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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641Xversão On-line ISSN 2175-3601

Rev. bras. psicanál vol.58 no.3 São Paulo  2024  Epub 28-Mar-2025

https://doi.org/10.69904/0486-641x.v58n3.15 

Resenhas

New tools for psychoanalysis1: Clinical investigation and psychoanalytic training in the working parties

Cláudia A. Carneiro2 

2Membro associado da Sociedade de Psicanálise de Brasília (spbsb). Membro do comitê da Associação Psicanalítica Internacional (ipa) para os working parties. Brasília

Levy, Ruggero; Reith, Bernard; Rudden, Marie G.; Fernández, Agustina; Kulish, Nancy; Bleger, Leopoldo; Villegas, Inés Bayona. New tools for psychoanalysis: Clinical investigation and psychoanalytic training in the working parties. Routledge; The Institute of Psychoanalysis, 2024. p. 288


Os working parties (wps), ou grupos de trabalho, surgiram na primeira década deste milênio no âmbito da Federação Psicanalítica Europeia (epf), como uma ponte unindo a investigação clínica e o método científico. Neste admirável trabalho editorial de vários psicanalistas envolvidos no projeto de divulgar os working parties à comunidade psicanalítica mundial, o leitor terá acesso a um precioso compêndio sobre as origens, a evolução e os diferentes modelos dessa ferramenta psicanalítica, que constitui uma das iniciativas mais inovadoras e criativas realizadas no contexto da Associação Psicanalítica Internacional (ipa).

Os editores do livro, que integram o comitê da ipa para os working parties, decidiram reunir textos dos responsáveis por cada wp para oferecer aos psicanalistas leitores um panorama desse vigoroso projeto de investigação da clínica, que utiliza o método psicanalítico em diversas abordagens teóricas e técnicas. Na página de abertura, Stefano Bolognini, ex-presidente da ipa e fundador do Dicionário enciclopédico inter-regional ipa de psicanálise, afirma que os grupos de trabalho foram e são “o experimento mais corajoso de fertilização teórico-clínica na comunidade psicanalítica”. E acrescenta: “Ao confrontar periodicamente material clínico ao vivo fornecido por analistas de todo o mundo, grupos de colegas geográfica e culturalmente heterogêneos conseguiram evoluir individualmente e, ao mesmo tempo, contribuíram para um progresso coletivo substancial em nosso campo científico” (p. i).

Lembrando o esforço de Freud para dar à psicanálise um estatuto científico e obter uma validação da comunidade científica, os editores, na introdução, discorrem sobre o desenvolvimento e a adequação dos working parties para promover um diálogo intersubjetivo com rigor científico na prática psicanalítica. Destacam alguns pontos de convergência entre os diferentes grupos de trabalho e deixam para o leitor identificar na leitura independente de cada capítulo os pontos de divergência e as propostas criativas surgidas durante anos de diálogo em torno de material clínico.

Os diferentes working parties e outras iniciativas semelhantes são apresentados nos capítulos 2 a 10. Cada grupo coordenador de wp escreveu a história, os objetivos, a metodologia e os resultados de vários anos de aplicação de um método próprio no exercício de investigar a clínica psicanalítica entre pares. Todos os capítulos se apoiam em material clínico para ilustrar o método de cada wp. Como comenta Cláudio Eizirik, ex-presidente da ipa, na abertura do livro, cada capítulo é uma aula magistral e compõe um livro abrangente, que revela a vitalidade da psicanálise contemporânea.

O capítulo 2 tem como protagonista o working party Término da Formação Analítica/A Mente do Supervisor (no original: The End of Training Evaluation Project, com a sigla Etep). É descendente do Working Party da Educação (wpe) da Federação Psicanalítica Europeia, que de 2001 a 2009 explorou os critérios da formação psicanalítica. Em suas atividades até 2014, o Etep produziu um vigoroso material, contribuindo para a compreensão e a melhoria da supervisão psicanalítica. Embora não funcione atualmente como um wp oficial da epf, sua metodologia continua a ser utilizada por grupos na América do Norte e na América do Sul, ajudando psicanalistas a investigar o processo de supervisão com foco na mente do supervisor e seus desafios.

O texto de Eike Hinze, Nancy Kulish e Marianne Robinson destaca o método e os achados de anos de investigação do Etep, reunidos em vários artigos utilizados pelos institutos de formação. Os trabalhos elucidam os processos psíquicos inconscientes na mente dos supervisores durante as sessões de supervisão, os fenômenos contratransferenciais, as influências da instituição e das relações com os colegas. Os autores ressaltam o quanto a situação de supervisão é fortemente influenciada por fatores institucionais e a importância de que supervisores sejam também apoiados no processo de formação.

O capítulo 3 apresenta o working party A Especificidade do Tratamento Psicanalítico Hoje. Serge Frisch, Martine Sandor-Buthaud e os membros do Grupo de Paris apontam a metodologia e os fundamentos da pesquisa desse wp, inicialmente centrada no uso da associação livre para investigar e avaliar elementos específicos do processo analítico. O método baseia-se na narrativa de uma sessão analítica em um grupo de analistas, e explora as analogias entre a dinâmica grupal e o processo do encontro entre paciente e analista.

Nas sessões desse grupo de trabalho, os participantes são incentivados a suspender seu julgamento e a associar livremente o material apresentado, expressando com espontaneidade suas impressões e sentimentos, num trabalho de “tecelagem de pensamento” (p. 69). Este se aproxima do funcionamento analítico e do que acontece dentro do analista e entre ele e seu analisando. O grupo trata desses elementos transferenciais e considera os processos subjacentes às trocas interanalíticas durante a discussão do material clínico. Criado na Europa em 2006, esse wp funciona há 15 anos na América Latina e na América do Norte, sendo oferecido em todos os congressos da Federação Brasileira de Psicanálise (Febrapsi) e da Federação Psicanalítica da América Latina (Fepal). Recentemente chegou à Austrália.

A paixão na sala de análise, como o título anuncia, é o tema do capítulo seguinte, que apresenta o working party Métodos Clínicos Comparados (ccm), cuja metodologia baseia-se na articulação e comparação das abordagens de analistas de diferentes formações teóricas para entender em profundidade as práticas e os modos como trabalham psicanaliticamente. Os autores, Marie G. Rudden e Abbot A. Bronstein, utilizaram dados do trabalho de 15 anos dos membros do wp, com mais de 100 casos clínicos acumulados internacionalmente, para explorar as diversas abordagens dos analistas às transferências e contratransferências eróticas.

Eles observaram que muitos analistas têm dificuldade em discernir e abordar plenamente essas transferências eróticas, em especial em mulheres analisandas. Os estudos mostram que as análises com frequência interpretam essas transferências eróticas como anseios dependentes não realizados, o que pode acarretar impedimentos para o trabalho analítico completo. O texto explora quatros casos específicos com o intuito de mostrar o método ccm como “ferramenta poderosa para uma descrição detalhada e uma compreensão cuidadosa de como os psicanalistas realmente trabalham e por quê” (p. 95). Esse wp é sempre oferecido nos congressos da Febrapsi e da Fepal.

Nancy H. Wolf apresenta o capítulo 5, a respeito do working party sobre Iniciar Psicanálise, desenvolvido pelo Grupo de Trabalho Europeu (Ewpip) e posteriormente revisado pelo Grupo de Trabalho Norte-Americano (Nawpip). O método conhecido como wpip estuda as dinâmicas das entrevistas preliminares em psicanálise, como os psicanalistas trabalham com elas e como elas influenciam a entrada de um paciente em análise ou em uma psicoterapia psicanalítica.

Em suas investigações, o Grupo Europeu percebeu que o trabalho nas primeiras sessões consistia mais em suportar emoções não simbolizadas do que levantar repressões; fazia mais sentido ver o analista e o consultado como um casal que precisa trabalhar junto a tempestade emocional a envolvê-lo desde o início. A pesquisa do Grupo Norte-Americano acrescentou o reconhecimento de que o próprio método do wp atua como um continente em expansão para processar o tumulto emocional das consultas iniciais, incorporando assim as ideias de Bion ao método. Casos clínicos ilustram como o continente pode ser forçado e a capacidade de crescimento emocional prejudicada. Dois apêndices apresentam as diferenças nas diretrizes do método wpip empregadas na Federação Psicanalítica Europeia e no wp norte-americano.

O capítulo 6 trata do método “a escuta da escuta”, desenvolvido por Haydée Faimberg para a discussão de material clínico em grupos. Faimberg, de Paris, e Cláudio Eizirik e Sergio Lewkowicz, de Porto Alegre, apresentam um panorama histórico da evolução do método, suas principais características e seu desenvolvimento em diversas culturas analíticas. Após sua introdução na Europa, o método Faimberg foi trazido por ela à América Latina, e Eizirik e Lewkowicz passaram a aplicar o working party em todos os congressos da Febrapsi e da Fepal.

O método “a escuta da escuta” iniciou-se com a proposta de investigar como diferentes sociedades e grupos psicanalíticos abordavam o material clínico e questões teóricas. Desenvolveu-se como uma abordagem complementar para a discussão clínica, possibilitando uma reflexão aprofundada das dinâmicas e pressupostos básicos presentes na prática analítica. O wp promove uma escuta cuidadosa das intervenções e reações dos analistas durante a discussão, permitindo identificar mal-entendidos na escuta do analista e dos participantes do grupo; também explora as suposições teóricas que influenciam a prática analítica.

O working party Microscopia da Sessão Analítica, tema do capítulo 7, apresentado por Roosevelt Cassorla, Ana Clara Gavião e Cláudia Carneiro, propõe um exercício para desenvolver a capacidade para a investigação clínica, considerando quatro pilares do método: sonhar, interpretar, validar e teorizar. Nascido das tentativas de aprimorar uma técnica clínica para estimular o desenvolvimento da capacidade analítica dos candidatos, o método da microscopia foi desenvolvido por Roosevelt Cassorla e desde 2009 vem sendo aplicado na formação psicanalítica, em sociedades da América Latina e em todos os congressos de psicanálise brasileiros e latino-americanos.

O método da microscopia parte da premissa de que o desenvolvimento da capacidade de aprender através da experiência clínica pode ser avaliado por meio da observação do sonhar, no sentido proposto por Bion. O grupo de trabalho constitui um campo do sonhar, e nesse processo o material clínico explorado cria reverberações emocionais no campo, resultando em sonhos grupais e novas formas de pensar. O grupo discute entre si as intervenções clínicas, as teorias implícitas e, por fim, a validação (ou não) dos movimentos da dupla analítica e dos vividos pelos membros do grupo.

Claudia Thußbas, Dorothee von Tippelskirch-Eissing e Peter Wegner abrem o capítulo 8 comentando uma situação comum em discussões de material clínico: a abordagem que analistas mais antigos fazem a trabalhos clínicos apresentados por colegas mais jovens tem recebido críticas pela impressão de superioridade que causam, e os apresentadores acabam frustrados e se perguntando: “Então, como é que eles chegaram a essa interpretação?” (p. 175). O apresentador vê seus esforços mal direcionados, e é pouco provável que queira apresentar seu trabalho clínico novamente no futuro.

Dessas indagações surgiram os Grupos Clínicos Livres (Free Clinical Groups) na Federação Psicanalítica Europeia, com o propósito de oferecer um espaço horizontal de reflexão da clínica, guiada pelo método “opções de interpretação”, no qual apresentador e participantes se encontram “no mesmo barco”. Segundo os autores, a escolha do nome Grupos Clínicos Livres pretende enfatizar que o método não pertence a uma escola teórica específica de psicanálise, mas recorre às ideias gerais freudianas, ou seja, o significado do inconsciente, o método da associação livre e a atenção flutuante.

No texto “Grupo de Trabalho em Psicossomática: uma jornada de exploração (2012-2020)”, a autora Marina Perris-Myttas, com a participação de Bérengère de Senarclens, Jacques Press e Christian Seulin, relata a trajetória de nove psicanalistas, oriundos de seis países europeus e de uma variedade de perspectivas psicanalíticas, que se juntaram para trabalhar uma compreensão de engajamento clínico efetivo com pacientes psicossomáticos. O capítulo propõe hipóteses e desenvolve linhas de investigação relacionadas à condição psicossomática.

Ao longo desses anos, o grupo central desenvolveu uma compreensão mais profunda das dinâmicas psicossomáticas, e enfatizou a importância da continência emocional e da capacidade de tolerar diferenças teóricas e práticas. Nas reuniões para discussão de casos clínicos e observação das abordagens teóricas e técnicas utilizadas, o grupo trabalha na identificação de hipóteses teóricas implícitas no material clínico, o que permite avançar nas proposições sobre a condição psicossomática sem formular uma teoria definitiva. Esse wp realiza workshops clínicos nos congressos da Federação Psicanalítica Europeia e painéis sobre psicossomática em reuniões internacionais.

Por último, o modelo dos três níveis (3-lm) é apresentado em texto de Margaret Ann Fitzpatrick Hanly, Robert White e Siri Erika Gullestad. O modelo foi criado por Ricardo Bernardi em 2011 e desenvolvido em resposta à necessidade de uma metodologia para documentar mudanças em pacientes ao longo do tempo. As primeiras discussões envolveram considerações sobre como observar mudanças em estudos de caso, supervisão e pesquisa qualitativa. Como premissas do 3-lm, a utilização de sessões literais desde o início da análise e a seleção de sessões em intervalos regulares para observar mudança ou ausência dela.

O modelo é estruturado em três níveis distintos: o nível 1 é a observação fenomenológica, com identificação de pontos de ancoragem do paciente que servem como indicadores de mudança; no nível 2 faz-se uma conceituação de dificuldades e mudança; e no nível 3 são formuladas hipóteses sobre as teorias subjacentes às intervenções do analista e exploradas intervenções alternativas. Essa estrutura permite uma triangulação de observações, proporcionando uma visão detalhada das transformações psicanalíticas.

O capítulo final anuncia seu propósito no título: “Em seus mais de 20 anos de existência, que contribuições os working parties trouxeram à psicanálise e à pesquisa psicanalítica?”. Escrito por Patrizia Giampieri-Deutsch, o texto fornece uma visão geral resumida do que chama de “impacto notável, tanto intencional como não intencional, dos grupos de trabalho sobre psicanálise e pesquisa” (p. 256). A autora explora os resultados alcançados por esses grupos e as contribuições orientadas para objetivos na continuidade do trabalho dos wps. Aborda ainda os efeitos gerais para a comunidade psicanalítica dessas ferramentas de investigação da psicanálise.

O leitor certamente se surpreenderá com a riqueza e a profundidade do trabalho que centenas de psicanalistas empreendem continuamente, em vários continentes, para manter a vitalidade do método psicanalítico. Cuidam também da aplicabilidade desses dispositivos de pesquisa, aptos a desenvolver nossa capacidade de pensar analiticamente e de investigar a clínica. O livro está publicado em inglês, mas espera-se que em breve os leitores possam contar com a tradução para o português.

1Novas ferramentas para a psicanálise: investigação clínica e formação psicanalítica nos grupos de trabalho

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