As temáticas do trabalho e da saúde do trabalhador têm gerado interesse e investimentos cada vez maiores, visto que os recursos humanos são forças produtivas que agregam valor, crescimento e desenvolvimento nas organizações. O trabalho, além de ser buscado como a fonte da subsistência e satisfação das necessidades, é almejado como o exercício que valoriza e reconhece o trabalhador; torna-se objetivo crucial o trabalho que tem significado e seja fonte de prazer e realização (Santos et al., 2019). Considerando a centralidade do trabalho na vida das pessoas e o impacto que ele tem no bem-estar, compreender as relações que os indivíduos estabelecem com o seu trabalho é essencial.
Especificamente, o bem-estar laboral refere-se à prevalência das emoções positivas no trabalho e da percepção do indivíduo de que no seu trabalho pode se expressar e desenvolver suas habilidades/potencialidades (Paschoal & Tamayo, 2008), atingindo o florescimento. Na presente pesquisa, o construto de bem-estar foi operacionalizado por meio do florescimento laboral. Na botânica florescer significa desabrochar, aflorar, desenvolver. No contexto de trabalho, refere-se a um cenário de prosperidade e estado progressivo de desenvolvimento, satisfação e bem-estar (Mendonça et al., 2014), resultante de experiências positivas e manejo adequado de fatores associados no âmbito laboral (Rautenbach, 2015).
A análise da percepção de bem-estar neste contexto é subjetiva e particular, e envolve tanto fatores individuais quanto ambientais (Pinheiro et al., 2020). Atualmente, os estudos se dedicam a verificar os mecanismos subjacentes ou variáveis que possam atuar como antecedentes ou facilitadores para a promoção do bem-estar laboral, sendo que o presente estudo tem como objetivo verificar o papel do capital psicológico, do engajamento e da satisfação com o trabalho para a predição do florescimento no trabalho remoto durante a pandemia da Covid-19 causada pelo vírus SARS-CoV-2 (Costa, 2020; Demerouti & Bakker, 2022).
Antecedentes do Florescimento no Trabalho
Embora muitas abordagens teóricas venham sendo discutidas para explanar os mecanismos subjacentes ao florescimento, o modelo de demandas e recursos (JD-R) (Bakker & Demerouti, 2017) foi o que alcançou mais solidez (Magnan et al., 2016). Tal modelo se concentra em aspectos físicos, sociais, psicológicos e organizacionais que podem auxiliar os trabalhadores na busca por seus objetivos no trabalho (recursos), bem como nos esforços empreendidos (demandas) para a conclusão de tarefas (Chidambaram et al., 2022). Os recursos se configuram como um processo que leva os trabalhadores a vivenciarem estados de bem-estar, e as demandas crônicas levam ao esgotamento físico e mental dos funcionários (Mercali & Costa, 2019).
Ademais, tal modelo é fundamental de se ter em conta considerando o contexto da Covid-19, crise que impôs, e aumentou, uma série de demandas ao trabalho de muitas categoriais (Demerouti & Bakker, 2022), acentuando ainda mais a importância de explorar as variáveis associadas ao florescimento durante o trabalho remoto.
Nesse contexto, os recursos individuais podem contribuir para um maior envolvimento do indivíduo ao trabalho, permitindo se engajar mais nas atividades e consequentemente vivenciar maiores níveis de florescimento. Nesta direção, cabe destacar o conceito de capital psicológico (i.e., autoeficácia, otimismo, esperança e resiliência) podendo atuar como fator de proteção frente às adversidades, e aparece relacionado à satisfação no trabalho (Salessi & Omar, 2017). Este recurso diz respeito ao potencial do trabalhador e ao que ele poderá desenvolver no futuro, garantindo-se benefícios para a organização.
O conceito de capital psicológico (PSYCAP) é embasado pela teoria do Comportamento Organizacional Positivo (POB) (Luthans, 2002). Refere-se a um estado psicológico positivo que se caracteriza por ter confiança de realizar uma tarefa (autoeficácia), a partir de uma avaliação positiva sobre realizá-la com sucesso (otimismo), traçando metas para cumprir seus objetivos (esperança) e perseverando no caminho traçado, apesar das dificuldades encontradas (resiliência) (Luthans et al., 2007).
O capital psicológico vem sendo considerado um importante recurso estratégico que garante competitividade às organizações, tendo grande impacto nos estudos sobre desenvolvimento humano e na forma como influencia o bem-estar no trabalho (Tayseer et al., 2021). A propósito, evidências empíricas indicam o papel que o capital psicológico tem para a percepção de bem-estar no trabalho (Tayseer et al., 2021). Portanto, observa-se que o incentivo ao desenvolvimento deste recurso reflete ganhos em nível individual, aumentando a qualidade de vida e o nível de satisfação ao desenvolver as atividades laborais, e em nível organizacional, traz melhorias no desempenho, reduz o absenteísmo e rotatividade e fortalece o comprometimento e o engajamento no trabalho (Pinto, 2017).
O capital psicológico pode contribuir para o estado de florescimento, não obstante, outras variáveis também podem influenciar o nível de florescimento no trabalho, como pode ser o engajamento, variável que tem o papel mediador dentro do modelo JD-R (Vasquez et al., 2019). Esta variável revela como os trabalhadores percebem e vivenciam o seu trabalho como algo estimulante para o qual querem dedicar tempo e serviço (vigor), em uma busca significativa e prazerosa em que se identifica (dedicação) e tão concentrado que se mantém na atividade e não percebe o tempo exaurido (absorção) (Santos et al., 2019). Um indivíduo engajado no trabalho é alguém orientado para a sua atividade, absorvido física e psicologicamente, estando associado a níveis maiores de bem-estar no trabalho (Bakker et al., 2014).
Trabalhadores com alto grau de engajamento frequentemente empregam mais energia em suas tarefas, aparentam mais entusiasmo e envolvimento e, ainda, se mantêm focados na atividade (Bakker et al., 2011). Devido à relevância do tema, as pesquisas têm buscado identificar fatores influenciadores, fortalecedores do engajamento, abrangendo desde recursos internos ao indivíduo até os aspectos externos, relativos aos contextos organizacionais e de trabalho (Porto et al., 2019). Logo, o capital psicológico é um recurso interno que prediz o engajamento no trabalho, e este, dado a sua natureza mediadora, seria uma ponte entre o capital psicológico e o florescimento. Em outras palavras, os recursos psicológicos podem potencializar o engajamento no trabalho, e traduzem-se em maior bem-estar e satisfação para os trabalhadores (Bakker & Demerouti, 2017; Omar, 2015).
No entanto, os fatores individuais não são os únicos facilitadores, a realidade e o contexto sociocultural inseridos não são estáticos e influenciam sobremaneira no florescimento. A situação de pandemia de Covid-19 merece destaque, visto que gerou impactos na vida das pessoas e transformações socioeconômicas, sanitárias, políticas e no mundo do trabalho (Costa, 2020; Demerouti & Bakker, 2022).
A adoção do distanciamento social como medida protetiva para evitar o crescimento exponencial de pessoas infectadas acelerou as transformações no mundo do trabalho, bem como impôs uma mudança nas Instituições de Ensino Superior (Gusso et al., 2020). Tal mudança brusca exigiu uma adaptação e o domínio de novas estratégias e metodologias de trabalho, sendo que isso requer tempo e adaptação, apesar do caráter de imediatismo instaurado pela pandemia, impactando na percepção de satisfação neste novo contexto de trabalho (Monteiro & Souza, 2020). Ademais, muitas pessoas não têm a estrutura física necessária para trabalhar em modo home office, devendo lidar com as demandas de trabalho em um novo formato, além do medo e insegurança gerados pela pandemia.
A partir do previamente comentado, torna-se importante discutir fatores que pudessem contribuir e facilitar o desenvolvimento das atividades neste novo formato (Rudolph et al., 2021). Ademais, tendo em vista o papel do capital psicológico como um recurso individual dentro do modelo JD-R que influencia diretamente a percepção de demandas no trabalho (Grover et al., 2018), estima-se que este possa auxiliar na compreensão das demandas que a pandemia impôs ao trabalho das pessoas (i.e., percepção de satisfação com as condições de trabalho em casa e em comparação ao regime ao presencial), impactando no florescimento.
Diante do exposto, o objetivo principal deste estudo foi testar um modelo hipotético de pesquisa que enfatizasse a relação entre capital psicológico e florescimento, sendo tal relação mediada pelo engajamento e percepção de satisfação no trabalho remoto emergencial. A partir do previamente comentado, verifica-se que o capital psicológico é um recurso que facilita a canalização de vigor, dedicação e absorção no trabalho, além de ser um fator que influencia na percepção de demandas crônicas no contexto do trabalho, o que possibilita maior vivência de bem-estar (Gupta & Shaheen, 2018). Em suma, considerando os estudos e pressupostos teóricos apresentados, tiveram-se em conta as seguintes hipóteses:
H1 - O capital psicológico está positivamente relacionado ao florescimento;
H2 - O capital psicológico está positivamente relacionado ao engajamento;
H3 - O capital psicológico está positivamente relacionado à satisfação no trabalho remoto emergencial;
H4 - O engajamento está positivamente relacionado ao florescimento;
H5 - A satisfação no trabalho remoto emergencial está positivamente relacionada ao florescimento;
H6 - A relação entre capital psicológico e florescimento é mediada pelo engajamento e pela satisfação no trabalho remoto emergencial.
Método
Participantes
Participaram 249 (Midade = 42,02; DPidade = 8,80) servidores públicos federais ativos de uma Instituição de Ensino Superior, sendo em maioria do sexo feminino (50,8%), casados (58,2%), brancos (44,4%), com nível educacional de mestrado (41,6%), que afirmaram ter filhos (61,1%) e com renda familiar acima de 10 salários-mínimos (52,0%). Em relação às características profissionais, a maioria fazia parte da categoria docente (55,6%), tendo de 11 a 15 anos de tempo de serviço (34,9%), que não ocupava nenhuma função gratificada (68,3%).
Utilizou-se a calculadora on-line de Daniel Soper (2023) para estimar o número mínimo da amostra necessária para testar o modelo via Modelagem por Equações Estruturais. No caso, considerando que o modelo possui quatro variáveis latentes e 17 variáveis observadas, estimou-se o número mínimo de participantes para se obter um poder de 0,80, um tamanho de efeito grande (> 0,5) e um alfa igual ou menor do que 0,05. Os resultados indicaram que o mínimo de amostra recomendada seria de 91 participantes.
Instrumentos
Versão Curta da Escala Utrecht de Engajamento no Trabalho
Esta medida foi proposta por Schaufeli e Bakker (2004) e adaptada para o contexto brasileiro por Magnan et al (2016). É composta por nove itens que se distribuem em três fatores, sendo que os participantes devem indicar com que frequência (0 - Nunca; 6 - Sempre) experimentam determinadas situações enquanto estão trabalhando, a exemplo de “Em meu trabalho sinto-me pleno de energia” (Vigor), “Meu trabalho me inspira” (Dedicação) e “Estou imerso no meu trabalho” (Concentração).
Versão Reduzida do Questionário de Capital Psicológico
Instrumento proposto por Luthans et al. (2007) e adaptado para o contexto brasileiro por Ferreira et al. (2013). Esta medida é composta por 12 itens e respondida em escala de seis pontos (1 - Discordo totalmente; 6 - Concordo totalmente), avaliando quatro dimensões: Autoeficácia (e.g.: “Sinto confiança a representar a minha área de trabalho em reuniões com a gestão”), Otimismo (e.g.: “Vejo sempre o lado bom das coisas com o meu trabalho”), Esperança (e.g.: “Consigo pensar em muitas formas de alcançar os meus objetivos de trabalho atuais”) e Resiliência (e.g.: “Consigo lidar com situações difíceis no trabalho porque já passei por dificuldades antes”).
Escala de Florescimento no Trabalho
Medida elaborada por Diener et al. (2010) e adaptada para o Brasil por Mendonça et al. (2014), formada por oito itens que se distribuem em um fator geral. Os respondentes são orientados a indicar o seu grau de concordância (1 - Discordo Fortemente; 7 - Concordo Fortemente) a itens como “O meu trabalho contribui para que eu leve uma vida de propósito e significado” e “Em meu trabalho, as pessoas me respeitam”.
Por fim, os participantes responderam questões sociodemográficas para a caracterização da amostra (e.g., escolaridade, idade, sexo), além de dois itens desenvolvidos para aferir a satisfação dos participantes com o trabalho remoto “Qual o seu nível de satisfação com suas condições atuais de trabalho remoto?” e “Em comparação ao trabalho presencial realizado antes da pandemia, como você se sente hoje com o trabalho remoto”, sendo ambas respondidas em escala de cinco pontos (1 - Muito Insatisfeito; 5 - Muito Satisfeito).
Procedimento
Os dados foram coletados a partir de um questionário on-line via plataforma Google Forms®, divulgado no e-mail institucional dos participantes no primeiro semestre de 2021. Na primeira página constava a apresentação do estudo, o Consentimento Livre e Esclarecido (CLE), sendo indicado o caráter anônimo e voluntário da participação. Nesta direção, o presente atendeu a todos os critérios éticos estabelecidos nas Resoluções do CNS (Resoluções nº 510/2016 e nº 466/2012) e foi aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos (nº CAAE 40510820.5.0000.5690).
Análise de Dados
Os dados foram analisados por meio dos softwares SPSS e R. Com o primeiro, foram calculadas estatísticas descritivas (caracterização da amostra) e análise de correlação de Spearman (conhecer o padrão de associações entre as variáveis). Com o segundo, utilizando o pacote lavaan (Rosseel, 2012), foi realizada uma Modelagem por Equações Estruturais (estimador Weighted Least Square Mean and Variance Adjusted; WLSMV) para testar o modelo hipotético, no qual o capital psicológico prediz o florescimento, mediado por engajamento e satisfação com o trabalho remoto. Para avaliar o ajuste global do modelo, levou-se em conta os seguintes indicadores de ajuste (entre parênteses valores para um modelo aceitável): χ²/gl (1 a 3), o Comparative Fit Index (CFI > 0,90), o Tucker-Lewis Index (TLI > 0,90), o Root Mean Square Error of Aproximation (RMSEA < 0,10) (Browne & Cudeck, 1993; Kline, 2015; Lemke, 2005).
Resultados
O passo inicial foi verificar o padrão geral de relações entre as variáveis do estudo (Tabela 1). Concretamente, verificou-se que o florescimento, variável dependente, se associou de forma positiva e significativa com o capital psicológico e suas dimensões específicas, com o engajamento e seus três fatores e com a satisfação com o trabalho remoto.
Tabela 1: Padrão de Correlações entre as Variáveis do Estudo (n = 249)
Média | DP | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | |
Florescimento | 5,15 | 0,93 | - | |||||||||
Engajamento | 3,92 | 1,21 | 0,70** | - | ||||||||
Vigor | 3,79 | 1,27 | 0,61** | 0,91** | - | |||||||
Dedicação | 3,94 | 1,45 | 0,67** | 0,95** | 0,84** | - | ||||||
Concentração | 4,04 | 1,24 | 0,62** | 0,85** | 0,64** | 0,74** | - | |||||
Capital psicológico | 4,34 | 0,75 | 0,67** | 0,63** | 0,56** | 0,60** | 0,58** | - | ||||
Autoeficácia | 4,60 | 1,17 | 0,55** | 0,51** | 0,45** | 0,48** | 0,46** | 0,79** | - | |||
Esperança | 4,57 | 0,86 | 0,63** | 0,65** | 0,58** | 0,59** | 0,63** | 0,82** | 0,58** | - | ||
Resiliência | 3,81 | 0,89 | 0,26** | 0,28** | 0,24** | 0,25** | 0,29** | 0,58** | 0,28** | 0,33* | - | |
Otimismo | 4,28 | 1,15 | 0,60** | 0,48** | 0,41** | 0,51** | 0,41** | 0,72** | 0,42** | 0,51* | 0,29** | - |
Satisfação no trabalho remoto | 3,20 | 1,20 | 0,23** | 0,14* | 0,20** | 0,12 | 0,07 | 0,27** | 0,22** | 0,27* | 0,08 |
Notas. teste bicaudal;** p ≤ 0,01; * p ≤ 0,05. Fonte: Dados da pesquisa, 2021.
Conhecido o padrão geral de relações entre as variáveis, o passo seguinte foi testar o modelo causal (Figura 1). Para tanto, foram modeladas quatro variáveis latentes: capital psicológico (formada por quatro indicadores manifestos), engajamento (formada por três indicadores), satisfação com o trabalho (formada por dois indicadores) e florescimento (formada por oito indicadores). Inicialmente, verificaram-se efeitos diretos do capital psicológico no florescimento (λ = 0,89, p < 0,01). Em seguida, testou-se o modelo de mediação, tendo o engajamento e a satisfação com o trabalho como mediadores do efeito direto anteriormente indicado.

Figura 1: Resultados do Teste do Modelo Hipotético de Pesquisa. Nota. A seta tracejada representa caminho não significativo; F1, F2, F3, F4, F5, F6, F7, F8 correspondem aos itens da escala de Florescimento (Mendonça et al., 2014) na ordem como são apresentados na escala. Fonte: Dados da pesquisa (2021).
De acordo com o modelo testado, observaram-se efeitos indiretos do capital psicológico no florescimento (λ = 0,24, p < 0,01). Contudo, tal mediação é parcial, de modo que os efeitos diretos do capital psicológico no florescimento permaneceram estatisticamente significativos (λ = 0,59, p < 0,01). Ademais, cabe ressaltar que o engajamento mediou as relações prévias, de modo que predisse o florescimento (λ = 0,33, p < 0,01), ao passo que a satisfação não o fez (λ = 0,05, p > 0,05). Finalmente, os indicadores de ajuste do modelo aos dados dão suporte para o modelo testado (χ²/gl = 1,30; TLI = 0,96; CFI = 0,97; RMSEA = 0,035).
Discussão
As emoções positivas são capazes de ampliar os pensamentos e o repertório de comportamentos, contribuindo para a construção de recursos pessoais duradouros, em uma espiral ascendente de crescimento e prosperidade. Os resultados evidenciaram que as variáveis engajamento no trabalho, capital psicológico e florescimento no trabalho se correlacionam de forma positiva e significativa. A associação dos construtos pode ser justificada pelo fato de o conceito do florescimento incluir o conjunto de atividades que contribuem para um alto nível de bem-estar, abrangendo emoções positivas, relacionamento, significado e realização (Bedin & Zamarchi, 2019).
O estudo confirmou que o capital psicológico facilita a canalização de vigor, dedicação e absorção no trabalho, promovendo emoções positivas, que por sua vez, possibilitam uma maior vivência de bem-estar (Gupta & Shaheen, 2018), apoiando a ideia da hipótese 1. Por conseguinte, o desenvolvimento de recursos pessoais podem ser fatores de proteção diante de situações adversas, como a pandemia de Covid-19 e, apesar dos desafios impostos, pode vir a desencadear satisfação na realização de atividades no trabalho remoto.
Estes achados vão na mesma direção daqueles encontrados com trabalhadores na cidade de Amã, na Jordânia, que revelaram correlação positiva e o impacto do capital psicológico na percepção de bem-estar (Tayseer et al., 2021). O florescimento foi mensurado para operacionalizar o bem-estar psicológico, o qual envolve vivenciar alto grau de otimismo, um bom relacionamento consigo mesmo e visualiza uma perspectiva profissional positiva (Mendonça et al., 2014).
Os recursos psicológicos podem potencializar o engajamento no trabalho, e traduzem-se em maior bem-estar para os trabalhadores (Bakker & Demerouti, 2017; Omar, 2015). A análise dos resultados de um estudo realizados com profissionais de saúde na Índia (Gupta & Shaheen, 2018) indica que os sentimentos positivos e emoções positivas aumentavam os recursos pessoais (esperança, autoeficácia, otimismo e resiliência) dos funcionários mais engajados. Logo, os recursos pessoais são capazes de auxiliar os trabalhadores a lidar com as demandas de trabalho e mantê-los positivos, motivados e satisfeitos. O presente estudo confirmou que o capital psicológico facilita a canalização de vigor, dedicação e absorção no trabalho, promovendo emoções positivas, o qual apoia a hipótese 2, que por sua vez aumentam o repertório de pensamentos e comportamentos positivos e possibilitam uma maior vivência de bem-estar.
Pesquisas recentes apontam que funcionários engajados são mais propensos a encarar desafios diários com assertividade e são resistentes a estressores, pressões e adversidades do ambiente de trabalho ao mesmo tempo em que continuam focados em suas tarefas (Dalanhol et al., 2017). Os recursos pessoais relacionam-se à sensibilidade e à força do indivíduo de controlar seu ambiente de trabalho, atuando como moderadores do impacto das demandas no desempenho dos trabalhadores.
Se o trabalhador apresenta capital psicológico desenvolvido, percebe a organização de forma mais positiva, experimenta mais emoções positivas, se engaja mais nas atividades realizadas, possibilitando florescer no trabalho. Neste estudo, foi possível observar, a partir das correlações apresentadas, que o capital psicológico atuou como fator protetivo diante da nova situação emergencial de Covid-19, e que, apesar das adversidades impostas pela referida pandemia, os trabalhadores conseguiram se manter engajados, vivenciaram satisfação no trabalho remoto emergencial, apoiando a hipótese 3.
A relação positiva entre o engajamento e o florescimento, descrita pela hipótese 4, também recebeu suporte no presente estudo. De fato, a literatura indica que pessoas engajadas no trabalho são mais orientadas para a sua atividade, absorvidos física e psicologicamente, empregando mais energia em suas tarefas, exercendo-as com mais entusiasmo e envolvimento, resultando em maiores níveis de bem-estar no trabalho (Bakker et al., 2014).
A análise dos dados da Tabela 1 permite inferir que o trabalhador que se envolve de forma positiva com a tarefa e encontra sentido no que realiza, acredita que pode cumprir seus objetivos e que, apesar das dificuldades que podem ocorrer, tempos melhores virão. A pessoa engajada se vincula à sua atividade laboral com elevados sentimentos positivos de inspiração, bem-estar e prazer autêntico, pois acredita no que desenvolve e realiza profissionalmente (Schaufeli, 2014).
A satisfação com o trabalho remoto apresentou correlação positiva com o florescimento, o que apoia a ideia apresentada na hipótese 5. Quando o trabalhador confia e se dedica àquilo que realiza, pode vivenciar emoções positivas que levam a uma maior satisfação no trabalho e, consequentemente, apresenta maiores níveis de bem-estar psicológico e realização profissional, propiciando florescer no ambiente de trabalho (Mendonça et al., 2014). A capacidade de florescer no trabalho remete a uma maior percepção de afetos positivos e culmina em maior satisfação nesse ambiente, mesmo em condições adversas como a pandemia.
A análise de mediação possibilitou demonstrar que o engajamento medeia, parcialmente, as relações entre capital psicológico e o florescimento, sustentando a hipótese 6 deste estudo. A propósito, o modelo se mostrou plausível, com indicadores de ajuste que atestam a sua adequação (Kline, 2015). Nesta direção, observa-se sustentação para a ideia de que o engajamento tem um papel de mediação dentro do modelo JD-R, ligando os recursos pessoais ao bem-estar (Vazquez et al., 2019).
O modelo sugere que o engajamento e o bem-estar psicológico podem ser fomentados por meio de intervenções e ações diretivas, em nível individual e/ou organizacional, que incentivem os indivíduos a otimizarem seus recursos que influenciam e auxiliarão na percepção de realização e satisfação no trabalho (Santos et al., 2019). Além disso, a satisfação avaliada refere-se ao contexto provisório e emergencial da pandemia de Covid-19, configurando apenas uma modalidade de trabalho alternativa neste contexto, e avaliada como aspecto qualitativo do modelo de pesquisa.
Com o novo arranjo de trabalho sendo instaurado, em sua maioria de forma compulsória e inesperada, os trabalhadores tiveram que se adaptar e adaptar sua casa, local de descanso, para ser seu novo espaço de trabalho. Somam-se a isso, outros aspectos oriundos desse novo arranjo, que são a dificuldade de equilíbrio com demandas domésticas, ausência de familiaridade com as ferramentas tecnológicas, gestão das horas de trabalho e descanso, falta de condições físicas adequadas para a realização do trabalho, entre tantos outros. Todos estes fatores podem ter impactado nos resultados da pesquisa, sendo importante a consideração de uma análise mais individualizada e detalhada das condições contextuais e socioambientais dos participantes.
Por fim, percebeu-se que os itens avaliados sugerem uma análise pessoal, obtida através da autopercepção do trabalhador ao responder o nosso questionário de pesquisa. Para novos estudos poderia ser verificado quais as variáveis ou fatores que abrangeram a satisfação em desenvolver suas atividades neste novo formato e como puderam florescer no trabalho, apesar das condições e desafios impostos pela pandemia.
Considera-se que a vida no trabalho tem um impacto relevante, em se tratando do bem-estar que ela traz à vida do profissional. A partir destes achados, o estudo faz uma provocação às relações estabelecidas no ambiente de trabalho, mobilizando para refletir sobre os comportamentos que geram não só emoções positivas, mas envolvimento e relacionamentos prósperos, fortalecendo o ser humano, mesmo nos desafios conflituosos no decorrer da vida organizacional.
A presente pesquisa visa enriquecer os estudos sobre as temáticas (engajamento, capital psicológico e florescimento), conceitos pouco estudados no contexto de pesquisas brasileiras. O objetivo principal foi atendido testando-se um modelo hipotético de pesquisa que revelou uma relação positiva e significativa entre capital psicológico e florescimento. Além disso, busca explorar a força dos recursos individuais mensurados pelo capital psicológico diante de demandas estressantes e desafiadoras, ampliando o modelo de demandas e recursos na situação de pandemia.
Apesar dos avanços nas investigações nessa área, a pesquisa ainda precisa de um escopo mais amplo. Reconhecer as potencialidades e forças dos recursos humanos e daqueles que se dedicam, que trabalham com vigor e inspiração, é frutífero não apenas para quem vivencia, mas também para a organização como um todo.
As limitações da presente pesquisa incluem o uso de questionário autorrelatado, contendo dados que são suscetíveis à desejabilidade social nas respostas. Além disso, o presente estudo foi realizado com servidores da região metropolitana de uma capital da região Centro-Oeste brasileira, não sendo possível, portanto, generalizar as descobertas para a organização como um todo. Ademais, a técnica de amostragem não probabilística utilizada para convidar os servidores para participarem da pesquisa, teria um impacto sobre a generalização das descobertas das influências das variáveis sobre o florescimento no trabalho. Outra limitação que destacamos envolve o delineamento de corte transversal e correlacional, o que não permite assegurar a relação de causalidade das variáveis estudadas em momentos temporais distintos.
Ademais, a falta de variáveis contextuais pode limitar a compreensão do estudo, atribuindo-se mais responsabilidades ao trabalhador. De fato, é importante considerar o conjunto de variáveis ambientais, físicas, interpessoais e ergonômicas que influenciam no comportamento produtivo e que podem fortalecer ou enfraquecer as potencialidades dos trabalhadores.
Para estudos futuros sugere-se o desenvolvimento de pesquisas longitudinais para melhor compreensão do florescimento no trabalho e as demais variáveis estudadas que possam, assim, trazer importantes contribuições complementares ao estudo. Recomenda-se que estudos futuros dessa natureza alcancem uma amplitude maior, abrangendo outras bases de dados. Considera-se, também, que novos estudos empíricos relacionados aos temas sejam realizados, com o intuito de ampliar a compreensão a respeito das transformações e promoção de ações positivas e salutares nas instituições.
O mapeamento do capital psicológico pode ser usado como uma ferramenta de diagnóstico para descobrir se tal recurso do trabalho pode indicar processos de saúde e auxiliar na percepção de bem-estar nos espaços de trabalho. Ademais, estratégias organizacionais adotadas como melhoria das condições de trabalho, aumento de ações de valorização e reconhecimento, suporte organizacional, incentivo a comportamentos engajadores e aprendizagem de forças protetivas podem auxiliar no desempenho de atividades em situações adversas.
Florescer no trabalho envolve a capacidade de sentir-se feliz, confiante e produtivo naquilo que realiza, experimentando elevados sentimentos de prazer e bem-estar. O estudo contribuiu ao revelar a força de características individuais mensuradas pelo capital psicológico, variável mais estável e individual, no processo de florescimento e percepção de bem-estar. A maioria dos estudos que englobam o modelo JD-R enfatizam as variáveis e contextos socioambientais, focalizando as demandas e recursos externos, ao passo que esta pesquisa traz como ganho o foco nos recursos internos.
Os resultados poderão enriquecer as pesquisas no cenário de Covid-19 e colaborar na elaboração de ações e programas que visem à percepção de práticas saudáveis e de bem-estar no trabalho. Vale ressaltar que a psicologia positiva não desconsidera o adoecimento ou as dificuldades, mas tenta focar nas potencialidades, recursos e forças, demonstrando fatores que promovem qualidade de vida, satisfação, felicidade (Silva & Boehs, 2017). O objetivo dessa ciência não é retratar apenas aspectos positivos, mas também mostrar a possibilidade de se ter uma ciência, uma teoria, estudos e pesquisas que abranjam e mensuram comportamentos positivos no ambiente de trabalho (Bedin & Zamarchi, 2019).