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Aletheia
Print version ISSN 1413-0394
Aletheia vol.55 no.1 Canoas Jan./June 2022
https://doi.org/10.29327/226091.55.1-7
DOI 10.29327/226091.55.1-7
ARTIGOS EMPÍRICOS
Efeitos de intervenções combinadas em memória episódica e depressão em idosos saudáveis
Effects of combined interventions in episodic memory and depression in healthy elderly people
Fernanda de Sousa Rocha 1,I; Isabelle Patriciá Freitas Soares Chariglione 2,II
IUniversidade Católica de Brasília, Brasília, DF, Brasil
IIUniversidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil
RESUMO
O objetivo deste estudo foi verificar associações entre medidas de memória episódica e depressão em idosos saudáveis submetidos a intervenções cognitivas, físicas e psicopedagógicas. A amostra foi composta por 31 idosos, com idade média de 69,70 anos (DP± 6,38), sendo 25 mulheres e 6 homens. O procedimento consistiu em diferentes combinações de intervenções e suas avaliações em testes diagnósticos e de memória em follow-up de um ano. A análise de dados consistiu-se no teste não paramétrico de Friedman, com o nível de significância de p=0,05. Os resultados indicaram que a combinação que melhor apresentou desempenho cognitivo frente às variáveis relacionadas à aprendizagem (p=0,04) e interferência proativa (p=0,01) foi a "Stimulus + Psicopedagógica". O nível de depressão diminuiu ao longo das avaliações em todas as combinações (p=0,01). Esses achados indicam que intervenções combinadas podem ser promissoras em ganhos cognitivos e de humor.
Palavras-chave: Idoso; Memória Episódica; Depressão.
ABSTRACT
The objective of this study was to verify associations between measures of episodic memory and depression in healthy elderly people submitted to cognitive, physical and psychopedagogical interventions. The sample consisted of 31 elderly people, with an average age of 69.70 years (SD ± 6.38), 25 women and 6 men. The procedure consisted of different combinations of interventions and their evaluations in diagnostic and memory tests in a one-year follow-up. Data analysis consisted of Friedman's non-parametric test, with a significance level of p=0.05. The results indicated that the combination that best presented cognitive performance in relation to the variables related to learning (p=0.04) and proactive interference (p=0.01) was the "Stimullus + Psicopedagógica". The level of depression decreased throughout the evaluations in all combinations (p=0.01). These findings indicate that combined interventions can be promising in cognitive and mood gains.
Keywords: Aged; Memory, Episodic; Depression.
Introdução
O processo de envelhecimento é compreendido a partir de mudanças complexas, porém naturais ao desenvolvimento humano, influenciadas por elementos como gênero, cultura, condições físicas e funcionais de saúde, totalizados ao declínio de funções e de processos cognitivos (Gozzi et al., 2016; Morando et al., 2018; Assunção & Chariglione, 2020; de Lima Gomes et al., 2021; Assunção et al., 2022).A cognição pode ser entendida como um conjunto de habilidades, funções e processos mentais que viabilizam os sujeitos a tomar decisões, a sentir, a perceber, a lembrar e a formular estratégias para responder aos estímulos do ambiente através do comportamento (Soares et al., 2013; Raymundo et al., 2017).
As principais mudanças cognitivas observadas no envelhecimento se relacionam, principalmente, aos processos de memória, que sofrem um decaimento significativo na ausência de estimulação, fato este que resulta no surgimento de queixas e de incômodos por parte do idoso, que pode ter, por consequência, sua qualidade de vida prejudicada pelo desenvolvimento de quadros demenciais e neurodegenerativos (Lira et al., 2011;Alves et al., 2020;Kishita, Backhouse & Mioshi, 2020). A memória episódica, destacada nesse estudo, se refere à capacidade de evocar memórias de eventos ou de informações específicas (Tulving & Markowitsch, 1998; Huo et al., 2018), e sofre declínios significativos ao longo do processo de envelhecimento. Ainda, as demais funções cognitivas podem ser afetadas por falta de estimulação no envelhecimento, como a atenção e as funções executivas (Diniz et al., 2013; Raymundo et al., 2017; Alves et al., 2020).
Os autores Mahr e Csibra (2018) discutem a memória episódica através da perspectiva de conteúdo, a considerar as classificações de memória relacionadas ao campo declarativo. A memória semântica e a memória episódica são estudadas e diferenciadas por Tulving e Markowitsch (1998), sendo a primeira formulada a partir da associação de informações simplesmente conhecidas e constituídas pelo sentido e pelo significado sobre o conhecimento da realidade; por outro lado, a memória episódica se configura por meio do processo de recuperação de um evento específico, em um movimento de reexperiência, caso já tenha ocorrido. Huo et al. (2018) consideram que o declínio da memória episódica está envolvido com o decaimento de outros processos de memória, assim como o déficit relacionado ao armazenamento de informações, aos aspectos atencionais e aos estados de humor do idoso.
As possibilidades de ações que fornecem orientação especializada à população idosa quanto às modificações desenvolvimentais consideradas normais emergem em um contexto de mudanças em relação ao autoconceito, à autonomia e à qualidade de vida desse grupo social, por meio de orientações, tratamentos e intervenções de cunho cognitivo, social e físico a partir de um objetivo em comum (Soares et al., 2013; de Lima Gomes et al., 2021). Tais intervenções são atribuídas à conscientização do idoso em relação às suas funções cognitivas, físicas e sociais que se apresentam preservadas e remanescentes, e podem também servir como impulso para a mudança positiva em relação ao resguardo e sofisticação de tais funções (Santos & Flores-Mendoza, 2017; Belleville et al., 2017; Silva et al., 2020).
Sobre as intervenções cognitivas, essas ocorrem por meio da condução de profissionais qualificados, com atividades estratégicas que visam o refinamento das funções cognitivas e sociais (Morando et al., 2018; da Silva Oliveira & da Silva, 2020). Apresentam como objetivos o desenvolvimento dos níveis atencionais, de memorização e de aprendizagem, além da promoção da autonomia e a evolução da autoimagem, a partir dos ganhos cognitivos relacionados (Santos & Flores-Mendoza, 2017; Gomes, 2019; Silva et al., 2021). Podem ocorrer individualmente ou em grupo, sendo que o último apresenta melhores resultados devido aos estímulos relacionados à motivação e às trocas de vivências entre os sujeitos, além de vantagens como criação de rede de apoio e de vínculos grupais e por pares, enfrentamentos de identificações como isolamento social e familiar, estigmas do envelhecimento e depressão (Lira et al., 2011; de Lima Gomes et al., 2021). Podem ocorrer por diferentes configurações metodológicas, através de reabilitação cognitiva, estimulação cognitiva ou treino cognitivo, metodologicamente explicados em demais estudos (Belleville et al., 2017; Santos & Flores-Mendoza, 2017; Gomes, 2019; Rocha & Chariglione, 2020).
As intervenções psicopedagógicas ou educacionais são construídas a partir de uma lógica ativa por parte dos idosos e dos profissionais, de maneira a atender às necessidades reais, expressas e vivenciadas por esta população, e com o intuito de construir condições dignas de envelhecimento por meio de intervenções preventivas (Belleville et al., 2017, Galvão & de Sousa, 2020; Freitas, Barbosa &Neufeld, 2021). Assim, as atividades propostas baseiam-se em métodos livremente participativos, por meio de diferentes atividades que podem ser avaliadas durante e após sua realização (Cachioni et al. 2015; Oliveira, Koerich& Medeiros, 2021).Belleville et al. (2017) discutem que as intervenções psicopedagógicas e sociais possuem o objetivo de aprimorar o bem-estar psicológico geral através da educação. Dessa forma, diversos conteúdos podem ser explorados para a potencialização da qualidade de vida desses sujeitos, a partir de diversas temáticas, como o envelhecer, a satisfação de vida, os estados de humor (ansiedade e depressão) e os aspectos de saúde física e mental(Assunção & Chariglione, 2020). Ainda, as intervenções psicopedagógicas podem ser um valioso instrumento de desenvolvimento ao idoso, a partir de métodos e processos da aprendizagem e pelo seu caráter multidisciplinar (Galvão & de Sousa, 2020). Em um estudo realizado por Cunha et al. (2020), o método psicopedagógico tem como benefício ao idoso o aprofundamento em neurogênese e neuroplasticidade, conceitos que são pontuados por esses autores como sendo fundamentais para o funcionamento e reorganização neuronal, tendo em vista a melhora das funções cognitivas e executivas, ao apontar a reserva cognitiva como um importante fator de desenvolvimento.
O envelhecimento também se embasa em mudanças relacionadas ao desempenho psicomotor e funcional, uma vez que pode apresentar decaimento do tempo de reação e da velocidade de desempenho geral (Dias et al., 2013; Matos et al., 2016). No que concerne às demais estratégias de preservação e de sofisticação cognitiva, a prática de exercícios físicos se mostra como uma alternativa não farmacológica, preventiva ou de tratamento (Dias et al., 2013; de Lima Gomes et al., 2021), com o potencial para promover ações benéficas em relação à cognição, uma vez que investigações indicam a atuação de proteção do exercício físico à atividade neurofisiológica, demonstrando, assim, melhoras nas funções cognitivas globais em casos demenciais e de declínio geral (Calomeni et al., 2012; Gozzi et al., 2016; Matos et al., 2016; Gomes, 2019).Diniz et al. (2013)avaliam que a prática de atividades e de exercícios físicos contribuem positivamente em diversos domínios da vida do idoso, como o físico, o social e o funcional. Além disso, é apontado por de Lima Gomes et al. (2021) que a ausência de exercícios físicos regulares pode prejudicar o idoso em sua independência funcional, e por consequência, acelerar as alterações cognitivas, fato que também pode levar ao aumento de quedas e acidentes no geral.
Nesse sentido, o objetivo do estudo foi verificar associações entre medidas de memória episódica e depressão em idosos saudáveis que participaram de diferentes intervenções, sendo essas cognitivas (treino e estimulação cognitiva) e intervenções variadas (físicas e psicopedagógicas). Ainda, o estudo propõe identificar qual combinação de intervenção apresenta resultados mais promissores ao idoso.
Método
Trata-se de um estudo longitudinal prospectivo que relaciona medidas de memória episódica e de depressão em associação a intervenções de cunho cognitivo, psicopedagógico e físico.
Amostra
A amostra foi de conveniência e composta por 31 idosos vinculados ao grupo de pesquisa NeuroCog-Idoso, com idade média de 69,70 anos (DP± 6,82), no intervalo de 60 a 86 anos. O grupo era formado por 25 participantes do sexo feminino e 6 participantes do sexo masculino. Quanto à escolaridade, aproximadamente 35% da amostra geral possuem ensino fundamental incompleto, 12% possuem ensino fundamental completo, apenas 6% possuem ensino médio incompleto, 29% possuem ensino médio completo e 16% apresentam a conclusão de ensino superior completo. A caracterização sociodemográfica da amostra segue detalhada na Tabela 1.
Os critérios de inclusão referem-se aos idosos, a partir de 60 anos, pertencentes ao grupo de pesquisa Neurocog-Idoso, sem comprometimento cognitivo, residentes em Brasília- DF, independente do sexo. Os critérios de exclusão fazem referência aos indivíduos que apresentassem déficits visuais, auditivos e/ou motores que fossem inviabilizadores de seu entendimento e desempenho nas atividades relacionadas às intervenções e avaliações, além daqueles que apresentassem comportamentos atuais ou anteriores relacionados ao alcoolismo, ao uso de drogas ilícitas, a transtornos psiquiátricos ou a doenças neurológicas. Os participantes do estudo foram convidados a assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Instrumentos
Os testes diagnósticos se mostram úteis para coletar informações sociodemográficas, assim como avaliar as condições referentes ao estilo de vida e à saúde dos sujeitos de pesquisa. Neste estudo, foram utilizados dois instrumentos específicos para delimitar a amostra, sendo o questionário de Anamnese e a Escala de Depressão Geriátrica (EDG). A Anamnese é constituída por um conjunto de questões referentes às informações gerais dos sujeitos, como dados relacionados à idade, ao sexo, à escolaridade, e aos elementos de estilo de vida dos participantes que possam se mostrar relevantes ao âmbito de pesquisa, como o uso de medicamentos e a prática de exercícios físicos. A Escala de Depressão Geriátrica, por sua vez, se constitui por um questionário de 15 itens, adaptada ao público brasileiro por Almeida e Almeida(1999),e possui o objetivo de verificar a possível existência de sintomas depressivos na população idosa. Os escores podem atingir a pontuação total entre 0 a 15 pontos, sendo que valores abaixo de 6 pontos são considerados normais e valores acima de 6 pontos são indicadores de sintomas depressivos.
O teste de memória utilizado neste estudo foi o Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey (RAVLT), com o intuito de relacionar os constructos relacionados à memória episódica. O RAVLT avalia medidas relacionadas à curva de aprendizagem, ao índice de interferência proativa, ao índice de interferência retroativa e à velocidade de esquecimento (Cotta et al., 2012). O teste foi desenvolvido em 1958 e posteriormente, em 2000, adaptado ao público brasileiro por Malloy-Diniz et al. (2000).Esse instrumento se mostra conveniente ao que concerne à aprendizagem verbal dos sujeitos, sendo composto por uma lista de 15 palavras (lista A), com substantivos comuns, que são lidos em voz alta pelo aplicador, com intervalo de um segundo entre cada palavra. A leitura da lista é feita, consecutivamente, cinco vezes, até ser apresentada uma lista com diferentes substantivos (lista B), configurada como lista de interferência. Em seguida, é pedido para o sujeito realizar uma única evocação espontânea. Seguido dessa etapa, é pedido que o sujeito evoque os substantivos referentes à lista A, sem a leitura da mesma. Após 20 minutos, é solicitado novamente que o sujeito evoque os substantivos da lista A.
Procedimentos de coleta
O estudo piloto realizou um follow-up de 24 meses (entre agosto de 2017 e agosto de 2019) realizando intervenções e avaliando em diferentes momentos (a cada seis meses). O recorte aqui apresentado será dos 12 primeiros meses que serão apresentados como Momento 1 e Momento 2.O Momento 1 se refere aos primeiros seis meses de pesquisa, quando foram realizadas a avaliação pré-intervenção (A1), as intervenções cognitivas - treino ou estimulação cognitiva - e a avaliação pós-intervenção (A2). Os procedimentos realizados no Momento 1 são melhor descritos e detalhados em um estudo anterior realizado por Rocha e Chariglione (2020). Por sua vez, o Momento 2 se refere à segunda metade do período de pesquisa, sendo os seis últimos meses, sendo as intervenções variadas - psicopedagógicas ou físicas - e a avaliação após estas intervenções (A3). Neste caso, o presente artigo avalia apenas os efeitos de intervenções psicopedagógicas e físicas. Tal desenho metodológico pode ser visualizado na Figura 1.
Os procedimentos que se repetiram neste recorte foram as avaliações a partir de instrumentos cognitivos e psicológicos, os quais foram realizadas antes e após das diferentes intervenções supracitadas. As avaliações foram constituídas por testes diagnósticos e teste de memória, com o intuito de observar os resultados atribuídos aos âmbitos da memória episódica e depressão, e dessa forma, comparar tais resultados nos diferentes momentos do estudo.
As intervenções cognitivas ocorreram de maneira concomitante a partir da divisão da amostra em dois grupos, que foram divididos randomicamente, entre estimulação cognitiva (programa Stimullus) ou treino cognitivo (programa MEMO). Dirigidas por uma neuropsicóloga e assistentes de pesquisa, as intervenções ocorreram em um período de seis semanas, sendo os encontros realizados uma vez por semana, com duração de aproximadamente uma hora e trinta minutos. O procedimento realizado em cada sessão se constituiu pela revisão dos conteúdos da sessão anterior, a exposição e aprofundamento do tema do dia, a realização de exercícios em sala de aula e a entrega de demais exercícios para serem realizados em casa. Os materiais e os procedimentos de cada sessão das intervenções, tanto Stimullus como MEMO, são melhor detalhados e descritos em estudos de Chariglione (2014) e Rocha e Chariglione (2020).
Após as intervenções cognitivas, grupos idosos passaram novamente por uma fase de avaliação por meio dos testes de diagnóstico e teste de memória. Assim, a amostra foi dividida novamente de maneira randomizada, para a próxima etapa de intervenções - intervenções psicopedagógicas ou intervenções físicas. Após a distribuição normal da amostra, foram considerados os resultados de exames de capacidade física e cardiorrespiratória, realizados pela equipe de educação física da universidade, para que fossem respeitadas as limitações físicas daqueles que foram distribuídos nos referidos grupos.
As intervenções psicopedagógicas ocorreram por meio de encontros semanais, com duração de aproximadamente duas horas consecutivas. O conteúdo dos encontros baseou-se na exposição de temas variados, relacionados ao processo de envelhecimento, na forma de palestras e oficinas, que ocorreram em salas de aula da universidade. Contou com a presença de múltiplos profissionais pertencentes a diferentes áreas do conhecimento, como saúde, direito, arte e tecnologia. As palestras e oficinas abrangeram temas como polimedicação, direito dos idosos, incontinência urinária, segurança doméstica, capoterapia, afetividades, tecnologia e envelhecimento, saúde bucal, alimentação saudável e cuidado no tratamento dos alimentos, economia e envelhecimento, prática de exercícios físicos e música. Não foram utilizados materiais específicos para as palestras, de forma que cada profissional contribuiu de maneira fluida, por meio de apresentações projetadas, cartazes ou folhetos.
As intervenções físicas ocorreram a partir de encontros realizados duas vezes por semana, com a duração de aproximadamente uma hora e meia por encontro. Foram realizadas, em laboratório equipado da universidade, de estudos da força, atividades relacionadas ao controle de força, à capacidade cardiorrespiratória e à composição corporal, que eram coordenadas por profissionais da equipe da pesquisa, formados e em formação em Educação Física.
Análise dos dados
A análise dos dados ocorreu a partir dos dados estatísticos coletados frente aos testes diagnóstico e de memória, sendo, respectivamente, a Escala de Depressão Geriátrica (EDG) e o Teste de Aprendizagem Auditivo Verbal de Rey (RAVLT), em três diferentes momentos avaliativos (A1, A2 e A3).
A análise dos dados coletados nas avaliações foi realizada por meio do Statistical Package for the Social Sciences(SPSS), versão 20.0, sendo o nível de significância do estudo de p = 0,05. Foi realizado teste de normalidade pelo teste de Shapiro-Wilk, e a partir disso, foi optado pelo uso do teste não paramétrico de Friedman, para a comparação dos grupos nos três momentos avaliativos. Foi aplicado nos âmbitos intra e intergrupos, para a classificação dos valores através de postos (ranks), visto que este teste não utiliza os dados numéricos diretamente, mas sim os postos ocupados por eles após a ordenação feita para cada grupo separadamente.
O estudo seguiu as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob o CAEE n°: 67653517.4.3001.5553, respeitando as normas da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde Ministério da Saúde.
Resultados
A Tabela 2 apresenta os valores dos postos referentes à EDG e os valores dos postos referentes a cada variável do teste de memória RAVLT, em diferentes momentos avaliativos (A1, A2 e A3), considerando toda a amostra do estudo. Ainda, é apresentado o valor de p referente a cada variável, de modo que tal coeficiente avaliou o nível de significância relativo às avaliações em sua totalidade.
O resultado referente aos postos da EDG se mostrou decrescente ao longo das avaliações, de tal forma que os sintomas depressivos são menores ao fim do terceiro momento, entre as avaliações A2 e A3. Por consequência, o valor de p foi expresso de maneira significativa, sendo que (p = 0,01), indicando que houve diferença significativa entre os momentos avaliativos em relação ao índice de depressão na amostra estudada, independentemente do tipo de intervenção.
Sobre a variável "Reconhecimento", referente ao escore de verificação das palavras do teste quando lidas novamente pelo aplicador, houve um aumento em relação aos valores dos postos ao longo das avaliações. O valor mais alto se expressa ao fim do terceiro momento, entre as avaliações A2 e A3. Portanto, é possível verificar que houve diferença estatisticamente significativa em relação a esta variável, a considerar que (p = 0,04).
Em relação à variável "Curva de Aprendizagem", que demonstra o índice de recuperação das palavras ao longo do teste, observa-se um aumento nos valores dos postos de tal variável, indicando que houve melhora na performance de recuperação da amostra. Assim, o valor p se mostrou de maneira significativa, considerando que (p = 0,00), também entre as avaliações A2 e A3. Essa variável foi a que mais demonstrou diferença significativa entre os momentos, na amostra geral. As demais variáveis presentes na Tabela 2 não demonstraram diferença significativa entre os momentos avaliativos da amostra geral do estudo.
A Tabela 3 apresenta os valores do coeficiente p relativo às variáveis do teste de memória RAVLT e ao teste diagnóstico EDG. Esses valores foram analisados a partir da combinação entre tipos de intervenção, tanto cognitivas (Stimullus e MEMO) como variadas (Físicas e Psicopedagógicas).
Os valores de p obtidos a partir da variável "Curva de Aprendizagem" expressaram-se de maneira significativa entre quase todas as combinações de intervenção, com exceção da combinação "Stimullus + Física". Sendo assim, mostraram-se significativas as combinações "Stimullus + Psicopedagógicas" (p = 0,04), "MEMO + Física" (p = 0,05) e "MEMO + Psicopedagógicas" (p = 0,00), sendo esta última a que mais indicou ganhos em relação à esta variável.
A respeito da variável "IP" (Índice de Interferência Proativa), referente à capacidade dos sujeitos em resistir aos efeitos de distratores proativos do teste, a combinação de intervenção que apresentou resultados significativos foi "Stimullus + Psicopedagógicas", uma vez que (p = 0,01).
As demais variáveis do teste, tais como EDG, Lista B, Recuperação, Índice de Interferência Retroativa e Velocidade de Esquecimento não apresentaram resultados significativos quanto às combinações de intervenção do estudo.
Discussão
A partir da análise dos dados coletados no presente estudo, foi possível notar que a amostra geral apresenta um declínio dos sintomas de depressão, sendo que este dado reforça os efeitos de intervenções do tipo grupal discutidos por Santos e Flores-Mendoza (2017) e também por de Lima Gomes et al. (2021), pois além de tais sujeitos estarem inseridos em intervenções de múltiplas naturezas, podendo, assim, desenvolver habilidades e preservar suas reservas cognitivas e físicas, ainda há de se considerar a estrutura grupal de tais intervenções, que é vista na literatura como fator positivo pelo aumento motivacional através da troca de experiências e aprendizagens construídas coletivamente. Ademais, estudos de Annes et al. (2017), Cabral et al. (2015) e Rocha e Chariglione (2020) favorecem tal entendimento, pois é discutido o papel grupal na coletividade de idosos como uma rede de apoio social, situando-os à contextualização da inserção em atividades de socialização, e, por consequência, os desviar de cenários de depressão, abandono e solidão.
A relação entre as variáveis "Reconhecimento" e "Curva de Aprendizagem" se mostra positiva quanto aos ganhos relacionados à capacidade de aprendizagem e memória episódica ao longo do tempo. A curva de aprendizagem de novos conteúdos se mostra de maneira suficientemente satisfatória, através do ganho conclusivo do último momento avaliativo do estudo, fato que dialoga com estudo de Cotta et al. (2012), de maneira a afirmar que o RAVLT instrumentaliza a avaliação da aprendizagem e da rememoração de novos conteúdos. Além disso, domínios de aprendizagem dialogam com o conceito de neuroplasticidade cerebral, visto como importante fator para a potencialização e manutenção de funções cognitivas superiores, tais como linguagem, visuopercepção e velocidade de processamento de informações (Cunha et al., 2020; Wong et al., 2021).
A análise realizada a partir da divisão entre combinações de intervenções expressou que há melhores tipos de intervenção a depender das variáveis trabalhadas nas intervenções. Assim, a combinação "Stimullus + Psicopedagógicas" apresentou melhor resultado quanto à curva de aprendizagem e ao índice de interferência proativa. Tal fato é compreendido e dialogado por de Lira et al. (2011), que afirmam que a estimulação cognitiva impulsiona a fluência semântica e total, assim como também melhora o desempenho em testes cognitivos. A funcionalidade cognitiva também é discutida em estudo de Revisão integrativa por Gomes et al. (2020), a partir da configuração da estimulação cognitiva com idosos, a partir do desempenho de memória e aprendizagem.
As intervenções "MEMO + Psicopedagógicas" mostraram efeitos positivos nas variáveis "Reconhecimento", "Curva de Aprendizagem" e à EDG. Elas são discutidas por Corbellini et al. (2016) por ter a aprendizagem como foco de estudo, tanto no seu exercício efetivo quanto de melhoria, com objetivo de minimizar ou superar dificuldades processuais. Além disso, as intervenções psicopedagógicas podem colaborar diretamente à obtenção da autonomia na execução de atividades diárias, que confluem em sua base, princípios de memória, de aprendizagem, de atenção e de reconhecimento (Ferreira et al., 2018; Galvão & de Sousa, 2020; Silva et al., 2020; de Lima Gomes et al., 2021).
A combinação "MEMO + Físico" e "MEMO + Psicopedagógica" anunciou destaque ao treino cognitivo (MEMO), que se mostrou de forma positiva à curva de aprendizagem, ao reconhecimento de palavras e à EDG. O treino cognitivo é visto na literatura como eficaz no aperfeiçoamento de processos mnemônicos aplicados em atividades do cotidiano (Belleville et al., 2017; Belleville et al., 2021;Cisneros et al., 2021). Ainda, é discutido por Morando et al. (2018) que o treino auxilia no desenvolvimento da plasticidade cerebral, importante ao desempenho intelectual de idosos, uma vez que pode aprimorar as funções cognitivas remanescentes em idosos. Em relação à intervenção física, foi apresentado melhor desempenho quanto à curva de aprendizagem. Tal dado indica que o desempenho físico a partir de exercícios físicos estimula a execução ao âmbito cognitivo, como é discutido em estudo por Gozzi et al. (2016), ainda incluindo ganhos relacionados ao equilíbrio, agilidade e capacidade cognitiva.
Considerações Finais
Nessa perspectiva, foi possível observar que, com base em variáveis avaliadas nos testes do estudo, a combinação entre intervenções que apresentou mais tendência aos ganhos nas variáveis avaliadas foi "MEMO + Psicopedagógicas", com destaque na capacidade cognitiva de aprendizagem.
Em síntese, este estudo investigou o desempenho cognitivo de memória episódica e de depressão de idosos que estiveram imersos em diferentes tipos de intervenções no período de um ano. Os dados aqui relatados corroboram estudos anteriores que inferemque o idoso que é estimulado pode manter seu desempenho e se distanciar dos possíveis declínios presentes no envelhecimento através de estratégias interventivas. A pesquisa se mostra exitosa quando se propõe e estudar intervenções longitudinais e seus benefícios no desenvolvimento de idosos, contudo, possui limitações relacionadas ao tamanho da amostra nas suas diferentes intervenções. Espera-se que estudos com diferentes e maiores amostras sejam realizados, a considerar o respaldo metodológico das intervenções e dos instrumentos utilizados.
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Recebido em: janeiro de 2020
Aceito em: março de 2022
1 Psicóloga pela Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2837-6168
2 Doutora em Cognição e Neurociências pela Universidade de Brasília. Docente no Programa de Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Escolar (PGPDE) na Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8627-3736