Emergente desde o início deste século, o interesse pela Liderança Autêntica (LA) tem se mostrado presente até os dias atuais na academia e na prática organizacional. Há expectativas de que desenvolvimentos teóricos e investigações empíricas prossigam nos próximos anos, devido à existência de muitas questões ainda não respondidas, principalmente com relação à discriminação da LA perante outros estilos de liderança (Antonakis, 2017a, 2017b; Iszatt-White, Carroll et al., 2019; Gardner et al., 2020).
Esse interesse surgiu devido à existência de uma crise de confiança nos líderes em geral, e por ser a LA entendida como um estilo de liderança que poderia, eventualmente, resgatar essa confiança por meio da geração de resultados positivos e éticos não apenas para as organizações, mas também para os seguidores de líderes autênticos e para os próprios líderes (Avolio & Walumbwa, 2014). Assim, uma motivação basilar desde o início dos estudos nesse campo seria viabilizar ações para o desenvolvimento de líderes autênticos, o que incluiria o fortalecimento de um comportamento ético e aderente a seus valores centrais (Avolio & Gardner, 2005; Avolio & Walumbwa, 2014; Gardner et al., 2005; Shamir & Eilan, 2005).
Walumbwa et al., (2008), tomando por base conceitos da literatura teórica (e.g. Avolio & Gardner, 2005; Gardner et al., 2005), definiram a LA como um padrão de comportamento do líder, isto é, um estilo de liderança. Eles propuseram, ainda, a LA como um construto de segunda ordem, formado por quatro outros construtos.
Os construtos de primeira ordem, ou componentes da LA, seriam a autoconsciência (implica que o líder conhece a fundo seus valores, crenças, forças e fraquezas, bem como o impacto de seu comportamento sobre outras pessoas); o processamento balanceado (implica que o líder solicita e ouve opiniões, mesmo que contrárias às suas, utilizando contrapontos em seu processo de tomada de decisão); a perspectiva moral internalizada (implica que o líder usa seus próprios valores e princípios para orientar sua forma de decidir e de agir) e a transparência de relacionamento (implica que o líder mantém uma postura de abertura e apresenta aos outros o seu verdadeiro eu) (Walumbwa et al., 2008). Com isso, esses autores visavam operacionalizar o construto e viabilizar o desenvolvimento do primeiro instrumento de medida que viesse a contribuir com o avanço das pesquisas na área.
Surgiu, assim, o Authentic Leadership Questionnaire - ALQ (Walumbwa et. al., 2008), um instrumento composto por 16 itens, distribuídos por quatro fatores. Neider e Schriesheim (2011) apresentaram críticas ao ALQ, relativas à publicidade de apenas oito dos seus 16 itens, ao processo usado por seus desenvolvedores para evidenciar sua validade de conteúdo e à qualidade do instrumento aplicado para evidenciar sua validade discriminante da liderança transformacional. Por esses motivos, adotando a mesma definição da LA, desenvolveram e apresentaram as primeiras evidências de validade para o Authentic Leadership Inventory - ALI (14 itens, quatro fatores).
É fato que diversos estudos têm reportado resultados que confirmaram as expectativas teóricas iniciais com relação à LA. Por meio de uma metanálise que contou com 214 estudos primários (N = 196.300), Zhang et al. (2022) reportaram que a LA está positivamente associada ou apresenta capacidades preditivas com respeito à satisfação com o trabalho, ao engajamento e comprometimento com o trabalho, à confiança no líder, ao desempenho de indivíduos e de grupos e ao capital psicológico dos seguidores (i.e. autoeficácia, otimismo, esperança e resiliência). Especificamente com relação ao capital psicológico, que também integrou as investigações deste trabalho, outros estudos já indicavam esses achados (e.g. Campos & Rueda, 2018; Mehdad & Sajadi, 2019).
Por outro lado, metanálises comparando os resultados obtidos por estudos realizados com diversos estilos de liderança não têm encontrado comprovação de validade incremental por parte da LA com relação à Liderança Transformacional (LT) (Banks et al., 2018; Banks et al., 2016). Banks et al. (2018) afirmaram, inclusive, que a redundância de construtos permanece problemática para a literatura de liderança de forma mais ampla e não apenas no que diz respeito à LA e à LT, o que condiz com as críticas de Antonakis (2017a) sobre a circularidade nas definições de alguns construtos no campo, caso da LA, e com as críticas ainda mais profundas a respeito de como as pesquisas científicas nesse campo têm carecido de adequado rigor científico (Antonakis, 2017b).
Essas críticas exigem não apenas que seja dada maior atenção aos pressupostos teóricos que embasaram a teoria da LA (Alvesson & Einola, 2022; Einola & Alvesson, 2021; Gardner et al., 2021), mas também, que se analisem discursos de líderes (Campos & Rueda, 2019; Williams et al., 2022) e discursos a respeito de líderes (Iszatt-White, Whittle et al., 2019), visando identificar eventuais barreiras ao exercício da LA em distintos ambientes, bem como eventuais aspectos que mereçam ser abarcados pela teoria. As críticas demandam, ainda, uma análise cuidadosa a respeito dos instrumentos aplicados para medir a LA, que têm sido, predominantemente, apenas o ALQ e o ALI (Levesque-Côté et al., 2017; Meerits et al., 2022; Pioli et al, 2020).
Se a teoria carece de aprofundamento, ou se a qualidade dos instrumentos se mostra insuficiente para corroborar e diferenciar construtos pode-se cogitar, ainda, que novos instrumentos se fazem necessários nesse campo. Essa necessidade, entretanto, não contradiz o fato de que o conhecimento na área progrediu, nos últimos 10 anos, em função de estudos baseados nos instrumentos existentes, conforme defendem alguns dos desenvolvedores do ALQ afirmando que “o uso dos quatro fatores que foram propostos na teoria fundamental sobre liderança autêntica em 2008 ainda é justificado” (Avolio et al., 2018, p. 408).
Seguindo essa linha de pensamento, recentemente dois novos instrumentos foram desenvolvidos com o objetivo de medir a LA e reduzir lacunas de pesquisa: o Authentic Leadership Integrated Questionnaire - AL-IQ (Levesque-Côté et al., 2017) e a Escala de Avaliação do Líder Autêntico - EALA (Campos & Rueda, 2021, 2020). O AL-IQ é, como seu nome informa, uma integração de itens previamente existentes nos instrumentos ALQ e ALI, adaptados para o francês, língua de aplicação utilizada no estudo. O AL-IQ foi formado por oito itens oriundos do ALQ e seis do ALI, sendo composto, portanto, por 14 itens, distribuídos pelos fatores originais definidos por Walumbwa et al. (2008).
O objetivo de Levesque-Côté et al. (2017) ao validar o AL-IQ foi demonstrar que ALQ e ALI não apresentavam qualidades psicométricas satisfatórias para assegurar medidas precisas da LA, em grande parte das vezes pelas características de forte sobreposição do conteúdo de seus itens, que refletem nas altas correlações encontradas entre os componentes em diversos estudos. Para os autores, a natureza fundamentalmente multidimensional da LA tem sido negligenciada nas pesquisas que vêm aplicando esses instrumentos ao longo dos anos. O AL-IQ é, desta forma, e aos moldes dos instrumentos que lhe serviram de base, também um instrumento em formato de heterorrelato, por meio do qual seguidores são convidados a avaliar seus líderes.
Esse formato é condizente com a visão de Neider e Schriesheim (2011), que defendem que os atributos da liderança são claramente perceptuais e que, por isso, devem ser avaliados “pelo olhar do outro” (p. 1162). Porém, Weiss et al. (2018) questionam essa escolha de formato, argumentando que, embora muitos aspectos da liderança possam e devam ser avaliados por seguidores, esse não seria o caso da LA. Para esses autores, um olhar externo não estaria apto a assegurar que um líder age de acordo com os atributos núcleo desse estilo de liderança, isto é, que ele age de forma consistente com seus pensamentos (valores e crenças) e sentimentos (emoções).
Pesquisadores de língua portuguesa no campo da LA contam atualmente com a possibilidade de aplicar instrumentos tanto em modo de heterorrelato como de autorrelato, visto que o ALQ já foi traduzido e aplicado nos dois formatos em pesquisas no Brasil e em Portugal (e.g. Carvalho et al., 2016; Cervo et al., 2018; Rego et al., 2012; Sobral & Gimba, 2012) e também em um formato amplamente utilizado em processos de recrutamento e seleção, como o teste de julgamento situacional (Campos & Rueda, 2020). Ressalta-se que o ALQ chegou a ser validado tanto em modo de hetero, como de autorrelato por Cervo et al. (2018); contudo, nesse último modo de coleta, Carvalho et al. (2016) não obtiveram confiabilidade aceitável para o instrumento e Sobral e Gimba (2012) tomaram alfas de Cronbach na faixa de 0,6 como aceitáveis.
Entretanto, diferentemente de ALI e AL-IQ, o ALQ não é um instrumento cujos itens sejam públicos. Assim, pesquisadores ficam dependentes de terem a solicitação de uso aprovada pelos autores originais do instrumento (Cervo et al., 2018), bem como a aplicação na prática organizacional pode ser, eventualmente, dependente de acordos comerciais (Neider & Schriesheim, 2011).
Essas questões e o debate existente em torno das qualidades psicométricas do ALQ (Avolio et al., 2018, Levesque-Côté et al., 2017; Neider & Schriesheim, 2011) justificam a tradução para a língua portuguesa, seguida de investigação de validade e de confiabilidade, de outro instrumento, cujos itens sejam públicos e possam ser aplicados com agilidade. As opções seriam ALI e AL-IQ. Visto que este último foi composto pela seleção dos itens de ALQ e de ALI que apresentaram melhor qualidade psicométrica no conjunto (Levesque-Côté et al., 2017), optou-se por adotá-lo para esta investigação.
Desta forma, os objetivos do estudo apresentado neste artigo foram realizar a adaptação do AL-IQ para o português e buscar evidências iniciais de validade de sua estrutura interna para a população brasileira no formato heterorrelato. Um terceiro objetivo foi investigar as correlações entre LA e capital psicológico no trabalho do seguidor, visando a evidências de validade divergente. A escolha do capital psicológico se deveu ao fato de a teoria afirmar que um líder autêntico pode promover o capital psicológico de seguidores (Luthans et al., 2007) o que, em algumas circunstâncias de investimento no desenvolvimento de líderes autênticos, poderia resultar em “retornos exponenciais acima de nossas estimativas conservadoras” (p. 56). Deveu-se, também, ao fato de diversos estudos já terem confirmado empiricamente a relação entre a percepção de LA e o capital psicológico de seguidores (Campos & Rueda, 2018; Mehdad & Sajadi, 2019; Zangh et al., 2022), o que possibilitaria averiguar a reprodutibilidade de resultados.
Método
Participantes
Participaram deste estudo 210 profissionais (114 mulheres), com idade média de 37,21 anos (DP = 11,03), das cinco regiões geográficas do Brasil, com predominância da região sudeste (175). O nível de escolaridade era ensino médio (10), ensino superior (46) e MBA ou pós-graduação (lato ou stricto sensu) (154). O setor de atuação indicado foi serviços (94), indústria (71), serviços públicos (21), comércio (11), organizações sem fins lucrativos (7) e seis disseram não estar trabalhando à época da coleta. Os que estavam ativos atuavam em organizações com menos de 30 funcionários (27), entre 31 e 50 (14), entre 51 e 100 (51), entre 101 e 300 (24), ou com mais de 300 funcionários (88). O tempo de atuação sob a liderança avaliada, em anos, era de menos de um (93), entre um e três (68), entre três e cinco (21) e mais de cinco (28). Por fim, 78 dos respondentes disseram estar ocupando cargos com funções de liderança.
Instrumentos
Questionário Sócio-Demográfico
Foi utilizado um questionário sócio-demográfico para melhor entendimento do perfil dos participantes. Esse questionário foi composto por oito questões relativas a sexo, idade, escolaridade, região de residência, setor de atuação, porte da organização, tempo sob a liderança avaliada e se estava ou não exercendo funções de líder.
Authentic Leadership Integrated Questionnaire (Levesque-Côté et al., 2017). O AL-IQ avalia a percepção que os respondentes têm sobre a LA de seus supervisores por meio de quatro fatores agrupados em 14 itens: autoconsciência (3 itens, α = 0,89), processamento balanceado (4 itens, α = 0,90), perspectiva moral internalizada (4 itens, α = 0,85) e transparência de relacionamento (3 itens, α = 0,83). Trata-se, portanto, de um instrumento de heterorrelato. Os itens são respondidos por meio de uma escala Likert na qual 1 = “discordo totalmente” e 5 = “concordo totalmente”. A diretiva para os itens é “Meu/minha líder…”. Um exemplo de item é: “… expressa, abertamente, seus pensamentos”. O conjunto dos itens encontra-se no Apêndice.
Inventário de Capital Psicológico no Trabalho - (ICPT-12) (Siqueira, Martins, & Souza, 2014). O ICPT-12 mede o capital psicológico no trabalho por meio de 12 itens distribuídos igualitariamente por quatro fatores que são: esperança no trabalho - ST (crença que a pessoa tem acerca dos recursos de que dispõe para ser bem sucedida no trabalho e a crença que tem acerca dos meios que usará para isso, α = 0,76); resiliência no trabalho - RT (crença mantida pela pessoa de que sairá fortalecida após enfrentar adversidades no trabalho, α = 0,87); otimismo no trabalho - OT (crença mantida pela pessoa acerca de fatos positivos que ocorrerão com ela no futuro em seu trabalho, α = 0,87); e eficácia no trabalho - FT (crença mantida pela pessoa nas próprias capacidades de mobilizar recursos cognitivos e ações necessárias para realizar seu trabalho com êxito, α = 0,87). Trata-se de uma escala Likert onde 1 = “discordo totalmente” e 5 = “concordo totalmente”. Um exemplo de item é “sou capaz de dominar os procedimentos novos que surgem no meu trabalho”.
Procedimentos
Adaptação do AL-IQ para o Português
A adaptação da escala para o português foi realizada seguindo seis etapas recomendadas por Borsa et al. (2012). Na primeira etapa, a tradução do instrumento para o português foi realizada por dois profissionais fluentes em inglês. Na sequência, as versões traduzidas foram sintetizadas por uma pesquisadora em liderança e, na terceira etapa, a síntese foi submetida à avaliação de quatro juízes, acadêmicos com conhecimento em psicometria. A análise de juízes foi positiva, não demandando ajustes para os itens. Na quarta etapa o instrumento foi avaliado por dois profissionais atuantes em organizações (público-alvo), não sendo encontrados problemas de compreensão.
Realizou-se, então, a quinta etapa: tradução reversa do instrumento por um tradutor profissional e por um trabalhador organizacional fluente em inglês. As traduções reversas foram trocadas entre os tradutores e contrastadas com o instrumento original, apresentado a eles naquele momento. Os tradutores aprovaram, assim, o conteúdo em português, entendendo que as pequenas diferenças existentes na tradução reversa não alteravam o contexto original do instrumento. Na sexta etapa foi realizado um estudo-piloto com a participação de 20 trabalhadores, todos da rede de contato dos pesquisadores, sem emergência de dúvidas quanto ao conteúdo dos itens. Observa-se que Levesque-Côté et al. (2017) utilizaram o francês canadense para aplicar e validar o AL-IQ, depois de traduzir o ALI e de adaptar os itens do ALQ para que ficassem compatíveis com o formato do ALI. A despeito disso, os itens validados por eles foram publicados em inglês, seguindo o procedimento de tradução reversa. Por esse motivo, a tradução realizada para este estudo se deu do inglês para o português e a análise da tradução reversa (na quinta etapa) foi realizada por tradutores em substituição aos autores das escalas originais.
Coleta de Dados
O projeto foi aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa sob o protocolo CAAE nº 05987019.3.0000.5514. Assim, convites para participar da pesquisa foram enviados pelas redes sociais Facebook e Linkedin. A coleta foi realizada por meio de uma ferramenta desenvolvida ad hoc sobre a plataforma Prospektor da empresa KNBS (www.knbs.net.br), no segundo semestre de 2019. Em uma tela inicial foram apresentadas informações relativas à pesquisa e, na sequência, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os que concordaram com o termo responderam o questionário sócio-demográfico e, na sequência, o AL-IQ e o ICPT-12.
Análise de Dados
O software R versão 3.4.4, com o pacote lavaan (Rosseel, 2018), foi utilizado para rodar as análises fatoriais confirmatórias (AFC) do instrumento AL-IQ, utilizando-se a verossimilhança máxima como método de estimação. Os indicadores de ajuste utilizados na análise foram a razão entre o qui-quadrado e os graus de liberdade (χ2/df); o Comparative Fit Index (CFI); o Tucker-Lewis Index (TLI); o Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA) e o Standardized Root Mean Square Residual (SRMR). Foi utilizado também o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) v.21 para o cálculo dos índices de confiabilidade das escalas (alfa de Cronbach), para as análises estatísticas descritivas, e para averiguação de correlações de Pearson entre AL-IQ e ICPT-12.
Resultados
A AFC realizada com os 14 itens do AL-IQ não produziu índices de adequação satisfatórios para os modelos de primeira e de segunda ordem da LA. Visando encontrar um modelo parcimonioso realizou-se a extração de dois itens da escala (8 e 14), que apresentavam as menores cargas em seus fatores. A extração possibilitou a obtenção de índices melhores e aceitáveis (Brown, 2006; Hu & Bentler, 1990). A Tabela 1 mostra os resultados para os quatro modelos investigados.
Tabela 1: Índices de Adequação dos Modelos
χ2 | df | CFI | TLI | RMSEA (90% int conf) | SRMR | |||||||||
AL-IQ (14 itens) | 4 fat Prim Ord | 261,14 | 71 | 0,89 | 0,87 | 0,113 (0,098 - 0,128) | 0,057 | |||||||
Seg Ord | 267,10 | 73 | 0,89 | 0,87 | 0,113 (0,098 - 0,127) | 0,058 | ||||||||
AL-IQ (12 itens) | 4 fat Prim Ord | 115,67 | 48 | 0,95 | 0,94 | 0,082 (0,063 - 0,101) | 0,045 | Seg Ord | 129,57 | 50 | 0,95 | 0,93 | 0,087 (0,069 - 0,106) | 0,047 |
Nota. CFI = Comparative Fit Index; TLI = Tucker-Lewis Index; RMSEA = Root Mean Square Error of Approximation; SRMR = Standardized Root Mean Square Residual.
Observa-se que o modelo de primeira ordem com 12 itens apresenta índices de adequação ligeiramente melhores do que o modelo de segunda ordem. Entretanto, ambos os modelos são aceitáveis (Brown, 2006; Hu & Bentler, 1990). A Tabela 2 mostra as cargas fatoriais padronizadas para os fatores dos modelos de primeira ordem e de segunda ordem.
Tabela 2: Cargas Fatoriais (Solução Completamente Padronizada)
Fatores e itens | Prim. Ordem | Seg. Ordem |
λ | λ | |
Autoconsciência (AC) | ||
item #3 | 0,83 | 0,83 |
item #7 | 0,75 | 0,75 |
item #10 | 0,85 | 0,84 |
Processamento Balanceado (PB) | ||
Item #4 | 0,67 | 0,65 |
item #11 | 0,82 | 0,83 |
item #13 | 0,63 | 0,64 |
Perspectiva Moral Internalizada (PMI) | ||
item #1 | 0,83 | 0,83 |
item #5 | 0,75 | 0,74 |
item #12 | 0,69 | 0,70 |
Transparência de Relacionamento (TR) | ||
item #2 | 0,78 | 0,77 |
item #6 | 0,75 | 0,75 |
item #9 | 0,68 | 0,69 |
AC | 0,83 | |
PB | 0,99 | |
PMI | 0,97 | |
TR | 1,01 |
A solução completamente padronizada resultou em cargas fatoriais acima de 0,60 para todos os itens do AL-IQ. A Tabela 3 mostra as médias de escores obtidas pelos participantes para AL-IQ, ICPT-12 e os índices de confiabilidade calculados pelo alfa de Cronbach para os fatores das duas escalas.
Tabela 3: Estatísticas Descritivas e Confiabilidade - N = 210
Média | DP | α | |
AL-IQ Autoconsciência (AC) Processamento Balanceado (PB) Perspectiva Moral Internalizada (PMI) Transparência de Relacionamento (TR) | 3,36 3,43 3,76 3,73 | 0,99 1,03 0,98 0,98 | 0,77 0,79 0,76 0,85 |
ICPT Eficácia no Trabalho (FT) Esperança no Trabalho (ST) Otimismo no Trabalho (OT) Resiliência no Trabalho (RT) | 4,40 4,28 4,10 3,44 | 0,51 0,64 0,91 1,05 | 0,77 0,84 0,79 0,73 |
Todos os fatores de ambas as escalas obtiveram índices de confiabilidade aceitáveis. Para o AL-IQ a confiabilidade variou de 0,76 (PMI) a 0,85 (TR). Para o ICPT-12 a variação foi de 0,73 (RT) a 0,84 (ST). A Tabela 4 apresenta as correlações de Pearson entre os fatores de AL-IQ e ICPT-12.
Tabela 4: Correlações entre AL-IQ e ICPT-12
Valores de r (Pearson) | ||||
FT* | ST | OT | RT | |
AC | 0,14 | 0,24 | 0,40 | 0,19 |
PB | ns | 0,26 | 0,41 | 0,20 |
PMI | ns | 0,23 | 0,38 | 0,22 |
TR | 0,15 | 0,23 | 0,34 | 0,19 |
Nota: * p < 0,05 - nos demais p < 0,01; ns = não significativo
AC = Autoconsciência; PB = Processamento Balanceado;
PMI = Perspectiva Moral Internalizada; TR = Transparência
de Relacionamento; FT = Eficácia no Trabalho; ST = Esperança
no Trabalho; OT = Otimismo no Trabalho; RT = Resiliência no
Trabalho.
Quatorze das 16 correlações se mostraram significativas, sendo todas positivas. Correlações encontradas entre o fator otimismo, do capital psicológico no trabalho, e os fatores autoconsciência (0,40) e processamento balanceado (0,41), da liderança autêntica, apresentaram magnitude moderada. Todas as outras correlações entre os demais fatores foram de magnitude fraca, variando entre 0,14 e 0,38 (Dancey & Reidy, 2006).
Discussão
Um forte movimento investigativo a respeito da LA tem ocorrido nas duas últimas décadas em âmbito global. No Brasil, entretanto, as pesquisas nesse campo não acompanharam o volume internacional (Campos & Rueda, 2018; Cervo et al., 2018), possivelmente porque a validação do Authentic Leadership Questionnaire, instrumento mais utilizado internacionalmente para medir a LA (Piolli et al., 2020), seja ainda recente (Cervo et al., 2018) no país.
Nesse sentido, a validação de um segundo instrumento para medir o mesmo construto, sendo ele baseado estritamente no mesmo contexto teórico, poderia parecer desnecessária. Isso só seria verdade, entretanto, se o intenso debate existente na literatura a respeito da definição teórica da LA, que deu sustentação ao desenvolvimento dos instrumentos, e as discussões em torno dos métodos de análise e de precisão das medidas disponíveis (Alvesson & Einola, 2022, Avolio &Walumbwa , 2014; Avolio et al., 2018; Einola & Alvesson, 2021; Gardner et al., 2021; Levesque-Côté et al. 2017; Neider & Schriesheim, 2011; Walumbwa et al, 2008) pudesse ser ignorado.
Inserindo-se no contexto desse debate, este artigo teve por objetivos traduzir e buscar evidências de validade de estrutura interna para o AL-IQ (Levesque-Côté et al., 2017) com uma população brasileira, bem como encontrar correlações entre a percepção de LA e o capital psicológico no trabalho de seguidores, possibilitando também a busca de evidências de validade divergente para o instrumento. Os resultados encontrados permitiram afirmar que os objetivos foram cumpridos.
Por meio de análises fatoriais confirmatórias foram testados dois modelos que têm predominado na literatura do campo, ambos com quatro fatores, que ora posicionam a LA como quatro construtos de primeira ordem, ora adicionam um construto de segunda ordem (Avolio & Walumbwa, 2014; Levesque-Côté et al., 2017; Neider & Schriesheim, 2011). Embora os resultados das análises não tenham sido satisfatórios com os 14 itens do AL-IQ, a extração de dois itens (8 - “Meu/minha líder baseia sua decisões em seus valores fundamentais”; e 14 - “Meu/minha líder analisa objetivamente os dados relevantes antes de tomar uma decisão) permitiu encontrar índices de adequação satisfatórios, tanto para o modelo de primeira (CFI = 0,95; TLI = 0,94, RMSEA = 0,082; SRMR=0,045), quanto para o modelo de segunda ordem (CFI = 0,95; TLI = 0,93; RMSEA = 0,087; SRMR=0,047). Além de terem sido os que apresentaram menor carga em seus fatores, o conteúdo dos itens extraídos, parece ir ao encontro da visão de Weiss et al. (2018) a respeito da imprecisão que pode ser gerada quando questões intrínsecas são avaliadas por um olhar externo.
Ainda que os índices do primeiro modelo tenham mostrado uma adequação ligeiramente melhor que o segundo, o contexto teórico conduz à preferência do modelo de segunda ordem, compatível com a definição inicial do construto feita por Walumbwa et al. (2008) e com as considerações apresentadas por Avolio e Walumbwa (2014). Ressalta-se, entretanto, que Levesque-Côté et al. (2017) obtiveram o mesmo tipo de resultado a respeito dos modelos testados para o AL-IQ e que sugeriram que ambos os modelos podem ser usados, dependendo dos objetivos do estudo.
Com relação ao terceiro objetivo deste trabalho, foram encontradas 14 correlações significativas e positivas entre os fatores da LA e os fatores do capital psicológico no trabalho, cujas magnitudes variaram de 0,14 (entre os fatores autoconsciência do líder e autoeficácia do seguidor) a 0,41 (entre os fatores processamento balanceado do líder e otimismo do seguidor). Apenas duas das correlações se mostraram no limite da faixa de correlações moderadas, com magnitudes 0,40 e 0,41 (Dancey & Reidi, 2006), sendo ambas relações do fator otimismo do seguidor com fatores da LA. Cabe salientar que o fator otimismo foi o único para o qual as correlações foram superiores a 0,30, o que mereceria atenção de pesquisas futuras para esclarecer se a percepção de LA pode ser impactada pelo nível de otimismo dos seguidores. De toda forma, as correlações encontradas possibilitaram evidenciar validade divergente para o AL-IQ. Os resultados encontrados são também compatíveis com os relatados na literatura (Campos & Rueda, 2018; Mehdad & Sajadi, 2019; Zangh et al., 2022).
Assim, sugere-se que o AL-IQ, apresentado no Anexo I, mostrou-se um instrumento válido e confiável (alfas de Cronbach entre 0,76 e 0,85) para medir a LA em formato de heterorrelato, que ele pode ser aplicado em novas pesquisas com a população brasileira e, eventualmente, também na prática organizacional. Será interessante que novas pesquisas possam tanto evidenciar validade convergente, discriminante e incremental para o instrumento, quanto confirmar se a extração dos dois itens se mostra necessária com outras amostras. Ressalta-se que a extração de itens foi uma ação comum em estudos realizados com o ALQ em diversas línguas, sendo os trabalhos de Rego et al. (2012) e de Sobral e Gimba (2012), exemplos dessa decisão em aplicações do instrumento em língua portuguesa.
As discussões em torno dos modelos e da alta correlação dos itens dos instrumentos tomou grande parte da literatura a respeito da LA. Essa atenção à operacionalização de medidas desviou, por vezes, o foco sobre a necessidade de se aprimorar o contexto teórico do campo, deixando instrumentos considerados reducionistas mais à margem e buscando aprofundamento na compreensão sobre o que significa a autenticidade na liderança (Alvesson & Einola, 2022; Einola & Alvesson, 2021; Iszatt-White, Carroll et al., 2019).
A comunidade acadêmica tem solicitado que esse aprofundamento seja efetivado, bem como que um maior rigor científico seja aplicado em pesquisas na área de liderança em geral (Antonakis, 2017a; Antonakis, 2017b; Banks et al., 2018). Além das considerações e perspectivas filosóficas, estima-se que esse aprofundamento poderá aflorar também por meio de investigações qualitativas que avaliem o discurso de líderes e sobre líderes. Estudos nesse sentido trouxeram à tona, por exemplo, questões como a necessidade de se avaliar comportamento e resultados do líder em longo prazo (Campos & Rueda, 2019), bem como considerar quanto os paradigmas a respeito do papel do líder reduzem a credibilidade de um líder autêntico, no embate autenticidade versus eficácia (Iszatt-White, Whittle et al., 2019) e como os desafios de sustentar a autenticidade e atingir consistência entre valores e ações se faz presente no cotidiano daqueles que decidiram adotar esse estilo de liderança (Williams et al., 2022).
Entretanto, esses caminhos de pesquisa não podem prescindir de instrumentos de medida que contribuam para corroborar, também, as evoluções teóricas que se apresentem. A disponibilidade do AL-IQ para pesquisadores em língua portuguesa poderá, portanto, contribuir, inclusive, para a realização de novas análises comparativas entre distintos estilos de liderança e suas redes nomológicas. Nesse sentido, ainda que resultados meta-analíticos tenham indicado redundância entre LA e liderança transformacional (Banks et al., 2016), o que para alguns estudiosos poderia indicar uma falência da teoria, instrumentos validados podem ser importantes para a continuidade dos estudos, inclusive como base para a agregação de novos itens pautados pelo avanço da teoria, que possam vir a auxiliar na busca de evidências de validade incremental entre construtos. Banks et al. (2018) estimulam novos estudos nessa linha, indicando que o padrão das correlações encontradas nas meta-análises “sugere que, talvez, diferentes construtos de liderança sejam úteis em diferentes níveis de análise” (p. 246).
Esse racional promove questões que, para serem respondidas, demandarão a existência de pesquisas multinível dedicadas a avaliar distintos resultados de interesse das organizações, obtidos por meio da liderança (e.g. produtividade, satisfação do cliente, satisfação e bem-estar do trabalhador, criatividade e inovação, dentre outros). Estudos longitudinais parecem ser mandatórios para a emergência de respostas mais efetivas e parcimoniosas.
Desta forma, sugere-se que o AL-IQ poderá ser útil em pesquisas com a população de trabalhadores brasileiros que venham a avaliar, conjuntamente, a percepção de seguidores sobre seus líderes, testando também outros modelos de liderança (e.g. transformacional, espiritual, ética). E também em pesquisas que, simultaneamente, avaliem diretamente os líderes com instrumentos desenvolvidos sob os mesmos paradigmas teóricos - e.g. EALA (Campos & Rueda, 2020), no caso da liderança autêntica -; e que abranjam também avaliações de resultados obtidos pelos líderes e por suas equipes, verificando se distintos estilos de liderança se diferenciam (e em que nível, e.g. individual ou coletivo) na promoção desses resultados.
Há que se mencionar, ainda, as limitações deste estudo. A primeira delas diz respeito não apenas ao tamanho, como também ao perfil da amostra, com alta concentração na região sudeste e alto nível de escolaridade, o que não reflete com fidelidade a população brasileira. Tais aspectos impedem a generalização dos resultados e indicam a necessidade de que sejam corroborados por novos estudos. Outra limitação diz respeito ao fato de a tradução do AL-IQ ter sido feita do inglês (linguagem de publicação do instrumento) e não do francês (linguagem de validação do instrumento) para o português. Ainda que os processos adequados de tradução (Borsa et al., 2012) tenham sido seguidos, tais percursos linguísticos podem ter afetado os resultados obtidos. Apesar destas limitações, os achados desta investigação são contributivos para o avanço do campo e abrem caminho para a realização de novas pesquisas que tragam outros progressos para a área.