Nenhum psicanalista pode pretender trazer a felicidade, mas o que é certo é que a psicanálise está ao lado da vida.
JEAN-PIERRE WINTER
O que teria a psicanálise a oferecer diante do desalento sistemático e da falta de encantamento? É o que se pergunta Walter Trinca neste seu novo livro, que oferece preciosos insights sobre dois temas: a compreensão de pacientes de difícil acesso, os negativistas e pessimistas, nos quais predomina o nada do ser; e a relação com a imaterialidade no encontro da profundidade da mente com a profundidade do mundo.
Por meio da psicanálise compreensiva, Trinca evidencia alguns dos fatores que desempenham papel significativo no sofrimento psíquico. Esta é sua proposta: um movimento em direção à afirmação do ser e à expansão da consciência, propiciando a harmonização psíquica com o contato do ser interior com o self, conceitos amplamente discutidos no livro. O autor põe uma lente de aumento na experiência de existência em confronto com a experiência de inexistência. Seus conhecimentos psicanalíticos, baseados numa clínica consistente e longa, interagem entre si - particularmente os relacionados a Winnicott e Bion - para pensar a questão do ser.
Começa a obra pelo desenvolvimento do pensamento pessimista na história, desde a Antiguidade greco-romana, passando pela modernidade, até chegar à pós-modernidade, mostrando como e por que sempre foi uma grande preocupação lidar com a dor mental. Com um intercâmbio entre filosofia e psicanálise, apresenta ideias sobre a visão trágica do mundo que se volta contra a natureza, a vida e o universo. Em diferentes épocas, essa tendência se desdobrou em múltiplas variantes, tornando-se concepções estruturadas do mundo. No entanto, segundo Trinca, o que aparece substancialmente é, em geral, a predominância da visão catastrófica, do pessimismo e da destrutividade.
Ao confrontar-se com os sofrimentos, as incertezas e as dificuldades que a vida impõe, o ser humano sempre construiu formas sistemáticas de pensar, alimentadas por carências, desgraças, indiferença, desesperança, horror e morte. É este o recorte que Trinca explora: formas sistemáticas de pensar de egrégios pensadores, que de um modo ou de outro nos influenciaram desde tempos remotos. Montaigne, Pascal, Schopenhauer, Freud, Sartre e Camus estão no rol dos pensadores do negativismo. A poesia de Mallarmé, o budismo, o taoísmo e o sofismo também fazem parte da trama de suas reflexões sobre o pensamento trágico, que pode afetar em maior ou menor grau a interioridade. O autor, porém, procura abrir espaço ao bem-estar, à alegria e até à felicidade, compondo seções como “O horizonte da superação”, em que tenta a reconciliação entre os princípios de vida e morte, fala da paixão pela vida e da incrível sinfonia universal, que, do caos, faz surgir a harmonia.
Em “A base de sustentação”, reforça o aspecto central da existência e a ação do ser interior na busca de raízes e significados para o encontro de si mesmo.
Ao lermos o livro, também somos embalados por textos como “A realidade como sonho”, “O mundo como imagem artística”, “A vida como expressão de alegria” e “A mente como alargamento”. Neles, o autor se refere à experiência da imaterialidade enquanto uma expressão vivencial intimamente associada à alegria. Ao lê-los, somos alertados a valorizar momentos que vivemos sem perceber sua grandeza e importância, tanto em nós como em nossos pacientes. Numa noite, por exemplo, lendo o livro ao ar livre, me dei conta de que estava envolvida por uma singela noite bucólica - o perfume acentuado da terra molhada, o canto de pássaros noturnos, a luz das estrelas -, o que me proporcionou uma forte emoção de bem-estar, alegria e paz interior. Para o autor, essa emoção foi propiciada porque o espaço mental estava isento de saturações pela sensorialidade, o que permitiu um encontro comigo mesma, com meu ser interior.
Enfim, este livro oferece uma contribuição inédita para pensar a questão do alcance pelo ser da visão binocular mental, como diz Bion, que dá profundidade e ressonância às experiências vividas e que está além dos pensamentos e emoções terrificantes. Trinca enfatiza o vazio como consequência da angústia de dissipação do self que aparece nas fobias e no pânico. Pacientes com esses quadros “costumam se perguntar se a realidade existe como um fato, dado que o mundo externo lhes parece ser um espetáculo de silêncio e morte, do qual a vida se apaga, exaurindo-se lugubremente” (p. 116). Diante de uma forma de viver sentida como tarefa ingrata e penosa, o autor alerta para os fatores e elementos que desempenham papel relevante no sofrimento psíquico e apresenta uma proposta de superação do afastamento do contato com a realidade externa e interna.
Last but not least, chama a atenção o uso poético das palavras pelo autor, para descrever fenômenos e expressar seus conhecimentos filosóficos e psicanalíticos, generosamente compartilhados neste livro, o qual, além de ter profundidade teórica, é encantador e vale muito a pena ser lido. Um breve exemplo:
A claridade diurna, como uma imagem da mente, penetra-nos com suas cores, brilhos e vibrações, por isso nos sentimos participantes da majestade da natureza com alegria e vigor. A radiância mostra-se em profundidade e, com ela, a alegria de fazer parte da vida extraordinária que nos inclui em seu seio. (p. 197)