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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia no.31 Canoas abr. 2010
ARTIGOS DE ATUALIZAÇÃO
Habilidades sociais e problemas de comportamento: um estudo exploratório baseado no modelo construcional*
Social skills and behavior problems: an exploratory study based on theconstructional approach
Vanessa Barbosa Romera LemeI; Alessandra Turini Bolsoni-SilvaII
I Universidade de São Paulo
II Universidade Estadual Paulista
RESUMO
A pesquisa teve como objetivo avaliar, segundo o Modelo Construcional de Goldiamond, os relatos de 20 mães de crianças com problemas de comportamento (Grupo clínico) e 20 mães de crianças sem esses problemas (Grupo não clínico), as habilidades sociais e os problemas de comportamento de pré-escolares, investigar as situações e os comportamentos das mães diante dos comportamentos dos filhos e sugerir hipóteses para os comportamentos funcionalmente equivalentes que foram investigados. Os instrumentos utilizados foram duas escalas, um questionário e uma entrevista estruturada.Os resultados indicaram que as crianças do Grupo não clínico apresentaram, com mais frequência e diversidade, habilidades sociais e com menos frequência, problemas de comportamento, em comparação com as crianças do Grupo clínico.
Palavras-chave: Habilidades sociais, Problemas de comportamento, Modelo construcional.
ABSTRACT
The research aimed to assess, according to the constructional approach by Goldiamond, the reports of 20 mothers of children with behavior problems, (clinical group) and 20 mothers of children without these problems (non-clinical group), social skills and behavior problems of pre-school, investigate the situations and behaviors of mothers before the behavior of children and suggest hypotheses for functionally equivalent behaviors that were investigated. The instruments used were two scales, a questionnaire and a structured interview. The results indicated that children of non-clinical group presented with more frequency and diversity, social skills and with less frequency, of behavior problems compared to children of the clinical group.
Keywords: Social skills, Behavior problems, Constructional approach.
Introdução
Apesar de não haver um consenso na literatura quanto à definição do termo habilidades sociais, este pode ser entendido, segundo Del Prette e Del Prette (2005), como "...diferentes classes de comportamentos sociais do repertório de um indivíduo, que contribuem para a competência social, favorecendo um relacionamento saudável e produtivo com as demais pessoas" (p. 31). Determinados ambientes, como por exemplo, a família e a escola, que utilizam com frequência práticas educativas tidas como negativas (por exemplo, uso de agressão verbal e física e ameaças de agressões), podem potencializar e/ou suprimir o desenvolvimento interpessoal infantil. Nesse sentido, sendo a família o primeiro ambiente de socialização que permite aos filhos entrar em contato com as regras e normas de convívio social (Biasoli-Alves, 1994), a investigação do contexto familiar pode contribuir para o desenvolvimento de programas de intervenção que procurem tanto prevenir quanto remediar as dificuldades de relacionamento entre pais e filhos.
Práticas educativas parentais e o modelo construcional
Dentre os fatores que podem contribuir ou não com o desenvolvimento das habilidades sociais na infância, as práticas educativas parentais1 têm recebido destaque em diversas pesquisas (Alvarenga & Piccinini, 2001; Barry, Frick & Grafeman, 2008; Bolsoni-Silva & Marturano, 2008; Cia, Pereira, Del Prette & Del Prette, 2007; Koblinsky, Kuvalanka & Randolph, 2006; McGroder, 2000; Patterson, Reid & Dishion, 2002/1992; Prinzie, Onghena & Hellinckx, 2007). Segundo Patterson e cols. (2002/1992), quando os pais utilizam Habilidades Sociais Educativas Parentais (tais como disciplina consistente, expressão de sentimentos positivos e o uso de explicações e negociações/trocas para estabelecer limites) para orientar os comportamentos dos filhos, geralmente são contingentes no uso de consequências positivas para o repertório de habilidades sociais infantis, o que, por sua vez, pode prevenir o surgimento e/ou a manutenção de problemas de comportamento.
Analisando os estudos sobre problemas de comportamento, verifica-se que não há um consenso quanto à definição, à classificação e ao diagnóstico para os mesmos, podendo esses ser multideterminados por variáveis como práticas educativas parentais, condições socioeconômicas, conflito conjugal, etc (Webster-Stratton, Reid & Hammond, 2004). Neste trabalho, problemas de comportamento serão entendidos como:
[...] déficits e/ou excessos comportamentais que prejudicam a interação das crianças com pares e adultos [...] e que dificultam o acesso da criança a novas contingências de reforçamento, que por sua vez, facilitariam a aquisição de repertórios relevantes de aprendizagem. (Bolsoni-Silva, 2003, p. 10)
A maioria dos estudos procura investigar as práticas educativas parentais relacionadas aos problemas de comportamento dos filhos, sendo poucas as pesquisas (Bolsoni-Silva & Marturano, 2008; Cia & cols., 2007; Gorman-Smith & Tolan, 1998; Koblinsky & cols., 2006; McGroder, 2000) que fazem uma avaliação mais completa, procurando também focar o repertório socialmente habilidoso dos pais e dos filhos. Bolsoni-Silva e Marturano (2008) sinalizaram algumas Habilidades Sociais Educativas Parentais mais frequentes no repertório de pais e de mães de pré-escolares com comportamentos socialmente habilidosos, dentre elas pode-se citar, demonstrar carinho, cumprir promessas, concordar com o cônjuge e discriminar comportamentos socialmente habilidosos dos filhos.
Na mesma direção, Koblinsky e cols. (2006) ao examinarem a relação entre as práticas parentais, as habilidades sociais e os problemas de comportamento de 184 pré-escolares de famílias de baixa renda, encontraram que as mães que utilizam mais Habilidades Sociais Educativas Parentais tinham filhos com mais habilidades sociais e com menos problemas de comportamento. De forma semelhante, Cia e cols. (2007) observaram correlações positivas entre um bom repertório em habilidades sociais de 22 mães com o envolvimento parental nas atividades acadêmicas e de lazer dos seus filhos que frequentavam a primeira série do ensino fundamental. Portanto, verifica-se que comportamentos sociais são desenvolvidos no repertório infantil, ao menos em parte, através da mediação dos pais (Del Prette & Del Prette, 2005).
Habilidades sociais na infância
Segundo Del Prette e Del Prette (2005), a infância é um período crítico para a aprendizagem das habilidades sociais e das normas de convivência, as quais ocorrem primeiramente com a família e depois em outros ambientes como vizinhança, pré-escola e escola. Ainda que eventuais dificuldades nas relações sociais possam ser superadas pelas pessoas sem que haja algum tipo de intervenção sistemática, vários pesquisadores (Baraldi & Silvares, 2003; Caldarella & Merrell, 1997; Cia & cols., 2007; Del Prette & Del Prette, 2005; De Salvo, Mazzarotto & Löhr, 2005; Mcclellan & Katz, 1996, Molina & Del Prette, 2006) têm encontrado que a promoção de comportamentos socialmente habilidosos pode prevenir o surgimento e/ou a manutenção de problemas de comportamento, no que tange a melhorar a relação com pares (Caldarella & Merrell, 1997; Mcclellan & Katz, 1996), a desenvolver uma autoestima positiva e empatia (Falcone, 2000; Pavariano, Del Prette & Del Prette, 2005), além de melhorar o desempenho acadêmico (Bandeira, Rocha, Freitas, Del Prette & Del Prette, 2005; Molina & Del Prette, 2006) e o relacionamento com os pais (Bolsoni-Silva & Marturano, 2008; Cia & cols., 2007). Adicionalmente, pesquisas (Campos & Marturano, 2003; McClelland & Morrison, 2003) têm indicado que o desenvolvimento das habilidades sociais na infância é precursor ao de competência social em outras etapas no desenvolvimento.
Várias pesquisas (Baraldi & Silvares, 2003; Castro, Melo & Silvares, 2003; De Salvo & cols., 2005; Gonçalves & Murta, 2008) foram realizadas com o objetivo de desenvolver habilidades sociais em crianças como forma de prevenção de problemas de comportamento e/ou de aprendizagem. Gonçalves e Murta (2008) realizaram um estudo para avaliar os efeitos de uma intervenção em habilidades sociais sobre comportamentos socialmente habilidosos, autoconceito e aceitação pelos pares. A intervenção foi realizada com três crianças (idade entre 7 e 13 anos) que apresentavam problemas de comportamento e de aprendizagem. Os resultados indicaram um aumento nos comportamentos socialmente habilidosos, mudanças positivas no autoconceito e no julgamento dos pares.
Baraldi e Silvares (2003) avaliaram a eficácia de um programa de intervenção realizado com os pais e com os filhos (16 crianças pré-escolares e escolares) que apresentavam queixas de agressividade. As análises dos dados revelaram que as crianças apresentaram, após a intervenção, menos problemas de comportamento e que houve uma melhora na qualidade das relações familiares com o aumento da utilização de práticas educativas menos coercitivas. O estudo indica que o treino de habilidades sociais infantis realizado juntamente com o treino de Habilidades Sociais Educativas Parentais parece melhorar a relação entre pais e filhos.
De Salvo e cols. (2005) realizaram um programa preventivo baseado no desenvolvimento de habilidades sociais com crianças pré-escolares e com seus pais. As crianças passaram por sessões lúdicas que objetivaram proporcionar o desenvolvimento das habilidades sociais e seus pais frequentaram sessões de orientação sobre práticas educativas. Após a intervenção as crianças apresentaram médias maiores na maioria dos itens referentes à competência social e médias menores para problemas de comportamento.
Os estudos mencionados indicam que as habilidades sociais parecem funcionar como fator de proteção para o desenvolvimento acadêmico e interpessoal infantil. Em outras palavras, um repertório elaborado de habilidades sociais na infância pode contribuir para que a criança obtenha mais facilmente reforçadores sociais importantes para a sua fase de desenvolvimento, tais como fazer amizades, estabelecer relações harmoniosas em seu ambiente social, adquirindo independência, responsabilidade e cooperação e, por outro lado, pode aumentar a sua capacidade em lidar com situações adversas e estressantes (Del Prette & Del Prette, 2005; Gonçalves & Murta, 2008; McClelland & Morrison, 2003). Assim, as habilidades sociais podem trazer diversos benefícios para o desenvolvimento infantil.
Com base nos dados das pesquisas expostas, propõe-se neste estudo que as habilidades sociais das crianças e as Habilidades Sociais Educativas dos Pais (HSE-P) possam ser utilizadas em intervenções que se baseiam no modelo construcional de Goldiamond (2002/1974). De forma geral, esse modelo, baseado nos princípios da Análise do Comportamento, focaliza a construção e ampliação de novos repertórios em detrimento a eliminação de comportamentos problema. Para isso são utilizados procedimentos de reforçamento positivo, modelagem por aproximações sucessivas de repertórios socialmente habilidosos e autorregistro de comportamentos.
Segundo Goldiamond (2002/1974), o modelo construcional prioriza a investigação de múltiplas variáveis, relacionadas à ecologia comportamental, de forma a identificar classes de respostas e interdependências comportamentais. Essa investigação possibilita a obtenção de hipóteses funcionais para todo o repertório da pessoa. O terapeuta busca descrever consequências reforçadoras para os comportamentos que ocorrem em déficits e em excessos, os quais mantêm a pessoa emitindo tais respostas ainda que as consequências também tragam punições. De posse dessas informações, o terapeuta que investigou também os recursos, as potencialidades do cliente, pode ampliar e/ou promover, por meio de técnicas comportamentais, respostas denominadas de funcionalmente equivalentes, isto é, esses repertórios seriam capazes de obter reforçadores ora obtidos por comportamentos problemas, os quais tendem a diminuir.
Para Gimenes, Andronis e Layng (2005), os programas construcionais diferenciam-se dos demais, especialmente por promover a ampliação de repertórios comportamentais que forneçam os mesmos reforçadores obtidos pelo comportamento(s) problema. Além disso, nesse modelo de atuação não há um foco exclusivo em desenvolver repertórios comportamentais centrados na queixa principal do indivíduo, mas sim em promover uma ampla gama de comportamentos que o ajude a resolver suas dificuldades (Goldiamond, 2002/1974) e obter os reforçadores que lhe são necessários.
Assim, enquanto as intervenções comportamentais de caráter eliminativo normalmente são prejudiciais por privarem o indivíduo de reforçadores críticos, o modelo construcional focaliza a implementação de comportamentos alternativos. Nesse caso, as habilidades sociais dos filhos e as Habilidades Sociais Educativas Parentais são exemplos de comportamentos que poderiam ser trabalhados em intervenções com o objetivo de substituir no repertório comportamental dos filhos e dos pais, os problemas de comportamento infantis e as práticas educativas negativas. A título de exemplo, uma criança pode obter atenção fazendo birras (problema de comportamento) ou solicitando, aos pais, que brinquem com ela (habilidade social). Na mesma situação, os pais podem agredir verbalmente e/ou fisicamente (práticas educativas negativas) o filho quando ele faz birras, com o objetivo de suprimir esse comportamento, ou podem conversar e negociar com a criança (habilidades sociais educativas parentais), obtendo o mesmo resultado. Logo, quando os pais e os filhos aprendem outras formas de obter reforçadores através de comportamentos socialmente habilidosos, os comportamentos problema e as práticas educativas negativas podem perder a sua funcionalidade, o que faria com que reduzissem de ocorrência.
As informações obtidas através da descrição das situações e das consequências para as habilidades sociais e para os problemas de comportamento podem permitir a identificação de contingências sob as quais os comportamentos dos pais e dos filhos ocorrem ou deixam de ocorrer. Torna-se, então, possível sugerir algumas explicações, ao menos em parte, para as frequências, por exemplo, dos comportamentos que compõem o repertório de habilidades sociais e de problemas de comportamento das crianças e das práticas educativas dos pais. Mediante tais informações, é possível pensar em estratégias de intervenção tanto com os pais quanto com as crianças, utilizando o modelo construcional, cujo foco é a construção, o fortalecimento e a generalização de repertórios socialmente habilidosos. Tais intervenções com os pais e com os filhos que apresentam dificuldades de relacionamento poderiam desenvolver e/ou ampliar as HSE-P e as habilidades sociais infantis, melhorando o seu relacionamento e prevenindo problemas de comportamento.
Utilizando como referência os pressupostos do modelo construcional de Goldiamond (2002/1974), o estudo tem como objetivos: a) avaliar as habilidades sociais e os problemas de comportamento de pré-escolares; b) investigar as situações e os comportamentos das mães frente aos comportamentos dos filhos; c) sugerir hipóteses sobre comportamentos funcionalmente equivalentes das mães e dos filhos que poderiam ser construídos em programas de intervenção. As informações foram obtidas por meio dos relatos de 20 mães de crianças com indicativos de problemas de comportamento (Grupo clínico) e 20 mães de crianças sem esses problemas (Grupo não clínico).
Método
Participantes
Participaram deste estudo 40 mães de pré-escolares (20 mães de crianças com indicativos de problemas de comportamento – Grupo clínico e 20 mães de crianças sem indicativos de problemas de comportamento – Grupo não clínico) e 19 professoras. As crianças (idade média 5,3 anos, DP=0,87) estavam matriculadas do Jardim I ao Pré, em sete Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEI), de uma cidade do interior do Estado de São Paulo com 343.350 habitantes. A idade média das mães do Grupo não clínico era de 33 anos (DP=0,98) e do Grupo clínico era de 31 anos (DP=0,83). A distribuição por gênero apresentou diferença estatisticamente significativa entre os grupos (X2 =5,96; p<0,01). O Grupo não clínico era composto por 15 meninas e 5 meninos, inversamente, o Grupo clínico era formado por 15 meninos e 5 meninas. Os grupos eram equivalentes quanto à escolaridade das mães (Grupo não clínico média 9,57 anos, DP=0,85 e Grupo clínico média 9,37 anos, DP=0,81), a renda familiar (Grupo não clínico média R$ 1.110,00 e Grupo clínico média R$ 933,00), ao estado civil (19 mães do Grupo não clínico e clínico viviam a primeira união conjugal), ao status ocupacional (15 mães do Grupo não clínico e clínico estavam empregadas) e a jornada de trabalho (sete mães do Grupo não clínico e seis mães do Grupo clínico trabalhavam período integral). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, com protocolo no 1175/46/01/06.
Instrumentos
Os instrumentos utilizados na seleção da amostra e na coleta de dados foram: (a) Escala Comportamental Infantil B de Rutter, versão para professores (ECI-B, Santos, 2002) e Escala Comportamental Infantil A2 de Rutter, versão para pais (ECI-A2, adaptada por Graminha, 1994). Ambos os instrumentos são compostos por perguntas que procuram avaliar indicativos de problemas de comportamento. O instrumento ECI-A2 foi adaptado por Graminha (1994) para a realidade brasileira, apresentando índices satisfatórios de fidedignidade e determinação do ponto de corte. A ECI-B foi traduzida por Santos (2002), que verificou que o ponto de corte original da escala discriminava crianças com alto e baixo rendimento escolar; (b) Questionário de Respostas Socialmente Habilidosas para Pais (QRSH-Pais, Bolsoni-Silva, 2003) contem afirmações que procuram investigar comportamentos indicativos de habilidades sociais apresentados por crianças. A versão do QRSH para Professores já foi validada (Bolsoni-Silva, Marturano & Loureiro, 2009) e os estudos psicométricos da versão para os pais estão em andamento; (c) Entrevista sobre Comportamentos Infantis e Parentais (E-CIP). A E-CIP trata-se de uma entrevista estruturada que investiga as situações em que os filhos apresentavam as habilidades sociais e os problemas de comportamento identificados pelas mães no QRSH-Pais e na ECI-A2, bem como os seus comportamentos diante das habilidades sociais e dos problemas de comportamento dos filhos. Para avaliar a fidedignidade do instrumento, foram coletados dados com 10 mães, cujas medidas foram obtidas com um mês de distanciamento. A partir desses dados, foi realizado o teste de correlação de Spearmam, sendo encontrada correlação significativa a 5% (0,84). Contudo, ressalta-se que o instrumento ainda não possui as propriedades psicométricas validadas.
Procedimento de coleta de dados
Para a seleção da amostra, solicitou-se, após a permissão concedida pela Secretaria de Educação Infantil, a colaboração, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de 19 professoras de sete Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEI), na indicação de crianças com e sem problemas de comportamento. Para formar os Grupos não clínico e clínico, as professoras responderam a ECI-B e as crianças indicadas como apresentando problemas de comportamento deveriam atingir o escore da ECI-B (escore > 9) e as crianças sem essa indicação não deveriam atingir esse escore. Em seguida, a pesquisadora entrou em contato com as mães para apresentar os objetivos da pesquisa e verificar o interesse em participar da mesma. Caso houvesse interesse, era agendada uma visita na residência ou no local de trabalho das mães. Nesta visita, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, a pesquisadora aplicava os instrumentos (ECI-A2, QRSH-Pais e E-CIP). Para todos os instrumentos, a pesquisadora leu os itens e anotou as respostas das mães e das professoras. Critérios de inclusão: Para participar do estudo, as crianças indicadas pelas professoras como apresentando problemas de comportamento pela ECI-B (escore >9) deveriam também apresentar índice clínico na ECI-A2 (escore >16). Por sua vez, as crianças indicadas pelas professoras como sem problemas de comportamento não deveriam apresentar esses índices clínicos, segundo os relatos das professoras e das mães. Além disso, as crianças deveriam morar com ambos os pais e esses deveriam viver uma situação conjugal civil ou por consenso.
Procedimento de análise de dados
Os escores totais e dos itens dos instrumentos QRSH-Pais e ECI-A2 foram tratados estatisticamente (Teste U de Mann-Whitney, pacote estatístico SPSS 12.0) a fim de fazer comparações entre o Grupo clínico e o Grupo não clínico e foram calculadas as médias, considerando como resultados significativos p<0,05. Os itens do QCSH-Pais foram agrupados em três categorias (Bolsoni-Silva, Marturano, Figueiredo & Manfrinato, 2006), a saber: (a) Expressão de sentimentos e enfrentamento; (b) Interação social positiva; (c) Disponibilidade social e cooperação. Por sua vez, na ECI-A2, foram considerados somente os problemas de comportamento externalizantes. As entrevistas (E-CIP), de duração aproximadamente de 60 minutos, foram gravadas e transcritas integralmente e, em seguida, foram realizadas análises de conteúdo (Bardin, 1977).
A seguir são descritos os resultados significativos das análises estatísticas (Teste U de Mann-Whitney) das frequências das habilidades sociais e dos problemas de comportamento externalizantes. Para as habilidades sociais, os resultados das análises estatísticas indicaram que os Grupos não clínico e clínico diferiram-se estatisticamente (p<0,05) nos seguintes itens da categoria Expressão de sentimentos e enfrentamento, sendo o Grupo não clínico mais habilidoso no caso de: expressar frustração e desagrado (p=0,000); expressar desejos e preferências (p=0,001); expressar carinhos (p=0,037); expressar direitos e necessidades (p=0,021); fazer críticas (p=0,001); manifestar bom humor (p=0,001). Com relação à categoria Interação social positiva, os Grupos não clínico e clínico diferiram-se significativamente nos seguintes itens que compõem essa categoria, sendo que o Grupo não clínico mais habilidoso no caso de: comunicar-se com as pessoas de forma positiva (p=0,004); interagir de forma não-verbal (p=0,014); brincar com colegas (p=0,019). Por sua vez, os itens da categoria Disponibilidade social e cooperação não apresentam diferenças estatísticas significativas entre os grupos. Com relação aos problemas de comportamento, as análises estatísticas indicaram que os grupos apresentaram diferenças estatísticas em todos os itens da ECI-A2 correspondentes aos problemas de comportamento externalizantes, a saber: ficar mal-humorado e nervoso (p=0,001); "matar" aula (p=0,038); costuma roubar ou pegar coisas dos outros às escondidas (p=0,018); ser muito agitado (p=0,000); ficar impaciente/irrequieto (p=0,001); destruir as próprias coisas ou as dos outros (p=0,000); brigar com outras crianças (p=0,000); ficar irritado (p=0,000); desobedecer (p=0,000); ficar pouco tempo numa atividade (p=0,031); falar mentiras (p=0,000); maltratar outras crianças (p=0,015); falar palavrões (p=0,009). Para todos esses itens, o Grupo clínico apresentou os problemas de comportamento com mais frequência que o Grupo não clínico.
Em seguida, os dados das entrevistas (E-CIP) a respeito das habilidades sociais e dos problemas de comportamentos das crianças que apresentaram diferenças estatísticas entre os grupos, foram agrupados considerando os relatos das mães a respeito das situações e das consequências (comportamentos das mães). Os dados dessa análise são apresentados nas Tabelas 1, 2, 3 e 4. Os relatos das mães do Grupo não clínico e clínico sobre seus comportamentos diante das habilidades sociais e dos problemas de comportamento dos seus filhos foram organizados em um sistema de classificação com duas categorias não mutuamente exclusivas: (a) Habilidades Sociais Educativas Parentais (HSE-P, Bolsoni-Silva, 2008); (b) Práticas educativas negativas (exemplos: quando os pais agridem os filhos de forma verbal e/ou física e fazem ameaças de agressões, quando os pais deixam os filhos fazerem birras, saem de perto e ficam quietos e quando os pais dizem não aos filhos, sem oferecer explicações). Essas categorias foram elaboradas pelas pesquisadoras a partir da literatura nacional (Alvarenga & Piccinini, 2001; Bolsoni-Silva, 2008; Gomide, 2003; Del Prette & Del Prette, 2001) e internacional (Baumrind, 1971; Hoffman, 1979) sobre práticas educativas parentais, estilos parentais e habilidades sociais educativas dos pais. Para categorizar os comportamentos das mães foi calculado um índice de concordância em 30% das entrevistas por dois codificadores que tiveram treinamento e que desconheciam o grupo a qual a mãe pertencia. Quando era atingido um índice de concordância de 85%, as demais entrevistas tinham as respostas das mães categorizadas independentemente pelos codificadores. As porcentagens de acordos encontradas foram 88,1% nos comportamentos das mães e 86,9% nos comportamentos das crianças.
Resultados
Os resultados apresentam os relatos das mães a respeito das situações e das consequências para as habilidades sociais e para os problemas de comportamento das crianças do Grupo não clínico e das crianças do Grupo clínico.
A Tabela 1 apresenta as médias dos escores totais dos relatos das mães do Grupo não clínico sobre as situações e as consequências para as habilidades sociais que apresentaram diferenças significativas entre os grupos.
Pela Tabela 1, nota-se que, segundo os relatos das mães, as crianças do Grupo não clínico expressam as habilidades sociais quando são contrariadas e, principalmente, em momentos de lazer. Nessas duas situações, diante das habilidades sociais dos filhos, as mães dizem que apresentam Habilidades Sociais Educativas Parentais (HSE-P).
A Tabela 2 apresenta as médias dos escores totais dos relatos das mães do Grupo não clínico a respeito das situações e das consequências para os problemas de comportamento que apresentaram diferenças significativas entre os grupos.
Os dados da Tabela 2 sugerem, pelas falas das mães do Grupo não clínico, que seus filhos destroem objetos em momentos de lazer com parentes e amigos; situações nas quais as mães apresentam HSE-P. Por sua vez, a Tabela 2 indica que quando as crianças são contrariadas e em momentos de lazer, elas ficam mal-humoradas e nervosas, irritadas, desobedientes, agitadas e não param em nenhuma atividade. Nesses momentos, as mães do Grupo não clínico relatam que apresentam práticas educativas negativas.
A Tabela 3 apresenta as médias dos escores totais dos relatos das mães do Grupo clínico a respeito das situações e das consequências para as habilidades sociais que apresentaram diferenças significativas entre os grupos.
Conforme a Tabela 3, as crianças do Grupo clínico apresentam as habilidades sociais quando são contrariadas e, especialmente, em momentos de lazer. Nessas situações, as mães do Grupo clínico dizem que quando os filhos expressam desejos e preferências, direitos e necessidades, críticas, carinhos, brincam com colegas e interagem de forma não-verbal, elas consequenciam positivamente essas habilidades, apresentando HSE-P. Por sua vez, quando os filhos comunicam-se de forma positiva e ficam de bom humor, as mães relatam apresentar também práticas educativas negativas.
A Tabela 4 apresenta as médias dos escores totais dos relatos das mães do Grupo clínico a respeito das situações e das consequências para os problemas de comportamento que apresentaram diferenças significativas entre os grupos.
Segundo a Tabela 4, as crianças do Grupo clínico ficam impacientes e irrequietas quando são contrariadas e, nessas situações, as mães relatam apresentar HSE-P. Os dados demonstram que as crianças ficam mal-humoradas e nervosas, costumam roubar, brigam, ficam irritadas e falam mentiras quando são contrariadas. Nessas situações as mães dizem que apresentam práticas educativas negativas. De forma semelhante, em momentos de lazer quando as crianças falam palavrões, ficam agitadas, destroem objetos e não param numa atividade, as mães do Grupo clínico também relatam apresentar práticas educativas negativas. Por fim, as mães do Grupo clínico relataram ora apresentar HSE-P, ora práticas educativas negativas, quando seus filhos "matam" aula e maltratam outras crianças quando são contrariados.
Ao comparar os dados das Tabelas (1, 2, 3 e 4), nota-se médias maiores de HSE-P e médias menores de práticas educativas negativas relatadas pelas mães do Grupo não clínico em relação às mães do Grupo clínico, seja diante das habilidades sociais, seja diante dos problemas de comportamento dos filhos, principalmente em situações que as crianças eram contrariadas. Portanto, enquanto as mães do Grupo não clínico relatam sempre consequenciar positivamente (com HSE-P) as habilidades sociais dos seus filhos, as mães do Grupo clínico ora dizem apresentar HSE-P, ora práticas educativas negativas. Quanto aos problemas de comportamento, as médias do Grupo clínico são maiores em relação às do Grupo não clínico; e as mães de ambos os grupos relatam utilizar práticas educativas negativas.
Discussão
As mães das crianças do Grupo não clínico relataram que diante dos comportamentos dos seus filhos, apresentavam com mais frequência HSE-P, o que corrobora com outras pesquisas (Alvarenga & Piccinini, 2001; Bolsoni-Silva & Marturano, 2008; Gorman-Smith & Tolan, 1998; Koblinsky & cols., 2006; McGroder, 2000) que sinalizam que pais de crianças socialmente competentes utilizam, para direcionar os comportamentos dos filhos, estratégias e técnicas que se baseiam em explicações, negociações, expressão de sentimentos positivos e estabelecimento de limites com consistência.
Contudo, chama a atenção que diante de diferentes problemas de comportamento apresentados pelas crianças do Grupo não clínico, em situações distintas (em momentos de lazer e quando a criança é contrariada), as mães disseram apresentar com mais frequência práticas educativas negativas e com menos frequência HSE-P. Ao analisar os dados é possível que ambas as práticas educativas das mães (negativas e as HSE-P) tenham a função de suprimir os comportamentos indesejados dos filhos. Segundo alguns autores (Sidman, 2003/1989; Vasconcelos & Souza, 2006), os pais usualmente apresentam dificuldade em estabelecer limites aos filhos, recorrendo muitas vezes às práticas educativas negativas. Tais práticas coercitivas são utilizadas por vários motivos, dentre elas porque suprimem imediatamente os comportamentos problema dos filhos (Sidman, 2003/1989) e há uma valorização cultural de que a coerção é um recurso eficaz para conseguir a obediência dos filhos (Vasconcelos & Souza, 2006).
Contudo, apesar das práticas educativas negativas diminuírem imediatamente, após a sua apresentação, a frequência dos problemas de comportamento dos filhos, seus efeitos são apenas temporários (Skinner, 1970/1953). Assim, tão logo, os problemas de comportamento voltam a ocorrer, pois os pais não ensinam aos filhos outras possibilidades de ação e ainda podem causar diversos prejuízos para o desenvolvimento infantil, tais como baixa autoestima, agressividade e sintomas depressivos (Baum, 1999/1994; Sidman, 2003/1989; Skinner, 1970/1953; Vitolo & cols, 2005). Por isso, seria mais eficiente e funcional que os pais aprendessem a utilizar outras estratégias educativas para estabelecer limites aos filhos que não se baseassem em alternativas coercitivas. Assim, partindo-se da proposta de Goldiamond, poder-se-ia propor uma intervenção às mães do Grupo não clínico visando à ampliação das HSE-P e das habilidades sociais das crianças.
Nesse sentido, as mães do grupo clínico seriam orientadas a apresentar diante dos problemas de comportamento dos filhos não as práticas educativas negativas, mais sim as HSE-P, as quais já fazem com menor frequência. Essa intervenção poderia, num primeiro momento, ensinar as mães a discriminarem que quando os filhos destroem objetos, elas apresentam HSE-P, mas quando os filhos apresentam outros problemas de comportamento (tais como ficar mal-humorado e nervoso, irritável e desobediente), as mães os agridem física ou verbalmente e/ou fazem ameaças de agressões. Posteriormente, as mães do Grupo não clínico poderiam aprender a controlar e a expressar de forma não agressiva seus sentimentos negativos, bem como pedir mudança de comportamento aos filhos. Assim, aproveitando o modelo construcional, na medida em que as mães ampliassem seus repertórios socialmente habilidosos (HSE-P), ao invés de apenas eliminar suas práticas educativas negativas, as crianças talvez não precisassem mais apresentar comportamentos problema para, por exemplo, ter a atenção das mães.
Em relação às habilidades sociais e os problemas de comportamento identificados pelas mães do Grupo não clínico, nota-se que, na maior parte das vezes, as crianças comportavam-se de forma socialmente habilidosa tanto quando eram contrariadas como em momentos de lazer. Na perspectiva de Goldiamond (2002/1974), cuja meta é a construção, o fortalecimento e a generalização de repertórios socialmente habilidosos, intervenções com as crianças do Grupo não clínico poderiam ampliar as habilidades sociais que foram identificadas pelas suas mães quando elas, por exemplo, eram contrariadas.
As crianças poderiam ser ensinadas, num primeiro momento, a discriminarem que há situações (tais como são contrariadas) em que ora comportavam-se de forma socialmente habilidosa (ao, por exemplo, expressar frustração, desagrado, desejos e preferências), ora apresentavam problemas de comportamento (ao, por exemplo, ficar mal-humoradas, nervosas e desobedientes). Por sua vez, na sequência, as crianças poderiam aprender que seus diferentes comportamentos traziam também consequências diversas, isto é, quando, por exemplo, eram contrariadas e expressavam frustração e desagrado de forma adequada, suas mães disseram apresentar HSE-P. Já quando as crianças eram contrariadas e ficavam mal-humoradas e nervosas, as mães falavam que as agrediam de forma verbal ou física, faziam ameaças de agressões, etc (práticas educativas negativas).
Posteriormente, as crianças do Grupo não clínico poderiam ampliar habilidades que envolvessem, segundo Del Prette e Del Prette (2005), o autocontrole, a expressividade adequada dos seus sentimentos e a capacidade de negociação, naquelas situações que poderiam envolver conflitos de interesse, obtendo as mesmas consequências, sem, contudo, apresentar, problemas de comportamento. Portanto, é provável que os problemas de comportamento dos filhos diminuíssem de frequência, sem, contudo realizar uma intervenção focada na eliminação desses comportamentos (Goldiamond, 2002/1974).
No que diz respeito ao repertório comportamental das mães do Grupo clínico, observa-se que essas disseram apresentar com mais frequência práticas educativas negativas em momentos diversos diante dos problemas de comportamento externalizantes dos filhos. Todavia, quando os filhos ficavam impacientes e irrequietos ao serem contrariados, as mães relataram apresentar HSE-P. Deste modo, uma possibilidade é que ambas as práticas educativas (as HSE-P e as práticas negativas) tenham a função de estabelecer limites aos filhos nos momentos em que esses dão contrariados. Contudo, as práticas educativas parentais negativas podem gerar nos filhos contracontrole, ressentimento, mágoa e não ensinam qual o comportamento mais desejado, apenas punem o comportamento inadequado das crianças, oferecendo ainda modelos de agressividade (Sidman, 2003/1989).
Segundo o modelo construcional, as mães do Grupo clínico poderiam, numa intervenção, expandir as suas HSE-P para lidar com os problemas de comportamento dos seus filhos. Isso seria viável na medida em que os resultados demonstraram que quando os filhos expressavam desejos e preferências, direitos e necessidades, carinhos etc, as mães disseram apresentar HSE-P. Com isso, as mães estabeleceriam limites aos filhos de forma socialmente habilidosa, sendo consistentes, expressando sentimentos positivos e pedindo mudança de comportamento de forma não agressiva. Assim, as crianças possivelmente diminuíram a frequência de problema de comportamento, já que teriam atenção e afeto das mães em outros momentos, isto é, quando apresentam habilidades sociais.
A partir do modelo construcional, as intervenções realizadas com as crianças do Grupo clínico, poderiam ajudá-las a identificar que quando são contrariadas, ora comportam-se de forma socialmente habilidosa e ora não. Consequentemente, as mães reagem diferentemente diante dos comportamentos dos filhos, apresentando, na maioria das vezes, práticas educativas negativas diante dos problemas indesejados dos filhos.
Tendo como hipótese, que tanto os comportamentos socialmente habilidosos quanto os problemáticos tenham a função de, por exemplo, obter afeto e atenção das mães, as crianças poderiam ser orientadas a ampliar suas habilidades sociais (tais como, expressão de sentimentos negativos, negociação e autocontrole). Esse procedimento seria utilizado para permitir que os filhos obtivessem afeto e atenção das mães por meio da apresentação das habilidades sociais e não mais pela emissão dos problemas de comportamento (Goldiamond, 2002/1974). A estratégia de intervenção seria realizada através de uma avaliação do contexto (situações e consequências) tanto das habilidades sociais quanto dos problemas de comportamento. Seria, assim, possível identificar as habilidades sociais (por exemplo, expressar desejos, preferências, direitos e necessidades) que garantissem às crianças os mesmos reforçadores sociais conseguidos através dos problemas de comportamento. Entretanto, é preciso considerar durante as intervenções que, conforme sinalizam autores da área de habilidades sociais (Del Prette & Del Prette, 2001, 2005), embora comportamentos topograficamente diferentes tenham a mesma função, os problemas de comportamento são mais eficientes em obter reforçadores imediatos que os comportamentos socialmente habilidosos. Nesse caso, é preciso ensinar as crianças a discriminarem não apenas os reforços imediatos, mas também a identificarem os efeitos negativos ao apresentarem os problemas de comportamento, tais como rejeição pelos pares e ressentimento dos pais.
Conclusão
De uma maneira geral é possível verificar que as crianças e as mães do Grupo não clínico são socialmente mais habilidosas que as crianças e as mães do Grupo clínico, pois apresentam com mais frequência habilidades sociais infantis e Habilidades Sociais Educativas Parentais (HSE-P), respectivamente. Como os resultados indicaram que as mães do Grupo clínico apresentaram mais práticas educativas negativas frente aos comportamentos dos filhos, quando comparadas às mães do Grupo não clínico, pode-se sugerir que as primeiras sejam mais coercitivas. Todavia, a maior frequência de práticas educativas negativas identificadas pelas mães do Grupo clínico pode estar relacionada ao maior número de problemas de comportamento apresentado pelos filhos. Ou seja, o comportamento da criança é o contexto para a mãe emitir respostas para educar o filho, o que concorda com Biasoli-Alves (1994) que afirma a interação entre pais e filhos como bidirecional. Nesse sentido, a criança tem um papel ativo na aprendizagem tanto das habilidades sociais quanto dos problemas de comportamento, influenciando as práticas educativas dos pais. Portanto, o que se verifica é que as interações entre pais e filhos são interdependentes.
Os resultados sugerem que o diferencial entre os Grupos refere-se aos momentos de interação positiva (por exemplo, conversar, oferecer explicações e expressar sentimentos positivos) e a frequência com que as práticas educativas negativas são utilizadas para estabelecer limites, o que concorda com estudos prévios (Bolsoni-Silva & cols., 2006; Bolsoni-Silva & Marturano, 2008). Em outras palavras, as mães do Grupo não clínico parecem conseguir identificar e consequenciar positivamente um maior número de habilidades sociais dos filhos, em comparação com as mães do Grupo clínico. Por sua vez, as últimas, ainda que com menos frequência, também observavam comportamentos socialmente habilidosos em seus filhos. A capacidade das mães em discriminar as habilidades sociais dos filhos foi indicada em outros estudos (tais como Bolsoni-Silva & Marturano, 2008; Cia e cols., 2007; Koblinsky & cols., 2006) e traz implicações importantes para a prática do modelo construcional, uma vez que esse propõe a utilização do reforçamento positivo, a modelagem de repertórios socialmente habilidosos e a utilização do autorregistro de comportamento em intervenções.
Essa última habilidade, em particular, pode contribuir com o desenvolvimento do autoconhecimento dos pais sobre suas práticas educativas e sobre as variáveis que as controlam. Nesse sentido, considerando que as habilidades sociais previnem problemas de comportamento (Caldarella & Merrell, 1997; De Salvo & cols., 2005; Mcclellan & Katz, 1996; Molina & Del Prette, 2006), elas podem ser utilizadas em intervenções que se fundamentam no modelo construcional de Goldiamond (2002/1974).
Tal modelo prevê uma avaliação mais ampla do repertório comportamental das crianças e dos pais, considerando tanto os comportamentos problema quanto as habilidades sociais, uma vez que é possível verificar a existência de repertórios comportamentais habilidosos em pais e em crianças com problemas de comportamento. Nessa direção, os pais poderiam ser instruídos a aprender monitorar e ensinar comportamentos alternativos às crianças, sendo o primeiro passo, eles próprios aprenderem a se controlar e a reagir, sem agressividade, em momentos de frustração ou de contrariedade.
Este estudo exploratório procurou contribuir para um maior entendimento acerca das relações entre pais e filhos que podem estar relacionadas tanto com as habilidades sociais infantis quanto com os problemas de comportamento. Contudo, uma limitação importante refere-se aos dados terem sido obtidos através dos relatos das mães sobre seus comportamentos e sobre os comportamentos dos seus filhos e isso tem duas implicações. Primeiro, as mães podem não conseguir discriminar seus comportamentos, dos seus filhos e seus efeitos; segundo, as mães podem ter dado respostas que elas consideravam como socialmente aceitas, o que pode influenciar nos resultados. Assim, estudos futuros podem ser complementados com outros delineamentos metodológicos, tais como observação natural e/ou experimental.
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Endereço para correspondência
E-mail: vanessaromera@gmail.com
Recebido em março de 2009
Aprovado em agosto de 2009
Vanessa Barbosa Romera Leme: Psicóloga; Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto ( FFCLRP/USP). Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp.
Alessandra Turini Bolsoni-Silva: Psicóloga; docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP/Bauru).
1 Os pais podem orientar os comportamentos dos filhos através de várias estratégias e técnicas. No presente estudo será utilizado o termo Habilidades Sociais Educativas Parentais (HSE-P), o qual pode ser entendido como sendo um conjunto de habilidades sociais educativas dos pais (tais como manter conversação, expressar sentimentos positivos e negativos, estabelecer limites, cumprir promessas etc), aplicáveis à prática educativa dos filhos (Bolsoni-Silva, 2008). As HSE-P contemplam as práticas dos pais que são denominadas na literatura como práticas educativas positivas (Gomide, 2003), práticas indutivas (Hoffman, 1979) e estilo parental autoritativo (Maccoby & Martin, 1983).
2 Este trabalho é parte da Dissertação de Mestrado da primeira autora, sob orientação da segunda, cujo título é "Habilidades sociais e problemas de comportamento de pré-escolares e a sua relação com as habilidades sociais educativas parentais", defendida na Faculdade de Ciências da UNESP-Bauru.