análise do recalque mudam gradualmente a “proporção de mistura” das pulsões, ou seja, o ponto de ajuste homeostático estabelecido nas estruturas dessas representações. Sem essa adaptação estrutural do inconsciente dinâmico, um investimento libidinal intenso desencadearia angústia e, portanto, um contramovimento lético.
Defendo a opinião de que o antagonismo das pulsões não só forma a estrutura, mas também determina o equilíbrio dinâmico de toda estrutura. Dessa forma, tudo o que é consciente para nós (libido) também deve ser mantido por um lado reverso inconsciente (lete), que nos é inacessível. Se, conforme descrito, distinguimos qualitativamente as energias de ambas as pulsões e assumimos para o investimento lético uma tendência ao esquecimento e ao obscurecimento, ou seja, ao inconsciente, então fica mais clara a noção de que sempre conhecemos apenas o lado consciente de uma ideia, mas nunca seu reverso inconsciente. Isso significa que nossa experiência de vigília é mantida por um processo lético, crucial para nosso equilíbrio mental.
De acordo com Freud, o sonho é a via régia para a compreensão do inconsciente. Mas o inconsciente que o sonho revela mostra apenas sua frente libidinal. São as telas do sonho em branco, conforme Lewin, ou as fases do sono escuras, sem sonhos, inconscientes, que correspondem ao inconsciente predominantemente lético. A depressão severa do transtorno bipolar mostra essa escuridão e esse vazio com insuportável nitidez devido à intensificação não misturada das pulsões léticas.