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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.57 no.3 São Paulo  2023  Epub Nov 04, 2024

https://doi.org/10.69904/0486-641x.v57n3.04 

Temáticos

Considerações sobre religiosidade e espiritualidade na situação clínica

Consideraciones sobre religiosidad y espiritualidad en la situación clínica

Considerations on religiosity and spirituality in the clinical situation

Considérations sur la religiosité et la spiritualité dans la situation clinique

Gilberto Safra1 

1Psicanalista. Professor titular do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP). São Paulo. iamsafra@uol.com.br


Resumo

O autor procura apresentar e discutir a questão da religiosidade e da espiritualidade hoje, a partir de observações e reflexões baseadas na situação clínica psicanalítica. Inicia a apresentação explicitando a formação de imagens do absoluto e do divino por meio de três vértices: experiências de cuidado recebidas pelo bebê, imagens de potência derivadas da experiência de desamparo e precariedade, e acesso a registros éticos, que ofertam ao ser humano a organização de um eixo axiológico pessoal. Discute o amadurecimento da personalidade ao longo do tempo, que também promove a evolução das imagens do absoluto e do divino, a partir dos registros ontológico e ôntico. Por fim, aborda fenômenos que possibilitam o estabelecimento de uma espiritualidade pessoal.

Palavras-chave: religiosidade; espiritualidade; imagens do absoluto; ontológico; ôntico

Resumen

El autor busca presentar y discutir el tema de la religiosidad y la espiritualidad hoy, a partir de observaciones y reflexiones hechas desde la situación clínica psicoanalítica. Empieza la presentación explicando la formación de imágenes de lo absoluto y lo divino por medio de tres vértices: experiencias de cuidado recibidas por el bebé, imágenes de potencia derivadas de la experiencia de indefensión y precariedad, y acceso a registros éticos, que ofrecen al ser humano la organización de un eje axiológico personal. Discute la maduración de la personalidad a lo largo del tiempo, que también promueve la evolución de las imágenes de lo absoluto y lo divino, a partir de los registros ontológicos y ónticos. Por último, aborda los fenómenos que permiten el establecimiento de una espiritualidad personal.

Palabras clave: religiosidad; espiritualidad; imágenes de lo absoluto; ontológico; óntico

Abstract

The author aims to present and discuss the issue of religiosity and spirituality today, using observations and reflections based on psychoanalytic clinical situation. He begins by explaining the formation of images of the absolute and the divine through three vertices: care experiences received by the baby, images of potency derived from the experience of helplessness and precariousness, and access to ethical perspectives, which offer the human being the organization of a personal axiological axis. He discusses the maturation of the personality over time, which also promotes the evolution of the images of the absolute and the divine, from the ontological and ontic point of views. Finally, he addresses phenomena that enable the establishment of a personal spirituality.

Keywords: religiosity; spirituality; images of the absolute; ontological; ontic

Résumé

L’auteur cherche à présenter et à discuter la question de la religiosité et de la spiritualité aujourd’hui, à partir d’observations et de réflexions basées sur la situation clinique psychanalytique. Il commence sa présentation en expliquant la formation des images de l’absolu et du divin à travers trois sommets : les expériences de soins reçues par le bébé, les images de pouvoir dérivées de l’expérience de l’impuissance et de la précarité, et l’accès aux registres éthiques, qui offrent à l’être humain l’organisation d’un axe axiologique personnel. Il traite de la maturation de la personnalité au fil du temps, qui favorise également l’évolution des images de l’absolu et du divin, à partir des registres ontologiques et ontiques. Enfin, il aborde les phénomènes qui permettent l’établissement d’une spiritualité personnelle.

Mots-clés: religiosité; spiritualité; images de l’absolu; ontologique; ontique

Abordar o tema da religiosidade e da espiritualidade no campo psicanalítico é demanda fundamental em nossos tempos. Embora esses fenômenos tenham sido postos à margem por terem sido considerados pouco científicos ao longo da modernidade, com a vida no campo social tendo sido reduzida a pura imanência e estabelecida com ausência de sacralidade, tais temas tornam-se necessários para o reposicionamento do éthos humano na atualidade. Hoje observamos o aparecimento de modalidades fundamentalistas de religiosidade, que produzem atos violentos, e assistimos à invasão do espaço público e político por religiosidades sem transcendência, com o surgimento de atores públicos que encarnam figuras messiânicas, o que tem levado à eclosão de fenômenos de barbárie. A investigação psicanalítica, por estar estabelecida numa metodologia que permite observar sutilezas subjetivas ao longo de anos, pode contribuir e muito para a compreensão da constituição e do adoecimento da religiosidade no ser humano. Em considerações sobre esse tema, Vaz afirma:

A relação entre mística e política na atual situação espiritual e cultural do Ocidente aparece, na verdade, paradoxal. O político, como previra Hegel, acabou por penetrar e envolver todas as esferas da existência, canalizando para seus desígnios de poder as poderosas energias psíquico-espirituais despertadas no ser humano pelo apelo ao absoluto e que devem confluir normalmente para a experiência mística. Mas o pseudoabsoluto do político - do Estado - não é, por definição, capaz de acolher, e muito menos satisfazer, a autêntica intenção do absoluto constitutiva do nosso espírito. (2000, p. 12)

O horizonte imanente do espaço social parece estar determinado por excesso de instrumentalização e de funcionalidade da vida humana, que ocorreu por incremento da técnica como modo de vida, por anseio de favorecer um suposto domínio sobre o mundo e sobre a própria condição humana. Nesse horizonte, a palavra perde a espessura do significado e se torna mero instrumento de nomeação dos fenômenos, o que acarreta o exílio do mistério, do poético e do sagrado do espaço de vida dos seres humanos. Em decorrência desse fenômeno, assistimos ao achatamento da singularidade, da diversidade da experiência humana, o que leva a pessoa a estar submetida a um horizonte social e existencial em que a vida se manifesta com total visibilidade, em que a singularidade de cada pessoa dilui-se na massificação e na uniformização dos modos de ser dos indivíduos. Esse campo social põe o ser humano em uma situação que não lhe oferta a possibilidade de experimentar a proteção da sombra, do oculto, do segredo, do indizível, do mistério. A interioridade de cada pessoa perde-se na exposição superficial de si, sem a privacidade necessária para o estabelecimento e o desenvolvimento de um mundo interno vivo e significativo.

A comunicação inter-humana reduz-se ao já dito, e o indivíduo não mais encontra o dizer poético, que poderia lhe oferecer a experiência de frescor e de revelação diante de si e dos outros. Consequentemente, observamos o aparecimento de pessoas cujo modo de ser mostra total adesão aos signos, aos nomes e aos instrumentos. Essa perspectiva nos leva a perceber a ocorrência de processos de organização psíquica em que há o estabelecimento de subjetividades artificializadas, digitalizadas. Surgem personalidades avatares digitais, que estão determinadas desde o espaço social e a partir do ciberespaço, e não por vetores de sua interioridade.

Essas modalidades de subjetivação falseada manifestam uma maneira de ser bidimensional, na qual a interioridade como que desaparece. Nesses casos, o polo organizador do modo de ser dessas pessoas não se encontra em seu interior, mas sim fora delas. A corporeidade, por exemplo, torna-se algo a ser transformado por técnicas e por procedimentos. Assim, a questão do desejo, a questão da corporeidade, as facetas da interioridade do ser humano se põem sob o domínio de um anseio técnico e funcional.

No outro extremo, encontramos pessoas que procuram escapar à aderência a esse mundo totalmente determinado, que buscam um niilismo superficial como modo de ser. Se por um lado esse tipo de destinação as salva de se aparentar excessivamente com o mundo das coisas, com os objetos manufaturados e com o horizonte digital, por outro lado as joga em experiências agônicas, uma vez que acabam se sentindo exiladas da própria condição humana, perspectiva de vida que inúmeras vezes as leva a buscar na automutilação e no suicídio uma saída trágica para escapar de uma agonia existencial claustrofóbica.

Nessa situação, observamos a busca por religiosidades fáceis, que são apresentadas no espaço social como um produto a ser consumido, que pretendem oferecer vivências aditivas, que frequentemente incrementam o achatamento da experiência de si.

Ao conduzir diferentes situações clínicas, nas quais foi necessário abordar essas formas de subjetivação, pude observar a complexidade da condição humana em nosso tempo. Nesse trabalho, foi preciso que eu utilizasse dois registros de compreensão, que se revelaram fundamentais para o manejo da situação clínica: o registro ôntico e o registro ontológico. Esses registros foram tematizados fundamentalmente a partir das contribuições de Pavel Florensky (1882-1937) e Edmund Husserl (1859-1938), e encontraram grande envergadura nas contribuições de Martin Heidegger (1889-1976), Edith Stein (1891-1942) e de teóricos e pesquisadores preocupados com a condição humana diante do projeto da modernidade. Pode-se observar que o uso desses dois conceitos por autores de distintas áreas do conhecimento decorreu da necessidade de diferenciar a complexidade dos fenômenos diante do crescente achatamento da experiência humana em nosso tempo.

Ao manejar diferentes situações clínicas em que estava presente a questão do falseamento, da artificialização e da digitalização da subjetividade humana, pareceu-me que esses conceitos poderiam também auxiliar na compreensão, na discriminação e no manejo da experiência clínica com esse tipo de problemática. Algo dessa discussão apareceu nas contribuições de Bion, quando esse autor percebeu a necessidade de diferenciar a realidade psíquica sensorial da realidade psíquica não sensorial.

O conceito de ôntico se articula com a possibilidade de abordar a condição humana no eixo espaçotemporal, na dimensão empírica dos acontecimentos no mundo. Quando estamos com um analisando, ele nos conta sua biografia, sua história, seu cotidiano - aborda a própria experiência de si nesse eixo espaçotemporal. As narrativas e organizações psíquicas que acontecem no registro ôntico se assentam sobre uma apreensão da condição humana a partir do campo da sensorialidade. Bion (1967/1984) observou e descreveu dimensões do psiquismo humano que se organizam na sensorialidade, o que ele denominava de realidade psíquica sensorial. Nesse registro, encontramos a noção de psíquico com a qual estamos familiarizados.

No entanto, o ser humano é de tal complexidade que as suas experiências não podem ser totalmente apreendidas somente no eixo espaçotemporal. Necessitamos também introduzir o conceito de ontológico. Este se refere a todo campo de experiência e consciência do ser humano que está para além do tempo e do espaço e, portanto, da sensorialidade. Ontologicamente, o ser humano está sempre aberto ao outro. Essa abertura é diferente daquela que nos é ofertada pelos nossos órgãos de sentido. Trata-se da condição humana que demanda o “estar com” como fundação da constituição e evolução da pessoalidade humana. É na matriz originária do “estar com” que emerge o fenômeno da intersubjetividade.

O ser humano, em seu percurso pela vida, tem a possibilidade de vir a saber algo de fundamental acerca da condição humana e do viver por meio de suas experiências. Nesse registro, trata-se da possibilidade de vir a conhecer facetas da condição humana que acontecem no campo do sentir. São experiências que podem ser consideradas visitas da verdade. Desde o início da vida, a pessoa é atravessada por uma lucidez sem palavras que lhe dá a oportunidade de acessar um saber sobre a condição e a vida humana. Isso acontece antes mesmo de que haja algum tipo de organização intelectual que possibilite conhecer a partir do uso da palavra e da cognição. A pessoa é atravessada por experiências que lhe desvelam a condição humana muito antes que ela possa articular mentalmente o que a visita.

Estamos familiarizados com o fato de que o ser humano, ao longo do processo maturacional, eventualmente adquire o uso da linguagem compartilhada. Quando isso acontece, torna-se possível para a criança nomear, fazer referências, lidar com a experiência do vazio e da ausência, através de símbolos e significações. No entanto, do ponto de vista ontológico, uma criança é afetada pela linguagem provinda do outro antes mesmo de ter domínio da linguagem compartilhada que lhe possibilita significar as experiências.

Essas considerações nos permitem afirmar que o ser humano tem uma disponibilidade originária para ser afetado e para interpretar o outro, a si mesmo e o mundo. Isso significa que o ser humano parece responder, desde o início de sua existência, a sentidos, e também parece poder constituir sentidos antes mesmo de ter o domínio da linguagem compartilhada. A esse respeito, Winnicott afirma:

A intercomunicação entre o bebê e a mãe-ambiente é, sem dúvida, sutil até certo ponto, e um estudo disso nos envolveria em um estudo tanto da mãe quanto do bebê. Vou apenas abordar este assunto. Talvez para o bebê haja comunicação com a mãe-ambiente, evidenciada pela experiência de sua não confiabilidade. (1963/1990, p. 183)

Vale observar que Winnicott assinala que a comunicação com a mãe-ambiente é explicitada pela não confiabilidade do ambiente. O ser humano assim que nasce depara-se com uma instabilidade que não decorre só da experiência de estar num mundo em que a sua corporeidade é afetada pela força da gravidade. Sabemos da importância dos braços maternos para conter a criança frente à força da gravidade. Encontrar a gravidade sem os braços maternos é encontrar a agonia da queda sem fim. A gravidade informa a criança, a partir da sua corporeidade, sobre a instabilidade da sua condição. Compreende-se o fenômeno da gravidade como um fenômeno ôntico que desvela a faceta ontológica da condição humana: a instabilidade, o desamparo.

Somos instáveis e precários não apenas porque o nosso corpo mostra-se vulnerável, mas também porque do ponto de vista ontológico o nosso ser nos escapa. Vivemos em nossa experiência cotidiana o contínuo deslizamento do nosso ser. Em razão dos atravessamentos que experimentamos, temos a consciência de que vivemos entre o ser e o não ser. O que sentimos em determinado momento se esvai no momento seguinte, desvelando nossa instabilidade e nossa precariedade originárias. Esses fenômenos nos proporcionam saber sobre a condição humana por meio dos fenômenos empíricos e para além dos informes sensoriais.

O registro ôntico e o registro ontológico caminham juntos de modo indissociável. Toda experiência empírica nos oferta consciência de facetas do si mesmo e do mundo, ao mesmo tempo que nos desvela a condição humana em seu registro ontológico.

É possível observar que, ao sermos atravessados por eventos que nos desvelam o originário, o ontológico, necessitamos, em nossa comunicação com os outros, de modos de expressão que transbordem o registro discursivo, que é a modalidade de linguagem mais adequada para o relato das experiências empíricas. A comunicação flui ao lado da dimensão discursiva para apresentações que melhor explicitem as experiências ontológicas: o registro artístico-poético.

A comunicação humana, habitualmente, tende a conter esses dois registros. Como clínicos, com frequência temos a experiência de estarmos frente a pessoas mergulhadas no espaço e no tempo de modo tal que parecem esquecidas do originário e do ontológico. Estão capturadas pela mundanidade e se comunicam por meio de um discurso sem poesia. Quando isso acontece, testemunhamos a situação clínica tomada por grande aridez, e a palavra aproxima-se da coisa.

A compreensão dos registros ôntico e ontológico é muito importante para lidar com os modos de ser e os modos de subjetivação do mundo contemporâneo, e para entender os diferentes estados mentais ligados à religiosidade e à espiritualidade de uma pessoa.

Religiosidade no registro ôntico (realidade psíquica sensorial)

Ao longo do processo maturacional, parece ocorrer uma reunião de diferentes boas experiências vividas no psiquismo da criança. Esse fenômeno acontece por processo acumulativo, de modo a reuni-las em uma totalidade, que instaura as ideias de bem e de bondade. É um fenômeno decorrente da experiência de confiabilidade, que se deu a partir do cuidado e da sustentabilidade oferecidos ao bebê. É sobre essas ideias de bem e de bondade que se assenta a possibilidade de “confiar em”, matriz subjetiva do que poderá vir a ser uma futura concepção de um ser divino (Winnicott, 1963/1990). É importante ressaltar que se trata de um fenômeno que estabelece no psiquismo do bebê as ideias de bem e de bondade, e não só experiências de bom e mau, como postulava Melanie Klein.

Estamos familiarizados com a perspectiva de que o ser humano tem uma disponibilidade para sentir, para afetar-se e para vir a estabelecer, com o avanço do processo maturacional, uma organização mental. No entanto, a experiência clínica permite observar que também parece existir no ser humano, de modo originário, uma disponibilidade para “estimar”, para compreender que os eventos inter-humanos afetam a experiência de si como bem ou como mal. Essa perspectiva nos possibilita testemunhar na experiência clínica os primórdios do que poderá vir a ser um senso ético. Ao reconhecermos a singularidade de uma pessoa, podemos observar que, em decorrência de seus processos de vida, ela organiza um eixo axiológico (escala de valores) peculiar ao seu modo de ser. Cada ser humano é portador de uma composição singular de valores éticos. O percurso pela existência constitui em cada pessoa um saber sobre a ética, decorrente dos encontros e desencontros que ela experimentou. Assim, é possível reconhecer no modo de ser de uma pessoa um saber sobre a condição humana. A experiência de vida lhe possibilita um saber sobre o éthos humano. As experiências de hospitalidade, de reconhecimento de si, de pertencimento, entre outras experiências éticas, permitem que a pessoa alcance o saber de dimensões fundamentais do éthos humano. No entanto, a condição humana é de tal ordem que uma pessoa também pode vir a saber algo sobre o éthos humano pelas destituições que sofreu. Trata-se de um saber a partir do não acontecido.

No fenômeno que buscamos focalizar, há o estabelecimento no psiquismo da criança de um conjunto de experiências que lhe outorga as ideias de bem e de bondade, o que eventualmente poderá ser para ela o solo para uma concepção de divindade. Winnicott (1963/1990) ressalta que a possibilidade de um indivíduo conceber um deus no céu lhe oferta a possibilidade de guardar a bondade de seu self da possível destrutividade que encontra em si mesmo. Evidentemente, essa matriz da experiência de bem e de bondade sofre transformações ao longo da vida de uma pessoa, decorrentes do processo maturacional e do meio sociocultural no qual ela está inserida.

Outro conjunto de fenômenos relacionados ao estabelecimento de ideia de divindade no psiquismo humano decorre da instabilidade vivida pelo ser humano ao acessar a sua finitude. Stein afirma:

Conservando na minha memória o meu ser passado e imaginando o meu ser futuro, sem lhe dar estritos limites, obtenho a imagem de um passado e de um futuro, de um ser permanente, quer dizer: de uma extensão de existência, … mas na realidade o meu ser encontra-se como sobre o gume de uma faca. (1950[1935-1936]/1994, p. 45)

A condição do ser humano é paradoxal, pois ele é um ser finito, mas com a possibilidade de conceber o infinito. Tal perspectiva leva o indivíduo a conceber um ente que poderia fruir da plenitude do ser. Surgem no seu imaginário figuras de poder. Constitui-se nesse registro uma tessitura psíquica de imagens que supostamente presentificariam o absoluto. Estamos familiarizados com o fenômeno no qual uma pessoa usa algumas dessas imagens na organização do seu ego ideal. Ao falarmos das imagens do divino presentificadas na vida psíquica de alguém, podemos reconhecer que elas estão figuradas, sendo portanto parte do registro representacional do psiquismo humano. A esse respeito, Stein afirma: “É verdadeiramente infinito o que não pode acabar e que está em posição de ser, é dono do ser e, em verdade, é o ser mesmo” (1950[1935-1936]/1994, p. 74).

Estamos, portanto, assinalando três vetores que contribuem para o estabelecimento de imagens do absoluto e do divino no psiquismo humano: imagens que surgem por efeito acumulativo de experiências de cuidado oferecidas pela mãe-ambiente, imagens que acolhem valores éticos decorrentes de encontros e desencontros humanos, e imagens derivadas das experiências de finitude, que outorgam ao indivíduo concepções imagéticas de entes que supostamente teriam a plenitude do ser.

As concepções religiosas no psiquismo humano sofrem evolução à medida que a personalidade do indivíduo alcança um funcionamento mais integrado e maduro. Em determinado momento do processo maturacional, as diferentes imagens do absoluto e do divino integram-se às concepções religiosas desenvolvidas ao longo da vida do indivíduo, pela assimilação das tradições culturais que tiveram influência sobre ele. É um momento bastante importante aquele no qual uma pessoa, a partir das imagens do absoluto presentes em seu psiquismo, consegue realizar uma apropriação pessoal da tradição espiritual ou religiosa em que está inserida.

Muitas vezes, esses diferentes registros de imagens não se integram ou não alcançam a maturação em decorrência de paradas no desenvolvimento, por processos dissociativos ou por organizações defensivas diante de estados agônicos. Nesses casos, tais imagens podem vir a estar a serviço de alucinoses ou de movimentos de engrandecimento do self.

Os distintos vetores que constituem a tessitura do psiquismo humano precisam ser compartilhados na experiência com um outro. A ausência de um outro com quem seja possível maturá-los pode jogar o indivíduo no indizível enlouquecedor. O fato de a existência humana precisar acontecer em presença de outros é um elemento interessante, que assinala características essenciais da natureza humana - dimensão fundamental da condição humana que se caracteriza pela matriz originária do “estar com”. O contato com outros significativos e o desenvolvimento de elaboração psíquica permitem que as imagens do absoluto sejam integradas, simbolizadas e destinadas de modo a enriquecer a vida interior do indivíduo.

Pode-se falar de um desenvolvimento das concepções religiosas ao longo do processo de maturação de um indivíduo em interação com outros seres humanos significativos. Dessa maneira, as primeiras representações da criança sobre o divino, como as que apresentam sentimentos de potência - poder, força, alegria e assim por diante -, podem ajudá-la a lidar com seus medos e angústias frente à vida e lhe garantir o seu sentimento de existência. Essas imagens podem sofrer alterações ao longo do seu desenvolvimento e pelo trabalho realizado na situação analítica. A esse respeito, Jones (1991) apresentou em seu trabalho o estudo da imagem de deus na economia psíquica de uma pessoa através do estudo da transferência na situação analítica. Ele assinalou que a religião pode ser conceituada como uma forma de transferência. É possível, segundo ele, traçar um paralelo entre os padrões transferenciais que acontecem nas diferentes áreas da vida de uma pessoa e os seus laços afetivos com o sagrado. Essas representações adquirem qualidades humanas pela assimilação das características das pessoas com as quais ela se relacionou.

É nesse momento que as imagens do divino presentes no psiquismo da pessoa expressam as relações de transferência advindas da história do indivíduo.

É bem comum os estudiosos de psicanálise observarem pacientes cujas referências a Deus deixam entrever o funcionamento de “memórias” relacionadas ao pai. A palavra “Deus” indicaria a escala por cujo intermédio se deve medir a grandeza, a sabedoria e a força do pai. (Bion, 1967/1984, p. 130)

A maturação psíquica de uma pessoa pode possibilitar que as imagens de deus em sua interioridade ganhem maior abstração e flexibilidade. Gradualmente, ao longo da vida, quando o indivíduo já tiver experiências suficientes dos processos de vida, ele poderá desenvolver maior confiança na superação de conflitos. Experiências mais primitivas, de etapas mais arcaicas na formação do psiquismo, poderão ser transformadas e integradas pelas novas experiências da pessoa. Nesse momento, será possível ao indivíduo realizar uma apropriação pessoal das religiões e dos modelos de espiritualidade presentes na cultura.

É no compartilhar com os outros que essas experiências podem vir a ser representadas, conceituadas e articuladas, levando o indivíduo a ter concepções religiosas que evoluem com o seu desenvolvimento. Há nesse processo integração da sabedoria, decorrente da superação dos desafios propostos pelo viver, com as imagens sobre o divino. Aí estará o aparecimento de uma possível consciência religiosa ou horizonte de espiritualidade

Nesse registro, o trabalho clínico, realizado por meio do trabalho no campo das representações imaginárias, as quais desfilam no interjogo transferencial, possibilitará a presentificação na situação transferencial não só das imagos paternas e maternas, imagens do ego ideal do analisando, mas também das diferentes vertentes das imagens do absoluto e do divino que foram estabelecidas em seu mundo interno. Com o trabalho clínico realizado, haverá a possibilidade de observar a evolução das imagens matrizes sob as quais o analisando estabelece as suas experiências religiosas e de espiritualidade. Desse modo, acontece nesses analisandos uma evolução do sentimento religioso e da experiência de espiritualidade em decorrência do seu amadurecimento psíquico. Nesse registro, as diversas imagens do absoluto aportam no campo transferencial, facilitando que o analisando se aproxime de uma experiência de divindade para além do campo representacional. Em relação a esse fenômeno, Bion afirma:

o grau em que a memória e o desejo obstruem a relação do paciente com um seio ou pênis ausentes, num dado nível mental ou determinada época da vida em que tal objeto seria importante a ponto de evocar sentimentos análogos àquilo que, num adulto, seria temor religioso; o que poderia ser representado através do termo “desejo”. Tomando a evidência em seu outro aspecto - ou seja, no “sentido” memória - o grande mérito da mesma seria a revelação do grau em que o relacionamento do paciente com Deus foi perturbado por modelos (ou elementos da categoria C) sensorialmente desejados, os quais impediram uma experiência inefável em virtude do caráter concreto, e da inadequação, portanto, deles, para representar a “realização”. Em termos religiosos, essa experiência pareceria ser representada por afirmações de que a humanidade ou o indivíduo se deixaram iludir por imagens entalhadas, ídolos, estatuária religiosa, ou, em psicanálise, pelo analista idealizado. … A necessidade de se fazer essa apreciação e interpretação tem amplas consequências: estenderia a teoria psicanalítica de forma a abranger as opiniões de místicos que vão de Bhagavad Gita até a atualidade. (1967/1984, p. 130)

Como parte do que será a constituição da religiosidade de uma pessoa, não só comparecem as imagens do divino que ela desenvolveu ao longo do seu percurso, mas também se inscrevem as diferentes experiências do sagrado que ela viveu ao longo de sua existência, perspectiva que vou abordar no próximo tópico.

Religiosidade no registro ontológico (realidade psíquica não sensorial)

A experiência do sagrado está para além do campo das representações; emerge em um registro não representacional. A experiência do sagrado acontece como um evento que suspende a capacidade de uma pessoa de representar as suas experiências, seja em imagens, seja em palavras.

A questão do sagrado apresenta-se como elemento fundamental em nosso momento histórico, pois esse fenômeno aparece como ruptura em um campo social determinado pela funcionalidade e pelo excesso de nomeação. O fenômeno do sagrado resiste a qualquer tentativa de representação, nomeação ou conceituação. Otto afirma:

Quando a alma se abre às impressões do Universo, a elas se abandona e nelas mergulha, torna-se suscetível, segundo Schleiermacher, de experimentar intuições e os sentimentos de algo que é, por assim dizer, um excesso característico e livre que se acrescenta à realidade empírica, um excesso não apreendido pelo conhecimento teórico do mundo e da conexão cósmica, tal como está constituído pela ciência. (1917/1992, p. 188)

Na situação clínica, a experiência do sagrado aparece como experiência estética, ética e transcendente. Essa experiência é descrita pelos analisandos como ruptura do cotidiano e como algo surpreendente, podendo ter um efeito disruptivo, constitutivo, ou produzindo transformação do self. O efeito da experiência relaciona-se com o repertório de experiências anteriores do indivíduo e da maturação de sua pessoalidade. Essa experiência é descrita como visitação, como presença, como profunda experiência de alteridade, como encontro com o tremendo, com o sublime, com o belo.

Um objeto belo só pode causar impressão pela sua beleza se existir e na medida em que existe a priori no próprio homem um critério de apreciação pessoal, especificamente um critério estético. Uma tal predisposição só se explica mediante um obscuro saber originário, que tem como objeto o valor do belo. Uma vez que este saber está no homem, ou antes, uma vez que o homem é capaz de ter e formar, está apto a reconhecer a beleza quando se encontra na presença de um dado objeto que é belo e a sentir que este objeto corresponde ao critério escondido que o homem possui em si mesmo. (Otto, 1917/1992, pp. 202-203)

É interessante observar que o autor explicita a disponibilidade de um saber originário, ontológico, que possibilita que o ser humano seja afetado por um objeto que se lhe mostra como um valor transcendente.

A pessoa refere-se ao sagrado quando, em diferentes momentos de sua vida, encontra uma situação que lhe proporciona a experiência de transbordamento, encanto e transformação de si, em direção à possível realização de uma experiência de transcendência. Do ponto de vista do self, a pessoa tem a experiência de realização de encontro com um possível objeto transformacional. Bollas observa:

A procura do objeto transformacional é uma busca sem fim, através da memória, de alguma coisa no futuro que é inerente ao passado. Acredito que se investigarmos vários tipos de relações objetais, descobriremos que o sujeito está procurando o objeto transformacional e desejando ajustar-se a uma harmonia simbiótica dentro de uma estrutura estética, que promete metamorfosear o self. (1987/1992, p. 59)

Quando digo que a experiência do sagrado pode ser vivida como um encontro com um possível objeto transformacional, compreendo que o fato de a experiência ser vivida nessa perspectiva acontece pela tentativa da pessoa de colocar um fenômeno de alteridade radical sob o domínio do eu.

Esse acontecimento ocorre independentemente das imagens do absoluto ou do divino presentes no mundo psíquico da pessoa. Embora a questão do sagrado seja tradicionalmente abordada no campo da religião, esse fenômeno acontece como um “para além” das concepções religiosas da pessoa que viveu esse tipo de experiência. No sentimento religioso, encontramos o sentimento de reverência, de devoção frente ao divino. Na experiência do sagrado, o indivíduo vive uma experiência de alteridade radical, na qual pressente o Real.2

A experiência clínica mostra que a faceta da alteridade surge diante da pessoa como experiência de visitação, que ora lhe causa horror, ora lhe causa beatitude. A experiência de transcendência põe o ser humano em face de algo paradoxal, pois ao mesmo tempo que ela aparece como que constituindo a experiência de si mesmo, coloca em suspensão ou até desfaz o sentido de si.

O encontro com o sagrado em alteridade como que põe a pessoa em uma experiência de descriação, o que a leva a temer a experiência transcendente. Simone Weil afirma:

É preciso não ser eu, e menos ainda ser nós. A cidade dá o sentimento de estar em casa. Ter o sentimento de estar em casa no exílio. Estar enraizado na ausência de lugar. Desenraizar-se socialmente e vegetativamente. Exilar-se de toda pátria terrestre. Fazer tudo isso a outrem, a partir de fora, é sim Ersatz de descriação. É produzir irrealidade. Mas ao nos desenraizarmos buscamos mais realidade. (1947/2004, p. 41)

É nesse registro que vemos acontecer, quando a pessoa pode se deixar atravessar pela experiência, a possibilidade do aparecimento da espiritualidade, que poderia ser fenomenologicamente descrita como uma descriação da imanência e da mundanidade do si mesmo. Nessa perspectiva, o homem vê-se diante de um “para além”, que o visita como temor frente ao numinoso, como amor que tudo consome, como eclosão sublime no meio da criação. Winnicott (1970/1995) aborda algo dessa experiência de descriação quando aponta a necessidade de crescer para baixo para poder sair pelo pequeno buraco chamado morte, aspecto da existência humana que possibilita o que poderíamos designar, na situação clínica, como fundação da espiritualidade: aceitar-se finito na experiência de humildade.

Enquanto a religiosidade se apresenta como anseio de comunicação/comunhão com a divindade ou o absoluto (religare), a espiritualidade se mostra como possibilidade de superar a dimensão representacional do psiquismo em direção à realidade psíquica não sensorial e como acolhimento da possibilidade da morte, que situa a pessoa na experiência de humildade. A religiosidade poderia ser apresentada por meio da palavra comunhão (religare), ao passo que a espiritualidade poderia ser assinalada pela palavra humildade. Caminho necessário para o estabelecimento da possibilidade da serenidade. Serenidade compreendida como possibilidade de aceitar as vicissitudes da existência humana, de tal modo que a instabilidade, a precariedade, a finitude, as situações adversas são acolhidas pelo modo de ser pessoal de um indivíduo.

A possibilidade de experimentar a serenidade também se relaciona à capacidade de a pessoa acolher o seu destino, integrando o seu passado e se abrindo para a imprevisibilidade do futuro, por meio da sustentação ofertada pela esperança de alcançar um sentido derradeiro diante de sua partida. O estabelecimento da serenidade não significa que a pessoa deixe de sentir ansiedade ou medo. O que ocorre é que ela pode vir a ter um posicionamento existencial e psíquico a partir do qual é possível acolher as diferentes experiências de vida, com relativa estabilidade e calma.

Do ponto de vista do manejo clínico, é fundamental o trabalho que possibilite ao analisando apropriar-se de seu eixo singular axiológico, para destiná-lo em direção ao futuro de sua existência. Quando isso acontece, testemunhamos o aparecimento da espiritualidade pessoal do analisando, na qual a sua existência acontece não só pelo imediato, mas sobretudo por um sentido último que orienta o seu porvir, sentido que pode ser verdade, justiça, solidariedade, comunidade, entre outros. No caso da religiosidade, esses sentidos tornam-se nomes de deus. No caso da espiritualidade ateia, valores éticos fundamentais com sentido existencial.

Nesse ponto de seu percurso, a pessoa percebe o modo como o sentido de sua vida se constitui e a maneira como a sua espiritualidade se descortina. Quando ela passa a ter consciência desse processo, passa a viver em sintonia com a forma como a sua espiritualidade acontece.

Nesse vértice, o trabalho clínico não finaliza quando o analisando ressignifica seu passado e se apropria do seu lugar. Será necessário que se caminhe o suficiente na situação clínica para que a pessoa venha a se apropriar do sentido inerente à sua utopia pessoal, para que a sua espiritualidade se constitua e para que vá adiante na existência sustentada pelo sentido ou valor que é a referência fundamental de sua espiritualidade.

Na linguagem do poeta e mestre espiritual Rumi (século 13), o ser humano maduro acolhe a sua orfandade decorrente da superação da sua mundanidade (margem do rio). O fogo das vicissitudes da vida amadurece a condição humana, de tal modo que a sua relação com a vida se estabelece por meio da sua capacidade de amar em meio às adversidades. A humildade está sustentada pelo reconhecimento das suas carências (furos e feridas do corpo). A finitude e a carência são formas de possibilitar o fluxo da verdade-espírito (sopro, hálito quente), que torna o ser humano-flauta participante da sinfonia da vida.

Ouça o que a flauta está dizendo. Ela está revelando os segredos ocultos de Alá. Sua face empalidece, seu interior esvazia-se, sua cabeça é cortada fora, só lhe resta o sopro do Nayzan e grita “Alá, Alá” sem língua ou idioma. Eu estava na margem do rio. Minhas raízes e meu coração estavam conectados com a água e com o solo. Ali, eu tremulava feliz com o vento. Porém, chegou um tempo no qual eles me tiraram da margem do rio. Eles secaram meu corpo com o fogo do amor e fizeram furos nele. Eles abriram diversas feridas no meu corpo. Depois, me deram a uma pessoa com um alento abençoado. Seu hálito quente passava através de mim e queimava até dissolver tudo, exceto o amor. Derretia-me em mim mesmo. Eu comecei a chorar e a revelar todos os meus segredos. (Rumi, 2004, p. 4)

2Se considerarmos a realidade compartilhada, o campo da extensão do mundo significada e organizada pela cultura humana, o Real estaria, para o campo do mundo, para além de qualquer linguagem humana.

Referências

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Recebido: 01 de Agosto de 2023; Aceito: 18 de Agosto de 2023

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