Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia n.29 Canoas jun. 2009
ARTIGOS DE PESQUISA
Expectativas e sentimentos de mães solteiras sobre a experiência do parto
Single-mothers’ expectations and feelings concerning labour
Angela Helena MarinI; Tagma Marina Schneider DonelliII; Rita de Cássia Sobreira Lopes; Cesar Augusto PiccininiII
I Universidade Luterana do Brasil ULBRA/Santa Maria. Curso de Psicologia
II Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS. Programa de Pós-Graduação-Psicologia
RESUMO
O presente estudo teve como objetivo investigar as expectativas de gestantes solteiras sobre o parto e, num segundo momento, os sentimentos destas mulheres quanto à experiência vivida. Participaram sete gestantes solteiras que responderam a uma entrevista sobre a gestação e, após o nascimento do bebê, outra entrevista sobre o parto e a experiência da maternidade. Análise de conteúdo qualitativa das entrevistas mostrou que, durante a gestação, apareceram muitas expectativas negativas sobre o parto, por vezes abrandadas pelos grupos de gestantes. Após o parto, foram citados sentimentos negativos em relação à experiência, destacando a dificuldade do parto, mas também, os sentimentos de satisfação pela não-confirmação das expectativas negativas alimentadas durante a gestação. O fato de ser solteira não apareceu como um fator necessariamente associado à experiência negativa do parto. Destaca-se que o apoio recebido pela parturiente pareceu ser mais importante do que quem prestou tal apoio.
Palavras-chave: Gestação, Parto, Mães solteiras.
ABSTRACT
The present study aimed to investigate single women’s expectations regarding delivery during pregnancy and their feelings after birth. Seven single women took part in the study. They first answered an interview concerning pregnancy and, after the baby’s birth, another interview about delivery and the motherhood experience was used. Qualitative content analysis of the interviews showed that, during pregnancy, there were negative expectations regarding delivery. After birth, negative feelings were also mentioned in relation to the delivery experience, highlighting especially its difficultness. Feelings of satisfaction for the non-confirmation of the negative expectations expressed during pregnancy were also pointed out. The fact of being single did not appear to be necessarily associated to the negative experience of delivery. The support received by women seemed to be much more important than who gave the support.
Keywords: Pregnancy, Delivery, Single mothers.
Introdução
As mudanças na configuração familiar que vêm ocorrendo nas sociedades ocidentais, em especial aquelas que deixam a família a cargo de um só progenitor, constituem um significativo reordenamento do sistema familiar. Constata-se um número cada vez maior de famílias uniparentais, que têm, na maioria dos casos, a mãe como progenitor responsável. No Brasil, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (www.ibge.gov.br), revelam que, aproximadamente, 29% dos lares brasileiros estão sob a responsabilidade de mulheres, sejam estas solteiras, separadas, divorciadas ou viúvas.
As famílias de mães solteiras são aquelas cuja pessoa de referência é a mulher e que se caracterizam pelos laços entre mães e filhos/as, sem a presença de uma relação conjugal. No entanto, quando se fala em mãe solteira não está se referindo a algo unívoco. Há mães solteiras por opção (Szapiro & Feres-Carneiro, 2002) e mães solteiras por gravidez inesperada (Zapiain, 1996). Para evitar eventuais ambigüidades, no presente estudo a expressão “famílias de mães solteiras” será usada referindo-se às famílias constituídas de uma mulher que assumiu, desde o início da gestação, a responsabilidade de ter seu filho sem a presença do pai biológico ou de alguém que o substituísse.
É plausível supor que ser mãe solteira exige recursos adaptativos intensos (Heck & Parker, 2002; McLanahan & Booth, 1989), uma vez que a ausência de um companheiro pode levá-la a apresentar maiores índices de estresse, bem como problemas financeiros, carga maior de trabalho e sentimentos de solidão e isolamento, ao menos quando comparadas com mães casadas (Newcombe, 1999). Estudos sobre o período gestacional sugerem que a combinação de eventos estressantes, a falta de apoio social e um maior nível de ansiedade podem contribuir para uma gravidez e um parto com mais complicações e dificuldades (Areskog, Uddenberg & Kjessler, 1984; Barnett, Hanna & Parker, 1983; Lipp, 1996). Nesse sentido, diversos aspectos relacionados à presença ou ausência do pai têm sido apontados como importantes, desde o processo da gravidez até o parto e, também, para o desenvolvimento da criança (Stern, 1997).
O nascimento de um filho, especialmente do primeiro, representa um marco na vida de todos os envolvidos. Particularmente para a mãe, a gestação e o nascimento do bebê repercutem profundamente nos planos físico, mental, emocional e social. Nenhum outro evento na vida de um ser humano é tão complexo quanto o parto, pois ele envolve dor, sobrecarga emocional, vulnerabilidade, possíveis danos físicos e até a morte, além de representar uma mudança definitiva de papéis, incluindo a responsabilidade de cuidar e de promover o desenvolvimento de outro ser humano, totalmente dependente (Simkin, 1992).
O parto, assim como a gravidez, introduz mudanças na vida da mulher e de sua família, porém de maneira muito mais repentina. O momento do parto pode ser considerado como a passagem de um estado a outro e sua principal característica é a irreversibilidade: a gravidez tem seu fim anunciado, o bebê chegará e isso não tem volta. Do ponto de vista emocional, o parto representa um processo de separação: dois seres, até então unidos, precisam se separar. A mulher pode vivenciar essa separação como a perda de uma parte de si mesma, e sentimentos de querer ter o bebê e, ao mesmo tempo, prolongar a gravidez, podem aumentar a ansiedade materna (Cordeiro & Sabatino, 1997; Soifer, 1992).
Na verdade, o parto é, por si só, um evento de significância psicológica incontestável e não apenas o meio pelo qual as mulheres se tornam mães (Fisher, Astbury & Smith, 1997). A potencialidade para acarretar benefícios ou danos psicológicos está presente em cada parto e, portanto, há mais aspectos envolvidos neste processo do que apenas a saúde e integridade física da mãe e do bebê. Por estas razões, as memórias sobre o parto permanecem vivas em nível cognitivo e psicológico e continuam influenciando as percepções da mulher sobre esta experiência por muito tempo, podendo ter um impacto, positivo ou negativo, que repercute durante toda a sua vida (Fischer & cols., 1997; Simkin, 1991,1992).
A experiência do parto pode ser influenciada por vários fatores, dentre os quais se destacam os procedimentos obstétricos, os cursos de preparação para o parto, a história obstétrica anterior, bem como o desfecho de uma gravidez prévia (Fisher & cols., 1997). O tipo de parto (Mercer, Hackley & Bostrom, 1983) e as expectativas alimentadas em relação ao parto e ao bebê durante o período da gestação também podem influenciar a maneira como o parto será experienciado (Maldonado, 1994).
Além disto, o contato imediato com o filho após o nascimento parece ser um dos fatores que está associado a uma vivência positiva do parto. Por exemplo, Mercer e cols. (1983) encontraram que mulheres que tiveram contato precoce com seu bebê saudável logo após o nascimento apresentaram impressões mais positivas da experiência do parto. A interação com o filho foi apontada pelos autores como a segunda variável mais importante para predizer o tipo de vivência do parto, ficando atrás apenas do apoio emocional prestado pelo companheiro.
A participação do pai na cena do parto vem sendo cada vez mais difundida nos hospitais, pois a tentativa de humanizar as rotinas que envolvem a assistência ao parto inclui oferecer à mulher uma figura familiar, que possa lhe dar conforto e segurança. No Brasil, a Lei nº 11.108, de 07 de abril de 2005, confere às mulheres atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) o direito de serem acompanhadas durante todo o pré-parto, parto e pós-parto, por uma pessoa de sua livre escolha. Entretanto, o acompanhamento ao parto não é um assunto novo: na verdade, o que se observa hoje parece ser um movimento de resgate de antigos hábitos e valores, abandonados ao longo dos tempos (Klaus & Kennell, 1992; Raphael-Leff, 1997; Tedesco, 1997) com a medicalização deste procedimento.
Uma revisão realizada por Parke (1996) apontou que mulheres que contaram com a participação do companheiro durante o parto relataram menor dor, receberam menos medicação e tiveram uma experiência mais positiva do que aquelas que não foram acompanhadas. Após o nascimento, também se constatou que os pais que participaram do pré-natal e do parto de suas mulheres se tornaram mais envolvidos nos cuidados diários do bebê, despendendo maior tempo de sua presença em casa, o que veio a beneficiar não só os pais, como as mães e, obviamente, seus filhos.
Frente a esses achados, investigações acerca da ausência paterna também têm ganhado destaque entre alguns autores. O estudo de Ferrari (2001), por exemplo, teve por objetivo examinar qualitativamente as implicações da ausência paterna nas expectativas e sentimentos sobre a maternidade, inclusive o parto, e seus efeitos na qualidade da interação mãe-bebê entre mães solteiras e casadas. Em relação ao parto, o trabalho revelou que essa experiência parece ter sido mais sofrida para as mães solteiras do que para as casadas e que os relatos das solteiras mostraram-se mais carregados de ansiedade, sofrimento, temores de morte e desamparo, comparados aos relatos das casadas. Além disso, a experiência do parto parece ter sido mais difícil entre as mães solteiras, registrando-se maior incidência de complicações de parto e de somatizações, tais como arritmia, alteração do pulso e até hemorragia. Estes dados apóiam as idéias de Soifer (1992), segundo as quais o parto é um momento individual crítico, em que a falta de apoio social pode levar a maiores dificuldades, sejam estas físicas ou emocionais.
Como visto, a literatura tem apontado para a importância de figuras de apoio durante a gestação, o puerpério e, especialmente no parto, como uma forma de auxiliar a mulher a lidar com os muitos sentimentos provocados pelas intensas e complexas mudanças vividas neste curto espaço de tempo. Nesse sentido, o presente estudo teve como objetivo investigar as expectativas de gestantes solteiras sobre o parto e, num segundo momento, os sentimentos destas mulheres quanto à vivência do mesmo.
Método
Participantes
Participaram deste estudo sete famílias de mães solteiras, constituídas pela mãe, com idade entre 19 e 28 anos, que esperava pelo seu primeiro filho/a. Em relação à escolaridade das gestantes, duas tinham até o ensino fundamental, quatro até o ensino médio completo e uma estava cursando o ensino superior. Já quanto ao nível socioeconômico, ocorreu uma variação entre o nível baixo (n=5), médio-baixo (n=1) e médio (n=1). A Tabela 1 apresenta as características sócio-demográficas das participantes.
Todas as gestantes foram selecionadas dentre os participantes do “Estudo Longitudinal de Porto Alegre: Da Gestação à Escola ELPA” (Piccinini, Lopes, Sperb & Tudge 1998), que iniciou acompanhando 81 gestantes, que não apresentavam intercorrências clínicas e que estavam esperando seu primeiro filho/a. Os bebês, nascidos a termo, também não apresentavam problemas de saúde. O convite inicial para participar do ELPA1 ocorreu quando a gestante fazia pré-natal em hospitais da rede pública da cidade de Porto Alegre (51,2%), nas unidades sanitárias de saúde do mesmo município (7,3%), através de anúncio em veículos de comunicação (26,8%) e por indicação (14,6%).
Para fins do presente estudo, foram incluídas todas as gestantes solteiras que haviam participado da coleta de dados referentes à gestação e ao terceiro mês de vida do bebê.
Procedimento e instrumentos
No terceiro trimestre de gestação, as gestantes preencheram a Ficha de Contato Inicial (GIDEP/NUDIF, 1998a). As famílias que preencheram os critérios do estudo (estar esperando o primeiro filho, estar no terceiro trimestre de gestação e não apresentar complicações físicas durante a gravidez), foram contatadas posteriormente por telefone, para agendar uma visita domiciliar. Durante esta visita, foram preenchidos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (GIDEP/NUDIF, 1998b) e a Entrevista de Dados Demográficos (GIDEP/NUDIF, 1998c), a qual foi utilizada para obter informações demográficas adicionais, como idade, escolaridade, estado civil, religião, ocupação e grupo étnico. Além destes instrumentos, também foi utilizada a Entrevista sobre a Gestação e as Expectativas da Gestante (GIDEP/NUDIF, 1998d). Esta entrevista, semi-estruturada, teve como objetivo investigar o contexto em que se deu a gravidez da participante, bem como seus sentimentos e expectativas em relação ao bebê, ao parto e à maternidade. Para o presente estudo, foi analisado apenas o relato das mães acerca das expectativas em relação ao parto.
Quando os bebês completaram três meses de vida, as famílias foram novamente contatadas por telefone e foi marcada uma nova visita. Nesta ocasião, as mães responderam a Entrevista sobre a Experiência da Maternidade 3º mês (GIDEP/NUDIF, 1999), cujo objetivo foi de investigar aspectos da experiência da maternidade e do desenvolvimento do bebê. Nesta entrevista também foi dada atenção especial aos relatos sobre o parto2.
Resultados
Análise de conteúdo qualitativa (Bardin, 1977; Laville & Dionne, 1999) foi utilizada para se examinar as respostas das participantes às entrevistas, baseada nas categorias descritas em Lopes, Donelli, Lima e Piccinini (2005). A primeira análise priorizou a natureza positiva ou negativa das expectativas das gestantes em relação ao parto, que foram classificados em três categorias: (1) expectativas positivas; (2) expectativas negativas; e (3) expectativas tanto positivas como negativas; e a segunda, priorizou o fato de as expectativas referirem-se às próprias mulheres ou ao seu bebê, que foram classificadas em duas categorias: (1) expectativas em relação a si própria; e (2) expectativas em relação ao bebê.
Os dados coletados três meses após o parto também foram analisados em dois momentos, conforme Lopes e cols. (2005). No primeiro, priorizou-se a natureza positiva ou negativa dos relatos, classificados em três categorias: (1) sentimentos positivos em relação ao parto; (2) sentimentos negativos em relação ao parto; e (3) sentimentos tanto positivos como negativos em relação ao parto. A segunda análise dos relatos priorizou o fato de os sentimentos referirem-se às próprias mulheres ou aos seus bebês, que foram classificados em duas categorias: (1) sentimentos em relação a si própria; e (2) sentimentos em relação ao bebê.
Tendo em vista o tipo de análise de conteúdo qualitativa proposta, não se destacou no estudo as freqüências de respostas das gestantes. Neste tipo de análise, o peso de um ou de vários relatos é equivalente para fins de compreensão do fenômeno estudado. Assim, tanto é relevante a particularidade de uma fala como as falas eventualmente repetidas por várias das participantes. Duas das autoras do presente artigo classificaram separadamente os relatos das mães em cada categoria e, em caso de discordância, recorreu-se a uma terceira colega. Apresenta-se, a seguir, a descrição das categorias, ilustradas pelos relatos das mães.
Gestação e expectativas sobre o parto
A primeira análise realizada com os dados das gestantes solteiras priorizou a natureza positiva ou negativa das expectativas sobre o parto. Nenhuma verbalização exclusivamente positiva foi referida. Algumas gestantes relataram que estavam confusas quanto às expectativas sobre o parto e não sabiam como seria esse momento: “Eu nunca ganhei filho, então eu nem sei como é que funciona, né? Cada um diz uma coisa do parto. Cada vez você fica mais confusa porque uns dizem que dói demais, outros dizem que não dói, outros dizem que é isso, é aquilo. Aí eu não sei” (M5)3. Por outro lado, muitos foram os relatos que evidenciaram expectativas negativas, sejam elas construídas a partir do que outras pessoas falavam: “Ninguém fala nada de bom do parto, nem as mulheres que já tiveram filhos. Elas dizem: ‘porque agora tu vai passar isso. Para ti vai ser horrível!’. Então, todo mundo me assusta. Ninguém fala uma coisa boa! Aí eu fico com isso na cabeça” (M6); “Tô preocupada com o parto. Ah! Isso me preocupa todo dia! Não tem hora que não. E dizem assim: ‘mas não se pensa nisso!’. Eu digo: eu duvido que tenha uma grávida que não pensa na hora do parto! Não adianta, mesmo que tu não queira, tu pensa!” (M6); ou dos seus próprios medos em relação ao tempo do parto: “Eu tenho medo de ele nascer antes do tempo, porque eu tô com sete [meses] agora e aí eu fico com medo” (M2); e também da equipe médica: “Eu tenho medo que passe da hora e das enfermeiras.Tem enfermeiras boas, mas também tem aquelas que são desleixadas e que conforme muito tempo de profissão elas ficam frias. Como é que falam: ‘Ah! na hora tava bom, na hora tava fácil, agora tá berrando’. Eu não acho isso certo!”(M6);“Aí eu fico pensando: se me deixarem varando lá [se referindo ao tempo do procedimento de parto], o que eu faço? Porque eu não posso ter dor. Se eu tenho dor, eu sou muito chata, entende, eu sou irritada, eu bato com a cabeça na parede! É bem assim. Eu fico imaginando, porque a minha irmã teve uma guriazinha e por erro médico a menina morreu” (M6). Além destes relatos, o medo de estarem sozinhas durante o parto também foi manifestado: “A gente conhece a sala do parto! No cursinho eu vi uma mãe lá e eu pensei: lá em cima tu vai ficar sozinha, sabe?! Ai meu Deus que pavor! [...] Eu vi uma mulher berrando lá e eu disse: meu Deus o que é isso?! Que nem na televisão mostra tudo bonitinho como é! Mostra todo mundo ali paparicando, mas na real, eu acho que não é assim! Tinha uma mulher lá [no hospital] que estava sozinha, de lado. Eu até não olhei muito para ela porque ela tava com uma cara feia, então eu pensei: ela vai me xingar se eu olhar! E eu vou ficar sozinha, vou ficar berrando! Aí é que eu não sei o que é que eu vou passar, não sei como é que vai ser a dor! Eu não sei se vai estourar a bolsa ou se não vai estourar a bolsa!” (M6).
Já outras mães, mesmo relatando sentimentos negativos em relação às expectativas do parto, também salientaram sentimentos positivos, em função da preparação que tiveram no curso de gestantes: “Eu morria de medo, sabe? Da hora do parto. ‘Deus o livre’, era um bicho de sete cabeças ouvir falar em parto. Não podia nem ouvir falar em parto. Mas agora não [depois do curso de gestantes]. Agora eu já tô bem mais calma. Calma demais. Não sei na hora, se não vai me dar uma coisa, mas acho que não” (M4). As gestantes ainda relataram que não tinham medo do momento do parto, embora tivessem algum tipo de receio: “Não, até que eu não tô assim tão nervosa por causa do parto. Não tô com medo. Tem algum receio. A gente fica com aquele receio, mas assim medo do parto eu não tenho” (M4).
Uma segunda análise, contemplando relatos referentes a si mesmas ou ao bebê, revelou que as mães solteiras referiram-se bastante a si próprias, especialmente no que diz respeito ao medo da dor: “Tenho medo de sentir muita, muita dor e fazer fiasco, porque eu sou muito fiasquenta [risos]. Aí disso eu tenho receio né? Mas do resto eu não tenho. Não tenho medo nenhum” (M2); e também se referiram ao bebê, quanto ao medo de que algo de ruim acontecesse com ele: “Eu tenho medo que troquem o nenê. Eu tenho medo que roubem o nenê. Eu tenho medo, não adianta! E até é o que a televisão mostra! Ah! Roubaram o nenê da maternidade! Ah! Eu morro de medo! Acho que eu morro se roubarem a minha filha. Eu tenho medo!” (M6). Outra questão que foi evidenciada no relato das mães diz respeito ao tipo de parto que realizariam. Algumas delas relataram que preferiam o parto normal devido à melhor recuperação pós-parto: “A única coisa que eu não queria mesmo é ganhar de cesariana. Eu preferia que fosse de parto normal. Eu queria que fosse normal, que ao menos parece que tu te recupera melhor, né? Então fazer cesariana eu não queria muito porque eu tenho medo, né? Tenho medo de agulha, aquelas coisas tudo, mas só por isso. Eu queria mesmo que fosse parto normal” (M5); enquanto outras preferiam o parto cesariana devido a acharem mais seguro para o bebê: “Ai eu tenho medo que aconteça a mesma coisa que aconteceu com a minha irmã [a filha da irmã morreu com doze dias de vida, pois durante o parto normal forçaram a saída da criança e acabaram quebrando um osso importante do bebê]! E eu tenho medo que aconteça a mesma coisa, mas dizem: ‘não pode pensar assim! O que aconteceu para a tua irmã foi uma coisa, talvez tu chegue lá e ganhe rápido!”. Eu vou tentar falar como o doutor W. para ver se eu faço cesárea!” (M6); e também para elas mesmas: “Dizem que não é bom pela recuperação, né? A recuperação é mais demorada, mas eu acho que é mais seguro! Sabe? Uma coisa planejada. O neném não vai sofrer nem eu!”(M6); “Eu marquei a cesárea. Daí quando ela me disse que ia ser cesárea eu até fiquei mais calma, sabe? Daí correu tudo bem” (M1.)
Pós-parto e sentimentos sobre o parto
No terceiro mês de vida do bebê, a primeira análise dos relatos maternos revelou poucos sentimentos positivos sobre o parto. Destaca-se aqui a fala de uma das mães sobre a rapidez e tranqüilidade com que o parto aconteceu: “O parto foi super rápido mesmo” (M4); “Foi tranqüilo, o anestesista conversando comigo e medindo a pressão e daí quando eu vi já tava nascendo!” (M7). Em oposição, evidenciaram-se relatos que enfatizaram os sentimentos negativos, principalmente aqueles que salientaram que o parto foi difícil: “Foi difícil! Foi difícil! Eu não gostei muito. Foi parto normal. É que assim, eu não gostei porque eu imaginava e tudo aconteceu como eu não imaginava” (M5); Ah, o parto foi difícil porque foi cesárea e tinha anestesia. Foram dez agulhadas para eles darem na espinha, para poder passar, né? Bom, aí foi mais difícil, né?” (M2); que reclamaram das dores: “Não eram juntas as dores. Dava uma dor, mas não era dorzinha. Dava uma dor forte e passava. Daí eu sentia uma dor horrível” (M1); ou da anestesia: “Ai que coisa ruim a sensação de não sentir as pernas, né? Tava me dando uma angústia, uma coisa tão ruim, parecia que eu tava...não sei explicar, sabe?” (M1); ou mencionaram que sentiram medo: “Ah, eu tava com muito medo, né?” (M1).
Os relatos que mesclaram os sentimentos positivos e negativos também foram evidentes ao se referirem ao procedimento do parto, com seus aspectos bons e ruins: “Eu imaginava uma coisa horrorosa, assim, sabe? [risos] Uma amiga minha disse que, quando ela foi ganhar nenê, tinha dado uma dor de subir nas paredes. Então, eu imaginava assim, uma coisa bem horrorosa. Normal, foi bem ao contrário” (M4); às vezes até mesmo desfazendo os medos construídos durante a gestação: “Tinha um medo! Uma noite eu chorei, chorei, chorei de medo, logo perto de ela nascer. A minha vó me assustava dizendo que eu ia sentir umas dores, mas que a nenê ia nascer e ia passar tudo” (M1); “Eu não senti. Todo mundo dizia para mim: ‘vai doer, tu paga os teus pecados’. Em mim não doeu nada!” (M3).
A segunda análise dos relatos mostrou que as mães expressaram sentimentos em relação a si próprias, referindo-se que ficaram bem depois do parto: “Graças a Deus, foi bem. Eu cheguei no hospital, quer dizer, eu saí de casa às 23h30min e às 00h27min, ela nasceu. Foi rápido, logo eu já saí. Eu cheguei no hospital já com dilatação. Foi tudo bem correndo mesmo, sabe” (M4); como também se referiram ao bebê, contando sobre como foram os primeiros momentos de vida da criança: “Nascer ela nasceu muito bem. Ela aspirou um pouquinho de líquido, mas foi tudo bem. Na mesma hora nasceu outro nenê que era prematuro de cinco meses, aí deram mais atenção para ele porque ela tava bem. Nasceu com nove meses. Tudo bem. Foi tudo bem! Depois eles [equipe] voltaram na sala, limparam ela, tiraram o líquido, aspiraram de novo e ficou tudo bem com ela!” (M3).
No entanto, os sentimentos negativos em relação ao bebê também foram manifestados, especialmente por não terem conseguido ter contato direto com ele logo após o parto: “Chegou a me dar um desespero, porque eles baixaram o toldo para eu poder enxergar ele [bebê] e eu só enxergava a perna e não conseguia enxergar o resto. Só deu para ver que era branco, porque o pai dele era mais moreninho. Eu pensei: Bom, puxou mais por mim!” Aí o pediatra pegou ele e disse: ‘vou levar ele ali para fazer uns exames e já te trago!’ Eu não vi nem o rosto do meu filho e ele já levou direto!” (M7).
Figuras de apoio
Além das categorias analisadas, chamou atenção a diversidade de figuras de apoio mencionadas pelas mães solteiras, entre elas a avó e a própria mãe: “Ela [avó] dizia pra mim: ‘eu não vou te esconder que [o parto] não é bom, não é muito bom’. Ela me assustava, sabe? E a mãe não. Ela até assistiu a cesárea” (M3); a equipe médica: “Eu fiquei com medo, porque eu cheguei na sala de parto, me colocaram deitada e me aplicaram a anestesia e eu pensei: ‘Ai meu Deus e a minha médica?’. Começou a me dar um desespero porque eu pensei: Meu Deus! Agora na hora, de repente, não vem a doutora P., que eu tô acostumada com ela e vem outra! Mas aí quando eu vi, veio ela e o marido dela e eu já fiquei tranqüila!” (M7); e o grupo de gestantes: “Depois que eu comecei a fazer o cursinho eu fiquei bem mais tranqüila, porque eu morria de medo, sabe, da hora do parto. Não podia nem ouvir falar em parto, mas agora não, agora eu já tô bem mais calma”(M4) .
Discussão
Conforme visto nos relatos acima, o parto constitui-se em um momento no qual as expectativas e as ansiedades que acompanharam a gestante ao longo de meses acabam por tomar uma dimensão real, confirmadora ou não das esperanças e medos que o cercam. Fica claro que ele já é antecipado na gravidez sob a forma de expectativas, e continua sendo referido após sua conclusão, na forma de lembranças e sentimentos que acompanham a mãe, fazendo parte de sua história. Nesse sentido, o parto pode ser considerado como um evento que perpassa todo o processo de gestação e puerpério, marcando profundamente a história das mães (Lopes & cols., 2005).
No presente estudo, no que se refere às expectativas em relação ao parto, verificou-se que as mães solteiras falaram mais sobre si mesmas do que sobre o bebê. Tal fato permite supor que, durante a gestação, as mulheres estão mais centradas em si, corroborando a literatura (Lopes & Cols., 2005; Peterson, 1996), que tem destacado que o parto é um evento especialmente feminino, apesar de o bebê, por vezes, ser visto como o ator principal, relegando a mulher ao segundo plano.
O fato de as participantes do presente estudo terem centrado suas expectativas sobre o parto nelas mesmas, em detrimento do bebê, também parece apoiar as idéias de Stern (1997), que afirma que as representações maternas sobre o bebê tendem a diminuir no final da gravidez. Para o autor, entre o quarto e o sétimo mês de gestação, há um rápido aumento na riqueza, quantidade e especificidade das representações sobre o feto, o que não se mantém até o nascimento. Após este período, haveria uma tendência à diminuição e à perda da especificidade das representações sobre o filho, expressão de uma tentativa de proteger o bebê e a própria mulher de uma potencial discordância entre o bebê real e o bebê imaginado. Assim, a mãe evitaria que, no momento do parto, a situação real estivesse demasiadamente ligada a uma situação passada, o que poderia atrapalhar o estabelecimento de um novo tipo de relação entre a mãe e o bebê, que se faz necessária após o nascimento. Tais considerações parecem ajudar no entendimento das manifestações limitadas das participantes do presente estudo em relação aos seus bebês, achado este provavelmente associado ao fato das gestantes terem sido entrevistadas no terceiro trimestre da gestação, o que também foi encontrado por Lopes e cols. (2005), em uma amostra de mães casadas.
Também é plausível supor que os relatos das mães solteiras, mais centrados nelas mesmas do que no bebê, podem estar relacionados à menor disponibilidade psíquica que elas podem apresentar em relação à criança, em função de terem menos figuras de apoio e nem sempre poderem contar com pessoas com quem possam dividir as ansiedades e as expectativas relacionadas ao bebê e parto, tais como o pai do bebê. As figuras de apoio têm sido apontadas como importantes durante a gestação e o parto por proverem uma forma de auxílio à mulher frente aos sentimentos provocados pela infinidade de mudanças vividas em um curto espaço de tempo (Heck & Parker, 2002; McLanahan & Booth, 1989; Newcombe, 1999).
O apoio prestado pelo pai do bebê, em especial, pode ser considerado qualitativamente diferente daquele prestado por outras figuras, na medida em que ele não só é cúmplice (Klaus & Klaus, 1993), mas também por estar vivendo um período de transição para a paternidade. Assim, a participação do pai na cena do parto vem sendo cada vez mais difundida nos hospitais, pois a tentativa de humanizar as rotinas que envolvem a assistência ao parto inclui oferecer à mulher uma figura familiar, que possa lhe oferecer conforto e segurança. Entretanto, ainda exige-se do homem um papel diferente do que, na realidade, ele pode ter. Espera-se que ele se torne especialista em ser pai ou companheiro, comportando-se de uma forma que representa uma enorme responsabilidade para ele. Afinal, ele também está experimentando mudança de “status”, papel social e identidade (Klaus & Klaus, 1993). Apesar disso, talvez a possibilidade de ter com quem dividir as preocupações com o bebê e, também, a quem atribuir determinadas características que essa criança possa vir a ter, pode qualificar a figura paterna como de grande importância nesse momento. Dessa forma, o fato de as mães solteiras falarem menos sobre o bebê pode estar relacionado com a falta dessa figura.
Destacando, ainda, os relatos maternos do terceiro trimestre de gestação, é importante enfatizar que algumas mães solteiras fizeram poucas referências à futura experiência do parto, o que pode estar relacionado com um mecanismo defensivo contra a ansiedade experimentada nesse período pelas gestantes, independente de sua configuração familiar. Falar pouco sobre o parto, ou nem ao mesmo citar expectativas sobre a futura experiência, pode estar intimamente relacionado ao momento da gestação em que a coleta de dados foi realizada e foi também encontrado entre mães casadas (Lopes & cols., 2005). Este período é marcado pelo aumento da ansiedade, em função da proximidade do parto, pois a apreensão frente às mudanças na rotina de vida com a chegada do bebê tende a incrementar esse sentimento. Além disso, a mulher geralmente experimenta sentimentos contraditórios nesse período, tais como querer ter logo o bebê e dar como encerrada a gravidez, e, também, a vontade de prolongar a gestação e adiar a necessidade de novas adaptações exigidas com a chegada do filho (Brazelton & Cramer, 1992; Maldonado, 1994; Szejer & Stewart, 1997).
Outro ponto que precisa ser enfatizado quanto às expectativas sobre o parto, é que as mães solteiras do presente estudo se mostraram, de certa forma, pessimistas, não tendo referido nenhuma verbalização positiva em relação à futura experiência. Percebeu-se que existiu uma tendência a ver o parto como um evento ruim, cercado de dores e dificuldades. Mais uma vez pode-se pensar que a ansiedade aumentada no final da gestação possa estar contribuindo para a maciça referência a expectativas negativas sobre o parto, como mostrado no estudo de Lopes e cols. (2005), com mulheres casadas. Entretanto, se a ansiedade aumentada no final da gravidez também estiver relacionada à falta de apoio social, como cogitado anteriormente, pode-se pensar, mais uma vez, na importância de uma figura de apoio nesse marcante momento da transição para a maternidade.
Em relação aos sentimentos das mães solteiras sobre o parto, referidos três meses depois do nascimento do bebê, não se verificou dificuldades das mães em falarem sobre a experiência, como havia sido observado anteriormente em relação às suas expectativas. Supõe-se que o tempo decorrido desde o nascimento do bebê até o momento da entrevista possa ter possibilitado a elaboração do que foi vivido, tornando possível traduzir em palavras os sentimentos experimentados. Stern, Bruschweiler e Freeland (1999) destacam que o parto é uma experiência que vem acompanhada por emoções e vivências inesquecíveis, muitas vezes impossíveis de serem expressas em palavras. Para a maioria das mulheres, isto se dá por ele ser um evento demasiadamente primitivo e profundo, difícil de ser totalmente assimilado e traduzido. Inegavelmente, o parto é uma experiência que exerce uma sobrecarga emocional sobre o psiquismo materno, o que faz pensar que seja necessário um período de tempo para que a experiência seja elaborada psicologicamente e traduzida em palavras.
As mães solteiras continuaram falando mais sobre si mesmas do que sobre os seus bebês, mesmo após o parto, o que corrobora as idéias de Peterson (1996) e de Lopes e cols. (2005). Falar sobre o parto, isto é, sobre a experiência pessoal e feminina do parto, é algo que a maioria dos profissionais de saúde não estimula. Geralmente, esses profissionais não entendem a necessidade das mulheres de falarem sobre essa vivência, principalmente se deram à luz uma criança saudável. Mas é de fundamental importância que a mulher seja ajudada a integrar a experiência, pois se percebe que quando ela tem a oportunidade de falar sobre o parto, é possível identificar fortes emoções e sentimentos que vão além da descrição dos fatos.
Contudo, apesar de falarem mais si mesmas do que do bebê, as mães do presente estudo apresentaram maior equilíbrio entre as verbalizações positivas e negativas em relação aos sentimentos sobre o parto, em comparação com a gestação. Isso pode ser remetido ao fato de as expectativas negativas sobre o parto não fazerem dele, necessariamente, uma experiência negativa (Lopes & cols., 2005).
Tomados em conjunto, os resultados deste estudo permitem supor que as expectativas e experiências de mães solteiras sobre o parto não diferem marcadamente daquelas identificadas nas mães casadas descrita por Lopes e cols. (2005), que usaram a mesma entrevista no mesmo período da gestação. De forma geral, as mães solteiras parecem alimentar sonhos, receios e esperanças semelhantes a todas as gestantes.
Corroborando a literatura revisada, os dados do presente trabalho sugerem que a presença de uma figura de apoio que possa compartilhar das expectativas e sentimentos sobre o parto é importante para todas as gestantes, especialmente as solteiras. Embora a presença do pai tenda a ser considerada uma das mais indicadas, por ser uma pessoa que também está envolvida no processo, é sabido que apenas a sua presença não é suficiente para garantir o apoio que a mulher necessita, pois, acima de tudo, ele precisa ser um apoio efetivo. Assim, a presença de outras figuras de apoio, como a própria mãe, a avó, amigas, se constitui em uma importante alternativa que pode compensar a ausência paterna, bem como os recursos pessoais da mãe solteira. Além disso, é importante considerar o papel de apoio que a própria equipe de saúde pode exercer, tal como foi referido por algumas participantes em relação aos grupos de gestantes e à assistência que receberam no momento do parto. Nesse sentido, os profissionais de saúde passam a ter ainda mais responsabilidade quando optam por trabalhar com esse período do ciclo de vida, que é o ciclo gravídico-puerperal. A experiência do parto, nos seus aspectos positivos e negativos, marca a vida de uma mulher, e as pessoas envolvidas no processo também serão sempre lembradas, seja pela boa ou pela má assistência (Simkin, 1991, 1992).
É importante enfatizar, ainda, que o fato de ser mãe solteira não indica, por si só, que ela terá uma experiência negativa do parto. Da mesma maneira, o fato de ser casada não garante que o pai do bebê preste o apoio necessário e esperado pela mãe durante a gestação e parto. Nesse sentido, o que realmente parece importar são as atitudes das figuras de apoio em relação à gestante e à sua condição de parturiente, e não tanto quem presta esse apoio, seja o pai do bebê, sua própria mãe ou, até mesmo, a equipe de profissionais envolvidos. Portanto, não é necessariamente a condição de solteira ou casada que vai influenciar a forma como o parto é sentido e vivenciado, mas a qualidade do apoio que gestante e parturiente recebem certamente é importante. Isto se torna ainda mais significativo, quando se trata de mães primíparas, como as do presente estudo, que estão se constituindo como mães.
Na verdade, o parto se caracteriza como um evento essencialmente feminino (Peterson, 1996), apesar da recente e crescente medicalização (Miller, 2000). Ele envolve grandes níveis de ansiedade, medo, excitação e expectativa, e toda essa sua intensidade tende a ser vivida de modo similar entre as mulheres, independente de serem solteiras ou não. Ele se constitui em um dos principais momentos que marcam a transição para a maternidade, a partir do qual todas as mães e filhos se encontram face-a-face (Donelli, 2003).
Muitas adaptações ainda serão exigidas da mãe e do bebê durante o puerpério, mas é sabido que, assim como o parto foi influenciado pela forma como ele foi antecipado durante a gestação, a experiência vivida continuará influenciando os momentos posteriores do processo de construção da maternidade, fazendo parte da história da mulher e de seu filho (Brazelton, 1988; Brazelton & Cramer, 1992; Cramer, 1997; Donelli, 2003; Klaus & Kennell, 1992; Klaus & cols, 2000; Klaus & Klaus, 1993; Raphael-Leff, 1997; Soifer, 1992; Stern, 1997; Szejer & Stewart, 1997; Winnicott, 1957/1999, 1956/2000).
Enfim, espera-se que esse trabalho possa contribuir para o planejamento de futuras ações visando a prevenção de problemas envolvendo o ciclo gravídico-puerperal, especialmente relacionados às mães primíparas e solteiras, que muitas vezes, além de não possuírem um companheiro, também não podem contar com outras figuras de apoio. Soma-se a isto a falta de uma assistência pré-natal adequada, que valorize o discurso da mulher e atente para seus medos, ansiedades e expectativas, especialmente para as famílias de baixa renda, onde muitas vezes se enquadram as mães solteiras. Neste contexto, as expectativas e sentimentos negativos sobre o parto podem ficar exacerbados e não contribuirão para que o parto seja vivido como um momento de satisfação, de realização e de sucesso. Além disso, podem prejudicar imensamente o momento do primeiro encontro da mãe com seu filho, e marcar profundamente a nova relação que se inicia.
Referências
Areskog, B., Uddenberg, N., & Kjessler, B. (1984). Postnatal emotional balance in women with and without antenatal fear of childbirth. Journal of Psychosomatic Research, 28, 213-220. [ Links ]
Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. [ Links ]
Barnett, B. E. W., Hanna, B., & Parker, G. (1983). Life events scales for obstetric groups. Journal of Psychosomatic Research, 27, 313-320. [ Links ]
Brazelton, T. B. (1988). Gravidez: o nascimento do apego (D. Batista, Trad.). Em: T. B. Brazelton (Org.), O desenvolvimento do apego: uma família em formação (pp. 15-50). Porto Alegre: Artes Médicas. (Original publicado em 1981). [ Links ]
Brazelton, T. B., & Cramer, B. G. (1992). A pré-história do apego (M. B. Cipolla, Trad.). Em: T. B. Brazelton & B. G. Cramer (Orgs.), As primeiras relações (pp. 5-19). São Paulo: Martins Fontes. [ Links ]
Cordeiro, S. N., & Sabatino, H. (1997) A Humanização do parto. Em: M. Zugaib, J. J. Tedesco & J. Quayle (Orgs.), Obstetrícia Psicossomática. São Paulo: Atheneu. [ Links ]
Cramer, B. (1997). Segredos femininos: de mãe para filha. Porto Alegre: Artes Médicas. [ Links ]
Donelli, T. M. S. (2003). O parto no processo de transição para a maternidade. Dissertação de mestrado. Pós-graduação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS. [ Links ]
Ferrari, H. (2001). A ausência paterna e suas implicações na qualidade da interação mãe bebê. Dissertação de mestrado não-publicada. Curso de Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS. [ Links ]
Fisher, J., Astbury, J., & Smith, A. (1997). Adverse psychological impact of operative obstetric interventions: A prospective longitudinal study. Australian and New Zealand Journal of Psychiatry, 31, 728-738. [ Links ]
Grupo de Interação Social, Desenvolvimento e Psicopatologia GIDEP/UFRGS/CNPq (1998a). Ficha de Contato Inicial. Instrumento não-publicado. Instituto de Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS. [ Links ]
Grupo de Interação Social, Desenvolvimento e Psicopatologia GIDEP/UFRGS/CNPq (1998b). Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Instrumento não-publicado. Instituto de Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS. [ Links ]
Grupo de Interação Social, Desenvolvimento e Psicopatologia GIDEP/UFRGS/CNPq (1998c). Entrevista de Dados Demográficos. Instrumento não-publicado. Instituto de Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS. [ Links ]
Grupo de Interação Social, Desenvolvimento e Psicopatologia GIDEP/UFRGS/CNPq (1998d). Entrevista sobre a Gestação e as Expectativas da Gestante. Instrumento não-publicado. Instituto de Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS. [ Links ]
Grupo de Interação Social, Desenvolvimento e Psicopatologia GIDEP/UFRGS/CNPq (1999). Entrevista sobre a experiência da maternidade 3º mês. Instrumento não-publicado. Instituto de Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS. [ Links ]
Heck, K. E., & Parker, J. D. (2002). Family structure, socioeconomic status, and access to health care for children. Health Services Research, 37(1), 173-186. [ Links ]
Hollingshead, A. B. (1975). Four factor index of social status. Unpublished manuscript, Department of Sociology. Yale University. [ Links ]
Klaus, M. H., & Klaus, P. (1993). Apoio à parturiente durante o trabalho de parto. Em: Anais do primeiro encontro brasileiro para o estudo do psiquismo pré e perinatal (pp. 49-78). São Paulo: ABREP. [ Links ]
Klaus, M. H., & Kennell, J. H. (1992). Parto, nascimento e formação do apego (D. Batista, Trad.). Em: M. H. Klaus & J. H. Kennell (Orgs.), Pais-bebê: a formação do apego (pp. 21-41). Porto Alegre: Artes Médicas. [ Links ]
Klaus, M. H., Kennell, J. H., & Klaus, P. (2000). Vínculo: construindo as bases para um apego seguro e para a independência. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Laville, C., & Dionne, J. (1999). A construção do saber. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Lipp, M. E. N. (Org.). (1996). Pesquisas sobre stress no Brasil: saúde, ocupações e grupos de risco. Campinas: Papirus. [ Links ]
Lopes, R. C. S., Donelli, T. M. S., Lima, C. M., & Piccinini, C. A. (2005). O antes e o depois: expectativas e experiências de mães sobre o parto. Psicologia: Reflexão e Crítica, 18(2), 247-254. [ Links ]
Maldonado, M. T. P. (1994). Aspectos psicológicos da gravidez, parto e puerpério. Em: M. T. P. Maldonado (Org.), Psicologia da gravidez (pp. 13-100). Petrópolis: Vozes. [ Links ]
McLanahan, S., & Booth, K. (1989). Mother-only families: Problems, prospects, and politics. Journal of Marriage and the Family, 51(3), 557-580 [ Links ]
Mercer, R. T., Hackley, K. C., & Bostrom, A. G. (1983). Relationship of psychosocial and perinatal variables to perception of childbirth. Nursing Research, 32, 202-207. [ Links ]
Miller, T. (2000). Losing the plot: narrative construction and longitudinal childbirth research. Qualitative Health Research, 10(3), 309-323. [ Links ]
Newcombe, N. (1999). Socialização no cenário da família (C. Bucheveitz, Trad.). Em: N. Newcombe (Org.), Desenvolvimento infantil: abordagem de Mussen (8ª edição, pp. 336-363). Porto Alegre: Artes Médicas. (Original publicado em 1996). [ Links ]
Parke, R. D. (1996). Fathers’ involvement: infancy and beyond. Em: R. D. Parke (Org.), Fatherhood: myths and realities (pp. 44-72). EUA: Harvard University Press.
Peterson, G. (1996). Childbirth: the ordinary miracle: effects of devaluation of childbirth on women’s self-esteem and family relationships. Pre and Perinatal Psychology Journal, 11, 101-109.
Piccinini, C. A., Tudge, J. R., Lopes, R. C., & Sperb, T. (1998). Projeto longitudinal de Porto Alegre: da gravidez à escola. Projeto não-publicado. Curso de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS. [ Links ]
Raphael-Leff, J. (1997). Gravidez: a história interior. Porto Alegre: Artes Médicas. [ Links ]
Simkin, P. (1991). Just another day in a woman’s life? Part I: Women’s long-term perceptions of their first birth experience. Birth, 18, 203-210.
Simkin, P. (1992). Just another day in a woman’s life? Part II: Nature and consistency of women’s long term memories of their first birth experiences. Birth, 19, 64-81.
Soifer, R. (1992).
Stern, D., N. (1997). A constelação da maternidade (M. A. V. Veronese, Trad.). Em: D. N. Stern (Org.), A constelação da maternidade: o panorama da psicoterapia pais/bebê (pp. 161-178). Porto Alegre: Artes Médicas. (Original publicado em 1995). [ Links ]
Stern, D., Bruschweiler-Stern, N., & Freeland, A. (1999). El nacimiento de una madre. Buenos Aires: Paidós. [ Links ]
Szapiro, A. M., & Feres-Carneiro, T. (2002). Construções do feminino após anos sessenta: o caso da maternidade como produção independente. Psicologia: Reflexão e Crítica, 15(1), 179-188. [ Links ]
Szejer, M., & Stewart, R. (1997). Nove meses na vida da mulher: uma abordagem psicanalítica da gravidez e do nascimento. São Paulo: Casa do Psicólogo. [ Links ]
Tedesco, J. J. de A. (1997). A Humanização da Relação Obstetra-Mãe-Filho. Em: M. Zugaib, J. J. Tedesco & J. Quayle (Orgs.), Obstetrícia Psicossomática. São Paulo: Atheneu. [ Links ]
Tudge, J., & Frizzo, G. B. (2002). Classificação baseada em Hollingshead do nível socioeconômico das famílias do estudo longitudinal de Porto Alegre: da gravidez à escola. Manuscrito não publicado. [ Links ]
Winnicott, D. W. (1999). A contribuição da psicanálise à obstetrícia. Em: D. W. Winnicott (Org.), Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes. (Original publicado em 1957). [ Links ]
Winnicott, D. W. (2000). A preocupação materna primária. Em: D. W. Winnicott (Org,), Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1956). [ Links ]
Zapiain, J. G. (1996). Gravidezes inesperadas. Por quê? Comunicação apresentada no Seminário “O problema do aborto em Portugal: Questões sociais, médicas e jurídicas”. Associação para o Planejamento da família. Évora.
Endereço para correspondência
E-mail: ahmarin@hotmail.com
Recebido em dezembro de 2007
Aprovado em agosto de 2008
Angela Helena Marin: psicóloga, mestre e doutoranda no PPG-Psicologia da UFRGS, professora do Curso de Psicologia (ULBRA/Santa Maria).
Tagma Marina Schneider Donelli: psicóloga hospitalar, mestre e doutoranda no PPG-Psicologia da UFRGS, Professora do PPG-Psicologia da UFRGS, Pesquisadora do CNPq.
Cesar Augusto Piccinini: doutor e pós-doutorado na University College London (Inglaterra), professor do PPG-Psicologia da UFRGS, Pesquisador do CNPq.
1 O estudo teve por objetivo investigar tanto os aspectos subjetivos e comportamentais das interações iniciais pai-mãe-bebê, assim como o impacto de fatores iniciais do desenvolvimento nas interações familiares, no comportamento social de crianças pré-escolares e na transição para a escola de ensino fundamental. Os participantes representavam várias configurações familiares (nucleares, monoparentais ou re-casados), de diferentes idades (adultos e adolescentes) e com escolaridade e níveis socioeconômicos variados. Várias fases de coleta de dados foram realizadas, desde a gestação até os sete anos de idade das crianças.
2 Além destes instrumentos, outros também foram utilizados na gestação e no terceiro mês de vida do bebê, conforme descrito por Piccinini e cols. (1998), mas os dados destes instrumentos não foram considerados no presente estudo.
3 A letra e o número entre parênteses identificam a participante que forneceu o relato. Os relatos foram, eventualmente, editados para reduzir sua extensão, mas sem que isto comprometesse seu conteúdo.