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Aletheia
Print version ISSN 1413-0394
Aletheia no.38-39 Canoas Dec. 2012
ARTIGOS TEÓRICOS
Contribuições da avaliação psicológica ao porte de arma: uma revisão de estudos brasileiros
Contributions of psychological assessment to bear arms: a review of brazilian studies
Cristiana Rezende Gonçalves CanedaI; Maycoln Leôni Martins TeodoroII
I Universidade Luterana do Brasil – Campus de Santa Maria/RS
II Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais
RESUMO
O campo da avaliação psicológica para o porte de arma apresenta dificuldades e limitações em sua fundamentação e exercício profissional, com base na legislação brasileira vigente. Para que ela possa se desenvolver, faz-se necessário sistematizar o que tem sido desenvolvido sobre o tema. Neste sentido, foi realizada uma revisão assistemática dos estudos nacionais que abordam à avaliação psicológica para porte de arma. Para tanto, foram realizadas buscas por meio da BVS-Psi de pesquisas que trouxessem, em seu título ou corpo, alguma referência à avaliação psicológica para o porte de arma, utilizando como descritores porte de arma, avaliação psicológica, avaliação psicológica para porte de arma. Os resultados apontaram para 2 artigos de natureza empírica, 14 trabalhos de anais, 2 dissertações e 1 livro. Optou-se por não se limitar o período de publicação em razão da pequena quantidade de trabalhos sobre o tema. Conclui-se que as pesquisas sobre avaliação psicológica para porte de arma de fogo são escassas e trouxeram limitadas contribuições, denotando um campo carente da atenção científica.
Palavras-chave: Avaliação, Psicologia, Porte de arma.
ABSTRACT
The field of psychological assessment for the weapon presents difficulties and limitations in their reasoning and professional practice, on the basis of the current Brazilian legislation. For that she may develop, it is necessary systematize that has been developed on the subject. In this sense, an unsystematic review was made of the national studies that deal with the psychological evaluation for possession of a firearm. For both, were carried out searches through the BVS-Psi of researches that laughter in your title or body, any reference to psychological evaluation for the weapon, using as descriptors weapon, psychological evaluation, psychological evaluation for possession of a firearm. The results pointed to 2 articles empirical, 14 works of annals, 2 dissertations and 1 book. We chose not to limit the period of publication due to the small amount of work on the theme. It is concluded that the research on psychological evaluation for porte firearm are scarce and have brought limited contributions, denoting a field lacking in scientific attention.
Keywords: Assessment, Psychology, Possession of a firearm.
Introdução
No Brasil, desde a edição do Estatuto do Desarmamento (2003), o controle de Barmas tornou a posse e especialmente o porte de armas mais restrito. Segundo a lei, o porte seria outorgado aos policiais, militares, responsáveis pela segurança e casos funcionais previstos em legislação específica.
O porte de armas tornou-se, em regra, proibido. A posse, em residência ou local de trabalho, passou a exigir avaliação psicológica, idade superior a 25 anos e, principalmente, declaração da motivação para ter uma arma. Apesar dessas exigências e do Estatuto do Desarmamento está se aproximando dos 10 anos em vigor (Santos & Kassouf, 2012), a avaliação psicológica para o porte de armas é uma prática pouco difundida no país.
Não obstante tais obrigatoriedades, estudos nacionais apontam: a) reduzido número de pesquisas que abordam a avaliação psicológica para o porte de arma (CRP/ SP, 1997; Pellini, 2006; Caneda, 2009; Caneda & Teodoro, 2010); b) ausência de critérios específicos para avaliar o perfil do portador de arma de fogo (Resende, 2012; Thadeu, Ferreira & Faiad, 2012); c) deficiente capacitação profissional dos psicólogos (Simonovich, 2012); d) divergências de posicionamentos entre psicólogos, quanto a possibilidade de predição do comportamento para o porte de arma (Caneda & Teodoro, 2010).
Assim, a avaliação psicológica para o porte de arma é marcada por dificuldades e limitações em sua fundamentação e exercício, não existindo consenso sobre sua validade em relação à segurança pública (Caneda, 2009). É fundamental, portanto, que os psicólogos explorem e reflitam sistematicamente sobre essa prática avaliativa, uma vez que população está exposta a um crescimento íngreme dos níveis de violência por arma de fogo, maior do que situações de conflito armado como as guerras do Golfo e do Afeganistão (Mello-Silva, 2012; Waiselfisz, 2013).
Diante disso, na perspectiva de sistematizar os conhecimentos produzidos no campo da avaliação psicológica para o porte arma de fogo no Brasil, o objetivo do presente trabalho é contribuir com aprofundamento das discussões de cunho teórico-metodológico, apresentando uma revisão dos estudos desenvolvidos no Brasil. Essa escolha justifica-se por ser a avaliação psicológica para porte de arma, uma exigência da legislação brasileira.
Método
A fim de atingir o objetivo proposto, as buscas foram realizadas por meio: (a) da Biblioteca Virtual em Saúde – Psicologia (BVS-Psi), artigos de periódicos que trouxessem, em seu título ou corpo, alguma referência à avaliação psicológica para o porte de arma, utilizando como descritores porte de arma, avaliação psicológica, avaliação psicológica para porte de arma; (b) das próprias referências bibliográficas dos artigos encontrados; (c) das referências bibliográficas de trabalhos de revisão de literatura que abordavam o tema; e (d) dos anais existentes na biblioteca virtual. Optou-se por uma combinação de palavras-chaves com uma maior abrangência devido à dificuldade em se encontrar textos na área da avaliação do porte de arma. Os artigos selecionados foram aqueles que tratavam diretamente da avaliação psicológica no porte de arma. Foi necessário recorrer a esta estratégia uma vez que a literatura da área indica que os estudos são escassos e dispersos em diversos periódicos, até mesmo alguns fora de circulação. É importante salientar que optou-se por não se limitar o período de publicação em razão da pequena quantidade de estudos encontrados. Os estudos encontrados foram lidos e caracterizados quanto aos temas estudados, instrumentos e delineamentos.
Resultados
Encontrou-se um total de 2 artigos de natureza empírica, 14 trabalhos de anais, 2 dissertações e 1 livro, compreendendo o período entre 1998 a 2012. A seguir será apresentada uma revisão integrativa dos trabalhos, contemplando suas principais contribuições.
O primeiro trabalho identificado na literatura foi de Silva, Duarte e Mariuza (1998) que investigou sobre a escolha profissional inconsciente, pelas características de agressividade dos policiais e o significado que adquire para eles a arma de fogo como instrumento de trabalho através da forma reduzida do Teste de Apercepção Temática (TAT), sendo utilizadas as lâminas 13HF, 3RH e 8RH que, respectivamente, fazem aflorar aspectos agressivos da personalidade. Este estudo possui uma amostra reduzida e limitada, de modo que as próprias autoras afirmam que a pesquisa serve apenas como um indicativo de que seja este o funcionamento psíquico dos policiais civis na escolha por tal profissão. Concluiu-se que os traços agressivos dos investigados contribuem para a escolha da atividade de policial civil, além de confirmar que a arma de fogo permite que eles expressem de forma socialmente aceita sua agressividade.
Utilizando-se de outro teste projetivo, Pellini (2000) propôs investigar alguns indicadores no teste de Rorschach que orientam o fornecimento do porte de arma de fogo, no contexto da lei. Para ela, o método de Rorschach possibilita o acesso às principais funções psíquicas – conação, afetividade e inteligência – como referência para a contraindicação do porte de arma de fogo. O estudo considerou cinco fatores de contraindicação no protocolo em questão, a saber: índices de impulsividade; adaptação à realidade; dinamismos envolvidos no ajustamento pessoal e social; grau de maturidade psicológica e autoafirmação; expressão amadurecida dos afetos; e, coordenação motora e manutenção da atenção. Sugere que a presença de pelo menos três dos cinco indicadores seria suficiente para impossibilitar o candidato de portar uma arma.
Vagostello e Nascimento (2002) ampliaram o Sistema Compreensivo de Exner, descrito por Pellini (2000), trazendo avanços para a área de avaliação. Elas revisaram teoricamente os índices do Método de Rorschach contraindicados para a concessão do porte de arma de fogo. Este estudo se fundamentou em três funções básicas do funcionamento psíquico (afetividade, conação e inteligência) e nas características psicológicas estabelecidas pela legislação para registro e porte de arma de fogo: índice de impulsividade, adaptação à realidade, índice de conação (atenção), respostas de movimento e respostas cor. Os índices revisados e considerados mais relevantes foram: percepção adequada dos eventos e das pessoas; aceitação de normas sociais; maneira como focaliza a atenção; tolerância ao estresse e capacidade de controle frente a estressores; recursos disponíveis para responder às demandas das situações; demonstração da capacidade de enfrentar diretamente as situações de desafio e pensar intencionalmente quanto à melhor forma de enfrentá-las, para não ficar à mercê das circunstâncias e da reflexão; capacidade de utilizar a ideação de modo realista e voltado para a ação; capacidade de envolvimento em situações afetivas; impulsividade e nível de agressividade. Além desses índices, foi possível verificar que a presença de constelações que se referem a quadros patológicos – obtidos pelos índices de suicídio, de hipervigilância, de percepção-pensamento – e de traços de psicopatia, certamente seriam contraindicados para o porte de arma. Os índices mais importantes referem-se à mediação cognitiva, processamento da informação, capacidade de controle e tolerância ao estresse, ideação, afetos e relacionamento interpessoal.
Em outro estudo, Vagostello, Silva e Nascimento (2004) investigaram 13 profissionais da segurança pública que portavam arma de fogo no município de São Paulo. Dessa amostra, onze eram homens e duas mulheres, todos com idades entre 25 e 40 anos e experiência na função de pelo menos cinco anos. Os participantes fizeram o teste de Rorschach, e as autoras, seguindo o método de Exner, hipotetizaram que os profissionais que portavam arma de fogo deveriam apresentar as seguintes características: controle emocional adequado, hostilidades e tendências oposicionistas moderadas, percepção adequada da realidade, percepções positivas dos relacionamentos interpessoais e recursos internos que possibilitassem lidar com estressores externos e com tensões internas. No entanto, os resultados mostraram que os sujeitos apresentavam tendência à impulsividade, baixa adequação perceptiva, altos níveis de estresse nesses profissionais, porém mais recursos de manejo. Quanto às representações humanas dos profissionais, contrariamente às hipóteses preliminares, inferiu-se distorção autoperceptiva e altos índices de depressão. Os autores destacaram os resultados como merecedores de atenção e reflexão, já que os sujeitos utilizam diariamente arma de fogo no exercício de suas funções profissionais.
Utilizando ainda o método de Roschach, Pellini (2006) buscou estabelecer indicadores de maturidade emocional que servissem de critérios para a avaliação psicológica exigida na lei para a concessão do porte de arma de fogo. Realizou um estudo com 150 homens, com idades entre 19 e 51 anos, divididos em três grupos: grupo controle, grupo porte de arma e grupo de presidiários. Os protocolos de Rorschach dos grupos investigados foram comparados quanto aos índices de impulsividade (IMP), adaptação à realidade (RMI), índice conativo (Con) que se refere à coordenação motora, manutenção de atenção, bem como relacionamento intrapessoal e resposta de movimento (RM), que indica o grau de maturidade psicológica e os eventuais desajustes emocionais. Além destes, foram analisados o relacionamento interpessoal e a resposta de cor (RC) que traduzem exteriorização das reações afetivas do examinando. Tendo em vista os resultados, pode-se verificar que os indicadores avaliados, com exceção do índice Conativo, podem discriminar sujeitos mais violentos, os quais, por questões emocionais, poderiam ser contraindicados para receber a concessão do porte de arma de fogo. Assim, através do método de Rorschach, foi possível contribuir para a avaliação psicológica exigida daqueles que buscam o porte de arma.
Gonçalves e Gomes (2007) apresentaram os resultados encontrados no Teste Zulliger (Z-teste) em duas candidatas ao porte de arma com 44 e 45 anos de idade, funcionárias públicas federais, com formação de nível superior, sem registro de sintomas psicopatológicos. Adotaram o sistema de classificação de respostas da escola americana e, para a classificação da área da localização das respostas, tomaram como referência um atlas regional. O estudo apontou que os sujeitos têm dificuldade de apreender o todo, o que pode comprometer um bom funcionamento, já que eles percebem as coisas pelos detalhes, pelas partes, o que pode ser início de um funcionamento defensivo ou psicótico.
Resende, Rodrigues e Silva (2008) afirmam que o uso da arma de fogo exige, de quem a porta, características de personalidade, como controle das emoções, da impulsividade e da agressividade. Além disso, são necessárias adequação à realidade e adaptação social, já que o uso indevido pode provocar a morte de si mesmo ou de terceiros. O estudo pretendeu informar sobre a avaliação psicológica realizada com agentes de segurança ou porte de arma de fogo na região de Belo Horizonte/MG, em contextos militar e civil. Os resultados mostraram que as Polícias Militar e Civil valemse de critérios diferentes na avaliação do porte de arma. A Polícia Militar se baseia em critérios de contraindicação, como descontrole emocional, agressividade, impulsividade, alterações significativas da afetividade, oposicionismo a normas sociais e a figuras de autoridade, e déficits para estabelecer contato interpessoal. Enquanto que a Polícia Civil realiza o processo seletivo da instituição baseando-se na inteligência, ajustamento do indivíduo em seu ambiente, modo habitual de comportar-se e de resistir com equilíbrio às adversidades e/ou pressões do cotidiano.
Siminovich (2008) argumenta que há necessidade de questionar a respeito da dimensão da avaliação psicológica no contexto da segurança pública/privada. A área de segurança privada é atualmente a que mais realiza avaliações para concessão do porte de arma. E a seleção dos agentes de segurança com porte de arma exige um aprofundamento na avaliação de características de personalidade, como o controle da agressividade e das emoções, impulsividade, ansiedade, falta de flexibilidade, como também transtornos de personalidade.
Pellini (2008) ratifica a utilização da avaliação psicológica na área de segurança público-privada e à avaliação para registro e porte de arma de fogo. A autora enfatiza a inexistência de um teste específico para realização desta tarefa, além de queixas dos especialistas relativas ao trabalho na área. Ela alerta a comunidade científica de que a avaliação psicológica é realizada antes da avaliação técnica, o que implica maior responsabilidade e cuidado por parte do psicólogo. E, conclui afirmando que o psicólogo tem competência para tal tarefa, desde que com responsabilidade e qualidade na realização do trabalho, contribuindo para a redução do índice de violência.
Caneda (2009) desenvolveu a Escala Motivacional para Porte de Arma de Fogo. O desenvolvimento dos itens da Escala Motivacional para o Porte de Arma (EMPA) foi baseado em duas escalas americanas (ATGS, Branscombe, Weir & Crosby, 1991 e AGVQ, Shapiro, Dormen & Welker, 1997) e em grupos focais, realizados com civis e militares. A realização dos grupos focais buscou examinar motivações relacionadas ao porte de arma em nossa cultura. O modelo teórico chegou a quatro fatores: "Proteção", "Risco", "Direito" e "Exposição". Caneda e Teodoro (2010) demonstraram índices de validade e fidedignidade adequados e foi capaz de discriminar alguns grupos (masculino e feminino, civis e militares, contra o porte e a favor deste etc.) da amostra avaliada. A análise fatorial final chegou a uma solução de quatro fatores considerada satisfatória, de acordo com o modelo teórico ("Proteção", "Risco", "Direito" e "Exposição").
Considerando a importância da atenção e personalidade no processo de avaliação psicológica para porte e registro de arma Sampaio, Nakano e Silva, (2011) desenvolveram um estudo para avaliar os dois construtos em um grupo de candidatos. Para isso, contaram com uma amostra de 105 participantes com idades entre 27 e 77 anos, ambos os sexos, com escolaridade referente ao ensino fundamental, médio e superior, utilizando-se dos testes AC e Palográfico. Os autores encontraram aparentes diferenças de médias na análise da variância, e as variáveis sexo e escolaridade não exerceram influência significativa no resultado dos dois testes, somente a interação entre elas no número de acertos do teste AC, a favor das mulheres com ensino fundamental.
Sampaio, Nakano e Silva (2011) também analisaram o desempenho dos candidatos ao porte de arma, na escala fatorial de neuroticismo. A amostra foi composta por 53 participantes com idades entre 30 e 59 anos, ambos os sexos, com ensino fundamental, médio e superior que responderam à Escala Fatorial de Ajustamento Emocional / Neuroticismo durante processo de avaliação psicológica para porte de arma. Os resultados demonstraram que, na subescala vulnerabilidade, os maiores resultados foram obtidos pelos participantes com ensino fundamental, do grupo de atiradores e com idades entre 40 e 49 anos. No desajustamento, pontuaram mais os participantes com ensino fundamental, do exército e aqueles com idade entre 50 e 59 anos. Em ansiedade, os resultados mostraram maiores médias no grupo com ensino fundamental, atiradores e entre 50 e 59 anos. Por fim, na subescala depressão, a maior pontuação foi obtida por participantes do ensino fundamental, pertencentes à guarda municipal e com idades entre 40 e 49 anos. A ampliação e diversificação da amostra são recomendadas, assim como estudos envolvendo maior número de mulheres a fim de que essa variável também possa ser analisada.
Salientando que a avaliação psicológica para porte de arma tem visado a investigação de diversos aspectos relacionados à personalidade do candidato, tais como controle da agressividade, estabilidade emocional, ajustamento pessoal e social e ausência de quadro patológico, Sampaio, Nakano e Silva (2011) analisaram a expressão da raiva através do Teste Staxi, influência da escolaridade e faixa etária no grupo de candidatos ao porte de arma. Utilizaram uma amostra composta por 124 participantes, ambos os sexos com idades entre 27 e 77 anos, sendo 18 com escolaridade equivalente ao ensino fundamental, 53 com ensino médio e 54 com ensino superior. Os resultados indicam melhor adequação dos indivíduos com maior escolaridade em uma faceta positiva da expressão da raiva (controle) e resultados mais altos dos indivíduos com pouca escolaridade em uma faceta negativa (temperamento raivoso). Assim, pode-se discutir a influência do nível educacional no processo de resposta a esse tipo de inventário.
Caneda e Teodoro (2011) procuraram levantar algumas produções científicas referentes à avaliação psicológica para o porte de arma no Brasil. O levantamento foi realizado através da Virtual da Saúde (BVS). Foram encontradas poucas pesquisas que fazem contribuições a esse tipo de avaliação, utilizando-se dos testes psicológicos aprovados pelo CFP e, na sua maioria, comercializados.
Resende (2012) ao apresentar seu estudo sobre a avaliação psicológica destaca as técnicas projetivas de Rorschach, TAT, Pfister, Zulliger e HTP, como mais utilizadas para fornecer características de personalidade do candidato, possibilitando ao profissional fornecer um parecer embasado cientificamente. Em outro estudo Resende (2012) enfatiza o teste de Zulliger como um dos instrumentos mais utilizados em função da rapidez, economia e descrição das características de personalidade do aspirante ao armamento. Além de ser capaz de fornecer, através de uma análise detalhada, subsídios para avaliar o psicodinamismo, situações internas do examinando, seu modo de tomar decisões, suas tendências a determinadas atitudes, sua maneira de pensar e de sentir, relações interpessoais e conflitos. Possibilita uma avaliação da vida emocional, dos controles, da adaptação social, da adequação à realidade, dos conflitos, aspirações, potencial intelectual e nível de angústia, entre outros. Conforme o autor, dentre os vários indicadores que podem ser identificados através das interpretações das manchas de tinta, priorizou-se aqueles que contribuiriam mais para a análise dos aspectos favoráveis para obtenção do porte de arma, a saber: adaptação à realidade, controle emocional e adaptação social.
Simonovich (2012) corrobora com Resende (2012) ao promover uma reflexão sobre as resoluções do Conselho Federal de Psicologia que regulamentam a Avaliação Psicológica (CFP, 2002; 2003; 2008) e a importância da aplicação de técnicas projetivas em avaliações na área de segurança. E, também destaca a utilização das técnicas projetivas de Rorschach, Pfister, Zulliger, TAT e HTP na área de segurança. Afirma que essas técnicas fornecem ao psicólogo, uma compreensão mais integrada da pessoa, como também psicopatologias incapacitantes.
Finalmente, Neto (2012) assim como Resende (2012) sugere que a entrevista psicológica associada às técnicas projetivas têm se mostrado de grande importância para evidenciar características de personalidade do sujeito. Afirma que a Polícia Federal não divulga os critérios imprescindíveis e restritivos para a aquisição do porte de arma, apenas apresenta em eventos científicos específicos. E, concluí afirmando que só através da análise cuidadosa dos resultados alcançados no processo de avaliação psicológica, o psicólogo dará seu parecer conclusivo de aptidão ou não para portar uma arma de fogo.
Discussão
Analisando os resultados dos estudos identificados a partir de 1998, observa-se que apenas dois artigos de natureza empírica foram publicados em periódicos indexados. Os demais trabalhos divulgados foram através de congressos brasileiros, duas dissertações de mestrado e um livro resultante de uma tese de doutorado. Destacam-se os anos de 2008 com três estudos (Resende, Rodrigues & Silva, 2008; Siminovich, 2008; Pellini, 2008), 2011 com três (Sampaio, Nakano & Silva, 2011, 2011; Caneda & Teodoro, 2011) e 2012 com quatro trabalhos apresentados (Resende, 2012, 2012; Siminovich, 2012; Neto, 2012). Os demais anos tiveram um trabalho desenvolvido (Silva, Duarte e Mariuza, 1998; Pellini, 2000; Vagostello & Nascimento, 2002; Vagostello, Silva & Nascimento, 2004; Pellini, 2006; Gonçalves & Gomes, 2007; Caneda, 2009; Caneda & Teodoro, 2010), exceto 1999, 2001, 2003 e 2005 que não desenvolveram estudos. Assim, observa-se significativa escassez de publicações conforme autores anteriores (Pellini, 2008; Caneda, 2009; Caneda & Teodoro, 2010, 2011).
Sobre as temáticas abordadas pelos pesquisadores, destaca-se que duas pesquisas investigaram o significado da arma para policiais (Silva, Duarte & Mariuza, 1998), bem como, motivações para o porte de arma (Caneda, 2009; Caneda & Teodoro, 2010). Treze estudos procuraram contribuir identificando critérios indicadores para o fornecimento ou restrição do porte de arma (Pellini, 2000; Vagostello & Nascimento, 2002; Vagostello, Silva & Nascimento, 2004; Pellini, 2006; Gonçalves & Gomes, 2007; Resende, Rodrigues & Silva, 2008; Siminovich, 2008; Caneda, 2009; Caneda & Teodoro, 2010; Sampaio, Nakano & Silva, 2011, 2011; Resende, 2012, 2012). Cinco estudos mencionam também a questão ética da avaliação psicológica para o porte de arma (Siminovich, 2008, 2012; Pellini, 2008; Resende, 2012; Neto, 2012); Duas pesquisas tinham interesse em testar propriedade psicométricas (Caneda, 2009; Caneda & Teodoro, 2010); e, duas revisões de estudos sobre avaliação psicológica para o porte de arma (Caneda, 2009; Caneda & Teodoro, 2011).
A análise dos temas evidencia que várias questões de ordem prática do cotidiano dos psicólogos continuam sem respostas, comprovando as limitações e dificuldades da área. Observa-se que nos estudos identificados, foram investigados aspectos que devem constituir um possível perfil do portador de arma de fogo, se assim for viável. Destaca-se dentre os aspectos cognitivos: inteligência, atenção, percepção, processamento da informação, flexibilidade, tomada de decisão e coordenação motora.
No que diz respeito aos aspectos de estrutura de personalidade sugere-se importante investigar aspectos da afetividade, agressividade, capacidade de adaptação, impulsividade, ajustamento pessoal e social, expressão dos afetos, nível de maturidade e autopercepção. Além de motivação, crenças, tolerância e controle ao estresse, modo de enfrentamento e manejo, posição frente às normas sociais e figuras de autoridade, tendências oposicionistas, ideação e pensamento, relacionamentos interpessoais, exteriorização de reações afetivas, expressão da raiva, defesas, vulnerabilidade, nível de angústia, conflitos, ansiedade, depressão e transtornos psíquicos.
Analisar todos os aspectos acima e mapear um perfil indicador e restritivo ao porte de arma mostra-se como um desafio para os pesquisadores brasileiros. Pois as limitações e dificuldades impostas a prática psicológica do porte de arma tem favorecido a adoção de critérios aleatórios e particularizados por parte dos profissionais.
Dos instrumentos citados, quatro estudos utilizaram o Rorschach; duas investigações empregaram o Zulliger; uma pesquisa explorou a forma reduzida do TAT (lâminas 13HF, 3RH e 8RH); cinco pesquisas analisaram, respectivamente, os resultados obtidos no AC – Teste de Atenção Concentrada, Palográfico, Escala Fatorial de Neuroticismo, Staxi e EMPA-Escala Motivacional para porte de arma de fogo. Os demais testes Pfister e HTP apenas foram citados como recomendados pela Polícia Federal (Neto, 2012).
Chama atenção nesses estudos, a utilização de testes projetivos e psicométricos na avaliação psicológica para o porte de arma no Brasil. O instrumento de maior uso foi o Rorschach com quatro estudos que propõem indicadores para fornecimento e/ou restrição do porte. A utilização do Zulliger faz referência a rapidez, economia e riqueza de detalhes explorada pela técnica.
Quanto aos delineamentos adotados, a maioria desenvolveu pesquisas de caráter descritivo-exploratório, em seguida, revisões teóricas, e logo, investigações comparativas. Apenas uma pesquisa correlacional e outra que se utilizou de estudo de caso. Ressaltase o caráter descritivo-exploratório e comparativo como contribuições positivas para a área, uma vez que investiga diferentes grupos populacionais e os compara. No entanto, a identificação de apenas um delineamento de estudo de caso parece limitar o conhecimento mais aprofundado sobre pessoas que procuram o porte de arma. Certamente os delineamentos de estudos de casos podem contribuir muito, não só em relação a gênese do perfil indicado, mas também restritivo do candidato ao porte.
Considerações finais
Apesar da avaliação psicológica para o porte de arma se caracterizar como uma exigência da legislação brasileira, a produção científica apresentada e analisada nesta revisão mostra a escassez de estudos na área. Isso leva os psicólogos a repensar sobre sua prática da avaliação psicológica.
Questiona-se aqui se os psicólogos apresentam condições para tal prática. Se de fato é possível predizer comportamentos dos candidatos ao porte. Se continuarão a trabalhar com tantas limitações. Pergunta-se: a legislação não teria que indicar um perfil? Como os psicólogos estão fazendo essas avaliações? Mais parece uma exigência estéril diante do quadro de pesquisas conduzidas nesses dez anos de Estatuto do Desarmamento (2013) que impõe a avaliação psicológica como obrigatoriedade para o porte.
Percebe-se uma produção lenta, uma prática com muitas limitações que levam ao descrédito do serviço e da categoria. Os estudos revisados denotam que muito ainda necessita ser feito. E, reverter essa situação passa pelo investimento na elaboração de um perfil do candidato ao porte, desenvolvimento de estudos que investiguem a validade e fidedignidade dos instrumentos utilizados, e delineamentos cuidadosos que zelam por uma prática metodológica para avaliação psicológica.
Diante disso, ressalta-se a limitação deste estudo teórico. Contudo sugere-se que várias outras pesquisas sejam investidas, a fim de contribuir com à temática da avaliação psicológica para o porte de arma no Brasil.
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E-mail: cristiana.rezende@ulbra.br
Recebido em outubro de 2011
Aceito em maio de 2013
Cristiana Rezende Gonçalves Caneda: Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Possui Graduação em Psicologia pela Universidade da Região da Campanha. Atualmente é Professora Adjunta e Coordenadora do Curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil – Campus de Santa Maria/RS.
Maycoln L. M. Teodoro: Doutor pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg (Alemanha) com estágio pós-doutoral na UFRGS. Possui Graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais e Mestrado em Psicologia Social na mesma instituição. Atualmente é Professor Adjunto do Departamento de Psicologia e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais.