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Temas em Psicologia

Print version ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.25 no.4 Ribeirão Preto Dec. 2017

https://doi.org/10.9788/TP2017.4-02Pt 

ARTIGOS

 

Medo de ficar solteiro: evidências psicométricas e de validade de uma medida

 

Miedo a estar sola: evidencias psicométricas y de validez de una medida

 

 

Patrícia Nunes da FonsecaI; Valdiney Veloso GouveiaII; Jérssia Laís Fonseca dos SantosII; Ricardo Neves CoutoII; Gabriel Lins de Holanda CoelhoIII

ICentro de Educação, Departamento de Psicopedagogia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil
IIPrograma de Pós-Graduação em Psicologia Social, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil
IIISchool of Psychology, Cardiff University, País de Gales, UK

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O medo de ficar solteiro pode ocasionar alterações na qualidade de vida dos indivíduos, podendo afetar o bem-estar e a autoestima. Esta pesquisa teve por objetivo validar a Escala Medo de Ficar Solteiro (EMFS) para o Brasil, apresentando evidências de sua qualidade psicométrica por meio de dois estudos. Estudo 1 contou com 172 participantes (Idade M = 23,69, DP = 7,77; 64,5% mulheres) e reproduziu a estrutura unifatorial do modelo original, com seis itens. O Estudo 2 contou com 220 participantes (Idade M = 21,90, DP = 5,64; 59,5% mulheres) e confirmou a estrutura por meio de uma AFC, com índices satisfatórios (CFI = 0,96; TLI = 0,94), além de fornecer evidência quanto a invariância fatorial do instrumento em relação ao status de relacionamento dos participantes. Adicionalmente, apresentou-se validade convergente por meio de correlações significativas com solidão e escore de satisfação com a vida, além de ter sido observada diferença entre homens e mulheres quanto ao medo de ficar solteiro. Por fim, a medida apresentou índices adequados de confiabilidade (alfa de Cronbach, α = 0,88) e confiabilidade composta (CC = 0,82). Concluindo, a medida apresentou evidências satisfatórias para o seu uso no contexto brasileiro.

Palavras-chave: Medo de ficar solteiro, escala, evidências psicométricas.


RESUMEN

El miedo a estar soltero puede conducir a modificaciones en la calidad de vida de los individuos, que pueden afectar su bienestar y autoestima. Esta investigación tuvo como objetivo validar la Escala Miedo a Estar Soltero (EMES) en Brasil, presentando evidencias de su calidad psicométrica a través de dos estudios. Estudio 1 contó con 172 participantes (Edad M = 23.69, DE = 7,77; 64,5% mujeres) y se replica la estrutura unifactorial del instrumento, con seis ítems. Estudio contó con 220 participantes (Edad M = 21.90, DE = 5,6; 59,5% mujeres) y confirmó la estructura mediante una AFC, con índices satisfactorios (CFI = .96; TLI = .94), y proporcionó evidencia de la invariancia factorial del instrumento, en relación al estado de relacionamento dos Participantes. Además, sí presenta validez convergente a través de correlaciones significativas con la soledad y la pontuación de satisfacción con la vida, y se ha observado diferencia entre hombres y mujeres cuando el miedo a estar soltero. Por último, la medida mostró niveles adecuados de fiabilidad (alfa de Cronbach, α= 0,88) y fiabilidad compuesta (CC = 0,82). En conclusión, la medida presenta pruebas satisfactorias para su uso en el contexto brasileño.

Palabras clave: Miedo estar soltero, escala, pruebas psicométricas.


 

 

O medo de ficar solteiro pode ser caracterizado como uma preocupação, angústia ou ansiedade em relação a uma experiência atual ou potencial de ficar sem um parceiro romântico (Spielmann et al., 2013). Essa situação pode ocasionar no indivíduo uma insegurança, especialmente direcionada as suas capacidades físicas e sociais, que se agravam ainda mais com as pressões familiares e da sociedade pelo estabelecimento de relacionamentos amorosos (Schwartzberg, Berliner, & Jacob, 1995), considerado um passo natural e fundamental no caminho para a felicidade. Na cultura americana, por exemplo, verifica-se que aqueles que encontram parceiros românticos, casam e têm filhos são mais felizes, menos solitários e mais maduros, provavelmente porque se sentem mais completos e apresentam uma vida afetiva mais estável do que os solteiros (DePaulo & Morris, 2005). Isto pode ser observado em pesquisa conduzida por Sharp e Ganong (2007), onde mulheres solteiras, ao constatarem que não conseguiram um relacionamento estável em um momento importante da vida, ficam ansiosas e com dúvidas quanto ao futuro.

Contudo, Almeida (2015) chama atenção para o fato de que há indivíduos com motivações para ficar solteiro, particularmente àqueles que tomam por base a independência e autopreservação. Estes percebem no seu estado civil a vantagem de não serem dependentes emocionalmente de um parceiro e, portanto, ter a liberdade de se relacionar com várias pessoas sem ter que dar satisfações ou modificar sua rotina em função de alguém. Nesses casos, os indivíduos mantêm um estilo de vida que atenda as suas necessidades de pessoais.

Ademais, Gonçalves (2011) ressalta que a escolha em ficar solteiro se associa à ideia de autonomia e, consequentemente, se vincula à individualização. A autora ainda destaca que há uma nova geração de mulheres, as chamadas "novas solteiras", as quais são caracterizadas como independentes, estudadas, malhadas, bem-sucedidas, com vida social intensa, exigentes, além de se considerarem bonitas e felizes.

DePaulo (2014) afirma que as pessoas que não têm medo de ser solteiras apresentam três vantagens principais: (a) são seguras, (b) têm padrões elevados e (c) são desejáveis. A primeira refere-se à personalidade, são pessoas mais confiantes, abertas e extrovertidas, menos neuróticas e menos sensíveis a rejeição; a segunda está relacionada ao fato de ser mais seletiva e exigente em seus relacionamentos, sendo bem provável terminar um namoro, por exemplo, quando a relação não for satisfatória; por fim, a terceira vantagem diz respeito a ser desejável, isto é, as pessoas solteiras podem ser mais atenciosas, receptivas e, consequentemente mais atraentes.

No entanto, DePaulo (2014) ressalta que a percepção sobre as pessoas solteiras, especialmente a de que são indivíduos infelizes, solitários e sem amor, têm favorecido o aparecimento de diferentes estereótipos, tais como: pessoas com uma vida "menos excitante" e "mais triste" (DePaulo & Morris, 2005). Registros sobre estes estereótipos acompanham os solteiros desde décadas passadas (Etaugh & Malstrom, 1981) até os dias atuais (Greitemeyer, 2009; Morris, Sinclair, & DePaulo, 2007).

Etaugh e Malstrom (1981) mostraram que há diferenças de percepções em relação às pessoas casadas e as solteiras. Eles verificaram que os primeiros são percebidos de modo positivo em detrimento dos solteiros que, segundo Conley e Collins (2002) são tidos como pessoas menos responsáveis e mais promíscuos do que os que estão em um relacionamento. Seguindo essas diferenças atribuídas a solteiros e casados, Morris et al. (2007) conduziram uma série de experimentos para averiguar o quanto as pessoas apresentam discriminação. Os participantes, em uma situação hipotética, avaliavam possíveis inquilinos e escolhiam uma pessoa a quem iria alugar uma casa. Os resultados demonstraram que a maioria dos participantes preferia àquelas que estavam em um relacionamento do que as solteiras.

Como exposto, a forte pressão exercida pela sociedade, fruto dos estereótipos produzidos, resulta em uma contínua busca pelo estabelecimento de contatos sociais, podendo tornar-se um obstáculo para o crescimento pessoal (Osin & Leontiev, 2013). Em pesquisa desenvolvida por Adamczyk e Segrin (2015), participantes solteiros apresentaram menor nível de satisfação com a vida e de suporte social, além de maiores escores de solidão do que àqueles que se encontram em algum tipo de relacionamento.

Também é possível observar a influência desta pressão social na autoestima dos indivíduos, o que prejudica fortemente o estabelecimento de relacionamentos afetivos. Corroborando com o exposto, Kavanagh, Robins e Ellis (2010) observaram que a autoestima sofre influência de rejeições amorosas, resultando assim em baixos níveis de aspirações quanto ao parceiro pretendido. Hirschberger, Florian e Mikulincer (2002) verificaram que o nível de autoestima dos estudantes era diretamente proporcional ao padrão desejado no parceiro, ou seja, um indivíduo com uma autoestima baixa provavelmente apresentaria padrões mais baixos que àqueles com autoestima mais alta.

Spielmann et al. (2013) enfocam que as pesquisas sobre relacionamentos foram conduzidas focando em experiências sobre estar solteiro, o que, para os autores, são limitadas, especialmente no que se refere ao enfoque do estudo. Assim, levando a definição ao "pé da letra", uma pessoa que está em um relacionamento estaria com este problema resolvido. Entretanto, este medo não é algo que necessariamente se resolve ao encontrar um parceiro amoroso, sendo, portanto, imprescindível o seu controle em futuras pesquisas. A partir do exposto, destaca-se a necessidade de buscar formas mais específicas de mensurar o fenômeno, o que levou Spielmann et al. (2013) criarem um instrumento que melhor expressasse o medo de ficar sozinho, fato que pode levar pessoas a aceitarem companheiros abaixo das expectativas anteriormente construídas.

 

Fear of Being Single Scale (Escala Medo de Ficar Solteiro)

Spielmann et al. (2013) identificaram alguns instrumentos (e.g., entrevistas e narrativas) que avaliavam o medo de ficar solteiro de forma qualitativa. Todavia, não foi encontrada nenhuma medida psicométrica que avaliasse o construto. Diante do fato, os autores buscaram desenvolver um instrumento capaz de suprir esta lacuna existente e, então, propuseram a Escala Medo de Ficar Solteiro. Para fornecer um panorama da importância do medo de ficar sozinho na vida das pessoas, em uma destas análises qualitativas, Cole (1999) observou que um relacionamento estável é uma forte fonte de segurança psicológica, com sua ausência sendo propulsora de aflição e ansiedade nos indivíduos, temendo ficarem sem um parceiro.

Spielmann et al. (2013) desenvolveram e testaram a qualidade do instrumento por meio de sete estudos. No primeiro, foi pedido aos participantes que descrevessem o que eles pensavam sobre estar solteiro. O segundo estudo foi dividido em duas etapas: o desenvolvimento e a validação da EMFS. Os estudos subsequentes (do terceiro ao sétimo) procuraram avaliar o instrumento em diferentes contextos (e.g., redes sociais, universidades, eventos) e relacionando-o a diferentes construtos (e.g. apego, satisfação da relação, parceiro ideal). Os resultados encontrados demonstraram que uma pessoa que pontua alto na escala medo de ficar solteiro acaba sendo menos exigente quanto aos próprios relacionamentos, do mesmo modo que se sentem menos atraentes e confiantes em relação as pessoas as pessoas as quais estão interessadas.

Quanto aos seus parâmetros psicométricos, o instrumento apresentou resultados satisfatórios na análise exploratória. Originalmente constituído por 17 itens, procurou-se analisá-lo separadamente quanto ao gênero dos participantes. Após a análise fatorial, restaram oito itens para os homens e 10 para as mulheres, sendo seis em comum, apresentando cargas fatoriais acima de 0,67, os quais foram escolhidos para constituir a versão final do instrumento. Posteriormente, por meio de uma análise fatorial confirmatória, a estrutura encontrada de seis itens foi confirmada. O instrumento apresentou alfa de Cronbach (α) de 0,86, considerado adequado para medidas que não tenham como objetivo um diagnóstico (Kline, 2013).

Para fornecer mais resultados que demonstrassem a qualidade da escala, Spielmann et al. (2013) checaram a sua validade convergente. Foram observadas correlações significativas e de magnitude média (Cohen, 1988) entre o instrumento e os seguintes construtos: sensibilidade a rejeição (r = 0,34; p < 0,001), depressão (r = 0,42; p < 0,001), solidão (r = 0,38; p < 0,001), necessidade de pertença (r = 0,43; p < 0,001), entre outros. Também foram realizadas correlações da EMFS com os componentes do Big Five (John & Srivastava, 1999), obtendo-se resultados significativos e de pequena magnitude com todas as dimensões, a saber: neuroticismo (r = 0,28; p < 0,001), extroversão (r = - 0,12; p < 0,05), conscienciosidade (r = - 0,16; p < 0,01), abertura para a experiência (r = - 0,12; p < 0,05) e extroversão (r = - 0,17; p < 0,01).

Sabendo da importância dos resultados encontrados por Spielmann et al. (2013) e da relevância da realização de estudos que possam fornecer uma melhor compreensão sobre os relacionamentos e seus efeitos nos indivíduos, objetivou-se estudar a validade da EMFS para o contexto brasileiro por meio de dois estudos. No primeiro, buscou-se averiguar como o instrumento se apresenta no contexto brasileiro. Para tanto, foram utilizados diferentes métodos de retenção de fatores (Kaiser, Cattell, Horn, Optimal Coordinates e Acceleration Factor) e realizado uma análise dos Eixos Principais. No segundo estudo, objetivou-se fornecer evidências mais robustas quanto à estrutura encontrada, utilizando-se de uma análise fatorial confirmatória. Também se verificou a invariância do instrumento em função do status de relacionamento dos participantes por meio de uma análise fatorial confirmatória multigrupo. Em seguida, além de averiguar os índices de confiabilidade da medida, também foram observadas a sua convergência com outros construtos, como solidão emocional e social, e o escore de satisfação com a vida. Por fim, examinou-se a diferença nas médias entre homens e mulheres quanto ao construto. Confia-se que os resultados possibilitam um maior aprofundamento na temática, bem como novas alternativas de pesquisas a respeito de relacionamento.

 

Estudo 1. Estrutura da EMFS no Brasil

O primeiro estudo realizado foi de caráter exploratório, observando-se como a estrutura do instrumento se comporta no Brasil. Foram efetuadas análise dos Eixos Principais e de Confiabilidade.

Participantes

Este primeiro estudo contou com 172 participantes, com idade média de 23,69 (DP = 7,77), sendo 111 do sexo feminino (64,5%). Dos participantes, a maioria se declarou de religião católica (n = 69; 40,1%), orientação heterossexual (n = 139; 80,8%) e com algum tipo de relacionamento sério no momento da pesquisa (58,7%, n = 101), de recente (de apenas um mês) a duradouro (com mais de 10 anos). Quanto ao estado civil, a maioria dos participantes era solteira (n = 146; 84,9%).

Instrumentos

Os participantes responderam um questionário contendo a Escala Medo de Solteiro e o questionário demográfico, para fins de caracterização da amostra.

Escala Medo de Solteiro (Spielmann et al., 2013). A Fear of Being Scale foi desenvolvida para explorar o receio das pessoas em estarem sem um(a) companheiro(a) amoroso(a). O instrumento é composto por seis itens (e.g., 03. Sinto-me ansioso quando penso sobre ficar solteiro para sempre; 06. Quanto mais envelheço, fica ainda mais difícil encontrar alguém) e respondida em uma escala de cinco pontos, variando entre 1 "Nem um pouco verdadeiro" e 5 "Totalmente verdadeiro". A escala original apresentou um alfa de Cronbach (α) de 0,86. Para a sua tradução, foi solicitada a ajuda de três colaboradores bilíngues, em que dois realizaram a tradução para o português e outro conduziu uma back-translation. Posteriormente, realizou-se um estudo piloto com a participação de vinte estudantes de graduação, igualmente distribuídos quanto ao gênero, em que se verificou a compreensão dos itens. Após averiguação das instruções, escalas de respostas e conteúdo, concluiu-se que a escala apresentava fácil compreensão.

Questionário Demográfico. Contém perguntas que visam caracterizar os participantes da pesquisa, a saber: idade, sexo, orientação sexual, se está em algum relacionamento e há quanto tempo, estado civil e religião.

Procedimento

A aplicação deste primeiro estudo ocorreu por meio da internet. De forma mais específica, o questionário foi elaborado na plataforma Google Docs e compartilhado por meio de redes sociais e e-mails. Na primeira tela do site, foram exibidos os princípios éticos, garantia do anonimato das respostas dos participantes, o direito de participação voluntária, bem como a possibilidade de desistência do estudo, a qualquer momento, sem acarretar qualquer prejuízo. Em caso de eventuais dúvidas quanto ao questionário, os participantes poderiam entrar em contato por meio dos e-mails dos pesquisadores.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, do Centro de Ciências da Saúde, da Universidade Federal da Paraíba (Nº. Procotolo 0154/14) considerando os aspectos éticos exigidos pela Resolução 466/2012.

Análise de Dados

Utilizou-se o software estatístico R (R Development Core Team, 2015). Foram realizadas análises descritivas e de frequência, para caracterização da amostra. Também foram realizados o teste t de Student, a análise dos Eixos Principais e a de confiabilidade (alfa de Cronbach; α).

Para a realização das análises no software R, diferentes pacotes estatísticos precisaram ser utilizados. Para averiguar os critérios do Kaiser-Meyer-Olkim (KMO) e o Teste de Esfericidade de Bartlett, necessários para dar procedimento a extração de fatores, utilizou-se os pacotes estatísticos psych e corpcor (Revelle, 2013; Schäfer et al., 2013) respectivamente. Para determinar o número de fatores que seriam extraídos, utilizou-se os pacotes psych e nFactors (Raiche, Walls, Magis, Riopel, & Blais, 2013). Finalmente, para realização da análise dos Eixos Principais e de confiabilidade, foram utilizados os pacotes psych e ltm (Rizopoulos, 2015).

 

Resultados

Primeiramente, verificou-se o poder discriminativo dos itens, para averiguar se estes são capazes de distinguir os participantes que tenham respostas com magnitudes próximas (Pasquali, 2003). Por meio da soma de todos os seis itens da escala, foi encontrado o ponto mediano (13,00), do qual foram estabelecidos os dois grupos critérios internos, inferior e superior. Após estabelecidos estes dois grupos, realizou-se o teste t de Student para a comparação das médias para cada item, com todos eles apresentando diferenças estatisticamente significativas (p < 0,001), como pode ser observado na Tabela 1.

Para verificar a fatorabilidade da matriz de correlações entre os itens, faz-se necessário observar a adequação dos dados quanto a dois critérios: Kaiser-Meyer-Olkim (KMO) e Teste de Esfericidade de Bartlett. Os valores devem ser, respectivamente, iguais ou maiores que 0,60 e estatisticamente significativos (Tabachnick & Fidell, 2013). Os resultados obtidos apoiam a realização de uma análise fatorial [KMO = 0,85; Teste de Esfericidade de Bartlett, χ2 (15) = 564,859, p < 0,001].

Para decisão quanto ao número de fatores que seriam extraídos da EMFS, optou-se por observar os critérios de Kaiser, Cattell, Horn, Optimal Coordinates e Acceleration Factor. O critério de Kaiser leva em consideração os valores próprios dos fatores, que devem ser superiores a 1. O critério de Cattell é demonstrado por meio da distribuição gráfica dos valores próprios que, quando situados após a configuração do « cotovelo», são desconsiderados. A análise paralela (Critério de Horn) é conhecida como um dos critérios mais eficazes, considerando a superioridade dos valores próprios em relação aos simulados. O Optimal Coordinates, por meio de simulações, verifica o número de simulações que são maiores que os valores próprios reais, definindo o número de fatores a extrair. O Acceleration Factor observa o ponto em que há uma mudança no declive da curva, identificando os fatores encontrados antes do "cotovelo" (Raiche et al., 2013).

Em todos os critérios utilizados observou-se uma distribuição unifatorial para o instrumento, estrutura coerente com o proposto por Spielmann et al. (2013). Sendo assim, a análise dos Eixos Principais foi conduzida, fixando em um fator e considerando itens com saturação acima de |0,30| (Hair, Black, Babin, & Anderson, 2015). Os resultados podem ser observados na Tabela 2.

Todos os seis itens da escala saturaram acima do ponto de corte, com a estrutura apresentando valor próprio de 3,43 e explicando 57,1% da variância total. Por fim, averiguou-se a confiabilidade do instrumento, obtendo-se um alfa de Cronbach (α) de 0,88, reunindo assim evidências favoráveis quanto à validade deste instrumento. A medida também apresentou homogeneidade (correlação média inter-item) de 0,56, variando de 0,34 a 0,76.

 

Estudo 2. Análise Confirmatória da Escala "Medo de Ficar Solteiro"

O segundo estudo teve como objetivo fornecer evidências mais robustas quanto ao instrumento. Para tanto, verificou-se a estrutura por meio de uma análise fatorial confirmatória (AFC), bem como a averiguação quanto a sua invariância fatorial, confiabilidade, confiabilidade composta e validade convergente.

Participantes

O segundo estudou contou com a participação de 220 sujeitos, com idade média de 21,90 (DP = 5,64), sendo 131 do sexo feminino (59,5%). A maioria afirmou ser de religião católica (n = 102; 46,4%), heterossexual (n = 206; 93,6%) e que estava em um relacionamento no momento da aplicação (n = 91, 41,4%; seguindo o primeiro estudo, com variações de um mês a mais de década). Quanto ao estado civil dos participantes, a maioria declarou está solteira (n = 180; 81,8%).

Instrumentos

Para o segundo estudo, além dos mesmos instrumentos utilizados anteriormente, considerou-se a Escala de Solidão, para verificação da convergência do instrumento. Ao final do questionário, também foi perguntado o escore que representava o nível de satisfação com a vida (Em uma escala de 0 - Totalmente Insatisfeito - a 10 -Totalmente satisfeito -, como você avalia a sua satisfação com a vida?).

Escala de Solidão De Jong Gierveld (Versão Reduzida). Instrumento criado por Jong-Gierveld e Tilburg (2006) e validado para o Brasil por Coelho, Fonsêca, Gouveia, Wolf e Vilar (2015). Este visa avaliar aspectos da solidão emocional (05. Sinto-me rejeitado frequentemente) e social (06. Há pessoas o suficiente a quem me sinto próximo) dos indivíduos. É composto por seis itens e respondido em uma escala Likert de 5 pontos (1 = Discordo Totalmente; 5 = Concordo Totalmente). Na validação no Brasil, apresentou alfa de Cronbach (α) de 0,77.

Procedimento

Para o segundo estudo, contou-se com a participação de estudantes universitários do estado da Paraíba. Após autorização dos professores, era combinado um horário para aplicação dos questionários em sala de aula. Pesquisadores instruíram os estudantes a respeito dos objetivos da pesquisa, bem como o seu caráter ético, garantia de anonimato e caráter essencialmente voluntário, podendo o participante desistir se assim entender necessário. Os pesquisadores estiveram em sala de aula durante toda a aplicação, para solucionar eventuais dúvidas que pudessem aparecer sobre o instrumento. O questionário foi respondido de forma individual, em ambiente coletivo.

Análise de Dados

Análises descritivas, de frequência, de confiabilidade, correlações e testes t de Student foram realizadas por meio do programa R (R Development Core Team, 2015). Já para a análise fatorial confirmatória (AFC), análise fatorial confirmatória multigrupos (AFCMG) e Confiabilidade Composta, utilizou-se o software AMOS, versão 22. Por meio do método de estimação Maximum Likelihood (ML), foram considerados para a confirmação da estrutura os seguintes indicadores de modelo (Hair et al., 2015; Tabachnick & Fidell, 2013):

- χ2 (qui-quadrado) /gl (Graus de Liberdade): Probabilidade do modelo se ajustar aos dados obtidos. Quanto maior o valor, pior o ajustamento. Aceita-se valores até 5, mas recomenda-se entre 2 e 3.

- Comparative Fit Index (CFI): Índice comparativo adicional entre o modelo estimado e o modelo nulo. Valores mais próximos de um são indicadores de ajustamento satisfatório.

- Tucker-Lewis Coefficient (TLI): Indicador global de adequação do modelo, admitindo-se valores entre 0,80 e 0,90 e considerando-se satisfatórios próximos a 1,00.

- Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA): Baseia-se nos residuais do modelo, sendo considerado um indicador de "maldade" de ajuste. Valores altos indicam um modelo desajustado, sendo recomendável estar entre 0,05 e 0,08, embora sejam aceitos até 0,10. O PClose testa a hipótese nula de RMSEA = 0,05, devendo estar maior que 0,05 para indicar um modelo ajustado.

A análise fatorial confirmatória multigrupo foi utilizada para testar a invariância fatorial em relação a participantes que estão ou não em um relacionamento. Para tanto, considerou-se as diferenças dos qui-quadrado (Δχ2), que devem ser não significativos quando comparados os modelos (Damásio, 2013) e o ΔRMSEA, que deve ser menor que 0,015 (Chen, 2007).

 

Resultados

A fim de confirmar os resultados encontrados no primeiro estudo, testou-se uma estrutura unifatorial, coerente com o modelo original. Todos os índices apresentaram resultados satisfatórios: χ2/gl = 2,66, CFI = 0,96, TLI = 0,94, RMSEA = 0,087 (IC90% = 0,046-0,130) e Pclose = 0,067.

Todas as cargas fatorais apresentaram saturações entre 0,49 (Item 06) e 0,82 (Item 03), mostrando-se estatisticamente diferentes de zero (λ≠ 0; z > 1,96, p < 0,001), e com média 0,66. A medida apresentou alfa de Cronbach (α = 0,88) e a confiabilidade composta (CC = 0,82), reforçando a consistência interna do instrumento.

Posteriormente, testou-se a invariância fatorial da EMFS quanto aos participantes estarem ou não em um relacionamento, utilizando-se a AFCMG. Para tanto, considerou-se três modelos (Damásio, 2013): (a) Invariância configural ou modelo irrestrito, que avalia quão plausível é a estrutura da medida em relação aos grupos em questão; (b) Invariância métrica ou de igualdade de cargas fatoriais, que avalia se as cargas fatoriais dos itens são equivalentes para os grupos utilizados; e (c) Invariância escalar ou invariância de interceptos, que avalia se os interceptos dos itens são equivalentes para os grupos. Segundo Milfont e Fischer (2010), estes são os modelos necessários para testar os escores dos grupos, com testes adicionais sendo opcionais. Os resultados podem ser observados na Tabela 3.

Observa-se que, utilizando-se o Δχ2, os resultados apoiam a invariância configural e métrica, mas não apresenta suporte à invariância escalar. Já o ΔRMSEA apresenta suporte a invariância nos três modelos utilizados.

Logo após, testou-se a convergência do instrumento com outros construtos, por meio de correlações. O Medo de Ficar Solteiro apresentou resultados significativos com todas as variáveis incluídas, solidão emocional (r = 0,36, p < 0,01), solidão social (r = 0,18, p < 0,01) e o escore de satisfação com a vida (r = -0,21, p < 0,01). Levando em consideração o proposto por Cohen (1988), as magnitudes dos coeficientes das correlações com solidão social e satisfação com a vida foram pequenas (Menor que 0,30), enquanto que com solidão emocional foi média (Entre 0,30 e 0,49).

Por fim, testou-se o medo de ficar solteiro quanto ao sexo dos participantes. O resultado foi significativo [t (204) = -3,60, p < 0,01], com as mulheres apresentando maior média do que os homens (M = 2,34, SD = 0,97 e M = 1,87, SD = 0,82, respectivamente).

 

Discussão

Spielmann et al. (2013) buscaram suprir as limitações das pesquisas anteriores sobre o medo de estar solteiro, levando em conta que este não acaba necessariamente ao se encontrar um novo parceiro, sendo necessário um controle e mensuração mais específica. Este medo pode levar as pessoas a apresentarem características como preocupação, angústia, aflição ou ansiedade, além de possibilitar a obtenção de parceiros abaixo da expectativa apenas por não apresentarem perspectivas de mudança na situação (Cole, 1999). Assim, Spielmann et al. (2013) propuseram a EMFS, a qual o presente estudo teve por objetivo apresentar evidências de validade e consistência interna para o contexto brasileiro. Confia-se que o objetivo tenha sido alcançado, apesar de potenciais limitações quanto aos estudos, como a utilização de amostras não probabilísticas (por conveniência) e a desejabilidade social ou viés de resposta associado a medidas de autorrelato. Contudo, ressalta-se o objetivo de avaliar os parâmetros de uma medida específica.

No primeiro estudo, utilizando-se de diferentes métodos de retenção de fatores, encontrou-se uma estrutura unifatorial idêntica a escala original, com todos os itens saturando acima de 0,63. Estes resultados foram corroborados no segundo estudo, por meio de uma análise fatorial confirmatória. Os indicadores obtidos sustentam a distribuição unifatorial obtida pela EMFS em contexto brasileiro (Hair et al., 2015; Tabachnick & Fidell, 2013). Ademais, apresentou-se validade externa da medida e encontrou, nos dois estudos, um alfa de Cronbach acima do recomendado pela literatura quanto a confiabilidade dos instrumentos (Kline, 2013), bem como evidência de sua confiabilidade composta (Škerlavaj & Dimovski, 2009).

No segundo estudo também foi realizada uma análise fatorial confirmatória multigrupo, objetivando-se averiguar se a medida apresenta configuração e parâmetros equivalentes em relação a diferentes grupos (Damásio, 2013). Neste caso, utilizou-se o status de relacionamento dos participantes, se estão solteiros ou não. A invariância foi analisada quanto a três diferentes níveis (configural, métrica e escalar). O Δχ2 apresentou suporte apenas aos dois primeiros modelos. Contudo, ressalta-se que, apesar de ser uma ferramenta importante para observar as diferenças na população, o χ2 apresenta limitações, como sensibilidade ao tamanho amostral e complexidade do modelo apresentado (Chen, 2007), sendo recomendável a sua utilização junto a outro indicador (Damásio, 2013). Neste caso, optou-se pela utilização conjunta ao ΔRMSEA, o qual deu suporte a invariância nos três modelos observados. Sendo assim, o instrumento se mostrou equivalente quando respondido tanto por participantes que estão solteiros quanto com os que estão em um relacionamento.

Ainda no segundo estudo, foram realizadas correlações entre a EMFS, a solidão emocional e social, e os escores de satisfação com a vida. Como esperado, a correlação com solidão emocional apresentou maior magnitude do que a com solidão social. Este tipo de solidão é caracterizado pela falta de um relacionamento mais íntimo, como um parceiro romântico, enquanto a solidão social refere-se mais aos grupos de interesse do indivíduo, como vizinhança ou colegas de trabalho (Jong-Gierveld & Tilburg, 2010). Sendo assim, uma maior solidão emocional poderia levar o indivíduo a vivenciar um maior medo em relação ao futuro de seus relacionamentos íntimos.

Apesar de a correlação com satisfação com a vida ter apresentado magnitude pequena, também se obteve resultado significativo, indicando uma relação negativa entre as variáveis. Frequentemente são atribuídos aos solteiros estereótipos de que estes são "mais tristes" e apresentam uma vida "menos excitante" (Greitemeyer, 2009; Morris et al., 2007), além da possibilidade destes desenvolverem fatores que desestabilizem o seu bem-estar e a qualidade de vida, como baixa autoestima, depressão e sensibilidade a rejeição (Hirschberger et al., 2002; Kavanagh et al., 2010; Spielmann et al., 2013).

Tais avaliações negativas, citadas por Spielmann et al. (2013), não apresentam distinção quanto ao sexo dos participantes, com o fenômeno ocorrendo de forma discriminada tanto para homens quanto para mulheres. Contudo, se observou diferença estatisticamente significativa quanto a essa variável, constatando que as mulheres apresentaram um escore maior do que os homens. Maio e Esses (2001) apontam diferenças na construção da masculinidade e feminilidade no processo de aprendizagem social no que se refere às emoções. Enquanto os homens tendem a evitar as emoções, as quais seriam um indicativo de fraqueza, as mulheres tendem a aproximar-se destas. Corroborando com os autores, Guerra, Scarpati, Brasil, Livramento e Silva (2015) demonstraram que a restrição emocional para os homens é associada à estabilidade pessoal e sobrevivência nos grupos dos quais fazem parte, pois a expressividade das emoções pode ser entendida como uma ameaça à masculinidade. Além disso, pesquisas têm demonstrado que as mulheres tendem a vivenciar de forma mais intensa a solidão emocional do que os homens (Jong-Gierveld & Tilburg, 2010; Pinquart & Sorensen, 2001), tipo de solidão que apresentou correlação positiva significativa e de média magnitude com o medo de solidão no segundo estudo, o que pode ajudar a explicar o maior medo apresentado.

Para estudos futuros, sugere-se a utilização de outros construtos, a fim de apresentar novas evidências de validade convergente e divergente, bem como expandir a possibilidade de estudos com o medo de ficar solteiro. Indicam-se estudos que abordem variáveis, tais como: personalidade, positividade, autoestima e depressão, além de construtos que possibilitem um maior aprofundamento no campo dos relacionamentos, como ciúme, necessidade de emoções, entre outros. Por fim, ressalta-se a importância dos resultados encontrados, uma vez que se trata de um fenômeno ainda não estudado no contexto brasileiro, podendo proporcionar discussões em diferentes âmbitos, visto suas implicações psicológicas e sociais, sobretudo no bem-estar e na qualidade de vida dos indivíduos.

 

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Endereço para correspondência:
Patrícia Nunes da Fonseca
Universidade Federal da Paraíba, Centro de Educação, Departamento de Psicopedagogia
João Pessoa, PB, Brasil 58051-900
E-mail: pnfonseca.ufpb@gmail.com e linshc@gmail.com

Recebido: 28/02/2016
1ª revisão: 29/05/2016
Aceite final: 28/07/2016

 

 

Agradecimentos: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por bolsa de Doutorado Pleno concedida ao último autor.

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