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Psicologia: ciência e profissão

Print version ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. vol.29 no.3 Brasília Sept. 2009

 

ARTIGOS

 

Implicações do pronto-atendimento psicológico de emergência aos que vivenciam perdas significativas

 

Implicatios of the psychological attendance to the ones who are experiencing significant losses

 

Implicaciones del rápido-servicio psicológico de emergencia a los que viven pérdidas significativas

 

 

Airle Miranda de Souza*,I; Danielle do Socorro Castro Moura**, II; Victor Augusto Cavaleiro Corrêa***,II

I Universidade Federal do Pará
II Universidade do Estado do Pará

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A proposta deste trabalho consistiu em compartilhar um serviço de pronto-atendimento psicológico às pessoas que vivenciam uma perda significativa, seja por morte de uma pessoa de vinculação importante, como a de um familiar ou amigo, óbito de um paciente ou perda da saúde quando do adoecimento e/ou hospitalização, entre outros, e discutiu os resultados de tal serviço. O enfoque metodológico baseou-se na análise do processo de estruturação e implantação de um serviço dessa especificidade em um hospital público universitário, onde os autores desenvolvem a assistência aos que vivenciam esses processos de perda. Os resultados apontaram a importância da oferta desse serviço, que foi demandado tanto por aqueles que vivenciam o luto pela perda de saúde ou pela morte de uma pessoa significativa como por profissionais de educação e saúde.

Palavras-chave: Morte, Atitude frente à morte, Serviços comunitários de saúde mental, Psicologia.


ABSTRACT

The proposal of this work consisted in presenting a service of psychological attendance to the ones who are experiencing a significant loss, be it by the death of a person of a significant relationship, as a familiar or a friend, the death of a pacient or the loss of health at the time of hospitalization, within others, and the results of such service were discussed. The methodological focus was based in the analysys over the structuration process and the implantation of a service of this specialty in a public college hospital, where the authors developed the assistance to the ones who experience this kind of loss. The results showed the importance of this service, which was demanded not only by the ones who experience loss of health or death of a significant person but also by education and health professionals.

Keywords: Death, Attitude facing death, Community mental health services, Psychology.


RESUMEN

La propuesta de este trabajo consistió en compartir un servicio de rápido-servicio psicológico a las personas que viven una pérdida significativa, sea por muerte de una persona de vinculación importante, como la de un familiar o amigo, óbito de un paciente o pérdida de la salud cuando de la enfermedad y/o hospitalización, entre otros, y discutió los resultados de tal servicio. El enfoque metodológico se basó en el análisis del proceso de estructuración e implantación de un servicio de esa especificidad en un hospital público universitario, donde los autores desarrollan la asistencia a los que viven esos procesos de pérdida. Los resultados señalaron la importancia de la oferta de ese servicio, que fue demandado tanto por aquéllos que viven el luto por la pérdida de salud o por la muerte de una persona significativa como por profesionales de educación y salud.

Palabras clave: Muerte, Actitud frente a muerte, Servicios comunitarios de salud mental, Psicología.


 

 

Aproximações com o tema da morte e o morrer: desassossegos dentro e fora do hospital

O hospital tem como função básica prestar à população assistência médico-sanitária integral, tanto preventiva como curativa. A organização hospitalar tem se constituído de um centro de educação, de capacitação de recursos humanos e de pesquisas (Campos, 1995). Nesse contexto, tem se buscado uma práxis voltada para a assistência hospitalar, baseada em uma concepção de saúde que transcenda os limites do orgânico e que abarque a amplitude da pessoa, que relativize o olhar sobre a vida e a morte como etapas da existência do ser, sendo a morte mais uma etapa do ciclo de vida.

A compreensão acerca das condições de saúde quando da hospitalização e de seu possível impacto na qualidade do viver encontra no cotidiano dos hospitais públicos um território privilegiado de emergência e múltiplas vivências. É nesse cenário que se observa a procura crescente daqueles que buscam os serviços de saúde, muitas vezes em decorrência de enfermidades provenientes de problemáticas sociais como a fome e a desnutrição, a ausência de saneamento básico, de precárias condições de educação, de estresse, de desemprego e de diversas modalidades de violência, além de tantos outros eventos que podem ser sentidos como um obstáculo ao exercício esperado do viver, e que tendem a acarretar sofrimento, limitação das possibilidades físicas, psíquicas e, em alguns casos, invalidez, exigindo mudanças e adaptações.

Quando da hospitalização, por exemplo, podem-se identificar perdas referentes à condição de sadio, da autonomia sobre o próprio corpo, incluindo as atividades do dia a dia, dos papéis e funções desempenhados no grupo familiar, das atividades laborativas que envolvem o trabalho remunerado, dos horários habituais e condições do banho, de descanso e da alimentação. A excessiva dependência em relação aos cuidadores, bem como a dependência física e moral frente ao grupo social circundante, pode ocorrer (Coelho, 2001).

A perda da saúde e a perspectiva da morte podem potencializar na pessoa diversos sentimentos, como a angústia, a insegurança, o temor, o arrependimento, a culpa e a revolta, entre outros (Kubler-Ross, 1989). Esses afetos podem ainda vir acompanhados de questionamentos acerca de negligência no cuidado da própria saúde ou mesmo de julgamentos a respeito da vida pregressa do doente. Outra fonte de mobilização emocional é a submissão aos procedimentos médicos e cirúrgicos, a invasão do corpo por exames e aparelhos e o receio de “não mais acordar” após uma cirurgia, que contribuem para a intensificação de temores.

Os desassossegos vivenciados pela pessoa hospitalizada não são apenas sentidos por ela, mas estendem-se aos seus familiares. Em particular, para o acompanhante que assiste diretamente as limitações e os desgastes impostos pela doença e pela internação do seu ente querido, as preocupações com prognósticos e risco de vida também costumam suscitar diferentes emoções (Simonetti, 2004).

Frente à possibilidade de tantas perdas significativas, o sentimento de luto se apresenta como uma reação esperada, um processo singular em que a pessoa busca significados próprios da perda, do adoecimento, da morte de um ente querido.

 

O processo de luto: experienciando perdas

Para Kovács (1992), a perda e a sua elaboração são elementos contínuos e inerentes ao processo de desenvolvimento humano, pressupondo transformações. Nas diversas fases do ciclo de vida, faz-se presente no desmame, na transição da infância para a adolescência, na vida adulta e na velhice e nas mudanças advindas de eventos de vida específicos, tais como perda de um ente querido, separações, mudanças de casa, cidade e mudanças no trabalho.

O luto refere-se ao processo de elaboração e de resolução de uma perda real ou fantasiosa, pelo qual todas as pessoas passam em variados momentos de vida, com maior ou menor intensidade, caracterizando um momento de crise. O êxito na elaboração do luto leva o indivíduo a encontrar novos significados para algumas questões de sua vida, contudo, a sua não elaboração pode trazer diversas complicações médicas e/ou psicológicas (Schiliemann, Nacif, & Oliveira, 2002).

Esse processo tem uma função de adaptação à nova realidade, que, nesse contexto, se refere à aceitação de ter que conviver com uma doença crônica ou com a perda de alguém amado. Essa esperada adaptação à perda está relacionada com a história pessoal, familiar, com a capacidade de suportar frustrações, com o vínculo com a pessoa que morreu e com a condição da morte. Seu curso não é linear e nem apresenta rigidez quanto aos padrões sintomáticos. Embora apresente características comuns e universais, cada caso é singular e único, por isso deve ser cuidadosamente compreendido e avaliado (Bowlby, 1985, 1990; Bromberg, 1996, 2000; Cassorla, 1991; Kovács, 1992; Parkes, 1998).

Em alguns casos, pode haver um desvio do processo normal do luto, no qual é possível a pessoa experienciar a perda de forma intensa e limitante, de maneira a interferir em vários aspectos de sua vida, tais como a habilidade individual e os aspectos cognitivos, afetivos e sociais, com eventuais complicações físicas e psicológicas (Casellato, 2002; Cataldo Neto & Majola, 1997; Mazorra, Franco, & Tinoco, 2002; Parkes, 1998).

Bromberg (2000) considera a experiência do luto um momento potencializador de crise, em face das possíveis alterações no bemestar de saúde das pessoas que vivenciam a perda, entre as quais as expressões correlatas de sentimentos de tristeza, isolamento e presença de humor depressivo, articulados a um desinteresse, afastamento e desânimo pelas atividades relacionadas ao trabalho, ao lazer e às atividades da vida diária. Há também pessoas que, ao contrário, apresentam uma hiperatividade na execução de suas ocupações e se envolvem ainda mais em suas atividades, em um movimento de fuga, de não-contato com o sentimento de dor.

Freitas (2000) ressalta que a ocorrência do luto complicado envolve fatores sociais, entre esses, as situações nas quais o pesar é socialmente “inexprimível”, como, por exemplo, quando da morte resultante do ato suicida, em que geralmente é mantida oculta a causa da morte pelos membros da família, quando ele é socialmente negado, quando o grupo age como se a morte não houvesse ocorrido, assim como quando da ausência de rede de apoio social, que resulta em isolamento e favorece as reações complicadas do luto.

Cabe destacar a existência de uma multiplicidade de eventos pessoais, sociais e culturais que podem contribuir com o modo como o luto será vivenciado. Na sociedade ocidental atual, em que é comum observar um movimento de negação dos sentimentos relacionados ao luto por morte, o homem apresenta dificuldade em lidar com as questões relativas à morte, especificamente, com as situações de perda e com os sentimentos mobilizados. Tal entrave repousa na representação da morte como atestado de finitude humana, de modo que experienciá-la implicaria um possível fracasso perante a vida, o que conduz a um necessário distanciamento e até a uma recusa em admiti-la; de um evento natural e esperado, é reduzida a um drama que a qualquer custo deve ser evitado, se não, ao menos postergado (Ariès, 1989; Franco, 2002).

Compreende-se que o tema da morte, do morrer e do luto se vinculam ao viver, não sendo restrito aos profissionais da área de saúde ou à pessoa acometida por uma enfermidade crônica, tratável ou incurável que ocasiona a morte, e que perdas são eventos significativos que necessitam de problematização cuidadosa e contextualizada na sua abordagem.

Tada e Kovács (2007) destacam a relevância de fomentar reflexões sobre a morte e de aproximar as pessoas desse debate, considerando que essa tarefa é ainda mais significativa para os trabalhadores de saúde, de educação e de outros segmentos que vivem em seu labor as perdas, a morte e o luto.

A importância dessa proposta encontra ressonância em vários relatos compartilhados em um serviço de atendimento psicológico voltado para as pessoas que vivenciam perdas significativas, em especial na experiência de profissionais no lidar com a morte e o luto.

A diretora de uma escola pediu ajuda aos plantonistas do serviço ao afirmar que estava muito estressada. Relatou que não sabia o que fazer, visto que dois de seus alunos haviam sido brutalmente assassinados. Na ocasião, sentiu-se confusa e angustiada, não sabia como proceder e nem o que dizer à família e aos alunos. Queria saber quem poderia ir à escola conversar com os colegas de classe e com os professores, pois isso nunca havia acontecido com ela, nenhum familiar ou amigo próximo havia falecido, e muito menos, alguém da escola.

Em outro atendimento, um auxiliar administrativo de uma agência funerária declarou à plantonista que costumava envolver-se com as histórias dos clientes, e destacou que estava vivendo sob tensão. Prosseguiu, em tom de desabafo, dizendo que, ao voltar para casa após a jornada de trabalho, costumava pensar naqueles que morreram e em seus familiares. Para ele, era difícil pegar no sono. Freqüentemente, acordava no meio da noite, assustado, em sobressalto. Em casa, ninguém queria conversar sobre pessoas falecidas e nem ouvir as histórias referentes ao seu cotidiano de trabalho. Questionava-se nesse caso se seria indicado ir ao psicólogo. Logo depois, após uma pausa prolongada, informou que nunca havia conversado com esse profissional e que não saberia o que dizer, e finalizou com questionamento e preocupações: “Será que ele vai dizer que sou louco?”

Em outro momento, chegou a informação aos plantonistas de que, em um bairro próximo ao hospital, várias famílias estavam desabrigadas, pois haviam perdido suas casas e todos os seus bens em um incêndio. Embora as moradias fossem simples e com instalações precárias, cada casa era significativa para os seus moradores. Em outro recanto, as chuvas, com o aumento das águas dos rios, inundaram casas, e seus moradores, aflitos, buscaram ajuda e lamentavam inúmeras perdas. Nesses mesmos rios, um número expressivo de crianças e adultos havia perdido seus cabelos e grande parte do couro cabeludo em acidentes, em escalpelamentos ocasionados pelo eixo exposto do motor da embarcação. Todas essas demandas são recortes de situações vividas e atendidas no cotidiano do serviço de pronto-atendimento.

Nas palestras apresentadas e nos cursos ministrados pela equipe, é recorrente o destaque dado à temática da morte e do luto; quando considerado o sofrimento do profissional de saúde em seu cotidiano de trabalho diante da morte de seus pacientes, é freqüente a confirmação, por eles, de que experienciam desconforto. Também é observado o alívio quando das percepções de que trabalhar a favor da qualidade de vida ou da morte, o fato de ser psicólogo, não é antídoto para a mobilização em relação ao tema. Ao término dos encontros, muitos afirmam que lidar com a morte do paciente é extremamente doloroso. Comumente, isso é vivenciado de modo solitário, sendo raros os momentos para conversar ou expressar os sentimentos com os colegas de trabalho.

Em um mundo globalizado, de muitos e rápidos contatos e poucos encontros, de excesso de trabalho e escassas ou reduzidas horas para o lazer ou o descanso, no qual as crianças são estimuladas a reagir como superheróis, em uma sociedade competitiva, fica a pergunta: haverá espaços (internos e externos) para enlutar? Por que e como emerge um pronto atendimento psicológico para os que vivenciam perdas e luto?

 

A emergência de um serviço de pronto atendimento ao enlutado

O serviço de pronto atendimento ao enlutado não surge exclusivamente do interesse pessoal para com o tema e nem somente pela indicação de sua pertinência explicitada através da literatura específica, mas configurase e emerge em um campo de trabalho caracterizado pelas práticas comprometidas com a promoção de saúde das pessoas, grupos e instituições, atreladas às atividades de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas em dois hospitais universitários, em Belém do Pará. Nesse sentido, deve-se retornar a uma época anterior a sua implantação e compreender as demandas do campo de trabalho.

Entre os anos 1999 a 2002, era consolidado um grupo de estudo constituído por profissionais que desenvolviam atividades no Ambulatório de Ansiedade e Depressão de um hospital universitário, incluindo docentes (um médico psiquiatra e um psicólogo), um assistente social, bolsistas de iniciação científica e demais alunos do Curso de Graduação em Psicologia.

Em resposta às inquietações profissionais surgidas quanto à ampliação das ações preventivas e terapêuticas destinadas a essa clientela, no ano 2001, foi desenvolvido o projeto de Grupo Psico-Educativo a Indivíduos com Transtornos Ansiosos ou Depressivos. O planejamento para a atividade durou em média quatro meses, sendo o primeiro grupo realizado em abril de 2002. Esses encontros ocorriam uma vez por semana, e, para cada grupo, deveria participar um coordenador e um relator.

Em cada grupo, era realizada a avaliação das atividades, seguida da discussão dos resultados. Entre os objetivos, destacavamse a reflexão acerca da condição comum entre seus membros, a realização de um tratamento médico-psiquiátrico e a expressão de sentimentos, incluindo a identificação e a avaliação de dúvidas, temores e dificuldades relacionados ao uso dos psicofármacos, entre outros. A proposta consistia em compreender as abordagens terapêuticas para essas condições, em contribuir para a minimização de estigmas relacionados à submissão ao tratamento psiquiátrico e em estimular adesão e participação ativa ao tratamento.

Para cada encontro, eram avaliadas as seguintes categorias: número de participantes, técnicas utilizadas, relações interpessoais (comunicação, liderança, sentimento de pertença, conflitos, relação de poder), universalização de sentimentos e alcance dos objetivos. Através dos relatos dos participantes, era confirmado o alcance dos objetivos, com ênfase na rede social de apoio, estabelecida entre os próprios participantes.

O trabalho com grupos em hospitais públicos revelava-se bastante promissor no sentido de atender a elevada demanda por atendimento psicológico, ao mesmo tempo em que possibilitava a esses usuários do serviço não só a terapêutica médica psiquiátrica mas também um espaço para a expressão de sentimentos, para a troca de informações acerca da problemática vivenciada, concomitantemente em que era construído e desenvolvido um campo fértil para as atividades de pesquisa e ensino.

A proposta de trabalho com os grupos seguia em nível de prevenção secundária e terciária, visto que participavam apenas os que já estavam recebendo assistência psiquiátrica. Mesmo assim, havia a compreensão de que se deveria intervir antes que possíveis manifestações psiquiátricas ocorressem, como uma tentativa de reduzir danos e assim reformular os questionamentos inevitáveis sobre onde e como estariam essas pessoas antes da eclosão dos ataques de pânico recorrentes, das tentativas de suicídio ou do intenso desejo de morrer.

Por outro lado, também começaram a buscar atendimento nesses grupos outras pessoas que realizavam ou não tratamento médico na instituição, como, por exemplo, pais de crianças com dificuldades escolares que não recebem atendimento médico no hospital, pacientes adultos em tratamento de saúde, vítimas de assalto ocorrido nas proximidades do campus universitário ou vítimas de desastres naturais, cônjuges após ou em fase de separação e pessoas que buscavam psicoterapia de longa duração visando a mudanças da personalidade, sendo que alguns desses já apresentavam níveis de ansiedade ou depressão que exigiam avaliação médica psiquiátrica.

Outra questão referente aos usuários e suas demandas foi o número significativo de perdas envolvendo uma pessoa de vinculação importante ou outros eventos vitais específicos, identificados enquanto estressores potenciais, tais como perda do emprego, aposentadoria, separação conjugal ou doença na família, que antecediam a ocorrência do transtorno mental e outras vezes ocorriam concomitantemente ou posteriormente ao início das manifestações ansiosas ou depressivas.

Nos casos de evidências de transtornos mentais, foi também possível acompanhar as expressões de intensa ansiedade, o medo dos ataques de pânico recorrentes, a submissão ao tratamento como perda da condição de “normalidade”, o uso da medicação experenciado como uma possível perda da “liberdade”, além de outras dificuldades que envolviam a perda de status no grupo familiar ou de prestígio e respeito com colegas de trabalho, a limitação ou mesmo a impossibilidade de sair sozinho ou de trabalhar e a intensa tristeza ou desejo de morrer como perda da capacidade de viver.

As situações de perdas e luto figuravam ainda nas enfermarias onde era comum acompanhar o paciente terminal, o cirúrgico e o luto vivenciado pelo aluno quando da morte do paciente a quem prestava cuidados, ou mesmo de um familiar ou de um amigo significativo, a angústia e a dor dos familiares frente ao agravo do estado de saúde e o luto da equipe de saúde quando todos os cuidados dispensados não haviam sido suficientes para manter a vida.

As mortes, dores, angústias, o adoecer e a alta hospitalar faziam parte do cotidiano, exigindo compreensão e manejo. A reflexão se desdobra sobre aqueles que, vivenciando perdas, negavam sua dor, pois socialmente exigia-se deles que fossem fortes ou que não chorassem, e desconheciam onde e como buscar ajuda. Assim, era necessário também saber sobre a família do paciente que foi a óbito. Como estaria agora? Que fase do luto experienciavam?

Em resposta a essas questões, em junho de 2004, era inaugurado o Serviço de Pronto Atendimento Psicológico para as pessoas que experienciavam situações de perda e luto, que passou a funcionar enquanto Projeto de Extensão e Pesquisa, com a participação de discentes do Curso de Graduação e Pós- Graduação em Psicologia, envolvidos com a iniciação científica e com a produção de trabalhos de conclusão de curso.

 

Pronto atendimento psicológico nas condições de perda e luto: um espaço de acolhimento e expressão

O pronto atendimento psicológico disponibilizou assistência imediata às pessoas que sofreram perdas ou vivenciaram uma situação de crise em decorrência da morte de um ente querido. Pode ser compreendido como um espaço de acolhimento e de expressão para aqueles que o buscam espontaneamente ou que são encaminhados ao serviço.

Entre os anos 2006 a 2008, obteve-se um total de 738 atendimentos, sendo que 355 atendimentos foram na modalidade de pronto-atendimento psicológico, 247 no formato de grupo ao enlutado e 136 compreenderam a educação em saúde; essa atividade consistiu no acolhimento inicial e orientação à pessoa encaminhada ao serviço. Também através dessa etapa foi prestada assistência imediata àqueles que chegavam ao serviço, reduzindo, desse modo, o tempo de espera.

Uma questão significativa refere-se ao perfil e à natureza das demandas das pessoas que buscaram o serviço, dos quais 95% corresponderam ao sexo feminino, com predomínio de perdas relacionadas à morte de um ente querido (filho, cônjuge ou pais), separações de pessoas significativas (filho ou cônjuge), tratamento de saúde de um familiar com enfermidade crônica, grave ou em estágio terminal. Em sua maioria, essas pessoas apresentavam dificuldades em aceitar tais eventos, intensa ansiedade associada ao desconhecimento com relação aos sinais e sintomas do luto e suas fases, com a ocorrência, já em alguns casos, de um transtorno mental ansioso ou depressivo, que, na ocasião, deveria também ser foco de atenção e tratamento.

Sobre a dinâmica de funcionamento Sobre a dinâmica de funcionamento do serviço, os atendimentos compreendiam atendimento individual e em grupo, e eram realizados por uma equipe de psicólogas e estagiárias de Psicologia. Entre os objetivos, destacava-se o de acolher e apoiar a pessoa que vivia uma situação de crise de perda por morte, estimulando a expressão dos sentimentos, a aceitação da perda e a elaboração do luto.

O pronto-atendimento era realizado em até três sessões, com duração que variava de minutos a uma hora. Durante esse processo, era realizada a avaliação do plano terapêutico, que incluía o encaminhamento a: (1) psicoterapia individual breve ou de longa duração para os casos que transcendiam a problemática do luto por morte ou quando o foco de atenção era o luto, mas havia a contra-indicação para o trabalho em grupo, a exemplo de excessiva ansiedade social e transtorno de personalidade, entre outros; (2) encaminhamento para avaliação psiquiátrica, quando observados sinais e sintomas intensos, incapacitantes, com significativos prejuízos para o desempenho das relações interpessoais e das atividades do cotidiano, situações como tentativa de suicídio, ataques de pânico recorrentes e dependência química, entre outras; (3) alta espontânea ou sugerida, como, por exemplo, quando da vivência natural do luto sem complicações significativas; 4) psicoterapia de grupo, que funcionava paralelamente ao serviço de pronto-atendimento.

O grupo de apoio ao enlutado acontecia uma vez por semana, tendo em geral de quatro a doze participantes de ambos os sexos, que haviam sofrido perda por morte e vivenciavam uma situação de crise associada à perda. O grupo era aberto a quem o buscasse, não era preciso agendar consultas, esperar em longas filas e nem estar em tratamento médico, psiquiátrico; bastava, para tanto, que a pessoa se identificasse com a proposta do serviço. Foram realizados 51 encontros, com um total de 247 atendimentos, utilizando a modalidade de psicoterapia de suporte, indicada para intervenções em crise. As intervenções visavam a favorecer a elaboração do luto por meio do incentivo à expressão de afetos relacionados à perda do ente querido, à universalização de sentimentos e à troca de experiências, à promoção de uma rede social de apoio, ao estímulo ao enfrentamento de possíveis crises e à prevenção ao luto complicado, entre outros enfoques.

No decorrer dessas atividades, foi possível confirmar a hipótese acerca da necessidade de espaços favorecedores da expressão e da elaboração do luto, assim como da existência de uma demanda socialmente reprimida. Entre os resultados revelados nos atendimentos, também está a suposição de que o processo de elaboração de uma perda significativa ou de situação de crise tem desdobramentos nas condições de saúde da pessoa e de seu grupo.

A demanda pelo serviço de prontoatendimento psicológico confirma a hipótese que há um pedido de ajuda para expressão do medo da morte, para chorar sem culpa a saudade, confortar-se ao ser acolhido, avaliar relações no aqui e agora, como, por exemplo, com aqueles que ficaram, compreender que o luto é um processo natural, mas que pode se complicar.

É relevante ressaltar ainda uma contínua demanda ao serviço compos to por profissionais da Psicologia e de áreas afins e discentes de graduação e pós-graduação de Psicologia e terapia ocupacional que se interessam pelo tema para pesquisa e/ou para atuarem na assistência em campo de estágio supervisionado, e ainda aqueles que se identificavam como vivenciando perdas e lutos, ou não.

Uma questão significativa refere-se ao perfil e à natureza das demandas das pessoas que buscaram o serviço. Entre os anos 2006 a 2008, foram atendidas 311 pessoas, dos quais 95% corresponderam ao sexo feminino, com predomínio de perdas relacionadas à morte de um ente querido (filho, cônjuge ou pais), separações de pessoas significativas (filho ou cônjuge), tratamento de saúde de um familiar com enfermidade crônica, grave ou em estágio terminal. Em sua maioria, essas pessoas apresentavam dificuldades em aceitar tais eventos, intensa ansiedade associada ao desconhecimento dos sinais e dos sintomas do luto e de suas fases, a ocorrência, já em alguns casos, de um transtorno mental ansioso ou depressivo, que, na ocasião, deveria também ser foco de atenção e tratamento.

Os resultados obtidos indicaram a importância do serviço enquanto espaço de expressão do luto, no qual é possível falar da morte e do viver sem inibições ou restrições. O medo e o desconforto mobilizados pelo tema são aceitos em uma compreensão de que esse possível estranhamento diz respeito à própria finitude do ser.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Airle Miranda de Souza
Passagem Severa Romana, nº. 14 Bairro: Sacramenta
66120-370 – Belém – PA – Brasil
E-mail: ams@amazon.com.br

Recebido 27/08/2008
Reformulado 09/02/2009
Aprovado 26/02/2009

 

 

* Professora adjunta IV da Universidade Federal do Pará (UFPA), docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia /UFPA, Doutora em Ciências Médicas/Saúde Mental (UNICAMP)
** Psicóloga, mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Pará, docente da Universidade do Estado do Pará. E-mail: danismoura@yahoo.com.br
*** Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Pará, Terapeuta Ocupacional, docente da Universidade do Estado do Pará. E-mail: vcavaleiro@hotmail.com