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Psicologia: ciência e profissão
Print version ISSN 1414-9893
Psicol. cienc. prof. vol.28 no.4 Brasília Dec. 2008
ARTIGOS
A relação da preferência musical com os cinco grandes fatoresda personalidade
The relation between music preferenceand the big five personality traits
La relación de la preferencia musical con loscinco grandes factores de la personalidad
Carlos Eduardo Pimentel*,I; Edla Daise Oliveira Porto Donnell**,II
I Universidade de Brasília
II Universidade Tiradentes, Aracaju
RESUMO
Poucos estudos na psicologia da personalidade incluíram em suas análises o construto preferência musical. Tal situação vem se modificando, mas ainda carece de várias pesquisas, sobretudo na psicologia brasileira. Esta pesquisa verificou a relação entre preferência musical e traços de personalidade a partir de uma amostra de 225 estudantes universitários (M=22 anos; DP=6,41), que responderam a Escala de Preferência Musical e ao Inventário Big Five. Verificaram-se algumas correlações estatisticamente significativas entre as dimensões de preferência musical e os traços de personalidade. Foi observado que Música de Massa se relacionou positivamente com Extroversão e negativamente com Abertura à Experiência; Música Refinada e Neuroticismo se relacionaram negativamente, e Música de Massa ainda se relacionou significativa e estatisticamente, de modo positivo, com Abertura à Experiência. Por fim, Música Alternativa e Neuroticismo se relacionaram negativamente. Conclui-se que a preferência musical se relaciona com a personalidade, sendo importante para o seu entendimento.
Palavras-chave: Preferência musical, Traços de personalidade, Correlação, Jovens.
ABSTRACT
Few works in personality psychology had the musical preference construct in their analyses. This scenario has being changing but yet, further research is necessary, especially in the Brazilian psychology. This research verified mainly the relation between the personality traits and the music preference. The participants were 225 college students (M=22 years; SD=6.41). They answered to the Music Preference Scale and to the Big Five Inventory. Some statistically significant correlations were verified between the dimensions of music preference and the personality traits. There was a positive relation between Mass Music and Extroversion and a negative association between mass music and Openness. Refined Music and Neuroticism presented negative association, and Mass Music and Openess were negatively correlated. The Refined Music dimension still became statistically significant related to Openess, and presented a positive form. Finally, alternative music was negatively related to Neuroticism. The analysis indicated that music preference is related to personality traits and is important for its understanding.
Keywords: Music preference, Personality traits, Correlation, Youngsters.
RESUMEN
Pocos estudios en la Psicología de la personalidad incluyeron en sus análisis el concepto preferencia musical. Tal situación viene modificándose, pero aún carece de varias pesquisas, sobretodo en la Psicología brasileña. Esta pesquisa verificó la relación entre preferencia musical y trazos de personalidad a partir de la muestra de 225 estudiantes universitarios (M=22 años; DP=6,41), que contestaron la Escala de Preferencia Musical y al Inventario Big Five. Se verificaron algunas correlaciones estadísticamente significativas entre las dimensiones de preferencia musical y los trazos de personalidad. Fue observado que la música de masas se relacionó positivamente con extroversión y negativamente con apertura a la experiencia; música refinada y neuroticismo se relacionaron negativamente, y música de masas aún se relacionó significativa y estadísticamente, de modo positivo, con apertura a la experiencia. Por fin, música alternativa y neuroticismo se relacionaron negativamente. Se concluye que la preferencia musical se relaciona con la personalidad, siendo importante para su entendimiento.
Palabras clave: Preferencia musical, Trazos de personalidad, Correlación, Jóvenes.
Tão poderoso é o efeito da música... que é surpreendente que se encontre na história da psicologia e da psicoterapia tão pouca referência experimental, ou mesmo especulativa, sobre o uso da música (Cattel citado por Hall, Lindsey, & Campbell, 2000, p. 259)
A música é um fenômeno social que vem mantendo funções tradicionais e sentidos próprios em diferentes sociedades no decorrer da história. É parte da existência diária das pessoas, sendo ouvida em propagandas, filmes, rádios, programas televisivos e atividades esportivas (Hays & Minichiello, 2005). Ouve-se música freqüentemente enquanto se dirigem carros, quando sozinhos em casa, ao se exercitar e sair para se divertir com os amigos.
Na pesquisa de Rentfrow e Gosling (2003), verificou-se que ouvir música era mais freqüente que assistir televisão, ler livros e assistir a filmes, exceto ao preparar-se para dormir, quando ouvir música equiparou-se a assistir TV. Raymond Cattel (citado por Hall, Lindsey, & Campbell, 2000) estava entre os primeiros a teorizar sobre como a música poderia contribuir para a compreensão da personalidade. Ele acreditava que a preferência por certos tipos de música daria informações importantes sobre aspectos da personalidade que são negligenciados pela maioria dos inventários (Rentfrow & Gosling, 2003). De acordo com esses autores, a situação revelada por Cattel parece não ter mudado muito. De fato, em exaustivo levantamento, Rentfrow e Gosling (2003) destacam a escassez de pesquisas que levaram em consideração a música nas áreas da psicologia social e da personalidade.
Alguns teóricos da personalidade se destacam pela preocupação central com a estrutura da personalidade. A dinâmica e o desenvolvimento também recebem atenção, mas a característica definidora dos membros desse grupo de teorias é a busca de uma taxonomia, ou seja, de um conjunto sistemático de características que possa ser utilizado para resumir a personalidade de um indivíduo. Entre eles, estão Henry Murray, Gordon Allport, Hans Eysenck e Raymond Cattel (Hall, Lindsey, & Campbell, 2000). Nessa perspectiva, o modelo dos Cinco Grandes Fatores de Personalidade, Big Five Model (para uma revisão geral, ver McCrae & John, 1992), representa um dos progressos mais importantes no estudo da personalidade nos últimos anos, como modelo geral (uma taxonomia) que emprega amplos fatores formados de várias características para descrever a estrutura da personalidade (John & Srivastava, 1999; Hall, Lindsey, & Campbell, 2000).
De acordo com esse modelo, existem cinco grandes dimensões (ou fatores) que englobam as características da personalidade humana.
O primeiro fator é denominado Extroversão (originalmente, Extraversion) e representa o traço de tendência à comunicação, assertividade, entusiasmo e gregariedade (Flores-Mendoza, Alvarenga, & Carvalho, 2005). Adjetivos como ativo, assertivo, energético, entusiástico e comunicativo podem representar esse fator (McCrae & John, 1992). O segundo se chama Agradabilidade, ou Sociabilidade (Agreeableness, originalmente) podendo também significar nível de socialização, e denota a tendência a ser socialmente agradável e caloroso (Hutz et al. 1998), e pode ainda ser caracterizado por adjetivos como apreciativo, generoso, simpático, complacente, humano (McCrae & John, 1992). O terceiro foi denominado Escrúpulo (Conscientiousness). Conforme explicam Hutz et al. (1998), esse fator encerra características de personalidade que levam à responsabilidade e à honestidade ou à negligência e à irresponsabilidade, podendo assim se configurar em adjetivos como eficiente, organizado, digno de confiança, meticuloso, responsável (McCrae & John, 1992).
O quarto fator é Neuroticismo (Neuroticism), também denominado Estabilidade Emocional (que estaria no extremo positivo do Neuroticismo). Esse fator, pois, compreende características positivas e negativas de personalidade, como ansiedade e estabilidade emocional (Hutz et al., 1998), sendo irritável, tenso e melindroso os adjetivos relacionados. A Abertura à Mudança, openness, é o quinto grande fator, e também vem sendo rotulado no contexto brasileiro como Abertura à Experiência (Flores-Mendoza, Alvarenga, & Carvalho, 2005) ou Intelecto (Hutz et al., 1998). De acordo com Hutz et al., este fator englobaria características tais como flexibilidade de pensamento, fantasia e imaginação, abertura para novas experiências e interesses culturais. McCrae e John (1992) afirmam que esses indivíduos podem ser caracterizados por adjetivos como artístico, curioso, imaginativo, original e de interesses amplos. Destaque-se que os rótulos desses fatores (os nomes dos fatores) não são empregados de modo idêntico entre os pesquisadores da área (John & Srivastava, 1999), o que causa, às vezes, confusão no seu entendimento nas diversas traduções entre as culturas.
Com relação à música, para Schwartz e Fouts (2003), através da música, da preferência com relação a estilos musicais, pode-se expressar a própria personalidade. Para Huron (1999), a música tem uma participação importante em facilitar que as pessoas se conheçam e se atraiam umas pelas outras, possibilitando a evolução da espécie, criando cenários para os relacionamentos humanos. North e Hargreaves (1999) notaram que as pessoas utilizam a música como uma forma de emblema para comunicar seus valores, atitudes e a forma como vêem a si mesmos.
Diferentes preferências musicais tendem a acarretar diferenças no modo como os indivíduos percebem e são percebidos pelos demais. De acordo com Ilari (2006), os seguintes estilos musicais tendem a ser reconhecidos por um determinado grupo de adjetivos: MPB (saudosista, politizado e inteligente), pop/rock (jovem em idade ou espírito, comum e energético), música clássica (culto, calmo e velho), jazz (culto, sofisticado e esnobe), sertanejo (interiorano, sentimental e simples), música do mundo (eclético e mente-aberta) e samba/pagode (de baixa renda, extrovertido e energético).
Em suma, de acordo com a literatura especializada, a música, a preferência por determinados estilos musicais, é importante para se compreender diversas variáveis, como os comportamentos de ajuda (North, Tarrant, & Hargreaves, 2004), o coping (Premuzic-Chamorro & Furnham, 2007), as emoções (Ali & Peynircioglu, 2006), as relações interpessoais (Ilari, 2006), a identidade social (North & Hargreaves, 1999), o diagnóstico psiquiátrico (Dent et al., 1992; Doak, 2003) e diversos comportamentos e fatores de risco, como uso de drogas, álcool, risco de suicídio ou comportamentos sexuais arriscados (Arnett, 1991; McNamara & Ballard, 1999; Pimentel, Gouveia, & Vasconcelos, 2005; Pimentel et al., 2007; Villani, 2001). Alguns estudos também têm demonstrado a importância da preferência musical para o estudo da personalidade (Rentfrow & Gosling, 2003; Rentfrow, 2004; Rentfrow & Gosling, 2006). Tyson (2006) explica que as pesquisas em preferência musical podem ser agrupadas em três grandes perspectivas: a teoria sócio-cognitiva, a teoria psicossocial e a teoria da personalidade. Esta última postula que a preferência por determinados estilos musicais, devido aos temas abordados nas letras, reflete características pessoais, atitudes e traços de personalidade; a presente pesquisa compartilha esse princípio teórico; entretanto, é uma necessidade na área o desenvolvimento de uma teoria psicológica que vise especificamente à preferência musical (Rentfrow & Gosling, 2003).
Portanto, tendo em conta a necessidade de pesquisas psicológicas que enfoquem a preferência musical (Rentfrow & Gosling, 2003), o presente estudo objetivou verificar a relação entre música e personalidade, especificamente entre preferência musical e traços de personalidade entre estudantes universitários. Seqüencialmente, discorrer-se-á de modo mais detido acerca dessa relação.
Preferência musical e personalidade
Schwartz e Fouts (2003) afirmam que as preferências musicais podem ser uma via de acesso para a realidade interior dos adolescentes, refletindo mesmo suas personalidades. De acordo com Hays e Minichiello (2005), a música é uma parte importante nas vidas das pessoas, porque é através dela que elas podem vir a conhecer e a refletir sobre seu próprio senso de personalismo, de quem ela seja. Em sua pesquisa, de caráter qualitativo, os participantes alegaram usar música como um símbolo para definir seu próprio senso de self. A música seria uma representação simbólica de quem os participantes eram e de como eles gostariam de ser percebidos pelos outros. Segundo Glassmire (2005), a música tem sido vista como algo que influencia o humor, a personalidade e até as ações do ouvinte. Numa pesquisa realizada por McCown et al. (1997), foi possível observar que os fatores Extroversão e Psicoticismo (modelo de Eysenck) têm possibilitado conhecer antecipadamente a preferência por estilos de música exageradamente em tom baixo (timbre grave), a exemplo de rap e dance music.
Usando a análise fatorial, Cattell e Saunders (1954 citado por Rentfrow, 2004) identificaram 12 fatores de preferência musical e interpretaram cada um como um reflexo inconsciente de características específicas da personalidade, como, por exemplo, conservadorismo, cordialidade e extroversão. Enquanto Cattel acreditava que a preferência musical provia uma forma de adentrar no inconsciente (no sentido de aspectos não-intencionais da consciência), a maioria dos pesquisadores tem compreendido as preferências musicais como manifestações de traços de personalidade explícitos. Assim, a busca de sensações parece ser positivamente relacionada à preferência por rock, heavy metal e rap, e negativamente relacionada a preferências por trilhas sonoras e música religiosa (Rentfrow & Gosling, 2003). Outros estudos realmente mostraram que ouvir música agitada, como o rock e ramificações, se relacionou positivamente ao traço busca de sensações (Litle & Zuckerman, 1986; Nader, Krebs, & Ehlert, 2003). Um interessante estudo sobre a personalidade de 100 músicos de rock, utilizando o NEO-PI-R, verificou que músicos de rock apresentaram altos escores em Neuroticismo (Gillespie & Myors, 2000).
O estudo de Rawlings e Ciancarelli (1997), realizado na Austrália, empregou uma versão atualizada da Escala de Preferência Musical (Litle & Zuckerman, 1986), além do Inventário NEO de Personalidade Revisado (medida do Big Five). A análise fatorial identificou três padrões de preferências associadas com a predileção pela maioria dos tipos de rock dimensão música rock; pela amplitude geral da preferência musical dimensão música em geral, e pelo gosto por música pop dimensão música popular, que encerra formas de rock como o top-40, mas também dance e música instrumental/orquestrada. De acordo com esses dados, a maioria das correlações entre personalidade e preferência musical envolveu os fatores Extroversão e Abertura à Experiência. Os extrovertidos obtiveram maiores pontuações na dimensão rock e música popular, e os indivíduos que se enquadravam no fator Abertura à Experiência possuíam uma preferência musical muito diversificada.
Em quatro estudos realizados por Rentfrow (2004), procurou-se verificar se as pessoas formam impressões (e quais são elas) quando sabem do gosto musical de um outro determinado indivíduo. Assim, a preferência musical elicia percepções sobre quem sejam os demais. A impressão de cada participante coincidiu de maneira acurada e consensual com a personalidade presumida dos seus alvos. Essa relação também tem sido relatada como consistente em outro estudo (Rentfrow & Gosling, 2006). Esses autores (Rentfrow & Gosling, 2003) aplicaram sua escala de preferência musical, em formato reduzido. Tratava-se da versão STOMP Short Test of Music Preferences com 14 gêneros distribuídos em 4 fatores: a) reflexivo & complexo: clássica, jazz, blues e folk; b) intenso & rebelde alternativa, rock e heavy metal; c) upbeat & convencional: country, pop, religiosa e trilhas sonoras; d) energético & rítmico: eletrônica/dance, rap/hip hop e funk. Esse instrumento fora aplicado com o Big Five Inventory (BFI, John, & Srivastava, 1999) e outras medidas. Foram verificadas correlações estatisticamente significativas variando de 0,14 a 0,44 entre preferências musicais e traços de personalidade em dois estudos independentes.
Foi verificado que a dimensão Reflexivo & Complexo se relacionou positivamente com o fator Abertura à Experiência (Estudo 2 (S2; N=1704): r=0,44 e Estudo 3 (S3; N=1383): r=0,41 ambos a p<0,05). Para esses autores, aqueles que gostam mais de estilos relacionados à dimensão Reflexivo, expressariam tendência à inventividade, seriam imaginativos, valorizariam experiências estéticas, consideram-se inteligentes, são tolerantes e rejeitam visões conservadoras. O mesmo ocorrera com a dimensão Intenso & Rebelde (S2: r=0,18 e S3: r=0,15, p<0,05). Contrariamente ao que se costuma supor, a dimensão Intenso & Rebelde não se relacionou positivamente com Neuroticismo ou negativamente com Agradabilidade.
Rentfrow e Gosling (2003) pedem atenção especial para esse dado, explicando que os indivíduos que mostraram preferência por essa dimensão não apresentaram sinais de neuroticismo ou desagradabilidade. A dimensão Upbeat & Convencional revelava correlações positivas entre Extroversão (S2: r=0,24 e S3: r=0,15), Agradabilidade (S2: r=0,23 e S3: r=0,24) e Escrúpulo (S2: r=0,15 e S3: r=0,18), e correlacionou-se negativamente com Abertura à Experiência (S2: r=-0,14 e S3: r=-0,08), de maneira muito discreta nessa última amostra, mas estatisticamente significativa. A dimensão Energético & Rítmico se relacionou positivamente com o fator Extroversão (S2: r=0,22 e S3: r=0,19), e mostra, portanto, uma tendência a ser comunicativo e sociável, e, em bem menor grau, com Agradabilidade (S2:r=0,08 e S3: r=0,09). Essas últimas correlações, porém, são muito pequenas, e talvez só se tenham mostrado significativas devido ao tamanho da amostra de participantes (Pasquali, 2003).
Pearson e Dollinger (2004) aplicaram um instrumento baseado na tipologia jungiana: o Myers Briggs Type Indicator - MBTI. Essa escala possui quatro fatores: Extroversão-Introversão, Sensação-Intuição, Pensamento-Sentimento e Julgamento-Percepção. Eles utilizaram a versão antiga da Escala de Preferência Musical Musical Preference Scale MPS, de Litle e Zuckerman (1986), com algumas modificações, composta por 73 itens. Estavam contidos os gêneros: rock, clássica, eletrônica, jazz, soul/blues, pop, country/western, folk/étnica, religiosa e TV/sound tracks, subdivididos em sete fatores não-nomeados. A maioria possuía subcategorias (por exemplo: acid rock, surfer rock e jazz-rock). O fator Pensamento-Sentimento predisse a preferência por country/western (ß=0,27,p<0,01). O fator predisse a preferência por jazz, soul/blues e folk (ß=0,36, p<0,001) e música clássica (ß=0,27, p<0,05). Os extrovertidos mostraram maior preferência por rock e pop music do que os introvertidos (ß=0,34, p<0,05).
Pearson e Dollinger (2004) observaram que pessoas intuitivas tendem a gostar de uma variedade maior de gêneros musicais, quando comparadas às pessoas que preferem a busca por sensações. Assim, os que pontuavam mais no tipo intuitivo demonstraram ter uma preferência particular por jazz, soul, folk e música clássica. Além disso, como relataram Rawlings e Ciancarelli (1997), os intuitivos têm geralmente maior educação musical (estudo técnico em tocar instrumentos ou em canto), o que pode ter contribuído para sua maior desenvoltura junto a diversos estilos musicais. North, Desborough e Skarstein (2005) verificaram, em uma amostra de 200 estudantes universitários na Inglaterra, correlações entre preferência musical e os três fatores de personalidade do Modelo de Eysenck. Especificamente, foram verificadas correlações entre preferência por rap e Psicoticismo (r=0,20, p<0,005) e Extroversão (r=0,18, p<0,01); nu metal também se correlacionou positivamente com Psicoticismo (r=0,17, p<0,016), hip-hop se relacionou positivamente com Psicoticismo (r=0,25, p<0,001) e Extroversão (r=0,18, p<0,009), e a preferência por rock se relacionou positivamente com Psicoticismo (r=0,21, p<0,002) e Extroversão (r=0,18, p<0,02), mas nenhuma dessas preferências se correlacionou estatisticamente com Neuroticismo. Através de análises de regressão múltipla, esses pesquisadores ainda observaram que o Psicoticismo prediz a preferência musical positiva (ß=0,20) e negativamente (ß=-0,14).
Recentemente, Premuzic-Chamorro e Furnham (2007) realizaram uma pesquisa sobre a personalidade e os usos da música. Esses autores mostraram que aqueles estudantes universitários (N = 341) engajados intelectualmente e com escores mais altos em inteligência usam a música de modo mais racional, enquanto aqueles considerados neuróticos e introvertidos mostraram usar a música de modo mais emotivo. Em suma, a maioria das correlações entre personalidade e preferência musical envolveu os fatores Extroversão e Abertura à Experiência (Dollinger, 1993; Rawlings & Ciancarelli, 1997; Rentfrow & Gosling, 2003).
Todas essas pesquisas sugerem a importância da música, da preferência por determinados estilos musicais, para uma compreensão maior da personalidade. Traços de personalidade também parecem importantes para se conhecer melhor a preferência musical. Portanto, o intuito principal desta investigação foi averiguar empiricamente essas relações entre preferência musical e traços de personalidade, para que se possa evoluir no conhecimento da personalidade humana assim como contribuir para os estudos na área da psicologia da música, que buscam o desenvolvimento de uma formulação teórica no tocante à preferência musical (Rentfrow & Gosling, 2003) e justificam o presente estudo. Especificamente, objetivou-se ainda verificar a estrutura fatorial e a consistência interna de uma medida objetiva de preferência musical e saber se os participantes diferiam nas preferências pelos estilos musicais específicos e nas dimensões resultantes de preferência.
Método
Participantes
Participaram desta pesquisa 225 sujeitos escolhidos não-probabilisticamente, estudantes universitários de diversos cursos (administração, ciências biológicas, Matemática, Física, Geografia, educação física, Química e Direito, entre outros), de uma universidade particular (N=115), e outra, pública (N=110), do Estado de Sergipe, sendo a maioria do sexo feminino (64%), com média de idade de 22 anos (DP=6,41), solteiros (85%) e de classe média (67%). A maioria desses estudantes é do curso de Psicologia (57%), as idades variaram de 17 a 59 anos, mas trata-se majoritariamente de jovens e jovens adultos, pois a maioria possui entre 17 e 29 anos (92%).
Instrumentos
Trata-se de um questionário composto por duas medidas, abaixo relacionadas, sendo ambas auto-aplicáveis, tipo lápis e papel, a saber: Escala de Preferência Musical e Inventário dos Cinco Grandes Fatores de Personalidade.
Escala de Preferência Musical (EPM). Esta medida foi elaborada para este estudo; inicialmente, partiu-se de uma escala previamente validada de preferência musical, composta por 13 itens-estilos musicais: sertaneja, pagode, pop music, funk, forró, samba, MPB, música clássica, rap/hip hop, heavy metal, punk/hard core, reggae e música religiosa (Pimentel, 2004; Pimentel, Gouveia, & Pessoa, 2007). No estudo mais recente, obteve-se evidência de validade por meio da análise fatorial, bem como por meio dos indicadores de precisão dessa medida, tendo sido encontrada uma estrutura tetra-fatorial com índices de alfa de Cronbach que variavam de 0,63 a 0,77 e variância total explicada de 64,5%. Levando-se em consideração que seria importante a inclusão de novos estilos, foram desenvolvidos mais oito itens: axé, brega, eletrônica, jazz, blues, ópera e rock. Por fim, a versão final da Escala continha um total de 20 itens. Essa medida visa a conhecer o grau de preferência (ou aversão) com relação a esses estilos ou gêneros musicais, ancorados em escala formato Likert, cada item representando um estilo, respondido num contínuo que vai de 1 = detesto a 5 = gosto muito.
Inventário dos Cinco Grandes Fatores (Big Five Inventory BFI, ver John & Srivastava, 1999): essa é uma das escalas mais utilizadas para a mensuração da personalidade de acordo com o modelo Big Five. Apresenta alfa de Cronbach geral na ordem de 0,83 e validade convergente com o NEO FFI e o TDA; no entanto, o BFI é mais curto do que estes (John & Srivastava, 1999), e vem sendo utilizado em várias pesquisas, incluindo transculturais com amostras brasileiras (Schimitt, 2008; Schimitt et al., 2007). O fato de ser uma medida breve significa uma economia de tempo desejável na administração da escala, sobretudo quando aplicada com outras medidas de construtos relacionados. O BFI conta com dados de validação em 56 nações (p. ex. México, EUA, Argentina, Bolívia, Áustria, Bélgica, Croácia, República Tcheca, Itália, Portugal, Israel, Turquia, África do Sul, Etiópia, Austrália, Nova Zelândia, Índia, Indonésia, China, Japão e Brasil). Entre todas as culturas, os coeficientes de precisão do BFI foram: 0,77 (Extroversão); 0,70 (Agradabilidade); 0,78 (Escrúpulo); 0,79, (Neuroticismo) e 0,76 (Abertura à Experiência) (Schimitt et al., 2007). Especificamente para a América do Sul, encontraram-se os seguintes índices de precisão: 0,70 (Extroversão); 0,67 (Agradabilidade); 0,76 (Escrúpulo); 0,74 (Neuroticismo) e 0,79 (Abertura à Experiência). Esse inventário foi adaptado para o contexto brasileiro por Gouveia et al. (2001). Os índices de consistência interna dessa medida ficaram acima de 0,70 (Vasconcelos, 2004; Vasconcelos et al., 2008), o que está consoante com os índices encontrados por Schimitt et al. (2007).
Especificamente, o inventário visa a distinguir os fatores de personalidade: Extroversão, Agradabilidade, Escrúpulo, Neuroticismo e Abertura à Experiência, aferidos em uma escala progressiva do tipo Likert que vai de 1 a 5, de acordo com a intensidade de concordância (discordo totalmente, discordo, nem concordo nem discordo, concordo e concordo totalmente) que a pessoa acredita que possua o traço ou a característica de personalidade. Como, por exemplo: Eu me vejo como alguém que... é conversador, comunicativo e Às vezes é frio e distante (John & Srivastava, 1999). Essa medida se compõe de 44 itens, distribuídos nos 5 grandes fatores de personalidade.
Questionário sociodemográfico: objetiva coletar dados referentes ao curso universitário, tipo de instituição (pública ou particular), idade, sexo, estado civil e classe social.
Procedimento
A aplicação dos questionários foi efetuada pelos autores deste trabalho. Foi apresentado sumariamente o objetivo da pesquisa, tendo sido solicitada a colaboração voluntária e anônima dos estudantes, e, antes de começar a coleta propriamente, foram lidas as instruções acerca de como os participantes deveriam responder. Os examinadores permaneceram em sala para dirimir possíveis dúvidas na aplicação coletiva dos questionários, e, depois de coletados e verificados os questionários respondidos, agradecia-se a colaboração dos participantes. Em média, 20 minutos foram suficientes para concluir a coleta de dados em cada sala de aula.
Cada estudante, para participar da pesquisa como respondente, deveria ler e assinar (ou rubricar) um termo de consentimento de acordo com as normas éticas para pesquisa com seres humanos. Os questionários respondidos eram recolhidos e guardados em um envelope, grampeados e levados ao local de digitação dos dados, garantindo-se o sigilo das informações.
Resultados
Com o objetivo de caracterizar melhor a amostra de estudantes no que concerne à preferência musical, tendo em vista a média dos participantes na escala de preferência (que vai de 1 = detesto a 5 = gosto muito), observou-se que o gênero musical de maior predileção por parte dos jovens é o rock (M=4,05, DP=1,09), e o que despertou menos preferência foi o heavy metal (M=2,07, DP=1,15).
O segundo estilo preferido foi o MPB (M=4,00, DP=1,00), seguido por axé (M=3,52, DP=1,30), forró (M=3,46, DP=1,38), samba (M=3,31, DP=1,13), reggae (M=3,27, DP=1,21), clássica (M=3,15, DP=1,16), eletrônica (M=3,12, DP=1,27) e pop music (M=3,11, DP=1,20). Os estilos que menos preferência despertaram foram: blues (M=2,96, DP=1,16), jazz (M=2,85, DP=1,14), religiosa (M=2,83, DP=1,32), rap/hip-hop (M=2,71, DP=1,04), pagode (M=2,68, DP=1,33), sertaneja (M=2,67, DP=1,20), ópera (M=2,64, DP=1,18), funk (M=2,34, DP=1,19) brega (M=2,23, DP=1,20) e punk/hard core (M=2,21, DP=1,11).
Estrutura fatorial da preferência musical
Considerando-se que a EPM foi elaborada para este estudo, foi necessário conhecer a sua estrutura fatorial antes de se efetuar a análise de correlação. Verificou-se, inicialmente, o índice KMO (0,78) e o Teste de Esfericidade de Bartlett [c2 (190) = 135,704, p<0,001], que podem ser considerados satisfatórios, o que justifica a realização da análise fatorial. Como critérios do números de fatores a extrair, empregaram-se: a) a regra de Kaiser (eigenvalue =1); b) o scree test (distribuição gráfica dos eigenvalues); c) a análise paralela (AP, geração de valores próprios em vários bancos de dados simulados) e d) a interpretabilidade da solução (a solução mais compreensível). A despeito da convergência desses critérios (o fato de serem considerados conjuntamente), a AP, por ser um critério mais robusto (Hayton, Allen, & Scarpello, 2004), teve maior peso na decisão da solução fatorial melhor interpretável. A propósito, os principais resultados dessa análise são sintetizados abaixo:
Para a análise da estrutura da escala, não foi fixada nenhuma rotação, seguindo-se um procedimento essencialmente exploratório, e que justifica a realização da PCA. Para que emergisse essa solução, foram necessárias sete iterações. Dos 20 itens que compuseram a EPM, foram excluídos dois itens-estilos musicais (rock e religiosa), pois não saturaram satisfatoriamente em nenhum dos fatores.
Os 18 itens restantes se distribuíram em 3 fatores, que explicam conjuntamente 39,13% da variância total da escala. A descrição e a interpretação de cada um dos fatores é feita como se segue:
Fator I - Esse primeiro fator, com eigenvalue de 4,39, agrupou 8 itens/estilos musicais: 2, 5, 6, 8, 9, 10, 14 e 15, correspondentes a: sertaneja, pagode, pop music, funk, forró, samba, axé e brega. Esse fator pode ser denominado Música de Massa. A maior carga foi apresentada pelo estilo pagode (0,82), e as menores foram samba e brega (ambas com 0,44). Como se observa, tal fator foi responsável pela explicação de 22% da variância total, apresentando um índice de consistência interna de 0,85, que pode ser considerado satisfatório.
Fator II - Esse segundo fator, com eigenvalue de 2,08, agrupou 5 itens/estilos musicais: 3, 11, 16, 19 e 20, correspondentes a: MPB, música clássica, blues, ópera e jazz. Esse fator representou a Música Refinada. A maior saturação se deu no estilo música clássica (0,55), e a menor, no MPB (0,42). Tal fator responde por 10,4% da variância total explicada. O Alfa para essa sub-escala (esse fator) foi de 0,75, o que indica uma consistência interna satisfatória.
Fator III - Esse terceiro fator, com eigenvalue igual a 1,75, agregou os seguintes itens/estilos musicais: 1, 4, 7, 13 e 18, correspondentes a: rap/hip hop, heavy metal, punk/hard core, reggae e eletrônica. Esse fator representou a Música Alternativa. O reggae tivera maior saturação em música refinada (0,34), porém, está sendo considerada a música alternativa, com saturação de 0,31 pelo critério de interpretabilidade da solução. A maior saturação foi a de punk/hard core (0,51), e a menor saturação foi a de reggae. Esse fator foi o responsável por explicar 6,7% da variância. Seu índice de consistência interna pode ser dito limítrofe (0,54), ou considerado baixo (Pasquali, 2003), mas pode ser empregado para fins de pesquisa, dada a natureza complexa e o estágio da mensuração do construto.
Para verificar se as respostas entre os participantes diferiam nas três dimensões de preferência averiguadas na análise anterior, realizou-se uma MANOVA para medidas repetidas (interdependentes). Foi observada diferença estatisticamente significativa nas pontuações (Música de Massa: M=2,90 e DP=0,86, Música Refinada: M=3,12 e DP=0,78 e Música Alternativa: M=2,68 e DP=0,65) dessas dimensões [Lambda de Wilks = 0,81, F(2, 223) = 26,371, p=0,001]. O teste post hoc (Bonferroni) mostrou diferença estatisticamente significativa (p<0,001) em todas as dimensões de preferência musical entre os participantes.
Preferência musical e os cinco grande fatores de personalidade
Através da análise de correlação de Pearson, foi possível verificar algumas correlações estatisticamente significativas (todas a um p<0,01) entre as dimensões de preferência musical e os traços de personalidade (os fatores do BFI, Tabela 2). Especificamente, verificou-se uma relação positiva e estatisticamente significativa entre a dimensão música de massa e o fator Extroversão (r=0,22). Música de Massa e Abertura à Experiência se correlacionaram negativamente (r=-0,l9). A dimensão Música Refinada e o fator Neuroticismo também se mostraram negativamente associados (r = -0,l8). Essa dimensão ainda se relacionou estatística e significativamente, de forma positiva, ao fator Abertura à Experiência (v=0,34). A dimensão Música Alternativa se relacionou negativamente ao fator Neuroticismo (r=-0,25, p<0,01). Foram verificadas ainda relações entre a dimensão Música Refinada e Música Alternativa (r=0,17, p<0,05) e Música Refinada e Música de Massa (r=-0,20, p<0,01), sendo essa uma correlação negativa; não houve associação significativa entre Música Alternativa e Música de Massa.
Foram realizadas ainda três análises de regressão (stepwise) separadas para se verificar o poder preditivo (Dancey & Reidy, 2006) dos traços de personalidade (variável independente; VI) nas dimensões de preferência musical (variável dependente; VD) (Ver Tabela 3).
Inicialmente, entrou-se com os fatores de personalidade para predizer a dimensão Música de Massa. De acordo com essa análise, o traço Extroversão (Modelo 1) mostrou seu poder preditivo (ß=0,22, p<0,001); no Modelo 2, é acrescentado o fator Abertura à Experiência, que também mostra seu poder preditivo (ß=-0,31, p<0,001). Como pode ser observado, o Modelo 2 é responsável por 13% da explicação da variância, contra 5% do primeiro modelo.
O mesmo procedimento foi realizado para a predição das outras duas dimensões da EPM: Música Refinada e Música Alternativa. Para a predição da dimensão Música Refinada, a análise mostrou que Abertura à Experiência entra inicialmente (Modelo 1) na equação de regressão (ß=0,33, p<0,001), e esse modelo explica 11% da variância. No Modelo 2, é acrescentado o Neuroticismo (ß=-0,21, p<0,001), sendo que esse modelo responde por 15% da explicação da variância.
Finalmente, para a dimensão Música Alternativa, verificou-se que apenas o Neuroticismo predisse a preferência por esses estilos musicais (ß=-0,24, p<0,001). Esse modelo explicou 5% da variância total explicada.
Discussão
Conforme os dados analisados, verificaram-se correlações estatisticamente significativas com as dimensões de preferência musicais e os traços de personalidade, de acordo com o modelo dos Big Five (medidos pelo BFI; John & Srivastava, 1999). Antes de verificar essas correlações, no entanto, e de acordo com a teoria psicométrica clássica, o presente estudo conseguiu demonstrar que a preferência musical pode ser mensurada de modo válido, apresentando uma estrutura parcimoniosa com três dimensões (música de massa, música refinada e música alternativa) que respondem por 39,13% da variância explicada do construto, e, através da técnica Alfa de Cronbach, verificou-se que a escala tem (razoável) precisão, apresentando αmédio=0,71 (Anastasi & Urbina, 2000; Pasquali, 2003). Pasquali explica que esse coeficiente (α) aumenta conforme o tamanho do teste e o tamanho e variabilidade da amostra. De acordo com a análise de comparação de médias, verificaram-se diferenças estatisticamente significativas em todas as dimensões de preferência musical entre os participantes.
No tocante às relações com traços de personalidade, verificou-se que a música de massa se relacionou positivamente com Extroversão e negativamente com Abertura à Experiência; Música Refinada se relacionou negativamente com Neuroticismo e positivamente com Abertura à Experiência; Música Alternativa se relacionou negativamente com Neuroticismo. Apesar de não serem correlações de grande magnitude, é importante a ressalva de que estas aumentam de acordo com o tamanho (e a variabilidade) da amostra de respondentes (Pasquali, 2003). Ademais, pôde-se verificar que traços de personalidade predizem a preferência musical. Especificamente, observou-se que o fator Extroversão (+) e Abertura à Experiência (-) predizem a preferência por estilos da dimensão música de massa. Os fatores Abertura à Experiência (+) e Neuroticismo (-) predizem o gosto por estilos da dimensão Música Refinada e o fator Neuroticismo (-) prediz a preferência por músicas da dimensão Música Alternativa.
Rawlings e Ciancarelli (1997) verificaram que a maioria das correlações entre personalidade e preferência musical envolveu os fatores Extroversão e Abertura à Experiência, como no estudo de Dollinger (1993), Rentfrow e Gosling (2003) e também no presente estudo. Rawlings e Ciancarelli (1997) verificaram que os extrovertidos obtiveram maiores pontuações na dimensão rock popular e que os que se definiam mais pelo fator Abertura à Experiência mostraram um gosto musical muito amplo.
Ao comparar os dados do presente estudo com os indicados por Rentfrow e Gosling (2003), podemos verificar um padrão de convergência. Esses autores verificaram que as dimensões Reflexivo & Complexo e Intenso & Rebelde se relacionaram positivamente com o fator Abertura à Experiência, e a dimensão Upbeat & Convencional relacionou-se positivamente com Extroversão, Agradabilidade e Escrúpulo, e negativamente com Abertura à Experiência e Energético & Rítmico positivamente com os fatores Extroversão e Agradabilidade. Quando se compara os gêneros musicais apresentados pelo STOMP e pela EPM, é possível notar que as dimensões Intenso & Rebelde e Energético & Rítmico têm estilos musicais compatíveis com a dimensão Música Alternativa, que inclui o rap, o metal, o punk, o reggae e a eletrônica, mas não se verificou um padrão de convergência nas relações com os traços de personalidade. A dimensão Música Refinada se assemelha à dimensão Reflexivo & Complexo, que incluiu música clássica, jazz e blues, e convergiram em mostrar relações com Abertura à Experiência. A dimensão Música de Massa, por sua vez, é compatível com a dimensão Upbeat & Convencional, por compartilhar estilos musicais como pop e sertaneja (que estaria mais próxima do country), compartilhando relações com Extroversão.
No presente estudo realmente foram verificadas associações de preferência musical sobretudo com os fatores Abertura à Experiência e Neuroticismo, mas também com Extroversão. Os participantes que maior preferência deram aos estilos de massa, como sertaneja, pagode, pop music, funk, forró, samba, axé e brega, também mostravam maiores índices de Extroversão, e, em conseqüência, mais características desse fator, como ser comunicativo. Pearson e Dollinger (2004) já haviam verificado que os extrovertidos apresentaram maior preferência por rock e pop music em relação aos introvertidos. Aqueles que preferiram mais os estilos refinados, como MPB, música clássica, blues, ópera e jazz, apresentaram-se mais imaginativos, abertos para novas experiências e interesses culturais, além de gostarem menos de estilos como sertaneja, pagode e axé. Além das relações no âmbito da personalidade, isso pode ainda indicar o conflito intergrupal, considerando que as preferências indicadas mostram fãs de estilos musicais diferentes, que podem formar grupos com base nestas preferências (Pimentel, Gouveia, & Vasconcelos, 2005; Pimentel, Gouveia & Fonseca, 2005). Traços dos fatores Extroversão e Abertura à Experiência ainda predisseram a preferência por estilos da dimensão Música de Massa. Assim, de acordo com os dados ora apresentados, aqueles que expressaram maior concordância com o traço de personalidade Abertura à Experiência e que tendem a ser originais e imaginativos não seriam pessoas que teriam um gosto musical abrangente, mas sim, pessoas que admirariam mais os estilos refinados. Destaque-se, adicionalmente, que essa preferência também se mostrou negativamente relacionada com o fator Neuroticismo, que encerra traços como instabilidade emocional e irritabilidade. Adicionalmente, os fatores Abertura à Experiência e Neuroticismo ainda possibilitaram predizer a preferência por estilos da dimensão refinado.
Pode-se considerar, portanto, que os resultados da presente pesquisa foram, em geral, congruentes com a literatura especializada. Porém, podem-se encontrar também algumas discrepâncias: a dimensão música alternativa, por exemplo, não se correlacionou de maneira estatisticamente significativa com o fator Abertura à Experiência, como no estudo de Rawlings e Ciancarelli (1997). No presente estudo, a dimensão música alternativa mostrou-se negativamente relacionada ao fator Neuroticismo. De fato, esse traço de personalidade também se mostrou importante para a predição dessa dimensão musical, indicando que aqueles que apresentaram maiores escores em Neuroticismo mostraram menos preferência quanto ao rap, reggae, hard core e outros estilos que conformam a dimensão Música Alternativa.
Apesar de esse dado não contrariar o que foi anteriormente encontrado (North, Desborough, & Skarstein, 2005; Rentfrow & Gosling, 2003), é importante destacar que essa relação vai em direção oposta à imagem tradicionalmente retratada pela mídia dos fãs desses estilos anti-convencionais de música, que é a de jovens problemáticos. Na literatura específica, têm-se encontrado associações entre preferência por estilos como heavy metal e rap e diversos comportamentos e fatores de risco, como o consumo de bebidas alcoólicas, o uso de drogas, o comportamento sexual arriscado, a delinqüência e o risco de suicídio (Arnett, 1991; Ballard, Dodson, & Bazzini, 1999; Lacourse, Claes, & Villeneuve, 2001; Pimentel, Gouveia, & Vasconcelos, 2005; Pimentel et al., 2007; Villani, 2001). Um interessante estudo sobre a personalidade de 100 músicos de rock, utilizando o NEO-PI-R, verificou que músicos de rock apresentaram altos escores em Neuroticismo (Gillespie & Myors, 2000).
A despeito das relações efetuadas, como ocorre com toda pesquisa científica, esta também não é desprovida de aspectos que a limitam; ressalte-se que a comparação transcultural dos gêneros musicais não é uma tarefa simples, de sorte que cada estilo ganha muita peculiaridade de acordo com o contexto cultural. O funk ou rap, por exemplo, tem uma conotação bem diferente nos Estados Unidos, estando ligado a músicos muito distintos daqueles que ganharam a cena no Rio de Janeiro ou em São Paulo. As classificações de músicas, os rótulos em geral, não são fixos e isentos de ambigüidades. A música clássica, por sua vez, pode até ser considerada música popular, dependendo do contexto (histórico) e do músico (não se pode negar, por exemplo, a popularidade de Beethoven (ver Parakilas, 1984). Deve-se lembrar, por outro lado, que os próprios traços de personalidade, construto que conta com uma história muito mais favorável à atividade de pesquisa, com instrumentos com validade transcultural, também enfrentam esses problemas de comparações (Schimitt et al., 2007). Nesse sentido, o mais importante a ser considerado, portanto, é a falta de padronização na mensuração da preferência musical. Isso, certamente, dificulta muitíssimo a comparação com outros estudos e deve motivar a busca de dimensões etics da preferência musical (Gouveia et al., 2008), de estilos musicais universais, se possível. Ressalte-se que não foi possível explicar a relação entre preferência musical e traços de personalidade de modo mais abrangente tratando de outras variáveis que não fizeram parte desta pesquisa por aspectos práticos, como tempo e dinheiro (Günther, 2006), mas que já mostraram sua importância, como as atitudes, os valores humanos e a identificação grupal (Pimentel, 2004). A medida de preferência construída pode ser utilizada em outras pesquisas que possibilitem melhor entendimento da personalidade e até mesmo considerem suas relações com o uso de drogas, o risco de suicídio e os comportamentos de risco, o que pode ser um indicador de saúde mental, com o objetivo de obter informações relacionadas ao diagnóstico clínico (Dent et al., 1992; Doak, 2003). Faz-se necessário, entretanto, que a precisão do terceiro fator (Música Alternativa) seja incrementada.
Considerações Finais
Em resumo, certamente o contributo mais importante deste estudo é que os dados encontrados sugerem que realmente a preferência musical se relaciona com a personalidade e pode ser importante para a sua compreensão, como postulado pela perspectiva da teoria da personalidade na explicação da preferência musical (Tyson, 2006). Determinados traços de personalidade, especialmente, podem ainda ser tidos como preditores das diferentes preferências musicais. Essa relação deve ser averiguada por outras pesquisas em diversos Estados brasileiros, a exemplo dos estudos de Rentfrow e Rentfrow e Gosling, nos Estados Unidos (Rentfrow, 2004; Rentfrow & Gosling, 2003; Rentfrow & Gosling, 2006), pois que são muito escassos os estudos sobre esse tema. Ressalte-se também que a inserção de outras variáveis para a composição de um modelo abrangente deve motivar novas pesquisas. Esses e outros esforços seguramente contribuirão para que se possa construir uma teoria psicológica de preferência musical.
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Endereço para correspondência
Carlos Eduardo Pimentel
Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia (IP)Campus Universitário Darcy Ribeiro
Asa Norte, Caixa-Postal: 4500E, 70919-970, Brasília, DF, Brasil
E-mail: carlosepimentel@bol.com.br ou carlospimentel@unb.br
Recebido 24/05/2007
Reformulado 06/08/2008
Aprovado 07/08/2008
* Mestre em Psicologia social (Universidade Federal da Paraíba), doutorando no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações na Universidade de Brasília
** Psicóloga - Universidade Tiradentes, Aracaju-SE. E-mail: daise@lionpost.com