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PsicoUSF

versão impressa ISSN 1413-8271

PsicoUSF v.11 n.1 Itatiba jun. 2006

 

ARTIGOS

 

Sintomas depressivos em adolescentes de um colégio particular

 

Depressive symptoms in adolescents of a private school

 

 

Tiago Humberto Rodrigues RochaI, 1; João Eduardo Caixeta RibeiroII, 2; Gilberto de Araújo PereiraII, 3; Cristiana Chaves AveiroIII, 4; Liliane Cristina de Além-Mar e SilvaIII, 5

I Universidade Federal de Uberlândia
II Universidade de Uberaba
III Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho objetivou avaliar o índice de sintomas depressivos, bem como sua distribuição por gênero e série, dos alunos de um colégio particular, da cidade de Uberaba-MG, no final do segundo e do terceiro ano do Ensino Médio e no 'cursinho pré-vestibular', próximo ao concurso vestibular. Foram avaliados 791 estudantes, utilizando o questionário SRQ-20 - Self Reporting Questionnaire, um instrumento desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde com 20 questões, que serve para rastrear e avaliar a ocorrência de transtornos mentais comuns, dentre eles a depressão, na população geral. Foram encontradas duas vezes mais sintomatologia depressiva no sexo feminino e um aumento do indicativo de depressão de acordo com o progresso acadêmico dos sujeitos. Conclui-se que existe a presença de sintomas depressivos em 45,7% da amostra, com maior prevalência de casos no sexo feminino. Foi sugerido acompanhamento psicológico aos alunos.

Palavras-chave: Sintomas depressivos, Estudantes secundários, Vestibular, Adolescência.


ABSTRACT

This research has the main objective of evaluating the psychological condition of students at a private high school in the city of Uberaba-MG, Brazil. Evaluations were performed in the end of the second and third grades in high school and prior to doing the exams required to enter college/university. 791 students were evaluated using the SRQ-20 - Self Reporting Questionnaire. This test was devised by the World Health Organization and consists of 20 questions about symptoms and problems commonly seen in people with neurotic disorders. There were twice as many females in the group with symptoms of depression, with an increase of depression as the female students were approaching the university entrance exams. The manifestation of depression symptoms was noticed in 45,7% of the samples with a bigger prevalence of cases among women. The students have been advised to undergo psychological follow-up treatment.

Keywords: Depression symptoms, High school students, University entrance evaluation, Adolescence.


 

 

Introdução

Adolescência e identidade

A adolescência é um período caracterizado por crises em que o jovem passa por diversas mudanças de ordem biopsicossociais e que possui como principal tarefa a construção de sua identidade. Erikson (1972, 1998) considera que o processo de constituição de uma identidade é definir quem a pessoa é, bem como seus valores e projetos que pretende traçar ao longo da vida, tendo uma relação com a confiança infantil e a fé madura. Nestes projetos de vida pode-se encontrar a identidade ocupacional, sendo esta, para Erikson, a questão que mais preocupa e aflige o jovem.

Autores como Marcia (1966), Kalina (1979) e Erikson (1972,1998) apreciam os períodos de crise e de confusão como essenciais na formação psicossocial dessa identidade. Essas crises são momentos em que o adolescente questiona e repensa valores pré-estabelecidos e decisões já tomadas, podendo isto ser feito de forma repentina ou gradual.

Marcia (1966) afirma uma segunda dimensão sobre a adolescência, a do comprometimento ou compromisso, onde uma escolha bem arraigada serve como orientação para seu modo de lidar com as experiências emocionais. Através disto, o indivíduo passa a se relacionar intimamente com determinado papel, tornando-se comprometido emocionalmente com este. "Os compromissos correspondem às questões que o indivíduo mais valoriza e com as quais mais se preocupa, refletindo o sentimento de identidade pessoal" (Schoen-Ferreira, Aznar-Farias, & Silvares, 2003, p. 108).

Para aquele que almeja uma carreira acadêmica de nível superior, o exame vestibular se configura como mais uma fonte de comprometimento. O jovem tem esse compromisso como um meio de alcançar seu futuro sucesso profissional. Assim, a questão da escolha profissional passa a ser valorizada na constituição da identidade pessoal do indivíduo.

Em nossa sociedade, durante o desenrolar da adolescência até a constituição adulta, o adolescente atravessa processos de perda característicos desta transformação. Tais perdas, essenciais à formação de identidade do sujeito, foram denominadas por Aberastury (1983) como processos de luto. A autora descreve três processos básicos de luto. O primeiro é o luto pelo corpo infantil, onde o adolescente tem que aceitar passivamente o fato de seu corpo estar passando por modificações biológicas que lhe trazem uma diferente aparência externa a qual é inédita e conflitante para o mesmo. O segundo processo é o luto pela quebra da dependência familiar. Não poder mais manter sua relação de dependência infantil e de ser incapaz de tornar-se totalmente independente é o que caracteriza essa etapa. O último luto que o adolescente enfrenta é o da perda de uma fantasia que era vivida desde a mais tenra idade; a da família ideal. Toda essa situação de transformações e de constituição de uma identidade própria, atravessada por crises, irá gerar sentimentos de angústia, medo e incerteza.

Cognitivamente o adolescente adquire, nesse estágio evolutivo, algumas características peculiares próprias de sua evolução biológica e psíquica que muitas vezes servem para confundi-lo e também aos que estão a sua volta. Dessa forma pode seguir idéias já pensadas ou, mais comumente, construir ideais, constituir pensamentos sobre o futuro que, em sua maioria, vão contra a realidade, podendo assim abstrair novas utopias.

"O fato de poder lidar com o possível significa que o futuro é agora tão real quanto o presente e é uma realidade que pode e deve ser abordada" (Elkind, 1978, p. 40-41). Assim, a questão de sua futura profissão não é algo tão longínquo como parecia ser antes, vindo a emergir a problemática da definição de sua identidade ocupacional. Essa identidade é o substrato que lhe ser-virá, num futuro breve, como fonte de provimento de suas necessidades. "Desenvolver uma identidade madura supõe identificar-se com uma ocupação determinada e com um núcleo de relações interpessoais relativamente estáveis" (Schoen-Ferreira e colaboradores, 2003, p. 111).

O adolescente-vestibulando sabe que está próximo a uma tomada de decisão que produzirá efeitos que poderão acompanhá-lo pelo resto de sua vida. A dificuldade na definição de sua identidade ocupacional servirá como um ataque ao processo de formação de identidade, sendo a questão da escolha profissional uma fonte de estresse a mais nesse período da vida.

Escolha acadêmica e estresse

Para a realidade social brasileira, o exame vestibular é um divisor de águas na carreira acadêmica. Através dele, o jovem pode adentrar ao ensino superior, vindo a vislumbrar maiores oportunidades de trabalho. No entanto, o momento desse exame coincide com um turbulento período da vida - a adolescência. A tomada de decisão a respeito do futuro profissional pode gerar grandes ansiedades, visto que implica em uma série de fatores, tais como, influência parental, preferências pessoais e futura relação custo-benefício. À turbulência emocional vivida durante a adolescência é acrescida a responsabilidade pelo compromisso com a escolha da carreira futura. Toda esta situação gera um estado de tensão e estresse emocional.

A palavra estresse quer dizer "pressão", "tensão" ou "insistência", portanto estar estressado quer dizer 'estar sob pressão' ou 'estar sob a ação de estímulo insistente'. Chama-se de estressor qualquer estímulo capaz de provocar o aparecimento de um conjunto de respostas orgânicas, mentais, psicológicas e/ou comportamentais (...). Essas respostas em princípio têm como objetivo adaptar o indivíduo à nova situação, gerada pelo estímulo estressor, e o conjunto delas, as-sumindo um tempo considerável, é chamado de estresse. (...) O estresse é essencialmente um grau de desgaste no corpo e da mente, que pode atingir níveis degenerativos. Impressões de estar nervoso, agitado, neurastênico ou debilitado podem ser percepções de aspectos subjetivos de estresse (Pimentel-Souza e colaboradores, 1997, p. 3).

Os eventos de vida estressores têm sido diferenciados em dependentes e independentes (Margis, Picon, & Cosner, 2003). Os eventos independentes são aqueles que estão além da capacidade de controle do indivíduo como, por exemplo, a chegada a uma etapa de tomada de decisão da vida - o vestibular. Já os eventos dependentes, são aqueles que estão intrinsecamente relacionados à forma como o indivíduo irá agir diante de determinada situação. A forma como ele irá se colocar perante a chegada do exame vestibular é um evento estressor dependente. Sendo assim, o exame é um evento independente que irá desencadear o evento estressor dependente. Margis e colaboradores (2003), estudando as relações entre genética, eventos de vida estressores e depressão maior, encontraram que, em síntese, eventos de vida estressores podem ser entendidos como predi-tores ambientais de ansiedade e depressão.

Sintomatologia depressiva na adolescência

Vários fatores estressantes, de ordem psicológica, biológica e social, no ambiente escolar, interferem na saúde mental do estudante causando aumento de tensão, diminuição da memória e da velocidade de reação, irritabilidade, sonolência, aumento de erros, decréscimo do planejamento organizacional, do interesse e da concentração, podendo levar o adolescente a reagir através de uma manifestação psicopatológica.

Sintomas depressivos, até bem pouco tempo atrás, eram considerados como psicopatologia de rara ocorrência na adolescência. No entanto, diversos autores (Charman, 1994; Mirza, & Michael, 1996; Birmaher e colaboradores, 1996; Garrison, Addy, Jackson, McKeown, & Waller, 1997; Kessler, & Walters, 1998; Prosser, & McArdle, 1996; Ryan e colaboradores, 1992; Bandin, Sougey, & Carvalho, 1995; Lewinsohn, Clarke, Seeley, & Rohde, 1994) apontaram a existência de transtornos depressivos e distímicos em adolescentes e em crianças. Paralelamente a isso, várias pesquisas (Garrison e colaboradores, 1992, 1997; Kessler, & Walters, 1998; Kashani e colaboradores, 1987; Roberts, Lewinsohn, & Seeley, 1995; Anderson, Williams, McGee, & Silva, 1987, Ribeiro, Cruvinel, & Cunha, 2001; Bahls, 2002) demonstraram o aparecimento de sintomatologia depressiva em adolescentes e em adultos jovens.

Segundo Kaplan, Saddock, & Grebb (1997), a depressão atinge cerca de 15% a 25% da população, afetando duas vezes mais mulheres do que homens. Vários outros estudos (Besseghini, 1997; Herkov, & Myers, 1996; Scivoletto, Nicastri, & Zilberman, 1994, Mirza, & Michael, 1996, Walter, 1996; Birmaher e colaboradores, 1996; Bahls, 2002) também demonstram haver uma prevalência de sintomatologia depressiva do sexo feminino sobre o masculino.

Heilingenstein, Guenther, Hsu, & Herman (1996) avaliando as conseqüências da depressão em estudantes encontraram perda de tempo na sala de aula, baixa produção acadêmica, desinteresse na escola e importantes problemas pessoais. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi identificar a ocorrência de sintomas depressivos em estudantes adolescentes no final do penúltimo e do último ano do ensino médio e também do pré-vestibular, às vésperas do concurso vestibular. Estudar meios de garantir o bem-estar psíquico dos alunos do ensino médio e daqueles que se submeterão ao exame vestibular é de fundamental importância para a melhoria das condições sociais atuais e futuras e da própria saúde mental dos sujeitos.

 

Metodologia

Participantes

Este trabalho foi realizado utilizando-se análise quantitativa e qualitativa dos dados. Foram avaliados 791 estudantes, que cursavam o Ensino Médio de um colégio particular na cidade de Uberaba-MG, onde a maior parte dos alunos pertence à classe social média/alta para os padrões da cidade. Do total de questionários validados, 341 estudantes cursavam o segundo ano do ensino médio, 280 cursavam o terceiro ano e 133 estavam no "cursinho" pré-vestibular. Este último grupo era formado por alunos que já haviam passado pela experiência de prestar o vestibular e não obter sucesso ou que iam prestar vestibular pela primeira vez, mas que já cursaram o terceiro ano.

Do total de questionários, 754 (95,3%) foram respondidos corretamente e 37 (4,7%) foram retirados da análise por causa da inconsistência nas respostas das questões (respostas duplas ou em branco). A amostra é composta por um leve predomínio de estudantes do sexo feminino (56,1%) sobre os do sexo masculino (43,9%). Há também a grande prevalência de estudantes que residem em Uberaba (97,75%), contra uma pequena porcentagem que não reside nessa cidade (2,25%). A maior parte dos estudantes é natural da cidade de Uberaba-MG (64,46%), e o restante (35,54%) proveniente, em sua maioria, de cidades vizinhas.

Ao segundo colegial pertence a maior parte da amostra estudada (45,2%), seguida do terceiro colegial (37,1%) e do cursinho (17,7%), sendo que a média de idade aumenta de forma significativa do segundo colegial (16,19 0,62) para o terceiro colegial (17,25 0,56) e para o cursinho (18,87 1,16) (p<0,05; teste de Duncan). Pode-se observar que a série que apresenta maior número de alunos que irão prestar vestibular é o cursinho (100,0%), seguido do 3º colegial (97,5%) e pelo 2º colegial (55,1%), mostrando assim uma relação significativa (X2= 278,5; p<0,0001).

Instrumento

Esses estudantes foram avaliados com o formulário SRQ-20 - Self Reporting Questionnaire (Beusenberg, & Orley, 1994), um instrumento desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde com 20 questões que serve para rastreamento da presença de algum tipo de transtorno do humor, como por exemplo, a depressão. Esse instrumento foi criado para ser aplicado em países em desenvolvimento e apresenta padrões psicométricos bastante satisfatórios (Iacoponi, & Mari, 1988), com especificidade de 77% e sensibilidade de 76%, sendo validado para uso no Brasil (Mari & Williams, 1986).

Procedimento

As avaliações foram realizadas em sala de aula, por meio do preenchimento do questionário pelo próprio aluno, de forma espontânea e sem sua identifica-ção. Os alunos foram esclarecidos sobre o objetivo do estudo e orientados, pelos pesquisadores, a responderem o questionário considerando o estado emocional nos últimos dias. Todas as fases deste trabalho seguiram as exigências éticas e científicas contidas na resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e seu início se deu após avaliação e aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Uberaba.

Análise de dados

Foi adotado para o SRQ-20 o ponto de corte de 7/8, por ser este o ponto que apresenta alta sensibilidade e baixa taxa de falso-positivo (Mari, & Williams, 1986). Assim, as respostas que apresentaram escore igual ou superior a oito, foram consideradas como indicadores de possível transtorno.

Inicialmente realizou-se uma análise descritiva dos dados. O indicativo de depressão (SRQ-20 = 8) foi estudado entre os sexos e as séries (segunda, terceira e cursinho) a partir do teste não-paramétrico qui-quadrado. Uma análise de variância ANOVA-F, seguido de teste de comparação múltipla de Duncan, foi utilizado para comparar as idades entre os 3 grupos estudados. O nível de significância dos testes foi de =0,05.

 

Resultados e discussão

Foram encontrados indicativos de transtorno depressivo em 45,7% do total de estudantes pesquisados. De acordo com a Figura 1, 59,3% da amostra feminina apresentaram escore indicativo de depressão, sendo mais que duas vezes o escore da amostra masculina (28,4%). O resultado evidenciou assim associação significativa entre o indicativo de depressão e o gênero dos alunos. (X2=71,62; p<0,0001).

 

 

Ainda de acordo com o estudo, 45,6% da amostra que reside em Uberaba apresentou indicativo de transtorno depressivo contra 52,94% da que reside fora desta cidade. Não houve, entretanto, associação significativa entre o local de residência e o indicativo de transtorno depressivo (X2=0,36; p=0,55).

 

 

Observou-se, de acordo com a Figura 2, que 59,4% dos alunos que fazem cursinho apresentam indicativo de depressão contra 35,78% dos que fazem segundo colegial, mostrando assim uma associação significativa ( 2=27,28; p<0,0001). O terceiro colegial apresentou 51,42% de estudantes com indicativo de transtorno depressivo.

Neste estudo, a expressão "indicativo de transtorno depressivo" correspondeu a um estado psíquico que apresenta sintomas característicos de depressão e não exatamente a um transtorno depressivo maior, que indique obrigatoriamente uma patologia severa.

Aspectos depressivos são considerados como algo esperado para fases que se apresentam difíceis para o desenvolvimento psíquico do indivíduo. O adolescente que está para se submeter ao exame vestibular encontra-se num estado psíquico alterado e repleto de inseguranças. Desta forma, não se deve considerar os resultados encontrados neste trabalho como fidedignos indicadores de estado patológico depressivo de todos estudantes. Deve-se considerar que os indicadores, apesar de apresentarem nível de significância estatístico, refletem muito mais um estado de angústias, medos e confusões do que um estado patológico e alarmante.

Observando a existência de indicativos do transtorno depressivo e o predomínio deste nos estu-dantes do sexo feminino, verifica-se semelhança entre o que foi encontrado e o que já foi observado anterior-mente, de que os transtornos depressivos atingem duas vezes mais mulheres que homens. Bahls (2002), realizando um estudo semelhante com adolescentes escolares de um colégio da cidade de Curitiba-PR, utilizando o inventário "CDI" (Children Depression Inventory), constatou a presença de sintomatologia depressiva em 20,3% da amostra estudada, com um predomínio de 2,6 mulheres para cada homem. Esse predomínio de sintomatologia depressiva presente em adolescentes do sexo feminino remete a questão da adolescência a uma breve revisão histórica sobre o nascimento desse conceito e do papel feminino nas sociedades atuais.

A adolescência, figura do Século XIX e do início do Século XX, teve na escola e no exército seus elementos concretos de formação. De maneira mais precisa, foi através da observação das experiências dessas duas instituições que a sociedade moderna pôde compor uma nova realidade psicológica, a adolescência (Reis & Zioni, 1993, p. 474).

Assim, ela tem como origem uma idéia de instituição de predominância masculina, visto que exército e escola, inicialmente, estavam relegados somente a este gênero, estando as mulheres enclausuradas aos lares com a função de criação dos filhos. A mulher teve então que se inserir e se adaptar a este conceito - adolescência - de características unicamente masculinas. A adolescência surgiu como uma forma de separar o adulto do menino, postergando a entrada deste na vida sexual adulta.

"Quando tiveram acesso à escola, as mulheres foram mantidas, em sua maioria, fora de um verdadeiro processo de escolarização, constituindo um maciço bloco social que entrava diretamente para a vida adulta" (Áries, 1978 citado por Reis & Zioni, 1993, p. 474). Entrar para a vida adulta significava, para a mulher, mais que uma fase. Era o marco fundamental do início de seu relacionamento conjugal e de sua principal função para aquela época - a reprodução.

Além de se inserir num contexto que constituiu socialmente a adolescência como algo masculino, a figura feminina ficou durante muito tempo privada do mundo acadêmico. Quando a mulher conseguiu se inserir no contexto escolar, deparou-se, novamente, com uma instituição de cunho masculino, visto ter sido a escola desenvolvida nos moldes do exército.

Por outro lado, os dias de hoje revelaram uma outra perspectiva à mulher. Atualmente, na cultura ocidental, o antigo "sexo frágil" vem ganhando mais espaço diante de novos postos de trabalho, assumindo cada vez mais as responsabilidades sobre a manutenção financeira do lar ao mesmo tempo em que tem que continuar assumindo o complexo papel da maternidade. À esta nova concepção da mulher moderna, soma-se a obrigação social de ter que competir em igualdade com o sexo masculino, que por muito tempo ocupou com total exclusividade os postos de trabalho.

Lipovetsky (2000) cita que a mulher moderna constituiu sua personalidade galgada nos pressupostos do matrimônio e da maternidade. No entanto, os "tempos hipermodernos" (Lipovetsky, 2004) permitiram a inclusão de um terceiro elemento para a formação da personalidade feminina: o trabalho. A atividade profissional permitiu à mulher maior independência e uma postura de maior individualidade, já que lhe permitiu colocar suas aspirações laborais à frente de seus interesses.

Associado a isto, ainda é necessário considerar as mudanças físicas pelas quais toda mulher passa durante a adolescência, e que em muitos casos geram situações de angústia, medo e vergonha, pela nova forma corpórea que assumem nesse período. Impres-cindível lembrar ainda as variações de humor pelas quais, periodicamente, o sexo feminino fica subjugado devido à questão hormonal acompanhada pela instabilidade emocional que a mesma acarreta. Junto a estas frenéticas mudanças, há também transformações de seus valores próprios, visto ser essa uma fase em que novas descobertas, relativas à sexualidade, deparam-se com tabus impostos pela família, cultura e costumes que durante séculos renegaram o prazer sexual ao sexo feminino. Assim, há uma situação de conflito entre a curiosidade por novos prazeres e os valores incorpo-rados pelo meio familiar e social.

Matteson (1972) explicou que inicialmente a adolescência é um período marcado por mudanças de ordem corporal, comumente conhecidos por caracteres secundários. Com o desenrolar do tempo, de acordo com o autor, as mudanças deixam de ser simplesmente biológicas, passando a refletir no âmbito cognitivo e psíquico. Assim há o que ele denominou por transformações de ordem ideológicas, que podem facilmente ser percebidas pela presença de constantes mudanças de pensamentos.

Com tais constatações, este estudo levanta a seguinte hipótese como causa para a prevalência de sintomatologia depressiva no sexo feminino: A dificuldade de representação ao legado histórico-cultural-masculino da adolescência e da instituição escolar, como foram constituídos, associada à configuração biopsicossocial exclusiva da figura feminina dos últimos tempos e à questão do sucesso ou fracasso no exame vestibular, desencadeiam um estado estressante maior à mulher. Tal estado de turbulência torna a mulher mais propensa a responder a este estado de tensão por meio de manifestações psicopatológicas. Estudos aprofundados sobre esta temática são de fundamental relevância para maior entendimento.

No estudo foi observado um aumento do número de alunos que iriam prestar vestibular conforme aumentava a série e idade dos mesmos. Correlacionado a isto houve também um crescimento no indicativo do transtorno depressivo com o decorrer do progresso acadêmico e da idade. Foi constatado um significativo acréscimo de pouco mais de 8% do indicativo de sin-tomas depressivos no cursinho em relação ao terceiro colegial e de quase 25% a mais de casos com o indicativo de sintomatologia no terceiro colegial em relação ao segundo colegial.

De acordo com Bahls (2002, p.66), "estudos realizados com crianças e adolescentes, que procuraram correlacionar a ocorrência de desordens depressivas com a idade, encontraram que há um aumento da prevalência de acordo com o desenvolvimento biológico do sujeito - da infância para a adolescência". As pressões relativas à questão da escolha pela futura profissão, possível aprovação no vestibular, mudanças tanto físicas quanto psíquicas, possível mudança de residência e implicações disto, entre outras, aumentam de acordo com a série e, conseqüentemente, com a idade do indivíduo.

Com estes resultados e tais constatações, percebe-se que o indivíduo fica mais vulnerável quanto maior for seu insucesso, ou quanto mais próximo estiver da possibilidade que o mesmo ocorra. Jung descreveu a individuação como:

A tendência a tornar-se um ser realmente individual; na medida em que entendemos por individualidade a forma de nossa unicidade, a mais íntima, nossa unicidade última e irrevogável; trata-se da realização de seu si mesmo, no que tem de mais pessoal e de mais rebelde a toda comparação. Poder-se-ia, pois, traduzir a palavra "individuação" por "realização de si mesmo", "realização do si-mesmo" (Jung 1951, p. 355).

A possibilidade de fracasso no vestibular, sob este ponto de vista, seria um ataque ao processo de individuação dos adolescentes. Sob esta ótica, pode-se perceber claramente que o exame vestibular é uma importante etapa no processo de individuação daqueles que se propuserem a submeter-se ao mesmo, pois o não-ingresso numa faculdade é sentido como um fracasso, numa sociedade que ainda considera profissionais não graduados como de segunda classe. Isto pode acarretar problemas de baixa auto-estima. Assim, o processo de plena realização do indivíduo nesta etapa da vida, depende muito das condições psicológicas em que o mesmo encontra-se no período pré-vestibular, pois serão determinantes do sucesso ou fracasso do vestibulando.

Utilizando-se o modelo cognitivo, pode-se supor o aparecimento de sintomas depressivos da seguinte forma: Um estudante não vem obtendo bons resultados em testes similares ao vestibular e em provas da escola. Após defrontar-se com tais fracassos, ele começa a fazer suposições radicais e sentir que será rejeitado por todos se não for aprovado no vestibular, sendo essa situação reforçada com a persistência de insucesso em exames similares. Assim, ele cria um sistema de automatismo negativo de seus pensamentos, de forma que se sente realmente incapaz e com pensamentos automáticos recorrentes de que nunca conseguirá cursar uma universidade. Com esse quadro de descrença no sucesso de sua vida acadêmica, o aluno desenvolverá sintomas comportamentais (tais como níveis baixos de atividade, retraimento social), motivacionais (perda de interesse pelos estudos e prazer), afetivos (tristeza, culpa, e ansie-dade), cognitivos (baixa concentração) e somáticos (perda do sono e apetite, sudorese, taquicardia e choro descontrolado) (Hawton, Salkovskis, Kirk, & Clarck, 1997). Tal quadro sintomático na vida dos alunos irá gerar perda do interesse pelas atividades acadêmicas, tendo perda de tempo em sala de aula e falta de atenção e interesse pelas atividades acadêmicas.

A etiologia da depressão é composta de uma série de fatores que se entrecruzam gerando um estado sintomático. Este estudo procurou abordar a manifestação do transtorno depressivo circunscrevendo-o numa esfera pertencente a possíveis problemas de ordem escolar e à adolescência. É imprescindível lembrar que não se pode atribuir somente à tal temática a causa da sintomatologia manifestada pelos alunos estudados, visto que isto pode tornar tal estudo vítima de um reducionismo deveras inocente.

O que se pretendeu abordar foi algumas das possíveis, dentre as inúmeras, causas para a manifestação sintomática dos alunos e não incutir a idéia de que todas elas são vítimas de uma mesma causação.

 

Conclusão

Este estudo aponta, com o diagnóstico da presença de sintomas depressivos em grande parte da amostra pesquisada, ser sumamente importante a discussão sobre a introdução de acompanhamento psicológico ao aluno que está atravessando o período secundário e pré-vestibular. Visando o bem-estar do ser humano, pode ser favorecido tanto o aluno como a escola, uma vez que o primeiro, estando sob bom controle emocional, obterá sucesso acadêmico e a última verá os frutos de seu sistema de ensino. Com isto, visa-se favorecer tanto ao bem estar afetivo, cognitivo e emocional do indivíduo e obter conseqüente resultado positivo no concurso vestibular.

 

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Endereço para correspondência
Rua Boa Esperança, 522 - Bairro Vila Maria Helena
38020-120 Uberaba-MG
E-mail: Tiagohrr@hotmail.com

Recebido em junho de 2005
Reformulado em setembro e novembro de 2005
Aprovado em fevereiro de 2006

 

 

Sobre os autores:

1 Tiago Humberto Rodrigues Rocha é psicólogo, mestrando em Psicologia Aplicada pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e aluno de especialização em Clínica Psicanalítica pela UFU.
2 João Eduardo Caixeta Ribeiro é médico, professor do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade de Uberaba; doutor em Medicina.
3 Gilberto de Araújo Pereira é estatístico, professor do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade de Uberaba e mestre em Estatística.
4 Cristiana Chaves Aveiro é psicóloga, aluna do curso de aprimoramento na área de Saúde e Trabalho pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina USP.
5 Liliane Cristina de Além-Mar e Silva é psicóloga, aluna de especialização em Neuropsicologia pelo Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo.