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Temas em Psicologia
versión impresa ISSN 1413-389X
Temas psicol. vol.2 no.2 Ribeirão Preto ago. 1994
DESENVOLVIMENTO
Zona de desenvolvimento proximal: análise teórica de um conceito em algumas situações variadas(1)
Andréa Vieira Zanella2
Universidade Federal de Santa Catarina
O presente trabalho, de cunho eminentemente teórico, propõe-se a analisar a contribuição de quatro estudos (dois na literatura nacional e dois na literatura estrangeira) que tratam do conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), com o objetivo de se esboçar uma definição deste de forma mais adequada à sua complexidade, notadamente para a situação escolar.
Cabe mencionar que a opção por um trabalho de cunho teórico decorreu da necessidade de investigar a produção científica sobre o tema em questão. A literatura disponível indica, na verdade, um interesse empírico crescente, por parte de muitos pesquisadores, sobre a ZDP. No entanto, o fato de não se dispor, na literatura brasileira, de uma revisão teórica e interpretativa do referido conceito dificulta, ainda mais, a compreensão e as possibilidades de uso desse conceito em contextos variados.
A RELAÇÃO DESENVOLVIMENTO/APRENDIZAGEM E O CONCEITO DE ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL: BREVE RESGATE HISTÓRICO
Sem sombra de dúvidas, uma das maiores contribuições do soviético Lev Semionovitch Vygotsky (1896-1924) para a Psicologia e a Educação consiste na forma original com que compreendeu a relação desenvolvimento/aprendizagem e a criação do conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal. Sua matriz epistemológica básica, o materialismo histórico e dialético, considera que, ao produzir o meio em que vive, o homem se produz; ou seja, o homem é determinado historicamente mas é, simultaneamente, determinante da história. Neste sentido, Vygotsky considera que o desenvolvimento e a aprendizagem interrelacionam-se desde o nascimento da criança, isto é, a constituição do sujeito é um movimento dialético entre aprendizagem e desenvolvimento.
Tal proposição colocava-se na contramão em relação às concepções vigentes na época: ambientalistas, que por não conseguirem estudar objetivamente a consciência, atribuíam um peso excessivo às determinações do meio no desenvolvimento do indivíduo; e inatistas, que consideravam a influência do meio como exercendo um papel secundário, visto que a maturação seria o motor da constituição humana.
A postura sócio-interacionista contrapõe-se às concepções acima, pois entende que
"... o desenvolvimento ontogenético do organismo, que se realiza num - processo de inter-relações com o meio, é, afinal, a realização das suas propriedades específicas... Razão porque... um estudo da interação do meio exterior e dos organismos que não leve em conta a própria natureza destes organismos, é uma abstração absolutamente ilegítima" (Leontiév, 1978, p . 159).
Para especificar melhor a inter-relação instrução/desenvolvimento e a importância das conquistas ontogenéticas para a constituição do homem, Vygotsky entende que o desenvolvimento humano compreende dois níveis: o primeiro é o nível de desenvolvimento real, que compreende o conjunto de atividade que a criança consegue resolver sozinha. Esse nível é indicativo de ciclos de desenvolvimento já completos, isto é, refere-se às funções psicológicas que a criança já construiu até determinado momento.
O segundo nível de desenvolvimento é o nível de desenvolvimento potencial: conjunto de atividades que a criança não consegue realizar sozinha mas que, com a ajuda de alguém que lhe dê algumas orientações adequadas (um adulto ou outra criança mais experiente), ela consegue resolver. Para Vygotsky, o nível de desenvolvimento potencial é muito mais indicativo do desenvolvimento da criança que o nível de desenvolvimento real, pois este último refere-se a ciclos de desenvolvimento já completos, é fato passado, enquanto o nível de desenvolvimento potencial indica o desenvolvimento prospectivamente, refere-se ao futuro da criança.
A distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial, caracteriza o que Vygotsky denominou de Zona de Desenvolvimento Proximal: "A Zona de Desenvolvimento Proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão, presentemente, em estado embrionário" (Vygotsky. 1984, p. 97).
A constatação de um segundo nível de desenvolvimento e, consequentemente, a postulação de uma Zona de Desenvolvimento Proximal, foi decorrente da percepção de diferenças ao nível de resolução de problemas entre crianças que, aparentemente, apresentavam os mesmos níveis de desenvolvimento real. Aplicando testes de inteligência nessas crianças, Vygotsky constatou uma equiparação ao nível do quociente intelectual, ou seja, ambas conseguiam resolver sozinhas os mesmos problemas. Entretanto, ao interagir com essas crianças, ao propor-lhes exercícios mais complexos, além das suas capacidades de resolução independente, este autor constatou que uma das crianças conseguia, com ajuda, resolver problemas que indicavam uma idade mental superior à da outra que, sob as mesmas orientações; não conseguia solucionar os problemas que a primeira resolvia.
Concluiu, então, que apesar da aparente homogeneidade dessas crianças quanto ao nível de desenvolvimento afetivamente alcançado, elas, na verdade, diferiam sobremaneira quanto às possibilidades futuras de aprendizagem e desenvolvimento . Essa diferença entre o que as crianças resolvem independentemente e o que conseguem resolver com a ajuda de um adulto ou colega mais experiente é o que Vygotsky denominou Zona de Desenvolvimento Proximal. A introdução deste conceito no âmbito da sua teoria significava, para Vygotsky, a possibilidade de poder estudar e intervir na gênese das funções psicológicas superiores. Na verdade, conforme indica Wertsch (1988), a Zona de Desenvolvimento Proximal é a região dinâmica que permite a transição do funcionamento interpsicológico para o funcionamento intrapsicológico pois, segundo Vygotsky, todas as funções psicológicas superiores resultam da reconstrução interna de uma atividade social, partilhada.
Segundo Valsiner (1991), o conceito de ZDP foi cunhado por volta de 1991. Nessa época, Vygotsky tinha desenvolvido uma série de idéias que a seu ver poderiam auxiliar na compreensão dos processos de construção de novas funções psicológicas superiores: o papel do jogo e da fantasia no desenvolvimento infantil, a necessidade de conhecer tal desenvolvimento prospectivamente e o caráter necessário das interações sociais na constituição do indivíduo. Entretanto, a necessidade de compreender de forma globalizante esses aspectos, fez com que Vygotsky sentisse a necessidade de construir um conceito teórico que exercesse tal função unificadora: eis o papel do conceito de ZDP.
Durante os últimos quinze meses de vida, Vygotsky utilizou o conceito de ZDP em diferentes contextos, mas sempre de forma descritiva, sem referir-se a causas e efeitos. Nesses usos diferenciados é possível, constatar, segundo Valsiner (1991), três direções:
1ª) O conceito de ZDP enquanto escore que marcava a distância entre a atuação independente do indivíduo e a atuação "assistida", i.e. com a ajuda de alguém mais experiente.
2ª) A explicação de ZDP enquanto assentada nas diferenças gerais que aparecem no desenvolvimento da criança quando esta se encontra em contextos assistidos socialmente e contextos individuais, direção esta que, na verdade, é uma generalização da primeira, diferenciando-se dessa por não se tratar de escore.
3ª) A criação da ZDP através do jogo. Aqui o jogar assume o mesmo status que o processo ensino-aprendizagem na interdependência com o desenvolvimento humano, uma vez que a criança vivencia papéis sociais que se encontram muito além de suas possibilidades.
Essas três direções, no entanto, apresentam um fator em comum que é destacado por Vygotsky: a imitação. Em razão da imitação, capacidade que constitui o principal mecanismo do desenvolvimento, cria-se a Zona de Desenvolvimento Proximal; quando a criança imita alguém, ela está agindo de forma superior às suas condições reais dé atuação, fato que remete imediatamente à noção de ZDP.
Rever o papel da imitação implica olhar de uma maneira diferente tanto o jogo quanto a educação escolar; a situação de brinquedo exige um auto-controle que possibilita à criança contrariar seus impulsos imediatos. No jogo há a fantasia, a imaginação, e é dessa forma que a criança internaliza seu próprio papel social, bem como aquele das pessoas que a rodeiam.
Em contrapartida, a criança em idade escolar utiliza-se da imitação como fator propulsor de aprendizagens, as quais só podem ocorrer em interações sociais que incidam na ZDP.
Quanto à instrução escolar, a ênfase colocada por Vygotsky na importância do ensino sistematizado para o desenvolvimento humano decorreu do reconhecimento do papel e importância da escola para o avanço da sociedade como um todo, pois é na e pela apropriação dos conteúdos aí veiculados que o homem se constitui enquanto sujeito consciente, crítico, agente da história. "O processo de educação escolar é qualitativamente diferente do processo de educação em sentido amplo. Na escola, a criança está diante de uma tarefa particular: entender as bases dos estudos científicos, ou seja, um sistema de concepções científicas". (Vygotsky, 1984, p. 147).
Além disso, a escola promove uma variedade de relações inter-pessoais cuja importância para o processo de desenvolvimento está em auxiliar, em muito, a formação das funções psicológicas característicamente humanas, ou seja, aquelas que fazem uso da mediação da linguagem. Essas interações que o indivíduo estabelece com as pessoas que o cercam, seja na escola ou em outro ambiente, exercem, portanto, papel fundamental no desenvolvimento humano, pois é a partir da internalização dos signos socialmente construídos que as funções intrapsicológicas se constituem, o que vem a ressaltar a gênese social da consciência humana defendida por Vygotsky.
Em síntese, em suas conferências na década de 30, Vygotsky ressaltou a importância de se conceituarem os processos psicológicos futuros na ontogenia humana, visando maximizá-los. E é nesse contexto que o conceito de ZDP assume papel de destaque, principalmente por dois aspectos:
1º) Comprova que, a despeito de diferentes indivíduos apresentarem o mesmo nível de desenvolvimento real, o desenvolvimento posterior dos mesmos pode se diferenciar substancialmente.
2º) Aponta a importância das interações sociais e dos processos da instrução para o desenvolvimento, visto ser neles - e por seu intermédio - que o funcionamento intrapsicológico é maximizado.
Entretanto, há pontos obscuros nas colocações de 'Vygotsky que dificultam a utilização do conceito ZDP para a compreensão e orientação da prática pedagógica. Devido a isso, vários autores contemporâneos têm se proposto a estudar esse conceito em diferentes contextos (centrando-se em um ou outro desses dois aspectos), visando compreendê-lo e melhor explicá-lo para que este se constitua, efetivamente, como instrumento a serviço dos profissionais empenhados na promoção do desenvolvimento humano. São algumas dessas contribuições que a autora pretende analisar e discutir, à luz da teoria de Vygotsky, visando ressaltar aquela(s) que se aprensenta (m) como mais promissora (s) para o entendimento do que venha a ser a Zona de Desenvolvimento Proximal.
CARACTERÍSTICA DO CONCEITO DE ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL, SEGUNDO VYGOTSKY, E ALGUNS DESDOBRAMENTOS APONTADOS POR PESQUISADORES CONTEMPORÂNEOS
O conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal, conforme os escritos de Vygotsky, apresenta algumas características que cabe ressaltar neste momento, visto servirem como pontos de apoio para a análise que será feita sobre o uso desta noção e dos possíveis desdobramentos propostos por pesquisadores contemporâneos, fundamentalmente os que centram suas análises no estudo das interações sociais.
Em seus escritos, Vygotsky ateve-se à análise das interações adulto/criança e ao papel destas na promoção do desenvolvimento. Devido a essa ênfase, a grande maioria dos estudos atuais na perspectiva vygotskyana que tratam da ZDP têm seguido esta orientação (Tudge, 1987). Por outro lado, a interação de companheiros tem sido abordada com menor ênfase na literatura contemporânea, ainda que se observe, aqui também, uma certa semelhança ao observado na interação adulto/criança: o pressuposto de que o companheiro mais experiente influencia, com seu ponto de vista, o menos experiente, levando-o a apropriar-se de conhecimentos de que antes não dispunha.
Nesse sentido, a concepção de Vygotsky acerca do desenvolvimento apresenta, segundo Tudge (1987), um nível relativamente teleológico, isto é, um fim específico, que consiste em levar o indivíduo menos experiente à apropriação, na e pela interação, dos conhecimentos que o indivíduo mais experiente possui. A finalidade da educação, sob esta ótica, parece centrar-se em fazer com que as gerações mais novas se apropriem do patamar cultural atingido até então. A educação cumpre, pois, na ótica vygotskyana, um duplo papel; permitir a apropriação dos conhecimentos sobre o mundo físico e social e, concomitantemente, promover o desenvolvimento das funções psicológicas sobre o meio físico e social. Tais funções permitem ao indivíduo constituir-se enquanto sujeito capaz de pensar a realidade e transformá-la.
Essa relativa teleologia na concepção vygotskyana diferencia-se, sobremaneira, do nível teleológico encontrado em outros autores que tratam da relação desenvolvimento/aprendizagem, pois não significa um fim específico e universal para o desenvolvimento humano. Implica, antes, uma compreenção da aprendizagem e do desenvolvimento como processo de apropriação dos conhecimentos historicamente construídos a partir das interações sociais. Entretanto, concebendo-se o homem como sujeito ativo, está implícita a noção de que a apropriação do conhecimento não se dá de forma passiva, visto implicar transformação de conteúdos ensinados, propriedade esta que remete ao papel estruturante do sujeito. A apropriação ativa da cultura pelo sujeito é explicada, na concepção vygotskyana, pela transição das funções interpsicológicas em funções intrapsicológicas, a saber: tudo que existe para o indivíduo existiu, em um primeiro momento, entre indivíduos, isto é, no contexto das interações sociais. Ressalta-se, entretanto, que "longe de ser uma cópia do plano externo, o funcionamento interno resulta de uma apropriação das formas de ação, que é dependente tanto de estratégias e conhecimentos dominados pelo sujeito, quanto de ocorrências no contexto interativo"(Góes, 1992, p. 18).
Outro aspecto a ser destacado na concepção de Vygotsky sobre a ZPD refere-se ao fato dela ser frequentemente entendida enquanto algo interno, enquanto particularidade dos sujeitos em interação. Assim, se desenvolvimento é, para este autor, um produto da ação recíproca da maturação do sistema nervoso central (maturação essa decorrente da interação do indivíduo no contexto social e histórico no qual se insere) e da história cultural, a ZDP caracteriza-se pelas funções psicológicas superiores que se encontram em vias de se completarem, que se encontram próximas (de onde o termo "proximal") de se realizarem. Estas funções constituem, portanto, nova base para novas aprendizagens importantes para o momento histórico em que se vive e no qual se participa ativamente.
Em suma, as características destacadas acima possibilitam a compreensão de alguns pontos relevantes acerca do conceito de ZDP, segundo a proposta de Vygotsky. Os estudos contemporáneos sobre este conceito têm apresentado, entretanto, características que se diferenciam destas, apontando novas diretrizes para a compreensão do que venha a ser a ZDP. São alguns destes trabalhos que a autora pretende analisar, a seguir, de acordo com parâmetros previamente estabelecidos.
MÉTODO DE TRABALHO
Destacados os pontos acima acerca da ZDP, foram analisados alguns trabalhos que tratam do problema em questão. Para tanto, adotou-se o seguinte procedimento:
- Seleção intencional de quatro trabalhos, dois na literatura nacional e dois na literatura estrangeira, acessíveis à autora e tidos por esta como contribuições relevantes para a compreensão atual do que venha a ser a ZDP. Os trabalhos analisados foram os seguintes:
a) Valsiner (1984). Construction ofthe Zoneof Proximal Development in adult child joint action: the socialization of meals.
b) Rogoff, Malkin e Gilbridge (1984). Interaction with babies as guidance in development.
c) Oliveira e Rossetti-Ferreira (1993). Valor da interação criança-criança em creches no desenvolvimento infantil.
d) Calil (1991). A Construção de Zonas de Desenvolvimento Proximal em um Contexto Pedagógico.
Ressalta-se, entretanto, que a opção por estes trabalhos deveu-se ao fato de promoverem, no estudo da ZDP, análises de cunho qualitativo. Deixou-se de lado, portanto, estudos que se centram na mensuração de uma possível ZDP dos indivíduos, tais como os de Campione, Brown, Ferrara e Bryant (1984) e Brown e Ferrara (1985). No entender da autora, esses estudos, ao se centrarem no aspecto da mensuração das diferenças do desenvolvimento futuro dos indivíduos, perdem de vista a possibilidade de compreensão da complexidade do ambiente social que permite desempenhos diferenciados. Ou seja, ao criticarem os testes de QI atuais, tais investigações incorrem em erros semelhantes: se apontam que o desenvolvimento futuro dos indivíduos de fato se diferencia, pouco dizem acerca dos fatores que possibilitam tal diferenciação. Segundo Kovac-Cerovic(3) tais investigações levaram, com a mensuração da ZDP, ao desenvolvimento de "testes estandardizados, com intervenções uniformizados dos examinadores, de modo a se encontrar uma 'medida' adequada - aquela que indicará a quantidade de mudanças no comportamento de cada criança - após ajuda padronizada ou determinada quantia de intervenções, tidas como necessárias para se alcançar tal mudança". Ora, ao proceder dessa maneira, informações qualitativamente ricas, profícuas e vividas são inevitavelmente perdidas, redundando numa medida que, conceitualmente, não difere das demais.
Por estar ciente das críticas tecidas pela literatura e por concordar com elas esses trabalhos foram descartados, preferindo, a autora, centrar sua atenção em estudos que focalizam, sob outra ótica, o papel e valor das interações sociais e a relação destas com a ZDP.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em relação às interações sociais, dois dos quatro estudos analisados enfatizam a relação adulto/criança (Valsiner e Rogoff et al) com o pressuposto de que cabe ao primeiro direcionar a aprendizagem/desenvolvimento da criança a partir da organização do ambiente interativo e da oferta de suportes à participação efetiva da mesma nas atividades propostas. Em outra perspectiva, Oliveira e Rossetti-Ferreira ressaltam as interações de pares, mostrando que essas não são, de forma alguma, menos importantes que as entabuladas entre adulto-criança, visto possibilitarem a confrontação de diferentes pontos de vista e, portanto, a negociação de significados internalizados. O trabalho de Calil, por sua vez, enfoca as interações criança/criança mediadas pelo adulto em contexto escolar, fato que o coloca numa perspectiva distinta dos demais.
No que concerne às interações de pares, cabe aqui destacar as diferenças observadas nas análises realizadas por Oliveira e Rossetti-Ferreira e aquelas estudadas por Calil. Em ambas as situações, as crianças interagem através da vivência e revezamento na coordenação de papéis sociais que permeiam as trocas estabelecidas. Entretanto, o estudo de Oliveira e Rossetti-Ferreira é realizado em um contexto onde não há um fim específico, previamente delimitado, para as trocas sociais que ali se passam. Já Calil, por sua vez, analisa a interação de pares em situações características do processo ensino/aprendizagem (apropriação da linguagem escrita), onde as crianças estão envolvidas em tarefas designadas pelo professor, com objetivos precisos a serem alcançados. Essas distinções levam a crer que as interações de pares, analisadas por Calil, são extremamente similares às interações adulto/criança analisadas em outros estudos, na medida em que tanto o contexto como a situação investigada seguem o pressuposto de que o sujeito mais competente direciona a aprendizagem do menos competente, seja nas interações adulto/criança, seja nas interações criança/criança.
A perspectiva analisada por Oliveira e Rossetti-Ferreira, em contrapartida, leva à reflexão sobre os níveis de construção de conhecimento necessários para que as interações estabelecidas propiciem a dinâmica entre aprendizagem e desenvolvimento. Faz-se mister que haja, sempre, uma considerável assimetria entre os indivíduos em interação para que esta promova desenvolvimento? Tal assimetria implica, necessariamente, que o sujeito menos competente irá aprender com o sujeito mais competente?
Em seus estudos sobre a ZDP, Vygotsky (1984) aponta que tanto o adulto quanto o parceiro mais experiente exercem importante papel no desenvolvimento da criança, pois auxiliam na resolução de problemas que a criança não consegue, de forma autônoma, solucionar. Assim, para Vygotsky, há a concepção de que o sujeito menos experiente necessariamente aprende, seja na interação com um adulto, seja na interação com um parceiro mais experiente. Tais pressupostos parecem ser compartilhados por Valsiner, Rogoff et al. e Calil. No trabalho de Calil, entretanto, duas possibilidades devem ser consideradas: para as interações adulto/criança, a afirmativa acima parece ser correta; para as interações de pares, no entanto, a situação se modifica na medida em que é possível que, nem sempre, o parceiro mais experiente seja, igualmente, o mais confiante e seguro de seus próprios conhecimentos.
Faz-se necessário, aqui, resgatar o trabalho de Tudge (1990), que nos aponta a diferença entre competência e confiança. Assim, a interação de sujeitos competentes - porém menos confiantes em seus pontos de vista - com pares menos competentes e mais confiantes - pode resultar em regressão no desenvolvimento do sujeito mais competente. Essa assertiva conduz, novamente, ao reconhecimento de que o desenvolvimento é, fundamentalmente,dependente de aspectos afetivos, cognitivos, sociais e econômicos imbricados no contexto mais amplo e, nesse sentido, pode não seguir, necessariamente, a direção esperada. Dadas essas considerações, é possível destacar que a interação de pares, em situações de processo ensino/aprendizagem, pode levar tanto a avanços como a (temporários) retrocessos no desenvolvimento.
E quanto às interações de pares, em situações espontâneas, onde não há, aparentemente, assimetria nos níveis de conhecimento? Segundo Oliveira e Rossetti-Ferreira, essas interações podem ser tão benéficas ao desenvolvimento humano quanto as interações adulto/criança, na medida em que possibilitam a confrontação de pontos de vista diferenciados sem a postura tutorial - o que leva não só a uma maior discussão e negociação de significados como, também, à alternância na coordenação de papéis sociais, visto crianças vivenciarem práticas sociais diferenciadas.
Quanto aos contextos investigados, os trabalhos analisados apresentam uma certa diversidade. Entretanto, é possível constatar que todos eles tentam fazer uso do método genético-experimental, proposto por Vygotsky, na medida em que analisam o curso do desenvolvimento humano em situações ecológicas e através do oferecimento de oportunidades qualitativamente variadas aos sujeitos investigados. Calil desenvolve suas análises a partir do contexto de sala de aula. Rofoff et al e Valsiner trabalham com interações adulto/criança realizadas em ambiente familiar, isto é, na própria casa das crianças. Apesar dos ambientes diferenciados é possível constatar, entretanto, uma certa semelhança entre os trabalhos de Rogoff et al. e Valsiner com o trabalho de Calil (no que se refere ao contexto investigado) pois, em todos eles, as interações ocorreram em contextos de instrução, onde o parceiro mais experiente direcionava a aprendizagem do parceiro menos experiente. No trabalho de Oliveira e Rossetti-Ferreira, por sua vez, são analisadas interações de pares em contextos onde não há nenhum fim específico previamente estabelecido para a interação. Este trabalho permite retomar a noção de imitação proposta por Vygotsky e seu papel instrumental no desenvolvimento humano: através da imitação (que, no estudo em questão, refere-se à vivência de papéis sociais e à alternância em sua coordenação), a criança age de forma superior às suas possibilidades reais de atuação, o que remete, imediatamente, à noção de ZDP.
Constata-se, portanto, que à exceção de Oliveira e Rossetti-Ferreira, os estudos analisados possibilitam identificar, nas situações de aprendizagem, a presença de um nível teleológico nas interações. Isto porque o adulto, ao interagir com a criança, assume frequentemente uma posição de liderança, orientando e direcionando, com seu ponto de vista, a aprendizagem da criança. Wertsch (1984), no entanto, aponta uma nova perspectiva para se pensar as interações adulto/criança: coloca a necessidade do adulto abrir mão de sua definição da situação de aprendizagem (entendida enquanto a representação que este tem do contexto que envolve a tarefa) em favor de uma terceira situação; aquela que atenda tanto à visão da criança quanto à do adulto. Assim, ambos estariam estabelecendo conjuntamente um relativo consenso, ou seja, criando um "campo de intersubjetividade". Como isso é possível? Segundo Wertsch, através da mediação semiótica que pode ser feita tanto pelo adulto quanto pela criança, visto consistir no estabelecimento de uma comunicação adequada, que viabilize a troca de opiniões e a construção partilhada de conhecimentos: o adulto, ao ensinar a criança, aprende com ela e sobre ela e vice-versa.
Moll (1990), por sua vez, discute o papel do adulto nas interações adulto/criança, ressaltando a importância dessa mediação no sentido de possibilitar à criança o desenvolvimento da capacidade de auto-regulação: "o papel do adulto não é necessariamente o de fornecer pistas estruturadas mas sim o de, através da fala exploratória ou outras mediações sociais [...], assistir às crianças no sentido de que estas assumam o controle sobre a própria aprendizagem [...]" (p. 13) A ênfase consiste em, através da mediação do adulto, possibilitar às crianças não só a percepção consciente das habilidades e conhecimentos já construídos como, também, oportunizar sua constituição enquanto sujeitos interativos-ativos frente ao real.
Desta forma, ao enfocar a situação específica de sala de aula, convém lembrar que as idéias acima defendidas tornam cada vez mais urgente a necessidade de se rejeitarem concepções a respeito da ZDP como mero ensino ou avaliação de habilidades isoladas. Ensinar é um ato complexo que visa proporcionar aos aprendizes a apropriação de conhecimentos, a construção de funções psicológicas superiores e autonomia no pensar e no agir. Nesse sentido, implica o educador desenvolver sua prática pedagógica fundamentando-se em uma concepção de aluno que o considere como sujeito interativo, agente de sua própria histórica e que, como tal, desempenha importante papel no seu próprio desenvolvimento.
Fundamental aí é estabelecer uma distinção entre habilidades e atividade. Numa perspectiva sócio-histórica, a ênfase está, quando se ensina, na atividade, visto habilidades serem partes constituintes de atividades e contextos, só se tornando significativas em função de como são organizadas. Cabe, portanto, impulsionar, na atividade, as habilidades necessárias e suficientes para levar avante, nas condições mais amplas de aprendizagem, a apropriação do conhecimento específico que se pretende alcançar.
Deve ficar claro, por outro lado, que Vygotsky nunca especificou as modalidades de auxílio social que os professores devem dar às crianças e que constituem a ZDP. Sem dúvida, ele menciona colaboração e orientação bem como o fornecimento de assistência às crianças "via demonstração, questões norteadoras e introdução dos elementos iniciais de solução da tarefa" (Vygotsky, 1987). Mas em nenhum momento vai além desses enunciados genéricos. O central, para esse autor, parecem ser as habilidades intelectuais construídas e diretamente relacionadas a como as crianças interagem com outras em determinados contextos de solução de problemas. Coloca, ainda, que as crianças internalizam e transformam a ajuda que recebem podendo, eventualmente, usá-las como guia para direcionar a solução subsequente de outros problemas. Fica evidente, portanto, que o central para uma análise da ZDP é a natureza das transações sociais. Ao que tudo indica, a ZDP não pode ser caracterizada como sendo meramente da criança ou do ensino, mas como a da criança envolvida em atividade colabor ativa num contexto social específico. O foco está no sistema social em que as crianças aprendem, sistema esse entendido como mutuamente e ativamente criado pelo professor e seus alunos. Qualquer análise vygotskyana da instrução incide, pois, na interdependência do adulto e da criança.
Esses aspectos, a despeito das diferenças apontadas anteriormente, encontram-se total ou parcialmente presentes nos estudos investigados. Em todos eles constata-se que há uma ênfase no conceito de ZDP enquanto campo criado na e pela interação social. Consequentemente, a compreensão da ZDP remete, necessariamente, à análise dos ajustes recíprocos nos comportamentos dos sujeitos envolvidos. Ilustra-se tal fato com as definições de ZDP apresentadas pelo autores analisados; para Valsiner, a ZDP consiste em "processos coletivos que levam ao desenvolvimento de novas habilidades (...) Rogoff et al, por sua vez, apontam a ZDP enquanto "espaço de comunicação onde o adulto ajusta o suporte dado à criança e esta, em contrapartida, ajusta o ritmo da instrução do adulto, conforme suas necessidades"(...). Para Oliveira e Rossetti-Ferreira, a ZDP é construída "nas experiências interpessoais, onde há a vivência de papéis". Finalmente, Calil aponta que a ZDP consiste em "um campo de ações construído na interação social" (...)
CONCLUSÕES
Face a essas considerações, o que vem a ser Zona de Desenvolvimento Proximal? A Zona de Desenvolvimento Proximal consiste no campo interpsicológico, constituído na e pelas interações sociais em que os sujeitos se encontram envolvidos com problemas ou situações que remetam à confrontação de pontos de vista diferenciados. E que interações são essas? Podem ser tanto interações adulto/criança, interações de pares ou mesmo interações com um interlocutor ausente: o que caracteriza a ZDP é a confrontação ativa e cooperativa de diferentes compreensões a respeito de uma dada situação. E qual o resultado dessa interação? Como já foi mencionado anteriormente, pode ser tanto o avanço como o retrocesso no desenvolvimento pois, qualquer que seja o resultado, este depende, fundamentalmente, do contexto social e do nível de confiança dos sujeitos envolvidos quanto aos seus pontos de vista.
Como evitar uma possível regressão no desenvolvimento? Nas situações de processo ensino/aprendizagem, cabe apontar uma possibilidade: a intervenção do adulto. É sua função organizar o espaço interativo (formando grupos compostos por indivíduos com diferentes níveis de conhecimento), apresentar problemas desafiadores e, fundamentalmente, prover feedback, ao longo da realização do trabalho. Essa pontuação do adulto, mais do que direcionar, possibilita um referencial para os grupos prosseguirem em suas discussões, de modo a alcançarem o resultado esperado. O feedback do adulto consiste, portanto, em signo mediador da atividade, o que remete claramente à concepção do método genético-experimental ou método da dupla estimulação, proposto por Vygotsky. A dupla estimulação consiste, nesse caso, na própria tarefa proposta e nos signos lingüísticos utilizados, pelo adulto, como mediação, de modo a permitir às crianças alcançarem os objetivos propostos. Destaca-se, por outro lado, que, em situações de instrução sistematizada, sempre que a discussão envolver regras, valores ou conceitos em processo de construção (para os quais não há, portanto, consenso), cabe ao adulto não só permitir - como promover - a manifestação, por parte de seus alunos, de seus pontos de vista, explicitando que verdades absolutas não existem, pois todo conhecimento, por ser sempre uma construção, é necessariamente provisório.
Dadas essas considerações conclui-se, portanto, que a ZDP caracteriza-se como um espaço social de trocas múltiplas e de diferentes naturezas; afetivas, cognitivas, sociais, etc. Assim, o estudo da ZDP deve pautar-se, caso as conclusões da autora estejam corretas, na análise de situações interativas em contextos variados, onde os indivíduos estejam envolvidos em atividades diversificadas. Ressalta-se, ainda, que o indivíduo, na perspectiva de Vygotsky, é fundamentalmente social - sua atividade, portanto, necessariamente está impregnada de cultura e deve, consequentemente, ser entendida sob esse prisma.
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(1) Este trabalho consiste em uma síntese da dissertação de mestrado da autora, defendida na PUC/SP em 1992. Durante o curso a autora contou com bolsa do CNPq.
(2) Depto. de Psicologia. Endereço para correspondência: Campus Trindade - CEP 88010-910 Florianópolis - SC
(3) Kovac-Cerovic, T. Some conceptual problems of the ZPD assessment procedure. ISPA Conference. Ljubljana.