Evidências demonstram que intervenções efetivas de saúde pública relacionadas ao controle da pandemia da COVID-19 combinam estratégias de intervenção farmacológicas e não farmacológicas. A estratégia farmacológica está relacionada à proteção das pessoas por meio da vacinação em massa da população mundial (World Health Organization [WHO], 2021). A estratégia não farmacológica está focada na mudança social e comportamental para evitar a disseminação do vírus (Frounfelker et al., 2021).
Atualmente o ritmo de vacinação no Brasil está aquém do necessário para que haja uma redução da circulação do SARS-CoV-2 e um efetivo controle da pandemia. De fato, os números de casos e óbitos de pessoas atingidas pela COVID-19 no Brasil são alarmantes. Em 12 de julho de 2021, o país alcançou um acumulado de 19.069.003 casos e 532.893 mortes (WHO, n.d.). Essa realidade faz com que as intervenções não farmacológicas sejam a alternativa para mitigação da COVID-19 enquanto não estiver garantido o amplo acesso à vacinação à população brasileira (Farias & Pilati, 2021). Isso significa que tanto os já vacinados quanto a maioria da população brasileira ainda não vacinada precisa seguir todas as medidas não farmacológicas para a prevenção da COVID-19, incluindo a manutenção do distanciamento social. O distanciamento social tem por objetivo reduzir o contato de todas as famílias com pessoas de fora de seus domicílios em 75% (Ferguson et al., 2020), sendo uma medida efetiva para a evitar a transmissão do vírus SARS-CoV-2.
A adoção da medida de distanciamento social exige, por sua vez, uma mudança nos padrões comportamentais individuais. Há evidências acerca de relação positiva entre comunicações persuasivas realizadas por pessoas em posição de liderança, em campanhas de saúde pública, e a adoção do distanciamento social (Allcott et al., 2020; Ferguson et al., 2020). Estudos de Azjen (1991), Fishbein e Ajzen (2010) e Ajzen e Schmidt (2020) indicam que uma comunicação persuasiva leva em consideração as crenças que uma pessoa ou população possuem sobre um determinado fenômeno (ex. distanciamento social), uma vez que as pessoas tendem a se comportar em congruência com as suas crenças.
Conjuntos de crenças influenciam a formação de uma intenção comportamental, definida como a decisão à realização de um comportamento, atrelada a uma estimativa do esforço necessário para realização desse comportamento (Ajzen, 1991). A intenção é o último estágio deliberativo que antecede à realização de um comportamento, sendo o seu mais importante antecedente cognitivo (Ajzen, 1991). A intenção, por sua vez, é explicada por três conjuntos de crenças principais: as atitudes, as normas subjetivas e o controle comportamental percebido (CCP). Esses quatro construtos psicológicos constituem as variáveis do modelo da Teoria do Comportamento Planejado (TCP) proposto por Fishbein e Ajzen (2010). De acordo com a TCP, as crenças predizem a intenção e a intenção prediz o comportamento (Ajzen, 2011, 2015, 2020; Armitage & Conner, 2001). O comportamento de interesse neste estudo é a manutenção do distanciamento social, para isso é necessário compreender a intenção das pessoas de permanecerem em distanciamento social e as crenças que a determinam.
Uma atitude é um conjunto de crenças comportamentais avaliativas, favoráveis ou desfavoráveis, estabelecidas a partir da associação de um atributo ao objeto-alvo da atitude (ex. permanecer em distanciamento social). Para cada crença comportamental a pessoa atrela uma avaliação subjetiva sobre o grau de veracidade dessa associação. Quanto mais fortes forem as atitudes com relação a um determinado comportamento, maior será a intenção de realizá-lo (Ajzen, 1991; Fishbein & Ajzen, 2010).
As normas subjetivas são um conjunto de crenças normativas associadas à percepção da pressão social exercida sobre uma pessoa pelos seus pares. Essas crenças são uma expectativa subjetiva de que as pessoas consideradas como referências para um indivíduo aprovem ou censurem determinado comportamento. A percepção da pressão social também está vinculada ao grau de motivação da pessoa para ceder à pressão normativa. Quanto mais fortes forem as normas subjetivas relacionadas a um determinado comportamento, maior será a intenção de a pessoa realizá-lo (Ajzen, 1991; Fishbein & Ajzen, 2010).
O CCP é um conjunto de crenças de controle relacionadas à percepção de fatores facilitadores ou impeditivos à execução de um comportamento. Esse conjunto de crenças pode incluir fatores externos (circunstanciais, ambientais) ou internos (baseados em experiências passadas e aprendizagens do indivíduo), que consolidam um senso de autoeficácia relacionado ao desempenho do comportamento-alvo. Quanto mais forte for o CCP associado a um comportamento, maior será a intenção de realizá-lo (Ajzen, 1991).
Fischer e Karl (2022) realizaram uma revisão sistemática com meta-análise de 83 estudos, com amostras de 31 países, que empregaram a TCP para explicar intenções comportamentais voltadas à proteção ou mitigação da COVID-19 (ex. uso de máscara, lavar as mãos, adoção do distanciamento social, vacinação). O efeito mais forte dentre os preditores da intenção comportamental foi o das atitudes, seguido do CCP e das normas subjetivas.
Em razão do contexto supracitado, este estudo identifica o efeito dos construtos da TCP como preditores da intenção de permanecer em distanciamento social (IPDS) no Brasil. O estudo também apresenta novas evidências de validade da estrutura interna da escala de intenção de permanecer em distanciamento social no contexto brasileiro (Iwaya et al., 2020) via implementação de análises de modelagem de equações estruturais (SEM). Além disso, o estudo realiza análises multigrupo de acordo com: a) sexo biológico; b) intervalos de tempo distintos; e c) autorrelato sobre a adesão ou não à medida de distanciamento social. A análise multigrupo via SEM tem sido crescentemente utilizada em estudos preditivos com a TCP (Kim & Petrick, 2021; La Barbera & Ajzen, 2020; Ngah et al., 2021) pois permite verificar se o modelo apresenta evidências de validade significativas e consistentes com grupos distintos (Ajzen & Schmidt, 2020).
Para o alcance de seu objetivo, foram estabelecidas três hipóteses para esse estudo, desenvolvidas e apresentadas a seguir. Com relação ao primeiro preditor da intenção, há evidências indicando que as atitudes exercem efeito sobre: a intenção de seguir medidas protetivas contra a COVID-19 (Curșeu et al., 2021; Lin et al., 2020; Prasetyo et al., 2020); a intenção de adotar ou manter o distanciamento social (Bigot et al., 2021; Das et al., 2020; Iwaya et al., 2020; Sturman et al., 2020; Trifiletti et al., 2021; Yu et al., 2021); a intenção de ficar em casa (stay at home) (Callow et al., 2020; Sumaedi et al., 2020); a intenção de autoisolamento (Zhang et al., 2020); e a intenção de violar o distanciamento social (Farias & Pilati, 2021). Com base nessas evidências, verifica-se que as atitudes com relação a comportamentos distintos voltados à mitigação da COVID-19 exercem influência sobre a formação da intenção comportamental, podendo ser consideradas preditoras nesse processo de tomada de decisão. Dessa forma, se estabelece como hipótese: H1. As atitudes em relação ao distanciamento social influenciam a intenção de permanecer em distanciamento social.
Pesquisas indicam que as normas subjetivas exercem efeito sobre: a formação da intenção comportamental para seguir medidas protetivas à COVID-19 (Andarge et al., 2020; Lin et al., 2020; Prasetyo et al., 2020); a intenção de “stay at home” (Callow et al., 2020; Sumaedi et al., 2020); a intenção de adotar ou manter o distanciamento social (Bigot et al., 2021; Das et al., 2020; Hagger et al., 2020; Iwaya et al., 2020; Trifiletti et al., 2021); a intenção de autoisolamento (Zhang et al., 2020); e a intenção de violar o distanciamento social (Farias & Pilati, 2021). Com base nessas evidências, verifica-se que as pressões sociais exercidas pelos pares relacionadas à execução de comportamentos voltados à mitigação da COVID-19 exercem influência sobre a formação da intenção comportamental, portanto, as normas subjetivas podem ser consideradas preditoras nesse processo de tomada de decisão. Dessa forma, se estabelece como hipótese: H2. As normas subjetivas influenciam a intenção de permanecer em distanciamento social.
Evidências indicam que o CCP exerce efeito sobre a intenção comportamental de aderir a medidas de proteção ou mitigação da COVID-19 (Andarge et al., 2020; Curșeu et al., 2021; Lin et al., 2020; Prasetyo et al., 2020). O CCP também prediz a intenção de “stay at home” (Sumaedi et al., 2020) e a intenção de adotar ou manter o distanciamento social (Das et al., 2020; Hagger et al., 2020; Iwaya et al., 2020; Sturman et al., 2020; Trifiletti et al., 2021; Yu et al., 2021, Zhang et al., 2020). Essas evidências indicam que fatores facilitadores e impeditivos relacionados com o CCP, associados ao desempenho de comportamentos distintos voltados à mitigação da COVID-19, exercem influência sobre a formação da intenção comportamental. Assim, hipotetiza-se: H3. O controle comportamental percebido influencia a intenção de permanecer em distanciamento social.
Várias são as razões para a realização dessa pesquisa. Primeiro, são escassos os estudos que explicam a adoção do distanciamento social no Brasil. Pesquisas de delineamento transversal fornecem evidências de um dado momento, por isso esse estudo permite a verificação de eventuais diferenças de tamanho de efeito dos construtos avaliados em períodos de tempo distintos. Além disso, essa pesquisa fornece evidências de validade tanto do instrumento utilizado quanto do modelo da TCP, demonstrando a adequabilidade do instrumento e da TCP como alternativas para mensurar e explicar a IPDS. Por último, as evidências apresentadas fornecem subsídios para o desenvolvimento de campanhas de saúde pública e ações educativas voltadas à promoção do distanciamento social no Brasil.
Método
Este é um estudo observacional analítico com delineamento transversal (Hulley et al., 2015). Utilizou-se uma amostragem por conveniência, com coleta de dados via questionário on-line (Shaughnessy et al., 2012) desenvolvido no Google Forms. A divulgação foi feita via redes sociais, aplicativos de mensagens (ex. Facebook, Whatsapp, Instagram) e correio eletrônico. Foram estabelecidos dois critérios para participação na pesquisa: a) possuir idade maior ou igual a 18 anos; b) ser uma pessoa que pode escolher por permanecer em distanciamento social.
Os dados foram coletados em dois períodos. A primeira coleta foi realizada entre 31/03/2020 até 06/04/2020, com a obtenção de 786 respostas. Esse período coincide com o início das primeiras medidas de mitigação da pandemia no Brasil, incluindo a adoção do distanciamento social. A segunda coleta foi realizada entre 17/08/2020 até 21/09/2020, com a obtenção de 1330 respostas. No total, a amostra foi composta por 2116 participantes residentes de diversas regiões do Brasil.
Dado que o construto endógeno possui três preditores, e estabelecendo um poder de teste de 0,95 e tamanho de efeito (f²) de 0,15 (Ringle et al., 2014), a amostra mínima recomendada pelo software G*Power 3.1.9.7 (Faul et al., 2009) foi de 119 casos. Como sugestão, Ringle et al. (2014) aconselham considerar o triplo desse valor (357). Esse valor mínimo de casos se aproxima do recomendado por Hair et al. (2019), considerando um número de 15 casos para cada indicador utilizado (360).
O questionário da pesquisa foi composto por quatro seções: a) apresentação dos termos da pesquisa, critérios de inclusão e solicitação de confirmação do aceite para participação; b) dados sociodemográficos; c) questão sobre o comportamento passado dos participantes com relação ao distanciamento social (“Considerando o seu comportamento nos últimos 7 dias, você considera que permaneceu em distanciamento social? (sim/não)”); d) indicadores da Escala de Intenção de Permanecer em Distanciamento Social (EIPDS) (Iwaya et al., 2020).
O estudo de Iwaya et al. (2020) apresenta evidências preliminares aceitáveis de validade da estrutura interna da EIPDS, obtidas via análise fatorial exploratória. O índice de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) foi excelente (0,96) e o teste de Bartlett confirmou a adequação dos dados para aplicação da AFE (p < 0,00). Os valores de comunalidade (h²) dos indicadores foram superiores a 0.40 e as cargas fatoriais superiores a 0.50 em cada dimensão fatorial, com alfa de Cronbach (α) superior a 0.70 para todos os construtos.
A análise dos dados da pesquisa foi feita via SEM e com uso do método dos mínimos quadrados parciais (PLS), por meio do software “SmartPLS 3” (Ringle et al., 2015). A abordagem via PLS-SEM maximiza a variância explicada das variáveis dependentes em um modelo. O PLS-SEM é a alternativa mais apropriada quando se tem por objetivo verificar a relevância de construtos exógenos como preditores de construtos endógenos (Hair et al., 2019), como é o caso desse estudo.
A análise via PLS-SEM considerou a avaliação das evidências dos modelos de mensuração e estrutural. Na avaliação do modelo de mensuração foram considerados os tamanhos e níveis de significância das cargas dos indicadores, a confiabilidade (alfa de Cronbach e confiabilidade composta) e a validade convergente e discriminante. A avaliação do modelo estrutural considerou: a colinearidades entre os construtos; o tamanho e significância dos coeficientes de caminho (β); se a capacidade preditiva do modelo é aceitável, observando o coeficiente de determinação (R²); o tamanho de efeito (f 2) e a relevância preditiva do modelo (Q²). Os critérios de adequação estabelecidos para as medidas estão propostos em Hair et al. (2019).
Após a conclusão da análise dos modelos de mensuração e estrutural foram realizadas as análises multigrupo (PLS-MGA), com o objetivo de verificar se existe diferença estatisticamente significativa nos parâmetros do modelo entre os grupos - avaliação da heterogeneidade observada (Hair et al., 2019). De acordo com Hair et al. (2019), as diferenças entre os grupos são comparadas considerando os coeficientes de caminho via testes T (t-valor > 1,96, p < 0,05), utilizando a técnica de bootstrapping com 5000 reamostragens. Dois grupos de participantes foram estabelecidos considerando a variável sexo biológico: masculino (n = 774), feminino (n = 1.342). Outros dois grupos foram formados por participantes que responderam ao instrumento de pesquisa no início da pandemia (31 de março de 2020 até 6 de abril de 2020) e após um intervalo de aproximadamente 19 semanas (17 de agosto de 2020 até 21 de setembro 2020): início da pandemia (n = 786), meio da pandemia (n = 1330). Outros dois grupos de participantes foram consolidados a partir da resposta à pergunta “Considerando seu comportamento nos últimos sete dias, você considera que permaneceu em distanciamento social?” (Não / Sim): não (n = 324), sim (n = 1792).
Resultados
Perfil Sociodemográfico
Na amostra há prevalência do sexo feminino (63,42%), na faixa etária de 18 a 27 anos (40,17%), pessoas com ensino médio completo (34,97%); solteiros (55,67%), pessoas com renda familiar de até três salários mínimos (37,19%), residentes na região Sul do país (75,57). Em relação aos estados, destacam-se: Santa Catarina (53,45%), Rio Grande do Sul (18,67%), Rio Grande do Norte (7,66%), São Paulo (4,25%), Paraná (3,45%), Pernambuco (3,31%), Rio de Janeiro (2,17%). Outros 17 estados registraram frequências menores que 2%.
Avaliação do Modelo de Mensuração
As evidências de validade do modelo de mensuração proposto foram aceitáveis. O tamanho das cargas fatoriais dos indicadores variou entre 0,598 e 0,942. Os valores dos índices de consistência interna do alfa de Cronbach (?#945;) e confiabilidade composta (ρc) dos construtos foram maiores que 0,70 e as AVEs dos construtos são maiores que 0,50. As evidências de validade convergente dos construtos podem ser visualizadas na Tabela 1.
Tabela 1: Avaliação do Modelo de Mensuração
Construtos | Indicadores | λ | ( | (c | AVE |
Atitudes | ATT1 | 0,89 | 0,95 | 0,96 | 0,80 |
ATT2 | 0,79 | ||||
ATT3 | 0,83 | ||||
ATT4 | 0,92 | ||||
ATT5 | 0,93 | ||||
ATT6 | 0,89 | ||||
Normas Subjetivas | NS1 | 0,80 | 0,94 | 0,96 | 0,78 |
NS2 | 0,88 | ||||
NS3 | 0,87 | ||||
NS4 | 0,92 | ||||
NS5 | 0,93 | ||||
NS6 | 0,90 | ||||
Controle Comportamental Percebido | CCP1 | 0,60 | 0,83 | 0,87 | 0,53 |
CCP2 | 0,68 | ||||
CCP3 | 0,69 | ||||
CCP4 | 0,69 | ||||
CCP5 | 0,85 | ||||
CCP6 | 0,83 | ||||
Intenção de Permanecer em Distanciamento Social | INT1 | 0,93 | 0.96 | 0,97 | 0,82 |
INT2 | 0,94 | ||||
INT3 | 0,92 | ||||
INT4 | 0,82 | ||||
INT5 | 0,92 | ||||
INT6 | 0,92 |
As evidências de validade discriminante revelam que o tamanho das cargas cruzadas entre os construtos é menor que o tamanho das cargas dos indicadores dentro de suas próprias dimensões. Os valores das raízes quadradas das AVEs excedem os valores das correlações entre os construtos, e os valores de HTMT são menores que 0,90. As evidências de validade discriminante podem ser vistas na Tabela 2.
Tabela 2: Validade Discriminante Via Critérios de Fornell-Larcker e HTMT
Construtos | Matriz de Correlação de Person | |||
1 | 2 | 3 | 4 | |
1. Atitudes | 0,89 | 0,87 | 0,49 | 0,89 |
2. Normas Subjetivas | 0,83 | 0,89 | 0,49 | 0,84 |
3. Controle Comportamental Percebido | 0,47 | 0,48 | 0,73 | 0,63 |
4. Intenção de Permanecer em Distanciamento Social | 0,85 | 0,80 | 0,60 | 0,91 |
Nota. Os valores em negrito estão relacionados à raiz quadrada da variância média extraída dos construtos. Os índices acima da diagonal são os valores de HTMT. Os índices abaixo da diagonal são os valores das correlações entre os construtos.
A última evidência de validade discriminante considerada foi a avaliação do limite superior (LS97.5%) do intervalo de confiança para os valores de HTMT, calculado pela técnica de bootstraping. Os valores encontrados situaram-se abaixo de 1, sendo considerados aceitáveis (Hair et al., 2019). Em relação à avaliação da colinearidade, os construtos exógenos apresentaram valores de Variance Inflation Factor (VIF) entre 1,33 e 3,24 relacionados ao construto endógeno (IPDS), considerados aceitáveis (VIF<5).
Avaliação do Modelo Estrutural
As hipóteses do estudo foram testadas por meio da técnica de bootstrapping com 5000 subamostras, conforme sugerido por Hair et al. (2019). O resultado apresentado na Tabela 3 mostra que as atitudes (β = 0,56, p < 0,05), as normas subjetivas (β = 0,23, p < 0,05) e o CCP (β = 0,23, p < 0,05), estão positivamente relacionadas com a IPDS, fornecendo suporte para H1, H2 e H3.
Tabela 3: Avaliação do Modelo Estrutural
Hipóteses | ( | DP | t-valor (p-valor) | LI-LS | R² (Adj. R2) | f 2 | Q² | Decisão |
H1. ATT ( IPDS | 0,56 | 0,03 | 20,22 (0,00) | 0,50-0,61 | 0,80 | 0,48 | 0,65 | Aceitar |
H2. NS ( IPDS | 0,23 | 0,03 | 8,85 (0,00) | 0,18-0,28 | (0,80) | 0,08 | Aceitar | |
H3. CCP ( IPDS | 0,23 | 0,02 | 13,10 (0,00) | 0,20-0,27 | 0,20 | Aceitar |
Nota. LI = limite inferior; LS = limite superior; R² = coeficiente de determinação; Adj. R² = coeficiente de determinação ajustado; f 2 = tamanho de efeito; Q² = relevância preditiva; ATT = atitudes; IPDS = intenção de permanecer em distanciamento social; NS = normas subjetivas; CCP = controle comportamental percebido.
O tamanho do coeficiente de determinação (R²) do modelo proposto é alto (R² < 0,75). As atitudes tiveram o maior tamanho de efeito, classificado como alto (f 2 = 0,48), seguido por um tamanho de efeito médio (f 2 = 0,20) do CCP e um tamanho de efeito baixo das normas subjetivas (f 2 = 0,08). A relevância preditiva (Q²) do modelo é aceitável e seu grau de precisão é forte (Q² = 0,65).
Análises Multigrupo
A análise multigrupo foi realizada com a aplicação da técnica bootstrapping com 5000 subamostras e teste de hipótese bicaudal para verificar se existem diferenças significativas entre os coeficientes de caminho (β) estimados para o modelo, considerando os grupos: a) sexo biológico, masculino (n = 774) versus feminino (n = 1342); b) início versus meio da implementação do distanciamento social (início, n = 786; meio, n = 1330); c) não permaneceu versus permaneceu em distanciamento social (não permaneceu, n = 324; permaneceu em distanciamento social, n = 1792). Os resultados obtidos via análise multigrupo são apresentados na Tabela 4.
Tabela 4: Análises Multigrupo
Grupos | Relações | B | f² | B | f² | B-diff | f²-diff |
Masculino vs. Feminino | ATT à IPDS | 0,59* | 0,45* | 0,52* | 0,43* | 0,07 | 0,02 |
NS à IPDS | 0,22* | 0,06* | 0,24* | 0,09* | -0,02 | -0,03 | |
CCP à IPDS | 0,21* | 0,20* | 0,26* | 0,21* | -0,04 | -0,01 | |
Início vs. Meio da medida de distanciamento social | ATT à IPDS | 0,68* | 0,73* | 0,53* | 0,46* | 0,13* | 0,26 |
NS à IPDS | 0,19* | 0,05* | 0,19* | 0,06* | 0 | -0,01 | |
CCP à IPDS | 0,13* | 0,08* | 0,31* | 0,35* | -0,18* | -0,27* | |
Não permaneceu vs. Permaneceu em distanciamento social | ATT à IPDS | 0,47* | 0,30* | 0,68* | 0,80* | -0,21* | -0,50* |
NS à IPDS | 0,26* | 0,08* | 0,15* | 0,04* | 0,1 | 0,04 | |
CCP à IPDS | 0,37* | 0,58* | 0,15* | 0,08* | 0,22* | 0,50* |
Nota. f 2 = tamanho de efeito; B-diff = diferença no coeficiente de caminho; f 2-diff = diferença no tamanho de efeito; ATT = atitudes; IPDS = intenção de permanecer em distanciamento social; NS = normas subjetivas; CCP = controle comportamental percebido; *p-valor < 0,05.
A análise multigrupo não revelou diferenças significativas para os coeficientes de caminho e de tamanho de efeito para os grupos masculino e feminino. Essas evidências indicam que atitudes, normas subjetivas e CCP afetam a IPDS de forma homogênea para homens e mulheres.
A análise multigrupo apresentou evidências significativas nas comparações considerando os participantes cuja amostra foi coletada no início da implementação das medidas de distanciamento social no Brasil (31/03/2020 até 06/04/2020) e após um período de 133 dias (17/08/2020 até 21/09/2020). No início da implementação do distanciamento social as atitudes destacaram-se como o principal preditor do IPDS, seguidas das normas subjetivas e do CCP. No entanto, na comparação com o segundo grupo, o tamanho do coeficiente de caminho das atitudes diminuiu, enquanto o tamanho do coeficiente de caminho e o tamanho do efeito do CCP aumentaram significativamente. As normas subjetivas não apresentaram diferenças significativas nesta comparação. Considerando apenas os casos pertencentes à segunda amostra, as evidências indicam que, ao longo do tempo, as atitudes continuam sendo o principal preditor da IPDS. Entretanto, embora não haja diferença no coeficiente de caminho das normas subjetivas, o PBC passa a apresentar maior coeficiente de caminho e tamanho de efeito, tornando-se o segundo melhor preditor de IPDS.
A comparação entre os participantes que afirmaram aderir ou não à medida de distanciamento social revelou diferenças significativas para os coeficientes de caminho e de tamanho de efeito das atitudes e do CCP. As normas subjetivas não apresentaram diferença significativa. Na amostra que afirmou permanecer em distanciamento social, as atitudes são o principal preditor da IPDS, com maior tamanho de efeito. Porém, para o grupo que afirmou não estar aderindo à medida de distanciamento social, o maior tamanho do efeito foi do CCP. Esses resultados revelam que a amostra geral da pesquisa apresenta heterogeneidade, evidente pela comparação via análise multigrupo.
Discussões
Este estudo verificou o efeito dos construtos da TCP sobre a IPDS no contexto brasileiro. As evidências obtidas confirmam a eficácia da TCP como modelo explicativo da IPDS. Em ordem de importância, as atitudes apresentam um tamanho de efeito alto, seguidas por um tamanho de efeito médio exercido pelo CCP, e um efeito baixo das normas subjetivas sobre a formação da IPDS. As evidências deste estudo somam-se à meta-análise de Fischer e Karl (2022), com 83 amostras de 31 países, e demonstram a utilidade da TCP para explicar intenções comportamentais voltadas à proteção ou mitigação da COVID-19 também no Brasil.
No presente estudo, as medidas das atitudes com relação ao distanciamento social revelam crenças favoráveis à adoção da medida, as quais estão relacionadas à percepção de que realizar o comportamento é uma escolha sensata, correta ou inteligente, e que isso faz com que as pessoas se sintam bem, seguras e tranquilas. E, ainda, quanto mais as pessoas reconhecem essas vantagens associadas à adoção do distanciamento social, maior a probabilidade de adoção da medida. Esse resultado está alinhado com outros estudos que investigaram a intenção de adotar/manter o distanciamento social (Bigot et al., 2021; Das et al., 2020; Iwaya et al., 2020; Sturman et al., 2020; Trifiletti et al., 2021; Yu et al., 2021).
As crenças comportamentais formam as atitudes, o principal preditor da IPDS. Por isso, campanhas de saúde pública dos governos municipais, estaduais e federal, bem como formuladores de políticas e tomadores de decisões - interessados em mitigar os efeitos deletérios da COVID-19 - devem levá-las em consideração. Um caminho promissor para esse fim é a divulgação de mensagens com conteúdo em prol da adoção do distanciamento, de forma massiva e sistemática, salientando sua eficácia como medida de mitigação e os benefícios associados à adoção do distanciamento social (Bigot et al., 2021; Das et al., 2020; Iwaya et al., 2020; Sumaedi et al., 2020; Zhang et al., 2020).
Com relação às análises multigrupo, o estudo revelou que as atitudes são o principal preditor para ambos os sexos (masculino e feminino) e elas apresentam tamanho de efeito ainda maior como preditora da IPDS para a amostra obtida no início das medidas de mitigação da COVID-19 no Brasil, quando comparada à segunda amostra.
Na comparação entre os grupos que relataram estar (ou não) em distanciamento social, a atitude se consolidou também como preditora de maior tamanho de efeito para aqueles que relataram estar mantendo o distanciamento social. Essas evidências indicam que as crenças associadas aos benefícios da adoção do distanciamento social são fundamentais e exercem papel importante tanto no início da implementação da medida quanto para a sua manutenção.
O conjunto de crenças que formam o CCP demonstrou um tamanho de efeito médio como preditor da IPDS. Esse resultado está alinhado às evidências de estudos anteriores voltados à predição da intenção de “stay at home” (Sumaedi et al., 2020) ou de adotar/manter o distanciamento social (Das et al., 2020; Hagger et al., 2020; Iwaya et al., 2020; Sturman et al., 2020; Trifiletti et al., 2021; Yu et al., 2021). A análise multigrupo revelou que o CCP passou a exercer maior tamanho de efeito como preditor da IPDS para a amostra obtida após 19 semanas do início da implementação das medidas de mitigação, alterando seu tamanho de efeito de baixo (f 2 = 0, 08) para alto (f 2 = 0,35) entre os grupos.
Essas evidências contradizem os resultados da meta-análise de Fischer e Karl (2022), onde os autores relatam que o efeito do CCP sobre as “intenções de prevenir ou mitigar o COVID-19” diminui ao longo do tempo. As evidências da presente pesquisa demonstram que no contexto brasileiro as crenças relacionadas aos fatores facilitadores ou impeditivos associadas à manutenção do distanciamento social aumentam seu tamanho de efeito sobre a IPDS ao longo do tempo, sendo essa diferença estatisticamente significativa (f 2 =-0,27, p < 0,05).
Para o grupo que relatou não estar adotando o distanciamento social, o CCP é o preditor com maior tamanho de efeito (f 2 = 0,58) sobre a IPDS, ultrapassando o tamanho de efeito das atitudes (f 2 = 0,30). Na comparação com o grupo que relatou estar cumprindo a medida de distanciamento social, o CCP diminui seu tamanho de efeito (f 2 = 0,08) frente às atitudes (f 2 = 0,80), que novamente passam a assumir o papel de destaque. Essas evidências do contexto brasileiro indicam que o CCP assume maior relevância como preditor da IPDS ao longo do tempo e se configura como o principal preditor para o grupo de pessoas que não estão aderindo à medida de distanciamento social.
Os indicadores de mensuração do CCP representam crenças genéricas associadas à percepção de autoeficácia e à questão financeira. Campanhas de saúde pública e estratégias para aumentar a percepção de controle individual sobre a possibilidade de se manter em distanciamento social podem ser efetivas e devem ser consideradas por formuladores de políticas públicas e tomadores de decisão (Hagger et al., 2020; Lin et al., 2020; Trifiletti et al., 2021; Zhang et al., 2020). Nesse sentido, o mapeamento dos fatores facilitadores e dos obstáculos efetivamente relacionados com o desempenho do comportamento de distanciamento social deve ser inicialmente considerado, com a identificação das principais barreiras que impedem a adoção do comportamento pelos cidadãos (Sumaedi et al., 2020).
Um caminho promissor para a promoção da percepção de autoeficácia é a utilização de estratégias de treinamento, onde o desempenho do comportamento seja feito via demonstração, modelagem e feedback positivo, fornecendo oportunidades consistentes e contextos regulares e estáveis. Além disso, ações devem ser feitas para que os ambientes (ex. transporte público, comércio, local de trabalho) estejam livres de barreiras, favorecendo a adoção do distanciamento social (Hagger et al., 2020; Lin et al., 2020; Trifiletti et al., 2021; Zhang et al., 2020).
As normas subjetivas também têm influência significativa sobre a IPDS, com um tamanho de efeito baixo e constante nas análises multigrupo. Os indicadores utilizados por essa pesquisa referem-se a percepções genéricas relativas à pressão social exercida pelos pares sobre a pessoa para o desempenho do comportamento. Considerando-se esse resultado, campanhas de saúde pública devem identificar quem são as figuras-chave associadas à adoção do distanciamento social em um determinado contexto (ex. familiares, governantes, líderes, chefes) e orientá-los a comunicar mensagens e a realizar comportamentos condizentes com a adoção das medidas de prevenção da COVID-19 (Bigot et al., 2021; Farias & Pilati, 2021; Sumaedi et al., 2020; Van Bavel et al., 2020; Zhang et al., 2020).
Conclusões
Em termos teóricos, as evidências deste estudo demonstram que as atitudes, as normas subjetivas e o CCP exercem efeitos sobre a IPDS e contribuem para a consolidação da TCP como um modelo teórico robusto para a explicação da intenção de permanecer em distanciamento social, considerando o contexto brasileiro. Esses conjuntos de crenças são formados ao longo da trajetória de um indivíduo de acordo com as informações que ele obtém acerca do comportamento e de suas experiências. No Brasil, a população tem recebido informações desarticuladas e contraditórias com relação à pandemia advindas do governo federal e vivenciado uma ausência de campanhas de saúde pública com mensagens efetivas para promoção do distanciamento social (Castro et al., 2021).
Em termos práticos, os resultados do estudo podem fornecer subsídios para o desenvolvimento de campanhas de saúde pública e de ações educativas voltadas à promoção do distanciamento social no Brasil. Mensagens com conteúdos de apelo relacionado à eficácia protetiva e de bem-estar associadas à adoção do distanciamento social, bem como apelos normativos, se consolidam como estratégias viáveis para orientar tais campanhas. Conteúdos educativos que demonstrem como os indivíduos devem se comportar com vistas ao alcance e a manutenção do distanciamento social e a disposição de ambientes favoráveis para que o comportamento ocorra também são considerados fatores determinantes.
Allcott et al. (2020), Ajzenman et al. (2020) e Farias e Pilati (2021) demonstraram que o construto partidarismo político influencia a intenção de violar o distanciamento social no contexto brasileiro. Assim, o partidarismo político é um construto importante a ser considerado por estudos futuros.
Como todo estudo, essa investigação também possui algumas limitações. O delineamento de levantamento e a utilização de medidas de autorrelato são limitações intrínsecas a esse tipo de pesquisa. O alcance da pesquisa é correlacional, então não é possível afirmar que as evidências encontradas possibilitem a sustentação de relações de causalidade. Além disso, a amostragem por conveniência impede a generalização dos dados. Assim, sugere-se a realização de estudos longitudinais e experimentais para alcance de evidências de causalidade. A utilização de medidas do comportamento e de uma abordagem amostral aleatória (ou aleatória estratificada) devem ser consideradas por estudos futuros.
Como essa pesquisa avaliou exclusivamente os construtos que compõem o modelo da TCP, Ajzen (1991) recomenda que construtos adicionais sejam inseridos ao modelo, considerando as peculiaridades relativas ao comportamento (objeto de estudo).
Estudos futuros ainda podem considerar monitorar as variações do tamanho de efeito dos construtos da TCP na população ao longo do tempo, via delineamentos transversais, cross-cultural e/ou com análises de séries temporais. Para a criação de programas de promoção do distanciamento social baseados em evidências e avaliação de intervenções voltadas a esse comportamento, sugere-se a realização de ensaios clínicos randomizados. Agendas de pesquisa e estudos futuros também podem considerar utilizar perspectivas paradigmáticas não ortodoxas (ex. humanista radical, interpretativista, estruturalista radical) (Burrell & Morgan, 1979) e abordagens multi e interparadigmáticas (Lewis & Grimes, 2005) com o objetivo de ampliar a compreensão do fenômeno do distanciamento social no Brasil.