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Psicologia Escolar e Educacional

versão impressa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.8 n.2 Campinas dez. 2004

 

ARTIGOS

 

Desempenho em leitura e escrita de escolares com transtorno fonológico

 

Performance on reading and writing in schools with phonological disorder

 

 

Cíntia Salgado1 ; Simone Aparecida Capellini 2

Universidade Estadual Paulista- Marília/SP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O transtorno fonológico ocorre quando há dificuldade quanto à aquisição e uso dos sons da fala. O objetivo deste estudo foi caracterizar o desempenho em leitura e escrita de escolares com transtorno fonológico. Participaram do estudo 28 escolares na faixa etária de 7 a 9 anos de idade com trocas na fala. A amostra foi composta de 70% do sexo masculino e 30% do feminino. Os resultados revelaram que entre 57% e 85% dos escolares da 1 a à 3 a séries apresentaram transtorno fonológico presente na oralidade e na escrita, enquanto que 100% dos escolares da 4 a série apresentaram transtorno fonológico evidenciado apenas na leitura e na escrita. Os achados deste estudo demonstraram que a linguagem oral está intrinsecamente relacionada com o desenvolvimento da leitura e da escrita e que alterações no processamento fonológico da criança podem desencadear alterações no desenvolvimento da leitura e escrita.

Palavras-Chave: Aprendizagem, Transtorno fonológico, Escolares.


ABSTRACT

The phonological disorder occurs when there is some difficulty to get and to use the sounds in speech. The purpose of this study is to feature the performance on reading and writing of the students with phonological disorder. Twenty-eight students, ranged in age from 7 to 9 years, with changes in speech, took part in this study. The sample was composed of 70% of boys and 30% of girls. The results revealed that from 57% to 85% of the students on the 1 st. and 3 rd. grades, showed phonological disorder on orality and writing, while 100% of the students on the 4 th grade, showed phonological disorder only in writing and reading. The findings of this study demonstrated that oral language is intrinsically related to the reading and writing performance, and changes of the phonological processing in a child can cause alterations on the reading and writing performance.

Keywords: Learning, Phonological disorder, Students.


 

 

Introdução

A fonologia é um componente da linguagem que envolve repertório de fonemas possíveis dentro da língua em questão, no caso o português brasileiro, e suas variações dentro dos diferentes contextos fonéticos, segundo a padronização dos sons e o funcionamento deles na operação das regras fonológicas. Por ser um componente da linguagem, a fonologia está intimamente relacionada ao processamento da informação. Assim, a fonologia envolve a percepção, a produção e a organização dos fonemas da língua, integrando-os e associando-os, evidenciando inter-relações com a linguagem e a audição que são indissociáveis nesse processo (Ingram, 1976; Wertzner, 1995).

A consciência da palavra concretiza-se no momento em que há o entendimento pela criança de que uma palavra é uma unidade lingüística distinta das outras unidades (tais como fonemas e frases), e que é um símbolo arbitrário, o qual não tem nenhuma relação direta com o objeto que representa (Bowey & Tunmer, 1984).

Mann (1984) relatou que as crianças com problemas fonológicos apresentam como manifestações, dificuldade com a memória de curto prazo para material verbal (como seqüências de números, palavras e até mesmo de palavras de sentenças orais); dificuldade em identificar palavras faladas em presença de ruído competitivo e dificuldade em recuperar a representação fonética de palavras. Segundo o autor, estes problemas são atribuídos à deficiência básica no uso de representação fonética na memória de curto prazo, a qual afeta negativamente a leitura, assim como determinados aspectos da linguagem oral.

Liberman e Shankweiller (1985) mencionaram a importância da consciência lingüística para a aprendizagem da leitura e escrita: “a investigação tem mostrado que o sucesso de quem aprende, sejam crianças ou adultos, se relaciona com o seu grau de consciência da estrutura subjacente às palavras. Os maus leitores são, geralmente, incapazes de decompor as palavras nos seus constituintes fonológicos, podendo ter ainda outros déficits deste tipo. As suas dificuldades em nomear objetos e em compreender frases podem ser em decorrência de um problema básico de domínio fonológico” (p.8).

Luria (1987) referiu em seus estudos que a linguagem escrita inclui a aprendizagem de uma série de processos ao nível do fonema, tais como a procura de sons isolados, sua contraposição, a codificação de sons separados em letras, a combinação de sons e letras isoladas em palavras completas. As diferenças entre a linguagem oral e escrita para este autor se encontra no nível do léxico, que deve ser consistente para a seleção das palavras.

A tomada da consciência da palavra como forma lingüística, é algo que se desenvolve gradualmente, pois para a criança, entender que no sistema de escrita alfabética as letras são desenhos que representam partes da palavra é uma conquista que pressupõe uma evolução no seu pensamento (Rego, 1987).

Yavas e cols. (1991) relataram que a maioria das crianças com significativas desordens de comunicação tem pelo menos alguma dificuldade no nível fonológico da linguagem, ou seja, no conhecimento dos segmentos fonéticos e das regras fonológicas ou na maneira como utilizam esse conhecimento. Essa dificuldade prejudica de maneira marcante a inteligibilidade de fala, chegando, em muitos casos, a ser impossível a compreensão da linguagem. Os autores definiram que um sistema com desordem fonológica é aquele cuja ordem difere da considerada normal.

A correlação entre a habilidade fonológica e a aprendizagem da leitura é de alta significância para o escolar iniciante, pois se a representação fonológica não se encontra assimilada, podem ocorrer dificuldades com a aprendizagem da leitura (Snowling, 1995).

Cardoso-Martins (1995) realizou estudo longitudinal com o objetivo de investigar a relação entre diferentes níveis de consciência fonológica e a aquisição da leitura e escrita no português. Participaram deste estudo 55 crianças brasileiras na faixa etária de 6 anos de idade. Os procedimentos utilizados incluíram teste de consciência fonológica, reconhecimento de letras, leitura oral e escrita sob ditado.

Os resultados da pesquisa acima citada evidenciaram que a consciência fonológica evoluiu nas crianças antes do início da instrução formal da leitura e se correlacionou com as medidas de leitura e escrita nas avaliações realizadas na metade e no fim do ano letivo. Tanto a sensibilidade, a similaridade fonêmica como as habilidades de segmentação fonológica precederam as atividades de leitura e escrita, entretanto, a sensibilidade à rima das crianças desempenhou papel significativamente menor na aprendizagem da leitura e escrita do português. Desta forma, a autora concluiu que a consciência fonológica desempenha importante papel na aquisição da leitura e da escrita do sistema alfabético.

Alégria e Mousty (1996) relataram em seu estudo que a consciência da fala tem uma estrutura fonêmica necessária para a aquisição da leitura, pois permite à criança utilizar um sistema generativo para converter ortografia em fonologia, permitindo, assim, a leitura de qualquer palavra regular que envolve a correspondência grafo -fonêmica. A característica generativa das ortografias alfabéticas possibilita aos leitores aprenderem por si mesmos que, ao encontrar palavras novas, eles podem aplicar as regras de decodificação fonológica.

O processo de decodificação fonológica contribui para que a criança forme a representação ortográfica da nova palavra, permitindo que essa nova palavra seja lida pela rota lexical. Portanto, é o processo fonológico que permitirá à criança, posteriormente, realizar leitura pela rota lexical, ou seja, leitura com significado.

Segundo Demont (1997), a aprendizagem da leitura é um processo complexo que requer múltiplas habilidades cognitivas, principalmente a habilidade metalingüística, ou seja, a capacidade de refletir sobre a linguagem. Essa capacidade, segundo a autora, é primordial no acesso à escrita e está diretamente relacionada à aprendizagem da leitura, uma vez que a leitura alfabética associa um componente auditivo fonêmico a um componente visual gráfico (correspondência grafofonêmica). Para dominar este princípio, o leitor iniciante primeiro precisa tomar consciência da estrutura fonêmica da linguagem, isto é, da decomponibilidade das palavras em fonemas e depois tomar consciência de que cada unidade auditiva é representada por um grafema diferente.

Segundo Maluf e Barrera (1997), a consciência fonológica é uma capacidade cognitiva que se desenvolve de acordo com a compreensão da linguagem oral.

A consciência fonológica e a aquisição da leitura e escrita são processos que se fortalecem mutuamente, por serem processos altamente complexos, que envolvem uma série de habilidades. Os estágios iniciais da consciência fonológica (consciência de rimas e sílabas) contribuem para o estágio de desenvolvimento inicial do processo de leitura. Entretanto, as habilidades desenvolvidas no estágio inicial da leitura contribuem para o desenvolvimento da consciência fonológica mais complexa, como a manipulação e a transposição fonêmica (Grégoire & Piérart, 1997; CapellinI & Ciasca, 1999).

Sisto (2002) referiu que os problemas relacionados à comunicação, com problemas de atenção, memória, raciocínio, coordenação, adaptação social e problemas emocionais podem ocasionar a chamada dificuldade de aprendizagem. Entretanto ressalta que esta terminologia engloba um grupo heterogêneo de transtornos, manifestando-se por meio de atrasos ou dificuldades de leitura, soletração, cálculo, em crianças com inteligência potencialmente normal ou superior, sem deficiências sensoriais, motoras ou cognitivas e desvantagens culturais.

Quando a criança apresenta dificuldade quanto à aquisição dos sons da fala, não superada dentro do caráter evolutivo, denominamos de transtorno fonológico, que segundo o DSM-IV-TR (2002) é definido como um fracasso no uso de sons da fala esperados para o estágio do desenvolvimento, próprios da idade e do dialeto do indivíduo. Isso pode envolver erros na produção, uso, representação ou organização dos fonemas, tais como substituições de um som por outro ou omissões de sons; as dificuldades na produção dos sons da fala interferem no desempenho escolar ou profissional ou na comunidade social. O Transtorno Fonológico inclui erros de produção fonológica, que envolvem o fracasso em formar corretamente os sons da fala e problemas fonológicos de base cognitiva que envolvem um déficit na categorização lingüística dos sons. A gravidade varia de pouco ou nenhum efeito sobre a inteligibilidade da fala até uma fala completamente incompreensível. A prevalência é de aproximadamente 2% das crianças de 6 e 7 anos com Transtorno Fonológico de moderado a grave, embora a prevalência de formas mais leves seja superior, e maior prevalência no sexo masculino.

Ao longo do período escolar, as crianças que apresentam habilidades orais (como fonologia, semântica, sintática e pragmática), escassamente desenvolvidas em interações sociais, são sobrecarregadas em ambiente acadêmico, tornando clara a importância da linguagem oral para tantos aspectos da aprendizagem da leitura e escrita. Desta forma, habilidades fonológicas também são necessárias para leitura e escrita, na medida em que a consciência fonológica será um aspecto a ser integrado no reconhecimento de palavras. A linguagem escrita deve ser considerada um sistema de representação de língua, cuja aprendizagem significa a apropriação de um novo objeto de conhecimento. É necessário o entendimento que a estrutura do sistema alfabético do português não significa que a escrita deste sistema seja a representação gráfica dos seus sons, mas, sim, que a percepção dos sons durante a produção da linguagem oral influencia diretamente o desenvolvimento da escrita (Capellini & Oliveira, 2003) .

Segundo Etchepareborda (2002) e American Speech Language Hearing Association (2003) as primeiras manifestações das dificuldades encontradas em crianças com transtornos de aprendizagem aparece na decodificação fono-grafêmica, quando a criança precisa entender e utilizar a associação dos sinais gráficos com as seqüências fonológicas das palavras no início da alfabetização.

Desta forma, a imaturidade fonológica é o primeiro sinal de que o desenvolvimento da linguagem da criança apresenta alterações. Entretanto, devemos considerar que este sinal pode estar isolado e, portanto, não significar maiores comprometimentos para a aprendizagem escolar da criança, porém, se esta imaturidade fonológica estiver acompanhada de outros sinais como histórico familiar positivo para transtorno de aprendizagem e alterações de funções neuropsicológicas como lateralidade, ritmo, esquema corporal e noção têmporo-espacial, funções estas necessárias para o processamento da linguagem oral e escrita, torna-se necessário acompanhamento longitudinal para a verificação da relação desenvolvimento/aprendizagem.

As dificuldades fonológicas devem-se a problemas de linguagem e elaboração do conjunto de regras e unidades fonêmicas que os falantes utilizam, de uma forma altamente automatizada, os sons de sua língua e suas representações mentais em tarefas de fala e leitura-escrita. As habilidades fonológicas apresentam um substrato biológico que corresponde a áreas lingüísticas perisilvianas, ao sistema informativo auditivo e ao sistema fonoarticulatório. No período de 4 a 6 anos de idade, a criança é capaz de identificar e reproduzir qualquer seqüência de fonema habitual de sua língua, conhecida ou não, com significado ou não. Durante este período, desenvolve-se juntamente à aprendizagem da leitura e escrita, o desempenho fonológico e o desenvolvimento metafonológico (Mérida & Fernández, 2003).

Com base no exposto acima, este estudo tem por objetivo caracterizar o desempenho da leitura e escrita em escolares que apresentam transtorno fonológico.

 

Método

Sujeitos

Este estudo foi realizado com 28 escolares que freqüentam sala regular de 1 a a 4 a séries de ensino fundamental de escolas públicas municipais de São João da Boa Vista/SP. Os escolares foram encaminhados por 46 professoras de 8 escolas ao Serviço de Fonoaudiologia da Prefeitura Municipal de São João da Boa Vista, com queixa de “trocas na fala”. Participaram deste estudo apenas os escolares encaminhados que apresentaram desempenho cognitivo e acuidade visual e auditiva dentro dos padrões de normalidade.

A amostra foi composta por 20 crianças do sexo masculino (70%) e 8 crianças do sexo feminino (30%), com faixa etária entre 7 e 9 anos de idade (Figura 1).

 

Instrumentos

Avaliação fonológica da criança (AFC – Yavas, 1991)

Utilizada com o objetivo de avaliar a fala da criança por meio da nomeação espontânea de 5 desenhos temáticos para a estimulação de 125 itens que formam a lista de palavras da prova. Essa s palavras pertencem ao vocabulário de crianças a partir de 3 anos de idade, testando sons equilibrados do sistema fonológico do adulto, apresentando mais de uma ocorrência dos mais tipos de alvos possíveis, sendo que os sons apresentam-se em diferentes posições nas palavras.

Os desenhos temáticos foram apresentados aos escolares com o objetivo de eliciar amostra de fala espontânea. Para análise dos processos fonológicos foi utilizado o critério de ocorrência proposto por Yavas (1988), ou seja, número (porcentagem) de sujeitos que apresentaram o processo em porcentagem maior ou igual a 25% ou menor e igual a 25%. Este critério justifica-se pelo fato de que 75% de produção correta é o nível mínimo para que o som seja considerado adquirido pela criança.

Prova de leitura oral e escrita sob ditado (Pinheiro, 1994)

Utilizada para verificar a leitura oral e escrita sob ditado, com palavras reais e inventadas de baixa e alta freqüência. Composto de uma lista de 96 palavras e 96 pseudopalavras. Os itens variam em termos de lexicalidade (palavra ou pseudopalavra), comprimento (dissílabo ou trissílabo), freqüência de ocorrência (alta ou baixa) e regularidade grafo-fonêmica (itens regulares com relações grafo-fonêmicas biunívocas, itens regrados por posição com relações dependentes do contexto, e itens irregulares com relações grafo-fonêmicas arbitrárias). Primeiramente, os escolares foram instruídos para realizarem a leitura oral das palavras e pseudopalavras e posteriormente a escrita sob ditado. A análise desta prova é realizada com base nos dados obtidos da normatização brasileira.

Prova de Consciência Fonológica (PCF - Capovilla & Capovilla, 1998)

A Prova de Consciência Fonológica avalia a habilidade das crianças de manipular os sons da fala. A PCF é composta por dez subtestes, sendo cada um deles composto por quatro itens de teste. Os escolares foram orientados para prestarem atenção e repetir as atividades de síntese, segmentação, manipulação e transposição silábica e fonêmica, além da seqüência de três palavras para realizarem a atividade de aliteração e rima. O resultado das crianças na PCF é apresentado em escore, sendo o máximo possível de 40 acertos. A análise deste resultado é realizado com base nos valores normatizados para população brasileira.

Redação temática

Utilizada para verificar a produção textual dos escolares. Os escolares foram instruídos para realizarem redação com o tema “o passeio no parque”. A análise da redação temática foi baseada nos critérios de análise de produção da escrita propostos por Abaurre (1987), que inclui a análise e interpretação dos aspectos formais e convencionais da escrita e os aspectos referentes à elaboração do texto.

Procedimento

Antes da aplicação dos procedimentos de avaliação fonológica e de leitura e escrita, os pais dos escolares foram convocados pela pesquisadora no Serviço de Fonoaudiologia da Prefeitura Municipal de São João da Boa Vista, para autorização e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual os responsáveis pelas crianças se tornaram cientes da realização deste estudo. Somente após a assinatura do termo, os procedimentos de avaliação foram realizados.

 

Resultados

Quanto aos processos fonológicos verificamos que as maiores incidências ocorrem quanto à dessonorização de obstruintes (substituições surda/sonora) e redução de encontro consonantal (TABELA 1).

Quanto à Prova de Leitura e Escrita verificamos que os escolares apresentaram escores abaixo do esperado para sua faixa etária e escolaridade, comparando-se segundo a literatura (Pinheiro, 1994), sendo em maior proporção os erros em palavras reais de baixa freqüência e em palavras inventadas (Figura 2 e Figura 3). Os erros foram analisados segundo desrespeito às regras de correspondência grafema-fonema e ortografia, acréscimos de grafema e omissões de grafemas, tanto na escrita sob ditado como na leitura oral, sendo que as normas de correção são as mesmas para ambas.

 

Figura 2: Representação gráfica da porcentagem de erros dos escolares na prova de escrita de palavras reais de baixa freqüência e inventadas.

 

Figura 3: Representação gráfica da porcentagem de erros dos escolares na prova de leitura de palavras reais de baixa freqüência e inventadas.

 

Figura 4: Representação gráfica da média de acertos dos escolares na Prova de Consciência Fonológica.

 

Quanto à habilidade fonêmica e suprafonêmica verificada na Prova de Consciência Fonológica – PCF (Capovilla & Capovilla, 1998), ocorreu prevalência de erros quanto a habilidades de síntese, segmentação, manipulação e transposição fonêmicas e rima, justificado pela literatura em que as unidades silábicas são mais importantes que as unidades de rima e aliteração, e ainda, a consciência silábica tende a ser mais fácil que a fonêmica, sendo que apenas 6 (21%) crianças obtiveram escore total dentro dos padrões da normalidade para idade e escolaridade (TABELA 3 e Figura 4) .

 

Figura 5: Representação gráfica da porcentagem de escolares com transtorno fonológico.

 

Na avaliação da escrita temática foram verificados os aspectos formais e convencionais e aspectos referentes à elaboração do texto. Na análise da produção gráfica dos escolares verificamos restrição lexical, uso de palavras isoladas e apoio da oralidade na escrita (TABELA 2).

Ao término da avaliação fonológica e de leitura e escrita, verificamos que 85% dos escolares de 1ª série, 75% dos escolares da 2ª série, 57% da 3ª série apresentam transtorno fonológico presentes tanto na oralidade como na leitura e escrita, sendo que 100% dos escolares da 4ª série apresentaram alterações fonológicas somente em leitura e escrita (Figura 5).

 

Discussão

Neste estudo verificamos a presença de alterações de linguagem oral e escrita dos escolares, caracterizando atraso no desenvolvimento de habilidades fonológicas e sintáticas. O transtorno fonológico, identificado nos escolares deste trabalho, pode ser considerado tanto de causa desconhecida como um sinal evidente de que há falhas no processamento da informação em âmbito neurofuncional.

O transtorno fonológico merece atenção quando presente na fase escolar, pois, apesar de alguns autores como Shriberg e Kwiatkowski (1982) referirem que ele pode ocorrer, classificando-o como de desenvolvimento, evidencia alterações no sistema fonológico que podem envolver tanto a produção do som como a percepção da fala como ainda a organização e compreensão das regras fonológicas.

As alterações referentes à produção de som evidenciadas neste estudo dificultaram às crianças no reconhecimento de palavras freqüentes ao léxico, no uso do mecanismo de conversão fonema-grafema para codificação e reconhecimento de palavras de baixa freqüência e inventadas, na ampliação do vocabulário e nos subtestes de consciência fonológica.

Os achados deste estudo demonstram que a linguagem oral está intrinsecamente relacionada ao desenvolvimento da leitura e escrita. Em estágio de aquisição e desenvolvimento do sistema fonológico, é esperado que a criança adquira os processos fonológicos, superando os processos gerais que tendem a simplificar a linguagem, conforme descrito por Wertzner (1995). No entanto, quando não há a superação destes processos gerais, como a simplificação, alterações no processamento fonológico podem ocorrer, ocasionando os denominados problemas de aprendizagem decorrentes de alterações de linguagem, uma vez que as operações de processamento da leitura e escrita são baseadas inicialmente na estrutura fonológica da linguagem oral e envolve a organização conceitual, a representação lexical e a memória de trabalho, que acessa e recupera as representações gráficas relacionadas ao sons da fala.

Com este estudo verificamos que a leitura e a escrita apresentaram-se alteradas, principalmente em relação ao uso do mecanismo de conversão fonema-grafema, em razão da habilidade fonológica alterada da criança, conforme descrito Ingram (1976), Mann (1984) e Snowling (1995), que afirmam que como o processamento fonológico envolve a percepção, organização e produção dos fonemas para a formação da estrutura da palavra, a presença de alterações neste processamento acarreta prejuízos na percepção oralidade-escrita no início da alfabetização.

A alteração no processamento fonológico evidenciado nos escolares deste estudo alerta-nos para o fato de que esta alteração permanece presente em atividades de leitura e escrita, mesmo após a superação desta dificuldade na oralidade, demonstrando assim o quanto o transtorno fonológico de desenvolvimento pode comprometer o armazenamento da informação sonora.

Atualmente os estudos realizados com a consciência fonológica e sua correlação com a leitura e escrita têm evidenciado que quanto maior a dificuldade do escolar em habilidades de manipulação, segmentação, rima e aliteração de fonemas e sílabas maior a dificuldade na realização de tarefas de leitura e escrita, conforme proposto por Cardoso-Martins (1995), Santos (1996), Gregoire e Pierart (1997) e Capellini e Ciasca (1999) bem como ressaltado neste estudo.

Evidenciamos na população estudada que as dificuldades fonológicas presentes na oralidade influenciaram diretamente as representações mentais em tarefas de fala e de leitura e escrita. Desta forma, conforme proposto por Etchepareborda (2002), Merida e Fernandez (2003), Capellini e Oliveira (2003) e American Speech Language Hearing Association (2003), a imaturidade fonológica é o primeiro sinal de que o desenvolvimento da linguagem da criança apresenta alterações, merecendo, portanto, a atenção de profissionais da área da educação para possíveis dificuldades na aprendizagem escolar.

Assim, crianças que apresentam transtorno fonológico em fase pré-escolar e escolar acompanhada de outros sinais como: histórico familiar positivo para transtorno de aprendizagem, alterações de funções neuropsicológicas como lateralidade, ritmo, esquema corporal e noção têmporo-espacial devem receber acompanhamento educacional para verificação da evolução do desenvolvimento tanto da linguagem oral como escrita, pois somente com este seguimento poderemos garantir a minimização das dificuldades cognitivo-lingüísticas que afetam diretamente a aprendizagem escolar.

 

Considerações finais

A realização deste estudo nos possibilitou verificar que nestes escolares as alterações fonológicas presentes na oralidade influenciam diretamente a aquisição da leitura e da escrita, bem como o desempenho escolar das crianças.

O transtorno fonológico deve ser identificado o mais precocemente possível em pré-escolares e escolares para que, com o levantamento de outros sinais de alterações da aprendizagem, sejam trabalhados minimizando assim o impacto nas alterações cognitivo-lingüísticas na aprendizagem, pois, o processo fonológico alterado compromete o acesso e a recuperação do léxico mental, ocasionando problemas no mecanismo de conversão letra-som, tão exigidos nas atividades de leitura e escrita de um sistema de escrita como o português.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Cíntia Salgado
Rua Barão do Campo Místico nº 374 ap.23, Centro
CEP:37.701-039 - Poços de Caldas/MG
e-mail: cintiasal@ig.com.br ou cintia_salgado@yahoo.com

Simone Aparecida Capellini
Rua nartolomeu de Gusmão, 10 – 84 – Jd. América
CEP: 17.017-326 – Bauru – SP
e-mail: sacap@uol.com.br

Recebido em: 12/03/04
Revisado em: 04/06/04
Aprovado em: 17/06/04

 

 

1 Mestranda em Ciências Médicas do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Médicas –FCM/UNICAMP-Campinas/SP. Bolsista Capes.
2 Docente do curso de Fonoaudiologia da Universidade Estadual Paulista- Marília/SP. Docente participante do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Médicas-FCM/UNICAMP-Campinas/SP.