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Psicologia: ciência e profissão
versão impressa ISSN 1414-9893
Psicol. cienc. prof. v.22 n.4 Brasília dez. 2002
ARTIGOS
Prazer e sofrimento no trabalho: representações sociais de profissionais de recursos humanos
Roque Tadeu Gui
Psicólogo Analítico (Junguiano). Psicólogo Organizacional. Especialista em Gestão de Pessoas no Banco do Brasil. Mestrando em Psicologia na Universidade de Brasília (UnB)
RESUMO
Este estudo descreve as representações sociais de profissionais da área de Recursos Humanos do Banco do Brasil sobre prazer e sofrimento no trabalho. A pesquisa tem fundamentação teórica na Psicodinâmica do Trabalho e na Teoria das Representações Sociais. A metodologia adotada é de orientação qualitativa, utilizando-se a técnica do grupo focal como principal meio de coleta dos dados. Os participantes da pesquisa reconhecem a existência de situações que geram prazer e sofrimento no Banco do Brasil e admitem que é papel dos profissionais de Recursos Humanos intervir nas situações de sofrimento, com o objetivo de diminuí-lo e de potencializar as vivências de prazer na Organização.
Palavras-chave: Sofrimento e prazer no trabalho, representações sociais, psicodinâmica do trabalho.
ABSTRACT
This study describes the social representation of well-being and suffering at work built by the Human Resources professionals of Banco do Brasil. The research is based on the Work Psychodynamic Theory and Social Representation Theory. The adopted methodology is qualitative-oriented, using the focus group technique as the main form of data collection. Informers recognize the existence of well-being and suffering circunstances in the organization and assume that the Human Resources professional should take an active role in these circumstances with the purpose of minimizing suffering and maximizing well-being.
Keywords: Suffering and well-being at work, social representation, work psychodynamic.
Sofrer ou Não Sofrer, Esta é a Questão?
Estudos na área de saúde mental e trabalho têm abordado o tema do sofrimento psíquico nas organizações em suas múltiplas facetas. Alguns investigam a questão do sofrimento em categorias profissionais específicas e até mesmo do profissional bancário2. Não é de nosso conhecimento, contudo, a existência de trabalhos que abordem as representações sociais sobre prazer e sofrimento no trabalho construídas por profissionais de Recursos Humanos.
Estamos interessados em conhecer as crenças, opiniões, atitudes e sentimentos sobre o prazer e o sofrimento vividos pelos funcionários do Banco do Brasil, na perspectiva daqueles profissionais que têm exatamente por atribuição lidar com questões críticas para o bem-estar das pessoas na Organização. Interesse de pesquisa, por um lado. Por outro, a suspeita de que os achados deste estudo possam servir para uma melhor compreensão das fontes de sofrimento do fazer bancário e, em particular, do fazer bancário produzido no Banco do Brasil.
Pode-se imaginar que o profissional de Recursos Humanos de uma empresa como o Banco do Brasil construa representações muito peculiares sobre o tema, seja com base em suas próprias vivências de prazer e sofrimento - oriundas do embate entre os registros subjetivos de cada um e as características da organização do trabalho na Unidade de Recursos Humanos - seja com base na percepção e no entendimento que constroem sobre o que se passa com seus companheiros de empresa.
Embora compartilhem questões comuns com esses parceiros de profissão, os profissionais de Recursos Humanos vivenciam problemas específicos de sua posição na empresa, tais como os conflitos entre seus valores pessoais e os da organização e os medos e ansiedades originados por um pensar que eventualmente se coloque na contramão da ortodoxia da Unidade e que nem sempre é bem aceito por seus superiores...
Ao quadro de angústias, agregam-se os dilemas das decisões que precisam ser tomadas ou implementadas e que afetam a vida de outros, pessoas como eles. Estamos falando de profissionais que se vêem diante de dramas humanos que são ao mesmo tempo os seus.
Adiantemos, desde já, que não se pretende, neste estudo, encontrar racionalizações que auxiliem a ignorar e suportar o sofrimento, nem de atribuir à organização todos os males que afligem o trabalhador. Trata-se, antes, de buscar formas de transformar o trabalho em mediador para a saúde. Conforme Dejours (1996, p. 137): "O sofrimento é inevitável e ubíquo. Ele tem raízes na história singular de todo sujeito, sem exceção. Ele repercute no teatro do trabalho ao entrar numa relação, cuja complexidade já vimos, com a organização do trabalho".
A compreensão que os profissionais de Recursos Humanos possuem a respeito do sofrimento humano nas organizações influi nas concepções, atitudes e decisões por eles tomadas e na maneira como lidam com as pessoas na empresa. Por outro lado, oferece o suporte ideológico às estratégias e às ações da área de Recursos Humanos. E se, por alguma razão, aí ocorre uma dissonância, surge o conflito de valores e o sofrimento.
Objetivos
O objeto deste estudo são as representações sociais de profissionais de Recursos Humanos do Banco do Brasil sobre prazer e sofrimento no trabalho. Para descrever o campo representacional construído por esses profissionais, partimos das seguintes perguntas de pesquisa:
Quais são as representações sociais construídas por profissionais de Recursos Humanos do Banco do Brasil a respeito do sofrimento e prazer no trabalho?
Quais são as fontes de sofrimento no trabalho, na visão desses profissionais?
Como diminuir o sofrimento no trabalho, ou transformá-lo em sofrimento criativo?
Como potencializar o prazer no trabalho?
Qual é o impacto do sofrimento patogênico sobre o indivíduo e sobre a organização?
Qual é o papel do profissional de Recursos Humanos em face do fenômeno "prazer e sofrimento"?
A intenção primordial da pesquisa não é demonstrar que os profissionais de Recursos Humanos sofrem; em algumas situações, isso de fato ocorre. Não nos preocupamos em distinguir, com precisão, a visão sobre o próprio sofrimento da percepção sobre o sofrimento vivenciado pelos demais profissionais do Banco do Brasil. Acolhemos ambas as perspectivas como legítimas componentes do campo representacional construído pelos profissionais de Recursos Humanos. Como se sabe, por meio dos estudos de Dejours e outros, o prazer e o sofrimento não são apanágios de nenhuma categoria profissional.
Contribuições do Estudo
O estudo foi realizado como requisito parcial para a obtenção do Certificado de Especialização em Recursos Humanos outorgado pela Universidade de São Paulo - Fundação Instituto de Administração - e pela Unidade de Recursos Humanos do Banco do Brasil. É importante ressaltar que, em pesquisa dessa natureza, ou seja, realizada sob o patrocínio de uma empresa, existe uma expectativa de retorno do investimento na forma de conhecimentos aplicáveis no aperfeiçoamento dos processos de recursos humanos da patrocinadora, no caso o Banco do Brasil.
Assim, a pesquisa contribui para uma reflexão sobre a subjetividade do profissional de Recursos Humanos do Banco do Brasil quando confrontado pelas vivências de prazer e sofrimento no trabalho, propiciando o conhecimento sobre as vicissitudes inerentes à sua atividade.
Além disso, coloca em questão o modelo de processo de trabalho prescrito e sua influência na produção, evidenciando que a gestão coletiva da organização do trabalho permite a emergência do prazer ou a transformação do sofrimento em criatividade, na medida em que possibilita o engajamento do trabalhador na atividade sem maiores prejuízos à saúde mental.
A pesquisa oferece, ainda, insumos para a formação do profissional de Recursos Humanos do Banco do Brasil e para a reflexão sobre o papel dos profissionais de Recursos Humanos em geral, no interior das organizações.
Metodologia
"...o objeto das Ciências Sociais é essencialmente qualitativo " (Minayo, 1998, p. 21).
Procuramos fazer justiça ao objeto de nossa pesquisa, considerando a natureza qualitativa da experiência humana, expressa aqui pela fala dos entrevistados. Isso implica, segundo Minayo (1998, p. 22), "considerar o sujeito de estudo [como] gente, em determinada condição social, pertencente a determinado grupo social ou classe com suas crenças, valores e significados. Implica também considerar que o objeto das ciências sociais é complexo, contraditório, inacabado, e em permanente transformação".
Além disso, concebendo representação social como "um processo social que envolve comunicação e discurso ao longo do qual significados e objetos sociais são construídos e elaborados" (Wagner, 1999, p. 149), consideramos a metodologia qualitativa como a mais adequada aos nossos propósitos.
O estudo é de natureza descritiva e de caráter exploratório. Segundo Gil (1995, p. 45), as pesquisas descritivas "... têm como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis". E, ainda segundo CIL (1995, pp. 44-45):
"As pesquisas exploratórias têm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e idéias, com vistas à formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores. [...] Pesquisas exploratórias são desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato. Esse tipo de pesquisa é realizado especialmente quando o tema escolhido é pouco explorado e torna-se difícil sobre ele formular hipóteses precisas e operacionalizáveis."
Assim, o caráter exploratório deste estudo deve-se ao fato de haver poucas pesquisas sistematizadas voltadas para o tema do sofrimento e do prazer vinculados ao trabalho do profissional qualificado (Mendes, 1994). Pesquisas sobre sofrimento e prazer no trabalho têm sido desenvolvidas com algumas categorias profissionais da área de saúde e de educação. Desconhecemos a existência de trabalhos que tenham sido realizados com profissionais de Recursos Humanos sobre a temática.
Buscamos a fundamentação teórica da presente pesquisa na literatura científica sobre a "Psicodinâmica do Trabalho" e a "Teoria das Representações Sociais".
Dada a natureza do tema - representações sobre prazer e sofrimento - e a necessidade de contarmos com a espontaneidade nas manifestações dos participantes, optamos por compor grupo de voluntários, mediante convite, subdividindo-o de maneira a assegurar a maior representatividade possível do coletivo de profissionais da Unidade de Recursos Humanos.
O grupo participante totalizou 75 funcionários, a saber: o Diretor de Recursos Humanos; o Superintendente Executivo de Recursos Humanos; os Gerentes Executivos da Unidade (exceto um); os Gerentes de Divisão da Unidade; funcionários detentores de diferentes cargos (analista sênior, pleno, júnior e assistente); funcionários das unidades regionais, ou seja, dos Centros de Desenvolvimento Profissional (CEFOR) e dos Serviços de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT).
O Diretor, o Superintendente Executivo e os Gerentes Executivos (grupo "Dirigentes") foram ouvidos por meio de entrevistas individuais, em função da dificuldade de agendar suas participações em grupos focais. Os funcionários dos CEFOR e SESMT responderam questionários e os demais funcionários da Unidade participaram de seis grupos focais.
Segundo Morgan (1997), a marca registrada do grupo focal é a utilização explícita da interação grupai para produzir dados e insights que seriam menos acessíveis sem a interação encontrada em grupo. A principal vantagem do grupo focai é a oportunidade de observar uma quantidade muito maior de interação a respeito de um tema em um período limitado. No grupo focal não se busca o consenso e, sim, a pluralidade de idéias. Assim, a ênfase está na interação dentro do grupo, em torno de tópicos oferecidos pelo pesquisador, que tipicamente assume o papel de moderador. O principal interesse é que seja recriada, desse modo, uma forma de contexto ou de ambiente social onde o indivíduo pode interagir com os demais, defendendo às vezes suas opiniões ou contestando as dos outros. Essa abordagem possibilita também ao pesquisador aprofundar sua compreensão das respostas obtidas.
No que se refere à pesquisa de Representações Sociais por meio do uso da técnica de grupo focal, SÁ (1998, p. 93) diz:
"Seu interesse para o campo das Representações Sociais reside no fato de que ela de certo modo simula as conversações espontâneas pelas quais as representações são veiculadas na vida cotidiana. [...] Em que pese um certo grau de artificialidade, os grupos focais podem fazer emergir uma boa quantidade dos mesmos temas e argumentos que fariam parte de uma conversação sobre o assunto no ambiente natural".
As questões orientadoras dos grupos focais, das entrevistas e dos questionários foram elaboradas a partir da definição a priori de categorias, sugeridas pela literatura sobre Psicodinâmica do Trabalho:
Significado do Trabalho - valor atribuído ao trabalho;
Conhecimento do Trabalho - valor atribuído ao conhecimento das atividades e dos objetivos do trabalho; nível de conhecimento relatado;
Controle sobre o Trabalho - valor atribuído ao poder exercido sobre as atividades; nível de controle exercido;
Relacionamento Interpessoal - valor atribuído ao relacionamento interpessoal na equipe, entre pares e entre chefia e subordinados; qualidade do relacionamento;
Conceito de Prazer e de Sofrimento - concepções sobre prazer e sofrimento; associações ideacionais e afetivas com o conceito;
Existência de Prazer e de Sofrimento na Organização - constatação subjetiva sobre a existência de situações de prazer e de sofrimento no Banco do Brasil;
Causas do Prazer e do Sofrimento - fatores causais ou favorecedores da emergência de prazer e de sofrimento na situação de trabalho;
Efeitos do Prazer e do Sofrimento no Indivíduo - conseqüências para o indivíduo atribuídas às situações de prazer e de sofrimento;
Efeitos do Prazer e do Sofrimento na Organização - conseqüências para o Banco do Brasil atribuídas às situações de prazer e de sofrimento;
Formas de lidar com o Sofrimento - estratégias defensivas, individuais e coletivas, utilizadas para lidar com o sofrimento, positiva ou negativamente; e
Papel do Profissional de Recursos Humanos - responsabilidades relativas ao gerenciamento das situações de prazer e de sofrimento atribuídas ao profissional de Recursos Humanos.
As entrevistas individuais e as falas dos participantes dos grupos focais foram registradas em fitas cassetes, posteriormente transcritas. A leitura geral do material transcrito e das respostas aos questionários confirmaram as categorias pré-definidas. O conteúdo das falas foi recortado e resumido nas 11 categorias.
Utilizamos a abordagem qualitativa de análise de conteúdos (Laville & Dionne, 1999, p. 226):
"O pesquisador decide prender-se às nuanças de sentido que existem entre as unidades de análise, aos elos lógicos entre essas unidades ou entre as categorias que as reúnem, visto que a significação de um conteúdo reside largamente na especificidade de cada um de seus elementos e na das relações entre eles, especificidade que escapa amiúde ao domínio do mensurável."
Utilizamos a estratégia de associar os dados a um modelo teórico - a Psicodinâmica do Trabalho -com a finalidade de compará-los e melhor compreender as representações construídas pelos participantes. Buscamos examinar as unidades de sentido, as inter-relações entre essas unidades e entre as categorias em que elas foram reunidas. Comparamos, ainda, as representações dos grupos pesquisados, procurando semelhanças e diferenças, corroborações e contradições. O procedimento aproxima-se da estratégia descrita por Laville & Dionne (op. cit., p. 227) denominada "construção iterativa de uma explicação" que se presta particularmente aos estudos de caráter exploratório.
Frases representativas da fala dos participantes foram selecionadas, compondo o quadro de análise das categorias. Essa estratégia - mais do que um simples recurso de ilustração - foi utilizada com o propósito de resgatar o significado e o colorido afetivo das manifestações dos participantes, ofuscados pelas diversas reduções inevitáveis no processo de tratamento dos dados e de análise do conteúdo.
Desde o início da pesquisa, decidíramos que seria dado um retorno dos resultados aos participantes dos grupos. Tratou-se de decisão metodológica com vistas a envolver o grupo pesquisado no processo de avaliação dos resultados obtidos, ou seja, verificar se as análises e interpretações eram aderentes às suas representações, além de possibilitar a elaboração de propostas de ação para o ambiente da Unidade de Recursos Humanos no que concerne ao tema. A devolução ocorreu em encontro realizado na própria Unidade com cerca de metade dos participantes dos grupos focais.
Conclusões
"Perceber o sofrimento alheio provoca uma experiência sensível e uma emoção a partir das quais se associam pensamentos cujo conteúdo depende da história particular do sujeito que percebe: culpa, agressividade, prazer etc. A percepção do sofrimento alheio provoca, pois, um processo afetivo. A impossibilidade de exprimir e elaborar o sofrimento no trabalho constitui importante obstáculo ao reconhecimento do sofrimento dos que estão sem emprego" (Dejours, 1999, pp.45-46).
Este estudo nos levou a investigar as representações de profissionais de Recursos Humanos em torno de várias categorias relacionadas com a temática do prazer e do sofrimento no trabalho. Recordemos que as representações aqui relatadas são construídas por profissionais de Recursos Humanos do Banco do Brasil e não reinvidicam qualquer pretensão de corresponder às visões de todo o quadro funcional da Instituição.
Porém, antes das conclusões, ouçamos um pouco da fala dos participantes:
"O trabalho ainda é uma base para a fundamentação da identidade de cada um..."
"A maioria tem o conhecimento dos detalhes operacionais do seu trabalho, mas não tem noção de onde ele se encaixa."
"As pessoas só estão cumprindo rotinas; não têm capacidade de vencer desafios, de estarem trazendo a mudança para o ambiente de trabalho, gerando apatia e uma forte submissão."
"Eu acho que cada vez está aumentando mais o discurso da equipe e cada vez mais se está trabalhando individualmente."
"...isso se torna sofrimento: a pressão pelo resultado e a realização de um trabalho sem sentido, um trabalho monótono e que não leva a nada..."
"A empresa vive uma fachada muito bonita, pois é falsa a gestão participativa e o funcionário sente-se cada vez mais tolhido."
"Eu não me importo de trabalhar uma ou duas horas a mais que o previsto no meu ambiente de trabalho, mas a organização me recompensa por causa disso? Quer dizer: há justiça no ambiente de trabalho? As regras são claras ? São transparentes ? Todas as pessoas têm oportunidades iguais?"
"Eu acho que tem pessoas que vão guardando, guardando ... Acho que não são poucas as pessoas que são assim. Tanto é que a gente vê muita gente com dor de cabeça. Tem gente que tem problemas de pressão, de coração. Tudo vai se acumulando."
"A organização perde espaço porque os funcionários se encolhem, deixam de ousar, de serem criativos e não doam suas idéias à empresa."
"Você, de tanto não ter saída, começa a ridicularizar o próprio sofrimento."
"Eu vejo a Unidade de Recursos Humanos como uma fábrica de emoções. Nós produzimos sempre, constantemente. Nós poderíamos produzir emoções positivas, criar expectativas e cumpri-las."
A existência de prazer e sofrimento nos processos de trabalho é reconhecida por todos os participantes e vincula-se diretamente à qualidade das relações interpessoais, ao tipo e à organização do trabalho. Os Dirigentes reconhecem uma dualidade conflitiva entre sofrimento e prazer no trabalho e demonstram preocupação em encontrar motivos e buscar propostas que minimizem o sofrimento e potencializem o prazer. As representações a respeito do significado do trabalho referem-se à sua importância para a sobrevivência, principalmente para os profissionais que não ocupam posição de gerência, como é o caso dos analistas que participaram da pesquisa.
Lembremos que o não-reconhecimento do significado do próprio trabalho induz ao desestímulo e o trabalho passa a ser visto como algo desinteressante (Codo, 1998). Daí para o surgimento do sofrimento psíquico é apenas um passo: com a perda do significado do trabalho, ocorre uma ruptura entre a subjetividade e a objetividade, entre o eu e o mundo. Essa ruptura retira do indivíduo o interesse e o controle sobre o trabalho.
As representações sobre o conhecimento do trabalho apontam-no como um aspecto muito deficiente: a grande maioria dos funcionários do Banco, segundo os participantes da pesquisa, não conhece o trabalho que realiza. O conhecimento do trabalho em sua dimensão mais ampla pode favorecer a emergência de novos significados sobre a sua importância para a organização e para a sociedade.
O controle sobre o trabalho é representado de forma bastante homogênea: os funcionários possuem pouca ingerência sobre o próprio trabalho.
Como era de se esperar, os Dirigentes atribuem grande importância à participação dos funcionários. Admitem, contudo, que a prática difere do discurso e que os obstáculos para um maior controle do trabalho pelo próprio funcionário ainda existem, oriundos não apenas da rigidez gerencial como também do anseio de alguns funcionários de serem conduzidos. Contudo, o tema da interferência nos processos de trabalho não é questão pacífica nem mesmo para os Dirigentes e Gerentes de Divisão. Segundo eles, a organização do trabalho estimula os comportamentos individualistas, seja através do excesso de trabalho, seja pela pressão por resultados.
A definição de senso comum para prazer e sofrimento - conceito de prazer e sofrimento - é formulada em termos da descrição das situações onde ocorrem essas vivências: ora prazer e sofrimento são representados por meio de fatores causais, ora mediante a indicação de conseqüências. Embora os "conceitos" de prazer não sejam homogêneos entre os grupos, os Gerentes de Divisão e os Dirigentes representam-no mediante associações com o sucesso do empreendimento ("da equipe"), surgindo daí certo sentimento de satisfação ("realização pessoal"), já que pelo menos parte do reconhecimento usufruído pelos gestores deriva da visibilidade dos resultados alcançados por suas equipes.
Interesse pelo trabalho e reconhecimento são os principais elementos relacionados ao prazer pelo grupo SESMT. Já para o grupo CEFOR, os principais elementos são organização do trabalho, condições de trabalho e interesse pelo trabalho.
Para esses profissionais, as representações sobre sofrimento constroem-se em torno de situações de carência relacionadas com recompensa, condições de trabalho, sentido para o trabalho, anonimato, sobrecarga, poder decisório e a percepção de situações de injustiça e sofrimento no Banco. A falta de diálogo, relacionamentos hierárquicos autoritários, pressão do processo produtivo, insegurança e sentimentos de injustiça, o baixo interesse pelo trabalho resultante da precária identificação com as tarefas são reconhecidos pelos participantes dos SESMT e CEFOR como fontes de sofrimento.
As representações sobre as causas do sofrimento possuem certa homogeneidade entre os participantes da pesquisa: a falta de reconhecimento. O reconhecimento confere sentido ao sofrimento; quando não ocorre, o sofrimento torna-se absurdo, podendo levar à desestabilização da personalidade e à doença mental (Dejours, 1999).
Motivação, criatividade, comprometimento, cooperação, elevação da auto-estima e melhoria da qualidade de vida são os principais efeitos do prazer sobre o indivíduo atribuídos pelos participantes. Em contrapartida, adoecimento físico e mental - raiva, ansiedade, depressão, angústia -são claramente vinculados ao sofrimento.
Destacam-se as representações dos grupos GEDEP3 e GECAE/GETAB4 sobre o sofrimento dos profissionais de Recursos Humanos em face do sofrimento dos demais funcionários, tendo em vista o sentimento de responsabilidade daqueles pelo bem-estar destes últimos. O grupo GECAE/GETAB refere-se à insensibilidade em relação ao sofrimento alheio como conseqüência de uma estratégia defensiva - mecanismo relatado por Dejours (1999) - de negação do próprio sofrimento.
Os efeitos do prazer sobre a organização, mencionados pelos participantes, referem-se ao clima organizacional positivo, criatividade, compartilhamento e produtividade. Os efeitos do sofrimento relacionam-se com a queda da produtividade e da competitividade da organização, inclusive com reflexos sobre o atendimento do cliente.
Os grupos reportam formas não-construtivas de lidar com o sofrimento, ora ressaltando apenas a vivência do sofrimento, ora resignando-se ou negando o sofrimento, ou buscando soluções individuais.
A responsabilidade nas questões relativas ao prazer e ao sofrimento parece ocupar uma posição central na representação sobre o papel do profissional de Recursos Humanos.
Os participantes demonstram desejo de serem reconhecidos pela Organização - e particularmente por seu clientes, os funcionários do Banco - como profissionais empenhados na transformação das situações adversas à saúde física e mental das pessoas que compõem a Empresa.
A esse propósito, o encontro de apresentação dos resultados da pesquisa para os participantes representou um ensaio de criação de um espaço público (Dejours, 1996) de discussão no âmbito da Unidade de Recursos Humanos. Questões relativas ao relacionamento interpessoal, à existência de prazer e de sofrimento e ao papel do profissional de Recursos Humanos foram debatidas, e propostas voltadas para o âmbito da Unidade foram elaboradas.
E, por fim, algumas questões críticas se destacam: o conhecimento sobre os objetivos e sobre a importância do trabalho são aspectos que os profissionais de Recursos Humanos reconhecem como precários na Organização, requerendo providências que restituam aos profissionais da Empresa o sentido e o valor do próprio trabalho.
Cuidados com o espaço de convivialidade, zelo pelo clima organizacional, cultivo de valores como confiança e transparência são medidas inferidas como necessárias e urgentes para a redução do sofrimento e para a promoção do prazer no Banco do Brasil. Abertura à participação, afirmação do próprio poder e autoridade, são aspectos que também não podem ser esquecidos.
Considerações Finais
Os profissionais de Recursos Humanos do Banco do Brasil, participantes deste estudo, reconhecem a existência de prazer e de sofrimento na Organização. Os elementos ligados ao sofrimento, múltiplos e diversos, possuem um caráter central em suas representações, enquanto que os elementos ligados ao prazer ocupam uma posição periférica menos clara.
Esses profissionais reconhecem sua responsabilidade em lidar com o ser humano na Organização e anseiam por atuar sobre as condições que propiciam o surgimento das vivências de sofrimento. Contudo, certo sentimento de impotência perpassa suas representações a respeito do papel do profissional de Recursos Humanos diante dessas questões.
A possibilidade de um espaço público para a discussão dos fatores relacionados com o prazer e com o sofrimento no trabalho não é claramente representada, indicando a necessidade de investimento no estudo e no debate do tema, contemplando-o nas ações de formação e aprimoramento desses profissionais.
Referências bibliográficas
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Endereço para correspondência
Roque Tadeu Gui
Edifício Centro Clínico Norte II - SHLN - Bloco L - Sala 212
Brasília (DF) - CEP: 70770-000
Tel.: 061 -3476994
E-mail:rgui@terra.com.br
Recebido 29/03/01
Aprovado 20/10/01
1 O trabalho de pesquisa ao qual se refere este relato foi desenvolvido por profissionais de Recursos Humanos do Banco do Brasil como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do grau de Especialista em Administração de Recursos Humanos pela Universidade de São Paulo -Fundação Instituto de Administração - e Banco do Brasil.
2 Alguns títulos que ilustram as temáticas abordadas: "Sofrimento Psíquico nas Organizações: Saúde Mental ã Trabalho", "Trabalho, Precarização e Sofrimento Psíquico", "Trabalho Bancário de Identidade Profissional", "Trabalho e Saúde Mental no Hospital Universitário", "Trabalho e Saúde Mental das Professoras Primárias: algumas questões metodológicas", "Processo de Trabalho e Sofrimento Psíquico: o caso dos pilotos do metrô do Rio de Janeiro" (fonte: internet -www.cnpq.br). Ver, também, SATO e MENDES, citados nas "Referências Bibliográficas".
3 Gerência de Desenvolvimento Profissional.
4 Gerência de Contratação, Alocação e Ética/Gerência de Relações Trabalhistas.