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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.11 n.1-2-3-4 Brasília  1991

 

EDITORIAL

 

Ética, perplexidade e cotidiano

 

 

Muito se tem dito que vivemos uma crise ética e esse tema tem sido tratado, muitas vezes, num nível de desconcertante senso comum, onde se confunde o embate dos diversos valores morais com o abalo das estruturas que sustentam a crença na conduta sublime ou no mínimo normal.

Se formulações como a Lei de Gerson e a predominância da razão cínica, como aponta Jurandir Freire Costa, se apresentam como mediadores preponderantes das relações de toda espécie, é preciso tratar disso como processo de instauração de uma nova ordem de representações que incide sobre como o sujeito se pensa, como pensa o coletivo e fundamentalmente sobre o que o coletivo propõe para o sujeito pensar.

E já que o pensamento não representa a única medida para a confirmação da existência, isso nos leva imediatamente para o campo da Psicologia, onde o jogo das imagens se apresenta como ponto privilegiado de abordagem e manejo das contradições entre o indivíduo e seu(s) duplo(s), para lembrar de Artaud. E temos de tratar esse tema com todo o rigor possível, já que esse movimento revela contradições internas no próprio campo da Psicologia, na medida em que se tomam públicos os meandros dessa relação particular do psicólogo com seu cliente.

Também não podemos deixar de lado a importância desse tema para os Conselhos Regionais e Federal de Psicologia que, chamados no lugar de terceiros a decidir sobre a dissonância de duas partes implicadas em diversidades éticas, representam o forum principal de posicionamento e reflexão da questão, dentro da categoria.

Se vivemos uma crise, é preciso demarcá-la. São elementos de tradição, de um hábito, de um imaginário enfim, que se desmoronam e se desdobram nos campos social, político, subjetivo e quantos mais se puder pensar. A complexidade aumenta na medida em que podemos também considerar que se trata de um movimento, eterno movimento que se desfaz e se refaz ininterruptamente. Aí a noção de crise se esvai; não é um episódio, ou episódios, mas movimento próprio dos agrupamentos humanos, engendrados na dimensão de cada um.

Demonstra-se assim que hábitos e costumes que circunscrevem uma ética se desmontam e perdem seu estatuto de verdade absoluta, criando a incômoda e necessária relativização, a verdade parcial, que não produz a ausência de ética, como muito se tem dito, mas que cria a possibilidade do resgate, do avanço e da nomeação de uma ética que suporte a complexidade dos tempos atuais.

Os artigos aqui publicados apontam nessa direção; da reflexão, da invenção e da ação. O tema não se esgota, não se fecha. A própria revista continua aberta para novos discussões sobre a ética. Nesse caso, mais do que nunca, a única saída é a entrada.