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Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)
On-line version ISSN 1413-6295
Cad. psicanal. vol.38 no.35 Rio de Jeneiro Dec. 2016
ARTIGOS
Trauma, temporalidade e inscrição psíquica
Trauma, temporality and psychic inscription
Natália de Oliveira de Paula CidadeI*; Silvia Abu-Jamra ZornigI, II**
IPontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio - Brasil
IISociedade de Psicanálise Iracy Doyle - SPID - Brasil
RESUMO
Tendo a clínica dos sofrimentos narcísico-identitários como referência, o artigo visa discutir a questão do trauma enquanto excesso pulsional, enfocando, principalmente, as possibilidades de inscrição psíquica e a temporalidade do traumático, ambos comportando particularidades significativas. Dessa forma, a representação deixa de ser a única função possível e desejável a ser alcançada pelo psiquismo e o que não é representado pode permanecer enquanto potencialidade de elaboração do evento traumático a partir do encontro com a alteridade, e não apenas enquanto compulsão à repetição.
Palavras-chave: Trauma, Irrepresentável, Temporalidade, Clínica psicanalítica, Inscrição psíquica.
ABSTRACT
This paper intends to discuss the concept of trauma as an excessive amount of excitement drive, taking for reference the clinical practice in identity and narcissistic suffering. The main goal is to analyze the possibilities of psychic inscriptions in relation to the temporality of the trauma, since both of them have significant particularities. In this perspective, the access to symbolic representation is not the only possible and desirable attainable psychic function, and what cannot be represented can remain as a elaboration potential of the traumatic event from the encounter with otherness, and not only as a compulsion to repeat.
Keywords: Trauma, Non-representation, Temporality, Psychoanalytic clinic, Psychic inscription.
O atual deve encontrar lugar e sentido na história do sujeito. O factual deve encontrar o fantasístico. O presente deve encontrar o passado para que um futuro seja possível (KORFF-SAUSSE, 2001, p. 208).
A psicanálise tomou emprestado o termo trauma do campo da medicina e cirurgia, há muito utilizado por esses saberes. A palavra, originalmente em grego, significa ferida e deriva ainda de outra, que designa furar, uma ferida com efração. No vocabulário médico, o trauma é utilizado para referir-se às consequências no organismo causadas por uma lesão resultante de uma violência externa. A psicanálise transpõe, para o plano psíquico, três significações implicadas no saber sobre o trauma: haveria um choque violento; uma efração como consequência do choque; e, a ambos, se seguiriam graves consequências sobre o conjunto da organização (LAPLANCHE; PONTALIS, 1967/1970).
Diferentemente da visão médica sobre o trauma, na psicanálise o conceito ocupa dois lugares contrários, culminando em um paradoxo: ao mesmo tempo em que o trauma pode trazer consequências dolorosas e dessubjetivantes para o sujeito, é somente a partir de alguns acontecimentos traumáticos que nos fundamos enquanto seres humanos, seres de linguagem. Nesta direção, compreende-se que a vivência traumática não comporta um sentido em si. A partir do transbordamento de excitações, o psiquismo buscará soluções possíveis para lidar com o excesso pulsional, podendo gerar um desdobramento de significações. Dessa forma, em consonância com Maia (2005), pode-se pensar o trauma através de aspectos positivos e negativos.
Em seus aspectos positivos, o trauma carrega em si uma potência de mudança. O processo traumático pode levar à produção de narrativas subjetivas na medida em que desestabiliza, momentaneamente, as construções psíquicas operantes, tornando-se capaz de modificar formas, sentidos e significações na vida do sujeito. É possível mudar nossa forma de estar no mundo a partir de uma situação traumática, já que o trauma pode afetar as estruturas vigentes, provocando o desdobramento de sentido para o indivíduo ou coletividade. Em seus aspectos negativos, o trauma pode gerar um efeito paralisante dos processos de simbolização, impedindo mudanças na vida do sujeito. Um evento traumático pode vir a dificultar as possibilidades de construir narrativas acerca do ocorrido e de si, desafiando sua memória e possibilidades de elaboração psíquica.
O destino do trauma - subjetivante ou dessubjetivante - vai depender de uma série de fatores complementares, que levam em consideração as possibilidades subjetivas daquele que foi impactado pelo traumático. No presente trabalho, inicialmente nos debruçaremos sobre os aspectos negativos do trauma, ligados à disrupção e ao desligamento pulsional, contudo, acenaremos na direção de um potencial de mudança, também presente no traumático. Propomo-nos a explorar alguns desdobramentos e consequências acerca da questão do traumático enquanto excesso pulsional, enfocando, principalmente, as possibilidades de inscrição psíquica e a temporalidade do traumático, ambos comportando particularidades significativas.
O traumatismo primário
Discorrendo acerca da problemática do trauma, nos debruçaremos sobre algumas contribuições de René Roussillon. Ao propor o modelo dos sofrimentos narcísico-identitários, o autor nos fala de uma modalidade psicopatológica que está aquém da neurose clássica freudiana. Baseado em sua clínica e estudos psicanalíticos, Roussillon abre uma discussão acerca de uma problemática que difere e, ao mesmo tempo, complementa o modelo clássico freudiano e que diz respeito a pacientes com os quais todos os psicanalistas atuais se deparam em algum momento de sua prática clínica.
Os sofrimentos narcísico-identitários teriam modos de funcionamento fundados sob a hipótese de uma organização defensiva contra os efeitos do que Roussillon (1999; 2012) chamou de traumatismo primário. Esse conceito surgiu como um desenvolvimento da teoria freudiana sobre o modelo do trauma, a partir de 1920, unido às contribuições de Winnicott (1967/1975) acerca de uma espécie de graduação traumática, instaurada de acordo com a insatisfação da resposta objetal nas fases iniciais do desenvolvimento emocional primitivo do bebê.
Com o intuito de diferenciar a problemática narcísico-identitária da neurótica, Roussillon (1999) nos apresenta seu conceito de traumatismo primário e faz uma diferenciação do conceito de trauma que permeia o início da obra freudiana, na forma "clássica" de tratamento psicanalítico, renomeando-o traumatismo secundário. Enquanto o traumatismo primário tem suas origens em traumas precoces, anteriores à aquisição da linguagem pela criança (ROUSSILLON, 2012), no traumatismo secundário têm-se notícias do trauma segundo o modelo implícito da neurose, no qual o psiquismo é assaltado por um conflito e precisa recalcar um dos elementos deste, com o intuito de lidar com o desprazer gerado. O conflito recalcado localiza-se no passado e tem sua origem na sexualidade infantil. O trauma (secundário) teria sido recalcado juntamente com qualquer representação que tivesse envolvimento com ele.
Nesse sentido, a situação subjetiva que teria levado ao trauma pôde ser experienciada, representada e, posteriormente, recalcada. Houve um processamento do ocorrido, de forma que a situação pôde ser compreendida enquanto vivência e registrada pelo psiquismo como parte da história daquele sujeito. No traumatismo primário, nos diz Roussillon (1999), a experiência não alcança o status de vivência, uma vez que a resposta ao evento é extremamente paradoxal. Por um lado, a experiência foi vivida, deixando marcas e espécies de "pegadas" no psiquismo, mas, por outro lado, não houve uma apropriação subjetiva disso, que foi vivido como tal. Seguindo as contribuições de Winnicott (1974/1994), pode-se pensar em experiências aflitivas que ocorreram na vida do sujeito, mas que não puderam ser experimentadas e historicizadas enquanto tais. Nas palavras do autor, seria algo da ordem do "que ainda não foi experienciado [e que] apesar disso aconteceu no passado" (p. 73).
A partir destas contribuições, Roussillon (1999) opta por renomear o traumatismo apresentado nos primórdios da psicanálise como secundário, uma vez que ele estaria associado a um segundo tempo, no qual a experiência precisou ser recalcada por conter algum tipo de ameaça ao psiquismo. Cabe ressaltar que o elemento recalcado continua ativo e ameaçando a subjetividade através do retorno do recalcado, de forma que o desejo, representado na fantasia inconsciente como satisfeito (através da realização de desejo alucinatória), ameaça a integridade do sujeito. Diante desta ameaça, o ego organiza defesas contra o retorno do recalcado e o tipo de satisfação substitutiva que surge levaria à neurose.
Contudo, para aceder a um modelo de traumatismo secundário, Roussillon (1999) aponta a necessidade de que algumas condições sejam atingidas de forma satisfatória. Inicialmente, os processos de simbolização primária já teriam sido alcançados, de maneira que todo o processo se desenrolaria no espaço representativo. O lugar do ato encontra-se restrito ao efeito das representações inconscientes agidas na transferência. Dessa forma, a problemática aparece sob a égide ou a dominação do princípio do prazer/desprazer, tendo como dificuldade sua transformação em princípio de realidade. O segundo ponto levantado pelo autor diz respeito ao narcisismo, que também se encontraria desenvolvido de forma "suficientemente boa" no modelo do traumatismo secundário. Neste, ele permitiria a organização de uma ilusão que possibilitaria a transferência, sob o primado do princípio de prazer, culminando no modelo que cria uma dialética entre recalque, retorno representativo do recalcado e defesas anexas contra o retorno do recalcado.
Em ambos os casos, encontramos lugar para a operação de representação, uma vez que os processos de simbolização primária e o narcisismo teriam ocorrido de forma satisfatória, sem problemas maiores na vida infantil do sujeito. Porém, ainda nos guiando pelas reflexões de Roussillon (1999; 2015), quando estas condições não são alcançadas, deixando um rastro de falhas graves, encontramos situações que embasam o que o autor chamou de traumatismo primário. Neste, pode-se afirmar que certas partes da vida psíquica não são recalcáveis porque não se encontram integradas na subjetividade. Tais experiências psíquicas podem ser ditas "inconscientes", uma vez que deixam marcas; contudo são incapazes de se tornarem conscientes da mesma forma que as experiências recalcadas. Nesse sentido, influenciam o sujeito de uma maneira completamente diferente daquilo que é representado e recalcado.
Na origem do conceito de traumatismo primário, Roussillon (1999) aponta as modificações teóricas propostas por Freud em Além do princípio do prazer, especialmente as contribuições sobre a pulsão de morte e o excesso pulsional (FREUD, 1920/1996). No que diz respeito ao arcabouço teórico freudiano, é a partir da virada teórica de 1920 e do aparecimento do conceito de pulsão de morte que Freud concebe uma nova ideia de trauma, relacionada a um excesso pulsional que não pôde ser contido ou representado (GARCIA-ROZA, 2005; LEJARRAGA, 1996). Em consonância com este momento da teoria freudiana, o trauma passa a ser compreendido, em sua obra, como algo que escapa à representação e ao sexual.
Retomando a virada teórica de 1920, é no Além do princípio do prazer que Freud indaga sobre algo que aparece na clínica, mas não obedece aos princípios que ele supunha reger o psiquismo até então. Com a Primeira Guerra Mundial, há uma modificação na teoria freudiana. De acordo com Rudge (2009), começam a aparecer quadros psicopatológicos diferentes no pós-guerra que chamam a atenção de Freud, as chamadas neuroses de guerra (FREUD, 1919/1996). Uma novidade que a acompanha são sonhos traumáticos, observados, principalmente, nestes soldados. Outros fenômenos, com os quais Freud se depara na clínica, são as reações terapêuticas negativas, experiências de repetição que não pareciam vir acompanhadas de prazer para o sujeito. A partir destas observações, Freud (1920/1996) começa a teorizar sobre essa repetição incessante de um evento traumático que invade o sujeito de forma inesperada. Tal repetição proporciona uma experiência de angústia, horror e desprazer, contrariando o funcionamento do princípio do prazer.
Diante da novidade encontrada numa força pulsional sem representação, Freud repensa algumas de suas ideias sobre o trauma. A partir daí, a neurose traumática surge como aquilo que escapa à representação e ao sexual, conjugando-se a uma ameaça real de vida da qual não se pôde proteger ou intuir. Enquanto nas neuroses de transferência o perigo vinha do sexual, na neurose traumática a etiologia sexual como risco estaria ausente. Haveria, na realidade, um sentimento de ameaça de vida e um ego que não estaria preparado para lidar com o acontecimento impensável (MALDONADO, 2012). A questão estaria mais próxima ao desamparo inicial da vida (FREUD, 1926[1925]/1996) do que ao sexual propriamente dito.
Em consonância com Maldonado (2012), pode-se definir a neurose traumática como um conjunto de fenômenos psíquicos que surgem como consequência de um choque imenso, inesperado e súbito, frente ao qual o ego não tem como defender-se. A partir dessa invasão disruptiva, uma série de sintomas específicos vão se erigir como defesa, tentando impedir que a vivência inominável do momento traumático retorne e devaste novamente o sujeito. A neurose traumática aponta para uma posição subjetiva egoica bastante paradoxal: ao mesmo tempo em que narramos a passividade do ego diante do excesso pulsional desligado, não passível de simbolização, e dos processos traumáticos que o invadiram; o ego também encontra uma dimensão de atividade quando convoca respostas defensivas e arcaicas localizadas no além do princípio do prazer.
Dessa forma, a responsabilização pelo evento traumático não pode ser atribuída apenas às excitações externas, mas ao estado de passividade egoica frente ao que foi vivido. O que está em jogo, no terreno do traumático, é a ameaça de morte psíquica e aniquilamento do ego, em torno dos quais se organizam defesas extremamente radicais e regidas por Tanatos, aquém da possibilidade de representação, tais como a compulsão à repetição (FREUD, 1920/1996; MALDONADO, 2012).
Dando prosseguimento à segunda contribuição que levou ao conceito de traumatismo primário, Roussillon (1999) utiliza-se das fases winnicottianas que narram uma espécie de graduação traumática. Winnicott (1967/1975) nos apresenta três momentos de formação da experiência subjetiva que levam em conta o fator temporal de resposta da mãe/ambiente às necessidades do bebê. Exemplifica sua contribuição da seguinte maneira: o sentimento de que a mãe existe para o bebê quando esta se encontra fora de seu campo de percepção equivale ao tempo X; se a mãe permanece fora pelo tempo de X+Y, o bebê fica aflito, mas ainda consegue se recuperar a partir do retorno da mãe real para a cena; no entanto, se a mãe se ausenta temporalmente por X+Y+Z, o estado do bebê não pode mais ser corrigido pelo retorno da mãe, resultando em um trauma precoce.
A terceira fase proposta por Winnicott (1967/1975), o momento X+Y+Z, corresponderia a um tempo maior do que a capacidade do bebê de suportar a ausência da mãe, culminando em um acontecimento traumático para ele. Neste momento, haveria uma ruptura na continuidade do ser do bebê, levando a uma organização defensiva contra o caos da desintegração e gerando sentimentos de desamparo e de falta do objeto de forma quase insuportável. Roussillon (1999) localiza na fase Z o surgimento do estado de traumatismo primário, espécie de intensificação de um estado extremo de falta e marcado por uma insuficiência de resposta objetal. Se o sofrimento psíquico encontra-se em primeiro plano, ele origina as chamadas agonias impensáveis de Winnicott (1962/2008; 1974/1994), exemplificadas como a vivência de um estado de desintegração, o sentimento de cair para sempre, a perda da capacidade de se relacionar com objetos, dentre outros.
Discorrendo acerca do traumatismo primário, Roussillon (1999) aponta algumas de suas características específicas: o desamparo, originando experiências de tensão e desprazer que não possuem representação (apesar de guardarem marcas perceptivas e sensoriais); experiências que não possuem saídas, nem recursos internos ou advindos de um objeto externo, uma vez que estes se provaram inadequados. Nestes estados, nenhuma solução satisfatória parece disponível e a esperança encontra-se desaparecida. A única resposta para essa situação de impasse é paradoxal. Com o objetivo de sobreviver, o indivíduo se retira da experiência de traumatismo primário e se poda de sua subjetividade. O paradoxo está justamente nessa retirada do indivíduo, que é o que permite que ele sobreviva a partir de uma saída subjetiva dele mesmo, originando uma clivagem egoica - o que pode ocorrer em diferentes graus.
Importante resaltar que a saída do traumatismo primário, pela via da clivagem egoica, não apaga a experiência como um todo, deixando restos não representados que sobrevivem no além do princípio do prazer. Uma vez que a descarga encontra-se impossibilitada de ocorrer via processos de simbolização, é através da compulsão à repetição que a parte clivada tende a retornar, ameaçando tanto a subjetividade quanto o ego, através de uma reatualização da experiência traumática. O retorno do material clivado nada tem a ver com o representado: manifesta-se via corpo ou ato. Diferentemente do retorno do recalcado, o retorno do clivado faz menção àquilo que é impensável, irrepresentável, e se faz presente de outras formas que não na associatividade verbal (ROUSSILLON, 1999).
Tendo em vista a constituição e os mecanismos do traumático, algumas questões se colocam primordiais ao longo deste trabalho. A partir do reconhecimento de um retorno do clivado, de que forma o evento traumático se inscreve na memória do sujeito? O que retorna, afinal? Há inscrição possível, ou deve-se buscar outro referencial? Uma vez que o acontecimento não se encontra inscrito, simbolizado ou encadeado na cadeia de representações, o que sobra e de que forma "isso" aparece?
Memória e inscrição psíquica
Com o intuito de pensar acerca das possíveis formas e modalidades de inscrição psíquica, cabe apreciarmos a Carta 52 da correspondência entre Freud e Fliess (FREUD, 1950[1896]/1996), na qual Freud descreve, de forma esquemática, algumas maneiras através das quais a memória seria registrada. A novidade presente nesta carta é que, a partir dela, pode-se pensar que o registro da memória ocorre não de uma só vez, mas em diversos tempos. Ao longo de sua obra, Freud pensa a problemática da representação e da memória como entrelaçados, sendo a memória constituída por elementos que puderam se inscrever no psiquismo.
Em consonância com Moreno e Coelho Junior (2012), verifica-se que as diversas modalidades de registro mnêmico presentes na Carta 52 delineiam um caminho estratificado que parte da percepção em direção à representação de palavra. Nesse sentido, Freud (1950[1896]/1996) destaca quatro níveis de registro: W [Wahrnehmungen (percepções)], neurônios nos quais se originam a percepção, mas que nada retém do acontecido; Wz [Wahrnehmungszeichen (indicação da percepção)], primeiro nível de registro do que foi percebido; Ub [Unbewusstsein (inconsciência)], segundo nível de registro, com provável relação causal entre o registrado; e Vb [Vorbewusstsein (pré-consciência)]: terceiro nível de registro, ligado a representações verbais. Podem tornar-se conscientes de acordo com certas regras.
Tendo como horizonte as vicissitudes do traumático e dos sofrimentos narcísico-identitários, o nível de registro que mais nos interessa para esta discussão teórica é o Wz, no qual encontramos os primeiros registros perceptivos, que ainda não acederam ao verbal. De acordo com Maldonado (2012, p. 58):
Os índices de percepção (Wz) seriam tomados como signos não ligados e, portanto, não inscritos no sistema inconsciente; teriam a forma de índices ou marcas, e não de traços representativos e, em última instância, vão dar lugar a uma figura de memória da ordem das marcas e das impressões, e não de traços representativos e remanejáveis.
Diferentemente do traço, a impressão não pressupõe uma inscrição, configurando um tipo diferenciado de memória. Freud utiliza a expressão traço ao longo de sua obra para localizar a maneira pela qual os acontecimentos se inserem na memória, encadeando-se em sistemas e mantendo relação com outros traços (LAPLANCHE; PONTALIS, 1967/1970). Fazer traço relaciona-se com representar e se inscrever no psiquismo, ao mesmo tempo em que tudo aquilo que está fora desse alcance é considerado como impossibilitado de ingressar no mundo das representações.
Ao realizar uma leitura cuidadosa da Carta 52, Roussillon (2006) também comenta acerca da pluralidade e complexidade da memória, especialmente em relação aos níveis de registro descritos por Freud. O autor localiza, na obra freudiana, três tipos de memória, constituída por três tipos de signos: perceptiva, conceitual e afetiva.
A memória perceptiva equivale a um primeiro momento de registro, tal como foi introduzido por Freud (1950[1896]/1996), os índices de percepção (Wz). Estes compõem o primeiro registro de dados fornecidos pela percepção e só podem se tornar conscientes de forma alucinatória, já que ainda não há uma dimensão de elaboração do percebido. São a inscrição primeira e fundamental do material bruto da experiência - que Freud chamou de matéria primária psíquica. De acordo com Roussillon (2015), este material é complexo, multiperceptivo, pois seu acesso provém pelas cinco vias de sentido, e multissensorial.
A memória conceitual diz respeito a dois momentos distintos de registro da experiência: o segundo e terceiro níveis de registro. O segundo, da inconsciência (Ub), consiste em uma primeira tradução da experiência psíquica, sendo considerada conceitual por apresentar, novamente, a experiência ao psiquismo, de forma já modificada por ele. Este registro equivale ao que Freud nomeia de representação-coisa e é realizado no Inconsciente, não podendo tornar-se consciente sem sofrer ainda outras modificações, que adviriam de um terceiro nível de registro. Este seria o da pré-consciência (Vb), ligado às representações verbais, com possibilidade de aceder à Consciência e compostos pelo que Freud chamou de representação-palavra.
Complementando os três registros de memórias destacados por Roussillon (2006), a memória afetiva consiste em uma espécie de memória precoce e arcaica, de natureza essencialmente perceptiva e pré-verbal. De acordo com Freud (1926[1925]/1996), alguns afetos podem ser compreendidos como reproduções de experiências muito antigas, de importância vital e anteriores a nossa própria compreensão egoica. Este tipo de memória surge mais tardiamente na obra freudiana, a partir de seus estudos sobre o trauma e a angústia. Ele nos remete à experiência do nascimento e ao desamparo primordial para exemplificar a angústia como um destes afetos iniciais que teriam sido registrados sob a forma apenas de um afeto difuso, podendo ser evocada mais tarde, diante de outros acontecimentos ameaçadores.
Importante ressaltar que o modelo freudiano de memória pode ser compreendido de forma sincrônica e diacrônica, segundo uma observação de Roussillon (2006). Sincrônica, por dizer respeito aos três tipos de registro que cada evento vai sofrer, atestando a pluralidade da memória e seus diferentes acessos. Diacrônica, por compreendermos que há um registro sucessivo advindo de posteriores eventos ocorridos na vida do sujeito, que representam e retraduzem inscrições antigas, conferindo novos sentidos a estas. Porém, faz-se necessário sublinhar que as inscrições posteriores não fazem desaparecer as primeiras, apenas as complexificam por ramificações associativas.
Até aqui, vimos de que forma a memória de eventos se inscrevem no aparelho psíquico do sujeito. Porém, o que ocorre quando a memória não consegue se inscrever? Na mesma Carta 52, Freud (1950[1896]/1996) nos fala dos fueros no psiquismo - denominação baseada em uma antiga lei espanhola que garantia privilégios perpétuos na região em que vigorava, não sendo necessário submeter-se a outras leis comuns e gerais obedecidas fora da região em questão. Para Roussillon (1999), estes locais funcionam como uma espécie de extraterritorialidades, comportando a informação, porém não permitindo que ela seja modificada ou afetada por experiências posteriores de forma direta.
Os fueros freudianos são compreendidos por Antonello e Herzog (2012) como impressões que estão presentes no psiquismo, mas não puderam ser inscritas. Dessa forma, possuem um estatuto diferente dos traços mnêmicos, alocadas em um mais além do princípio do prazer, e com um desempenho próximo da compulsão à repetição. As marcas psíquicas não se encontram inseridas nas cadeias representativas, não podendo, portanto, ser evocadas enquanto lembrança - apenas enquanto energia. No lugar da representação, são expressão de pura intensidade (KNOBLOCH, 1998).
Em consonância com a noção freudiana de fueros, Cardoso (2011) nos traz a dimensão das impressões traumáticas enquanto mensagens impossíveis de serem decompostas por um ego transbordado, impossibilitado, portanto, de dar outro destino a elas - como uma integração ou o recalque. Haveria um fracasso radical na tradução da mensagem, levando a constituição de um enclave psíquico. Este se constitui como uma espécie de estrangeiro, se fazendo presente, porém segregado - como um gueto. São mensagens irredutíveis, uma vez que dificilmente levam a outros significados, encerrando-se em suas singularidades.
Argumentando acerca das consequências teóricas trazidas pela ideia freudiana de fueros, voltamos nossa atenção para um limite existente no princípio do prazer e na própria concepção de representação, uma vez que tais figuras não obedecem a esta lógica (ANTONELLO; HERZOG, 2012). Nesta perspectiva, observamos uma ampliação do psiquismo de forma que a representação deixa de ser a única modalidade de expressão existente no aparelho, abrindo caminho para outras formas possíveis e para se pensar o irrepresentável.
No que diz respeito à temática em questão, o casal César e Sara Botella possuem uma grande contribuição sobre o estudo do irrepresentável. Aproximando-o da noção de não representação, o casal Botella (2002) identifica duas significações possíveis: uma ligada ao patológico e ao traumático, e outra como estado potencial de um irrepresentável, que aparece no corpo e pode vir a ser. Dessa forma, a representação deixa de ser a única função possível e desejável a ser alcançada pelo psiquismo e o que não é representado pode permanecer enquanto potencialidade, não apenas enquanto compulsão à repetição.
Seguindo nesta direção, os autores acrescentam à lógica da representação uma dimensão de processualidade. Tal dimensão levaria em conta as causalidades representacionais, ao mesmo tempo em que avançaria no sentido de buscar outras relações causais que também operam ao longo das sessões. Estas relações diferenciadas surgem de forma menos acessível na clínica do que as representacionais e são justamente as relativas ao que o casal de autores chama de processos. Dentro desta lógica, o estatuto da percepção vai adquirir um valor bastante particular, em especial sua relação com a temporalidade.
Retomando a Carta 52, o casal Botella (2002b) sublinhará a contribuição freudiana de que a memória é composta por diferentes tipos de signo, o que a torna bastante particular. As conexões entre tais signos não estão restritas aos limites dos órgãos dos sentidos e nem à temporalidade e à espacialidade, não contendo, portanto, nenhum determinismo ou causalidade a priori. Nas palavras dos autores (p. 196), "é a simultaneidade dos signos e sua perceptivação que representa uma potencialidade causal". Ao invés de nos referirmos à causalidade de algum evento como o passado determinando o presente, o casal defende uma potencialidade de causalidades que podem vir a ser, uma vez que a memória é composta por uma pluralidade de signos diferentes. Nesse sentido, diante da discussão apresentada acerca das possibilidades de inscrição psíquica e da formação de diferentes espécies de memória, podemos nos perguntar de que maneira esse registro do traumático aparece para o sujeito.
Temporalidade do trauma
Para dar início à temática em questão, abordaremos a noção freudiana de Nachträglichkeit dentro deste modelo de funcionamento da memória. Em relação à tradução da palavra alemã, Andrade e Maia (2010) apontam que não há um termo em português que comporte a densidade semântica trazida pelo termo em alemão, daí a multiplicidade de traduções presentes na literatura. Dentre as traduções mais utilizadas pelos autores, sublinharemos duas: 1) no Vocabulário de Psicanálise de Laplanche e Pontalis (1967/1970), o substantivo nachträglichkeit e o adjetivo e advérbio nachträglich traduzidos, respectivamente, por posterioridade, posterior e posteriormente, derivando a expressão latina a posteriori; 2) o surgimento do termo em francês après-coup, cunhado por Jacques Lacan, sobre o qual nos debruçaremos mais adiante.
O nachträglichkeit encontra-se ao longo de boa parte da obra de Freud, ressaltando aspectos temporais e de causalidade psíquica. De acordo com Laplanche e Pontalis (1967/1970), o termo refere-se a experiências e/ou impressões ulteriormente remodelados em função de novas cenas vivenciadas pelo sujeito em questão. Dessa forma, reforça-se a ideia de que, dentro do pensamento freudiano, a memória não se constitui enquanto elemento estático e imutável, podendo sofrer a ação de novos elementos, ganhando "além de um novo sentido, uma eficácia psíquica" (p. 441).
Ressaltamos também que o a posteriori está intrinsecamente ligado à noção de trauma em dois tempos, apresentada por Freud (BREUER; FREUD, 1893-95/1996) no início de seus escritos. Nesta concepção do trauma, haveria uma primeira cena na qual a criança é convocada sexualmente por um adulto, sem que ela compreenda o caráter sexual da excitação genital. A segunda cena, majoritariamente de caráter anódino, ocorreria a partir da puberdade e evocaria a primeira por traços associativos. É apenas através da recordação da primeira cena que a segunda adquire um valor traumático, de forma que há uma transformação de valor do primeiro evento, pois agora a excitação sexual já poderia ser vivida enquanto tal (LAPLANCHE; PONTALIS, 1967/1970).
Discorrendo sobre os dois tempos do trauma em Freud, Uchitel (2001) ressalta que seria preciso a existência de uma cena ocorrida na infância, vivida de forma passiva e submissa, acompanhada de uma sensação de irritação nos genitais e de uma incompreensão geral da situação. Posteriormente, em um segundo tempo, haveria uma ressignificação deste primeiro momento, possibilitando que o sujeito compreendesse o ocorrido da primeira cena e instaurando o traumático.
Em consonância com Maldonado (2012), o que podemos sublinhar desta teoria inicial freudiana sobre a temporalidade do trauma é o fato de que o processo de instalação da memória apresenta-se como extremamente dinâmico. Os traços não se inscrevem de uma só vez, permanecendo estáticos ao longo do tempo, mas podem ser transformados, desembocando em um processo que se desdobra em vários tempos. Nas palavras da autora, "os traços mnêmicos, do ponto de vista freudiano, estão sempre à espera de ser reinscritos" (p. 63).
O que muda com essa perspectiva é o fato de que a recordação do sujeito não diz respeito à cena exata que ocorreu na realidade, mas ao acesso a um material transformado e processado psiquicamente, que pode continuar a ser modificado ao longo do tempo. Dessa forma, uma experiência passada pode ser ressignificada em um contexto de experiência atual. É no a posteriori que vivências e acontecimentos do passado ganham novas configurações.
Retomando o inalcançável da palavra Nachträglichkeit, Jacques André (2008) nos remete a uma noção de tempo contida no termo freudiano, que é bastante diferenciada daquela proposta pelo sentido usual da flecha temporal: passado, presente e futuro, com uma única direção a ser percorrida. Enquanto costumamos pensar em um tempo que escoa no sentido imutável do futuro, direcionado por uma seta que só nos permite andar na mesma direção, o Nachträglichkeit mexe com o tempo de forma a colocá-lo de cabeça para baixo, transpondo todos os limites e fronteiras entre seus três elementos. Dessa forma, nos distanciamos do tempo linear, cunhando um tempo que condensa paradoxos: une "a simultaneidade, a solidariedade, a confusão de um passado-presente e de um presente-passado. O efeito de après-coup ignora a contradição" (ANDRÉ, 2008, p. 140).
Da mesma forma que podemos utilizar a noção freudiana de trauma em dois tempos para pensar no segundo tempo como momento instaurador do valor traumático que permanecia enquanto potencial a partir da primeira cena, ao ampliarmos as possibilidades encontradas no Nachträglichkeit esbarramos com outros desfechos possíveis do a posteriori. Entendendo a modificação temporal proposta pelo embaralhar do tempo presente neste conceito, não só o traumático passa a ser passível de se instaurar em um momento tardio, mas também a própria elaboração torna-se possível.
Dentro do terreno do acontecimento traumático, que leva a uma impossibilidade de trabalho psíquico, é como se não tivesse havido esse segundo tempo passível de ressignificação. A experiência fica congelada, não podendo se encaixar na história de vida do sujeito ou fazer parte de sua própria flecha temporal. Cardoso (2011) apresenta uma discussão acerca da noção de atual, relacionando-a a uma presentificação permanente da cena traumática, sob o signo de compulsão à repetição. Trata-se da repetição do mesmo de maneira radical: única forma de aparição da cena do que não foi propriamente inscrito no psiquismo.
Com o intuito de pensarmos acerca deste retorno do traumático, encontramos em Claude Barrois (citado por CARDOSO, 2011; MALDONADO, 2012) a contribuição das mensagens ultraclaras. No lugar de privilegiar o caráter enigmático das mensagens advindas do trauma, Barrois prioriza uma hiper-realidade que aparece de forma absolutamente clara, sem mediação alguma e sem um encobrimento positivo da fantasia. O autor as compreende enquanto mensagens rígidas, impossíveis de se decompor e, portanto, de se historicizar - não se tratando de uma falta de história, mas de uma "história não historicizada" (CARDOSO, 2011, p. 77). Dessa forma, podemos pensar em uma literalidade do trauma, que aparece feito um clarão, composto de uma espécie diferente de memória (MALDONADO, 2012).
Com o intuito de conseguir historicizar a história presente nos acontecimentos traumáticos e em consonância com a ideia de desalinho temporal, André (2008) nos remete à força do trauma enquanto potencialidade de sentido. Antes de apresentarmos suas contribuições, importante retomar a tradução francesa de Nachträglichkeit para o termo après-coup, cunhado por Jacques Lacan. Em francês, a tradução contém a palavra "golpe" (coup) - termo ao qual o vocábulo alemão não faz alusão direta, tornando-se importante ressaltar que algo foi acrescentado ao sentido do termo original (ANDRADE; MAIA, 2010).
Apoiado pela singularidade do termo em francês, André (2008) nos diz que a clínica pode representar um lugar de possível "golpe" posterior na vida de um sujeito, a partir do encontro propiciado pela alteridade. Nesta direção, a clínica possibilitaria todo um movimento a favor da inserção histórica daquele acontecimento traumático que ficou "de fora". Funcionando como uma espécie de segundo tempo do trauma, esse "golpe", sofrido pelo sujeito, acionaria uma plasticidade antes perdida, tornando possível alguma mudança no congelamento do tempo do traumático.
Se antes o après-coup estava relacionado ao tempo da puberdade, como momento de significação de uma cena insuportável vivida na infância (na noção freudiana de trauma em dois tempos), aqui o après-coup transborda para um segundo tempo que pode se constituir em momentos diversos da vida do sujeito, inclusive na vida adulta ou mesmo no tratamento analítico. "Não há idade para receber golpes que excedam as capacidades de um aparelho psíquico no momento em que são deferidos" (ANDRÉ, 2008, p. 150). O autor iguala o après-coup a um momento de passagem, no qual só a força do trauma pode trazer ao sujeito um retorno da plasticidade psíquica estancada.
Libermann (2015) apresenta uma reflexão acerca da dimensão potencial presente no trauma e faz referência ao trauma psíquico como um momento, a partir do qual, algo que não tinha sentido pode encontrar um sentido, passando a adentrar uma lógica diferente da anterior. Nas palavras do autor, "ele traz a possibilidade de que a história seja reescrita, de que se abra a narrativa onde antes havia apenas uma impressão" (p. 125). Nesse sentido, o après-coup se diferencia da compulsão à repetição, uma vez que aparece enquanto uma conjunção entre um remanejamento psíquico e um evento traumático, culminando em um ressurgimento modificado da experiência.
Ainda em consonância com André (2008), ressaltamos que o après-coup constitui-se enquanto trauma, porém ele é mais do que pura repetição, uma vez que contém em si elementos de significação que podem acessar esse primeiro tempo estacionado. A condição colocada pelo autor para que este segundo "golpe" ocorra será o encontro com o outro. Partindo do pressuposto de que a alteridade comporta em si o potencialmente traumático, uma vez que introduz como elemento da cena a noção de imprevisto, assistimos a uma ampliação deste segundo tempo. Como uma das possibilidades de encontro, o autor sugere a relação de análise, mais especificamente a interpretação realizada pelo analista. Nesta direção, é possível movimentar este primeiro tempo, na clínica, desde que o sujeito suporte encontrar uma alteridade, um outro sujeito, disposto a escutar e a interpretar esse momento antes cristalizado.
Horizontes possíveis
Retomando o pensamento inicial deste artigo, evocamos novamente os aspectos positivos do traumático, com Maia (2005), e a ideia de que o trauma carrega em si uma potência de mudança. De acordo com a autora, o processo traumático é capaz de modificar formas, sentidos e significações na vida do sujeito, uma vez que desestabiliza, momentaneamente, suas construções psíquicas operantes, abrindo caminho para que novas concepções se formem.
Na mesma direção, recuperamos as contribuições do casal César e Sara Botella (2002). Os autores identificam a ideia de não representação contida no traumático enquanto estado latente de um irrepresentável que aparece no corpo e pode vir a ser, tornando-se uma promessa de transformação. Ampliando o referencial para além da representação, o que não é representado pode permanecer enquanto potencialidade, não apenas enquanto compulsão à repetição.
Traçando um caminho similar, André (2008) encontra no Nachträglichkeit a modificação temporal proposta pelo embaralhar do tempo presente neste conceito, de forma que não só o traumático passa a ser possível de se instaurar em um momento tardio, mas também a própria elaboração do evento traumático. A força do trauma permite que elementos "perdidos" retornem à cena e sejam ressignificados. Assim como, em consonância com Maia (2005), afirmamos que o trauma não comporta sentido em si, de forma que o destino do trauma vai depender de uma série de fatores complementares que levam em consideração as possibilidades subjetivas daquele que foi impactado pelo traumático, levantamos as possibilidades de potência do trauma a partir do encontro com o outro.
Dessa forma, a noção de après-coup torna-se extremamente valiosa no sentido em que surge como agente de passagem entre o trauma e seu significado posterior, funcionando como um operador que modifica o sentido do vivido. Nas palavras de André (2008, p. 151): "não há après sem coup, o après-coup une o que somos inclinados a opor: a violência da efração traumática e a abertura de sentido". Assim, somos inclinados a pensar que o termo condensa duas noções diametralmente opostas: a de trauma e a de simbolização. Ao mesmo tempo em que nos referimos anteriormente à problemática do trauma e suas radicais consequências, o acontecimento traumático também pode compelir o psiquismo a um processo de simbolização, na medida em que houver esse encontro significativo com a alteridade.
Referências
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WINNICOTT, D. W. O medo do colapso. In: WINNICOTT, D. W. Explorações psicanalíticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. [ Links ] Artigo recebido em: 17/04/2016 Imagem Seta Endereço para correspondência *Psicóloga, mestre Psicologia Clínica/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), doutoranda Psicologia Clínica/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), especialista Clínica Psicanalítica/Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ).
Aprovado para publicação em: 05/09/2016
Natália de Oliveira de Paula Cidade
E-mail: nataliaopcidade@gmail.com
Silvia Abu-Jamra Zornig
E-mail: silvia.zornig@terra.com.br
**Psicanalista, membro Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle (SPID), mestrado Saúde Mental/Universidade de Columbia (Nova York-NY-EUA), profa. Programa de Graduação e Pós-graduação Psicologia Clínica/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).